segunda-feira, maio 09, 2016

Cenas de uma separação - EDSON ARAN

REVISTA ÉPOCA


Michel esconde os sentimentos e pede prudência, ponderação e parcimônia. Mas Dilminha, no que se refere a traição, não aguenta mais


Tarde da noite. Em Brasília, todos os políticos dormem o sono dos inocentes. Digo, o sono dos que ainda não foram pegos pela Lava Jato. Mas isso é outra história. Retomemos. Em Brasília, todos os políticos dormem. Menos no Palácio do Planalto, onde uma luz ainda arde. Cabisbaixo, as mãos cruzadas, Michel Temer está sentado numa ampla cama de casal. Ele usa um terno azul que combina perfeitamente com o lençol e a cortina. De pé, Dilma Rousseff acaba de colocar seus últimos pertences numa pequena mala de mão. Ela está abatida, ele também.

Dilma segura a maleta com firmeza e caminha em direção à porta. Então ela para, põe a bolsa no chão e volta com passos decididos até a estante que fica no canto do quarto. Há vários CDs enfileirados. Ela pega um deles.

Dilma encara Michel e fala pausadamente.

Dilma - Michel, meu querido. No que se refere. A este CD, que é do Chico Buarque. Eu vou levar. Comigo.

Michel levanta o rosto, mas evita olhar a mulher nos olhos.

Michel - Dilma, Dilma... com muita modéstia, com muita cautela e muita moderação, eu digo que esse CD do Chico Buarque é meu. Você me deu de presente no nosso primeiro aniversário de coligação...

Dilma - Ô Michel Temer... O CD, que é um utensílio, mas também é uma obra. No sentido de coisa que se obra. O CD... eu realmente te dei. É verdade. Mas agora estou desdando. Você não merece o Chico Buarque porque você é um traidor e conspirador ordinário. Eu estou te despresenteando o Chico, que eu vou levar comigo.

Michel - Quit dedid, data est. É latim. Significa "deu, tá dado". Dilma, nossa história não precisa terminar assim. Nós necessitamos de diálogo. É com muita parcimônia, com muita tolerância, que eu afirmo que nós temos de lembrar apenas dos momentos felizes que passamos... 


Dilma - Felizes? Felizes, nós? Nós, felizes? Veja bem, no que se refere à felicidade. No sentido de ser feliz. A felicidade é uma coisa que eu... que nós... que a gente... veja bem, eu faço uma comparação. Que é com o Lula e o José de Alencar. Eles foram felizes. Porque no que se refere a traição, eles não tiveram isso! Eles foram fiéis. Um ao outro.

Michel - Isso é injusto! Isso é injusto, Dilma! É com o coração leve e com muita prudência que eu digo que sempre fui fiel a você, O problema foram as fofocas dos invejosos, como aquele seu amigo bigodudo que vivia falando mal de mim... aquele que parece o Freddie Mercury... como é mesmo o nome?

Dilma - Kátia Abreu.

Michel - Não, o outro.

Dilma - Erenice Guerra.

Michel - Não! Lembrei! O Aloízio Mercadante. É com muita precaução, com muita sobriedade, que eu digo que o Aloízio envenenou nossa relação, Dilma. Multim est enirn. É latim. Significa: "Ele mente muito"!

Dilma - No que se refere ao Aloízio. Ele é meu amigo, Michel Temer. O Aloízio.... ele se preocupa comigo. Nunca houve nada entre nós. Você pode dizer o mesmo sobre você e o traste do Eduardo Cunha? Pode?

Michel - Isso é intriga! Eu e o Eduardo temos uma relação perfeitamente institucional. Eu nunca fiz com ele qualquer coisa que não fosse republicana, Dilminha...

Dilma - Não me chama assim! No que se refere a "Dilminha". Você não tem permissão. No sentido de permitir. De me chamar de "Dilminha", traidor! Eu me sinto vítima de um golpe. Um golpe!

Michel - Golpe não! Golpe nâo! É com muita tranqüilidade e com o coração cheio de amor que eu digo que não admito esse tipo de ilação. Não é golpe! Isto aqui é uma separação legal e consensual: você leva as crianças e eu fico com a casa.

Dilma - No que se refere à casa, você pode ficar com ela, golpista. Mas eu não vou dizer nem onde estão suas cuecas, ordinário. Você vai pagar muito caro, no sentido de não ser barato, por isso tudo. Vou pedir uma pensão tão alta que vai falir a nação. Você vai ter de começar tudo do zero, no sentido do que é nulo e que vem antes do um. Entendeu, golpista?

Michel - Olha, Dilma, é com muita tranqüilidade, com muita ponderação, que eu digo que este casamento não deu certo por culpa sua. Eu fiz tudo por você. Tudo! E você sempre me tratou como se eu fosse uma peça de decoração...

Dilma - No que se refere à decoração. No sentido de manter as coisas decoradas. A única coisa que eu pedi, Michel, foi pra você usar um terno que combinasse com a cortina. Não dava para trocar as minhas cortinas toda vez que você mudava o terno. Nosso casamento era de coalizão. De coalizão, conspirador!

Michel - Coalizão? E com muita simplicidade, com muita reflexão, que eu digo que você nunca me convidou para discutir a cor da cortina ou as formulações econômicas. Olha a minha roupa: eu tenho de combinar até com o lençol! Isso é ridículo! E com muita ponderação que eu digo: mütrimonium non est oboedientiam. É latim. Significa: "Casamento não é submissão". Você estava me sufocando, criatura petista! Você nunca me valorizou! Nunca!

Dilma - No que se refere à valorização, isso não é verdade, Michel. Eu te fiz vice-presidente. A eleição, no sentido de se candidatar e receber voto, fui eu quem venceu.

Michel - Non admittere! É latim para... ok, você entendeu. Mas eu também digo, na maior tranqüilidade, que por trás de toda grande mulher tem sempre um grande homem, Dilma. E você me desprezou. Tirou partido de mim, abusou. 

Dilma - Nós somos homens e mulheres sapiens. Nós todos temos sapiência para saber que eu sempre te tratei como a pessoa mais importante do Universo e também da galáxia, Michel. Porque a Via Láctea é fichinha perto da galáxia, é muito maior. Mas você pagou com traição a quem sempre te deu mão.

Michel - Com a maior sinceridade, a maior engambelação, eu digo que eu te amei, Dilma. Amei muito.

Dilma - No que se refere a essa declaração, agora é tarde, Michel Temer. No sentido de não haver mais tempo para nós dois. No que se refere a ir embora, eu estou indo. E vou levar o CD do Chico Buarque comigo...

Dilma vira as costas e abre a bolsa para guardar o CD na mala, quando escuta a voz chorosa de Michel Temer. 

Michel - Dilma... com muita modéstia, eu queria te pedir uma coisa... uma última coisa, pode ser?

Dilma - No que se refere a último pedido, no sentido de ser o último, pode sim. O que é, traste?

Michel - Antes de sair, dá pra dar uma última pedaladinha pra eu pagar o funcionalismo?

O CD do Chico Buarque atinge Michel bem no meio da testa.

Vem aí o Mandela do ABC - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA

Atenção para a nova narrativa da elite vermelha (são os maiores narradores do mundo), de saída do palácio: estão sem grana. Começaram a espalhar que estão pagando seus advogados milionários do próprio bolso, a duras penas. É de cortar o coração. A razão, todos sabem: o produto do roubo de uma década, na corrente solidária do mensalão e do petrolão, foi integralmente doado a instituições de caridade. Os guerreiros do povo brasileiro não querem nada para eles. Só a glória de terem colocado um país na lona na base da conversa fiada.

A saudosa Dilma Rousseff avisou que vai resistir no Palácio da Alvorada. "É só o começo, a luta vai ser longa, avisou a patroa do Bessias. E milagrosamente a gangue dos movimentos sociais S.A, saiu incendiando o Brasil, bloqueando ruas e estradas, difundindo os altos ideais do parasitismo profissional.

Não pensem que sai barato uma mobilização cívica dessas. A mortadela é só o símbolo. É preciso um caixa poderoso para manter tantos vagabundos em estado de prontidão. Devem ser as famosas vaquinhas do Vaccari.

Pode-se dizer que o PT chegou, assim, ao nirvana. Passou um agradável verão de 13 anos e meio à sombra do contribuinte, fez o seu pé-de-meia muito bem feito e voltou para o seu lugar natural nesta existência: jogar pedra e reger a bagunça - protegido pelos melhores advogados e santificado pela fina flor da desonestidade intelectual.

A cena do escritor Adolfo Pérez Esquivei no Senado defendendo Dilma Rousseff de um golpe de Estado mostrou a importância do Prêmio Nobel da Paz: manter uma opinião pública em perfeita comunhão com suas ilusões pequeno-burguesas de bondade, enxergando no espelho um herói socialista. Enquanto Lula não for preso, continuará regendo esse repertório dos inocentes úteis e ativistas de aluguel, investindo sua gorda poupança no rendimento seguro do coitadismo. Depois que for apanhado por Sergio Moro, virará preso político- um Nelson Mandela do ABC, esperando para retomar o que é dele (o Brasil). Isso não tem fim.

A chance que o país tem de confinar a narrativa coitada no seu nicho folclórico é alguém se dispor a governar isto aqui. O Palácio do Planalto foi transformado num bilhete de Mega Sena, onde o felizardo e seus churrasqueiros vão passar longas férias inventando slogans espertos, botando ministro da Educação para caçar mosquito e outras travessuras do arraial. Se aparecer um governo por ali, a essa altura do campeonato, será uma revolução.

Se houver de fato a investidura de uma política econômica de verdade, com Henrique Meirelles na Fazenda e Ilan Goldfajn no Banco Central (ou qualquer outro que não aceite ser capacho de populista), as férias remuneradas da elite vermelha poderão começar a acabar. Se houver de fato a desinfecção da pantomima terceiro-mundista na política externa, faltará a ressurreição da democracia interna. O Brasil vive hoje uma democracia particular, na qual a gangue companheira que depenou o Estado faz chantagens emocionais ao vivo —constrangendo qualquer possível liderança legítima com seu exército de bolsistas sociais. Estamos na metade do caminho para a Venezuela, na metade do percurso para o chavismo e seu totalitarismo branco.

Um governo de verdade pode dar meia-volta com relativa facilidade, bastando algo que os políticos atuais de todas as correntes rezam para não ter de exercer: autoridade. Bloqueou rua? O Estado vai lá e desbloqueia. Ele serve para isso, seus funcionários e representantes são pagos para isso — zelar pelo interesse da coletividade. Os monopolistas do bem gritarão que estão sendo reprimidos, na sua velha tática de jogar areia nos olhos da platéia. Cabe a um governo de verdade enxotá-los com a lei, esteja a platéia enxergando ou não.

No Plano Real, antes de nascer gloriosa a moeda forte, o governo penou para implantar a responsabilidade fiscal essa que está depondo Dilma Rousseff - contra a gritaria geral. Isso dói. Tem alguém aí disposto a esse sacrifício, prezado Michel Temer? Se não tiver, ouça um bom conselho: melhor ficar em casa.

A lenda petista continuará dizendo que se trata de um golpe para entregar o país ao PMDB de Eduardo Cunha. Só há um antídoto eficaz para essa praga renitente: um governo que governe.

Cinco Graças - LUIZ FELIPE PONDÉ

Folha de São Paulo - 09/05

Você sabe o que é multiculturalismo? Ou relativismo cultural? Não vou fazer diferença entre os dois, apesar que, se fôssemos falar de firulas, poderíamos fazer.

Multiculturalismo é, na fonte, uma derivação do velho relativismo sofista de gente como o grego Protágoras ("O homem é a medida de todas as coisas", como cita Platão em seu diálogo "Teeteto"). Esse relativismo antigo foi banhado no relativismo romântico do século 18 de gente como o filósofo alemão J.G. Herder: cada cultura tem seus valores e suas "verdades".

Relativismo é o seguinte: a verdade depende do ponto de vista, do momento histórico, do contexto geográfico, dos traumas psicológicos de cada um, da vontade do freguês, enfim, da cultura. Daí chegamos à ideia, já prevista no romantismo, que não se pode julgar uma cultura por parâmetros de outra cultura.

Esse credo tem por vantagem evidente não se obrigar a franceses pensarem como russos ou vice-versa. Ou a cristãos pensarem como muçulmanos ou vice-versa. Mas, nem sempre a prática cabe na teoria...

Não há dúvida que os relativistas têm razão em muito do que afirmam desde Protágoras e que, muitas vezes, caímos na metafísica ou na conquista de culturas por outras culturas quando queremos encontrar um parâmetro universal para a "verdade".

Uma outra derivação desse tema do multiculturalismo é quando este cruza com o blá-blá-blá dos "opression studies" e se afirma que não se pode oprimir "outras" culturas submetendo-as à lei do Estado ou do país em que esta cultura "outra" vive.

Mas, como sempre, quando se passa da teoria à prática, grande parte desses arranjos teóricos maravilhosos caem por terra e o que aparece mesmo é a covardia.

Exemplo disso é o famoso caso em que meninas menores foram exploradas sexualmente entre, aproximadamente, 1997 e 2013, numa rede capitaneada em grande parte por paquistaneses muçulmanos na cidade inglesa de Rotherham. O psiquiatra inglês Theodore Dalrymple discute isso largamente em sua obra.

A morosidade do processo legal teve como uma das causas centrais o receio das autoridades de serem acusadas de preconceito pelo fato de grande parte da liderança da rede de abuso ter estado nas mãos de cidadãos britânicos de origem paquistanesa muçulmana.

Muitos grupos de defesa das mulheres viram na "opressão" da minoria muçulmana em questão uma razão para serem "leves" nas acusações. Quem é mais vítima, as meninas ou eles?

Enfim, teorias como a dos "opression studies" e seus cálculos paranoicos de quem é mais ou menos oprimido por quem acabam em papinho furado a favor de quem mete mais medo mesmo na hora do "vamos ver".

A verdade é que esses "movimento sociais" são de butique e temem enfrentar grupos articulados, motivados, ricos e violentos como os grupos islamitas, que não estão nem aí para os tais valores "progressistas" dos ocidentais, então preferem se esconder atrás do papinho multicultural de "respeito a outras culturas".

O argumento para deixar as meninas à própria sorte é facilmente sustentado no tal multiculturalismo e sua ideia de que "a cultura é autônoma em seus costumes".

Pois bem, o resultado prático disso é que para muitos grupos de defesa da mulher é mais fácil xingar professores universitários amedrontados "do lado de cá da cultura" ou políticos idiotas "do lado de cá da cultura", ou seja, bater em bêbado na ladeira.

Na hora de enfrentar dilemas duros como a violência contra a mulher entre grupos religiosos fundamentalistas muçulmanos ou governos islamitas, a coisa fica difícil. É mais fácil atacar os suspeitos de sempre.

O recente filme turco "Cinco Graças", de Deniz Gamze Ergüven, premiado em vários países, é um exemplo de como meninas são presas em suas casas e proibidas de frequentar a escola a fim de mantê-las dentro do universo repressor do governo islamita do presidente turco Recep Tayyip Erdogan.

Diante de fatos assim, é mais fácil discutir a metafísica de gênero dos banheiros nos restaurantes. Esses "movimentos sociais" morrem de medo do islã. Preferem ir a festivais de cinema...

Seiva viva - RUY CASTRO

Folha de São Paulo - 09/05

A moça entrou no avião da ponte aérea carregando um belo esquadro de madeira, de pelo menos dois palmos no lado menor do triângulo - um imponente símbolo da sua profissão de arquiteta. Poucos dias antes, por coincidência, eu vira no aeroporto outra arquiteta carregando orgulhosamente sua régua-T. Imagino que sejam instrumentos caros, difíceis de acomodar na mala e de que os arquitetos não gostem de se separar.

No mesmo aeroporto, um grupo de rapazes atléticos, de boné ao contrário, cabelo moicano, fones de ouvido, sobrancelhas tatuadas e brilhantes brincos nas orelhas - sim, você adivinhou. Eram jogadores de futebol, e nem precisariam estar usando o uniforme de viagem do clube para serem identificados.

Conheci uma médica que saía de casa, tomava o carro e dirigia pelo trânsito de São Paulo até seu emprego no hospital, já de jaleco e com o estetoscópio ao pescoço. É verdade que o jaleco lhe caía bem. E já vi mais de um chef de cozinha, de dólmã e chapéu, fazendo hora na calçada de seu restaurante. Quero crer que a rua não seja o lugar para se usar certas roupas de trabalho cuja função é garantir a assepsia.

No passado, algumas categorias se vestiam segundo o clichê: os pintores, com suas boinas, batas e gravatas plastron; as normalistas, com suas saías curtas e plissadas e meias soquete; os jornalistas, com seus ternos da Ducal. E qualquer homem de faces rosadas, Kodak, camisa havaiana, bermuda cáqui e meias e sapatos pretos só podia ser, pelo ridículo, um agente da CIA fantasiado de turista.

Com a padronização, ficou difícil saber quem faz o quê pelo que usa fora do ambiente de trabalho. A única categoria cujos membros, em sua maioria e não importa o partido, podem ser identificados pelo tom de seiva viva de seus rostos impecavelmente envernizados é a dos políticos.


Novo ou velho? - PAULO GUEDES

O GLOBO - 09/05

Não há entusiasmo pelo novo governo, e sim enorme alívio pelo fim do antigo. Há também o risco de envelhecimento precoce



A cada semana avança a percepção de que o Brasil não quer mais ser uma república das bananas. Prossegue em passos virtuosos a marcha institucional de uma sociedade aberta em formação. Para Montesquieu, o fundamento da república é a virtude. Pois bem, antes a Câmara dos Deputados e nesta semana provavelmente o Senado terão considerado pouco virtuosa a presidente Dilma Rousseff, pelo desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal. Como pouco virtuoso foi também considerado o deputado Eduardo Cunha, afastado da presidência da Câmara pelo Supremo Tribunal Federal.

Com o afastamento de Cunha e, como tudo indica, também o de Dilma, entramos constitucionalmente, e com os devidos processos, no governo Temer. Não há entusiasmo pelo novo governo, e sim enorme alívio pelo fim do antigo. Sem uma reforma política e a mudança do regime fiscal, o novo governo pode envelhecer muito rapidamente. Corre o risco de se afogar em meio a uma formidável pororoca. De um lado, as águas do turbulento fisiologismo de correntes políticas e, de outro, as ondas do desemprego oceânico da economia submersa pela crise.

O falecido candidato presidencial Eduardo Campos, perguntado sobre sua decisão de concorrer contra os antigos aliados Lula e Dilma, explicava a inevitabilidade da ruptura com a Velha Política. A concentração de recursos no Executivo federal, o fisiologismo mercenário dos parlamentares e a cumplicidade do antigo Judiciário, ingredientes da Velha Política, tornaram-se apostas anacrônicas contra o inevitável aperfeiçoamento de nossas instituições republicanas.

O primeiro pronunciamento de um presidente comprometido com as mudanças é tão simples quanto revolucionário: “Houve acusações de práticas não republicanas na aprovação da emenda constitucional que permitiu a reeleição presidencial, como há também, desde a redemocratização, acusações e agora condenações de práticas políticas degeneradas sob pretexto da governabilidade. O povo brasileiro espera da classe política uma forma decente de conduzir a coisa pública. Temos da mesma forma insistido equivocadamente há décadas em combater a inflação sem mudar o regime fiscal, o que nos tornou prisioneiros da armadilha do baixo crescimento. A reforma política e a mudança do regime fiscal são inadiáveis.”

O Brasil melhora - VINÍCIUS MOTA

Folha de São Paulo - 09/05

A solução para o afastamento de Eduardo Cunha não foi a indicada. Teria mais aderência à Constituição a cassação do mandato pelos pares do presidente da Câmara, em vez da via judicial.

O que fazer, entretanto, nesse caso extremo e ostensivo de abuso de prerrogativas funcionais em causa própria? O óbice interposto era tamanho que inviabilizava a solução parlamentar do processo.

Desafiava-se o enunciado basilar das sociedades democráticas: todos são iguais diante da lei. Projetava-se sobre o conjunto dos servidores públicos o antiexemplo do tiranete de repartição, disposto a fazer o diabo para livrar-se de punições.

Tem limites, concluiu o Supremo, até a ampla esfera de proteção concebida para salvaguardar do arbítrio os representantes da população eleitos. Deputados, senadores e seus presidentes detêm prerrogativas específicas, mas não deixam de ser funcionários do Estado para a aplicação da lei.

A crise deflagrada por dez anos de descomedimento do poder político e econômico vai produzindo corretivos importantes e duradouros nas regras de jogo da jovem democracia de massas brasileira.

A decisão de Teori Zavascki, com endosso unânime da corte, é uma de pelo menos quatro peças cruciais nessa correção de rota. As outras são o pedido de impeachment da presidente Dilma, a decretação da prisão do senador Delcídio e a anulação da posse de Lula no ministério.

Todas decorrem de o tecido constitucional ter sido esticado pelos autores dos abusos até fronteiras inexploradas. Todas traduzem respostas restauradoras e revigorantes de um pacto civil inclusivo.

Deveriam ser lidas, compreendidas e criticadas por quem pretende participar do debate enriquecido sobre os rumos do país. Se os americanos produziram seus antológicos textos federalistas no fim do século 18, os brasileiros vamos, com mais vagar e tropeços, compondo os nossos.


Sem tempo a perder - AÉCIO NEVES

Folha de São Paulo - 09/05

A semana se apresenta decisiva para a vida de todos os brasileiros com o início da votação, na quarta-feira (11), no plenário do Senado, do processo de impeachment da presidente da República.

Na eventualidade cada vez mais próxima do afastamento da presidente, a nova equipe a assumir o governo terá a missão de iniciar a reconstrução do país -uma tarefa complexa, mas inadiável.

Não há tempo a perder. A situação que enfrentamos é conhecida por todos. Vivemos uma das piores crises da nossa história, a se considerar a conjugação de fatores como a degradação econômica, a ausência efetiva de governo, a gravidade da corrupção institucionalizada como suporte a um projeto de poder e o desprezo permanente à verdade.

Diante desse quadro desolador, só mesmo um choque de expectativas positivas pode restaurar a confiança tão necessária para que o país se reencontre com seu destino.

O Brasil precisa sair do quadro de desesperança em que se encontra. O novo governo que se configura terá muito a fazer e nenhum tempo a perder. E a largada deve ser precisa, sem erro. A única alternativa é acertar desde o primeiro minuto.

Não deve haver ilusões, uma vez que o tamanho do desastre é colossal. A recessão já nos fez retroceder em uma década de crescimento. Empresas estão fechando por toda parte, trabalhadores perdem seus empregos, conquistas sociais se esvaem. Não se muda essa realidade com ações paliativas.

A legitimidade do novo governo virá da coragem de apresentar uma ousada agenda para o país -nos campos político e das reformas estruturais, no enxugamento da máquina estatal, na adoção da meritocracia em substituição ao aparelhamento criminoso do Estado, na capacidade de restaurar a governabilidade e a estabilidade econômica.

Ao agir com rapidez para deter a sangria do país e instaurar uma governança sob o primado da responsabilidade fiscal, cria-se um ambiente de incentivo às reações dos agentes econômicos. A roda volta a girar.

Nada disso será possível sem o apoio da sociedade. Para ter êxito, o novo governo deve se apresentar com um conjunto de propostas que atenda às necessidades do país -e não ceder às tentativas de loteamento da administração pública, empregadas até aqui.

Lembro o ex-presidente Itamar Franco, referência inconteste de um governo de transição bem-sucedido. Com sua liderança fundada no diálogo, na integridade pessoal e no respeito aos seus comandados, Itamar ocupou de forma exemplar o lugar que a história lhe reservou.

O momento que vivemos exige grandeza, coragem e a consciência de que os erros cometidos não podem ser repetidos.

O novo governo terá uma chance. Pelo bem do Brasil, não pode perdê-la.

Esperanças e inquietações - JORGE J. OKUBARO

O Estado de São Paulo - 09/05

A poucos dias da muito provável mudança de governo, brasileiros que há dois anos sofrem os efeitos de uma profunda crise política, econômica, social e moral continuam em dúvida: ainda pode piorar? Se tomarmos um interessante indicador conhecido como “índice de mal-estar”, construído pela equipe de análise econômica de uma instituição financeira, a resposta é ruim: pode, sim. Resultado da combinação de inflação e desemprego – aferido pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua, de abrangência nacional e divulgada mensalmente pelo IBGE –, esse índice alcançou em março seu ponto mais alto desde que começou a ser calculado pelo Banco Fibra e talvez continue a subir. Embora alguns dados apontem que a inflação está se desacelerando, outros sugerem que o desemprego continua crescendo. As condições de vida estão ruins e tendem a se manter – ou piorar, pelo menos por algum tempo.

Na iminência de os principais cargos do Poder Executivo federal terem novos ocupantes, no entanto, surgem também alguns sinais de que, pelo menos no que se refere à atividade de alguns setores da economia, o fundo do poço parece ter sido atingido. São tênues, ressalve-se, as indicações de recuperação da indústria, mas ainda assim auspiciosas. Este foi o setor mais afetado pela crise e que por mais de uma dezena de meses consecutivos acumulou resultados negativos. Em março, segundo o IBGE, a produção industrial foi 1,4% maior do que a de fevereiro (no primeiro trimestre do ano, porém, houve queda de 11,7% na comparação com igual período de 2015). O crescimento no mês é pequeno e se dá sobre uma base muito baixa. Mas é positiva a evolução do investimento, expressa na produção de bens de capital, cuja expansão tem evitado há meses resultados piores da indústria de transformação.

Há indicações também de que, diante da provável mudança dos rumos na condução da política econômica, começa a melhorar o humor do empresariado, que, como se sabe, influi decisivamente no ritmo dos negócios. O paulatino afastamento das incertezas e dos temores alimentados pelos desastres fiscais, econômicos e sociais acumulados durante o governo Dilma Rousseff abre espaço para a mudança no ambiente empresarial. Na população, a expectativa de superação da crise que paralisou o governo e afetou fortemente a economia tende a criar um novo estado de ânimo.

O anúncio, há alguns meses, do pro- grama de governo do PMDB intitulado Uma ponte para o futuro – previsível e duramente atacado pelo governo Dilma e seus apoiadores, que o consideraram parte do “golpe” que se preparava contra a presidente da República – teve como principal objetivo conquistar o apoio do empresariado para um governo Michel Temer, que já então a cada dia parecia mais provável.

Estão lá, de fato, pontos que há muito parte significativa do setor produtivo considera indispensáveis para recolocar o País nos trilhos da estabilidade e do crescimento econômico. É um programa que, como diz o PMDB, se destina a “preservar a economia brasileira e tornar viável o seu desenvolvimento, devolvendo ao Estado a capacidade de executar políticas sociais que combatam efetivamente a pobreza e criem oportunidades para todos”.

Ali se destaca, entre outros objetivos, a redução rápida do desajuste das contas públicas, que “chegou a um ponto crítico”. Para isso, será preciso “o concurso de muitos atores”, deixando de lado “divergências e interesses próprios”. O ajuste deveria, como princípio, “evitar o aumento de impostos”, diz o documento, com a ressalva de que isso poderia ser feito “em situação de extrema emergência e com amplo consentimento social”. Talvez venha a ser necessário fazê-lo.

O texto refere-se também à necessidade de acabar com todas as vinculações orçamentárias, bem como a de se instituir o orçamento inteiramente impositivo. Acabar com vinculações significa retirar a exigência de aplicações mínimas em determinados setores, como saúde e educação.

A questão da Previdência, cujo déficit cresce a velocidades assustadoras em razão das regras de concessão dos benefícios e da mudança do padrão demográfico – além de ser alimentado, no presente, pela recessão que reduz o emprego e, consequentemente, o número de contribuintes do sistema –, é tratada com prioridade. Prudentemente, o documento do PMDB fala em preservar direitos adquiridos, mas faz propostas que podem afetar a vida dos aposentados e as expectativas dos que hoje ainda contribuem para o sistema de previdência. Defende, por exemplo, o fim da indexação dos benefícios e a instituição de regras mais duras para a concessão de novos benefícios, como a exigência de idade mínima.

São propostas sensatas, mas algumas contrariam interesses de grupos com forte representação política. Mesmo assim, um governo determinado, com um núcleo operacional coeso e competente, poderia fazê-las avançar, pavimentando o caminho do progresso que beneficiaria a todos. O início de um governo, ainda que decorrente de um processo traumático como o do afastamento da presidente Dilma Rousseff, é uma grande oportunidade para iniciar as mudanças necessárias.

O que se tem visto nas conversações para a constituição de um governo Temer, porém, com raras exceções, é a repetição da negociação rasteira por cargos e verbas em troca de apoio parlamentar, como a que fez do agonizante governo Dilma um conjunto disforme e disfuncional. Surgiram também exigências absurdas, entre elas a realização de uma impossível reforma política no prazo que o PSDB impôs como condição para integrar o governo Temer. Supostos apoiadores de primeira hora do impeachment de Dilma e de um novo governo Temer, como sindicalistas controlados pelo deputado Paulinho da Força, afirmaram que não aceitarão “perda de direitos” – ou seja, mudanças na legislação trabalhista e nas regras das aposentadorias.

Não são boas indicações de que as coisas começarão a melhorar logo.


Dilma e Temer, sorte e azar - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 09/05

Na semana derradeira para Dilma Rousseff, palacianos reclamam que o azar bateu na porta da presidente, já a sorte parece sorrir para Michel Temer -apesar de ele correr o risco de brincar com ela.

Explico: a petista terá de sair do governo no momento em que a inflação começa a cair, as contas externas se ajustam, os juros devem ser cortados em breve e o cenário internacional dá sinais de alento.

Ou seja, Dilma consumiu os 16 meses de seu segundo mandato tomando medidas amargas e será apeada quando o vento dá sinais de soprar a favor na economia.

Já Temer vai assumir o lugar da petista, caso se confirme seu afastamento nesta semana, herdando dela um cenário econômico menos horrível e um pouco mais positivo.

Na visão palaciana, é uma injustiça tal azar cair na cabeça de Dilma agora. Azar e sorte, porém, são palavras usadas, muitas vezes, para esconder a inépcia de uns e desmerecer a competência de outros.

Dilma, pelo conjunto da obra, foi quem atraiu esse azar. Apesar de não admitir, a crise econômica tem origem principalmente nos seus equívocos. Lula que o diga.

Enquanto isso, Michel Temer enxergou na fragilidade da presidente campo fértil para comandar a debandada do ninho petista. Não é sorte nem azar, é só uma questão de trabalho e oportunidade.

A vida, contudo, não está fácil para o peemedebista. Ele ainda não começou e já tropeça. O sonhado ministério de notáveis pode dar lugar a uma equipe com cara da velha política e nada ao gosto das ruas.

Até o vice não gostou do que estava criando, decidiu dar uma parada para refletir e repensar sua equipe. Nos próximos dias saberemos por qual caminho optou -ele não tem muito tempo para errar.

Enfim, o risco é o vice dar as costas para sua sorte, conquistada pela sua competência, mas que pode ser desperdiçada por erros de um profissional da política. A conferir.


De pontos e de curvas - MARCOS NOBRE

VALOR ECONÔMICO - 09/05

Na sabatina no Senado a que foi submetido como um dos requisitos para se tornar ministro do STF, em junho de 2013, Luís Roberto Barroso afirmou que o mensalão representou "um ponto fora da curva". No raciocínio de Barroso, a curva representa o funcionamento do direito em condições normais. Cada sentença judicial - cada "ponto" - encontra o seu lugar perto de certo acordo de base - a "curva" -, que representa uma espécie de "sentença ideal" a reunir casos semelhantes.

Um ponto fora da curva não faz verão jurídico. Não incomoda enquanto não tiver companhia. Ou enquanto ninguém se importar com seu acúmulo, por expressivo que seja. Para o direito, tempos anormais são aqueles em que as curvas parecem desaparecer, em que os pontos parecem se espalhar todos de maneira aberrante. O passado deixa de servir de parâmetro para o presente e não se vê com clareza qual nova interpretação do dispositivo legal pode fazer com que os pontos todos voltem a se distribuir de maneira normal, voltem a compor a curva suave com que sonha o direito.

Não foram poucos os pontos fora da curva nesses últimos três anos. Mas o ponto mais afastado da série até o momento foi mesmo a decisão de suspender o mandato do deputado Eduardo Cunha, voto do ministro Teori Zavascki acompanhado pelo conjunto dos ministros do STF. A anormalidade dos tempos não se limita a pedir que o direito tome decisões invariavelmente fora da curva para dar conta de mudanças rápidas e profundas na sociedade, na política e na economia. Exige também que o Judiciário, o STF em especial, faça nada menos do que criar o quadro de estabilidade em que o jogo político pode se dar.

Não faz sentido dizer que apenas o Legislativo pode legislar. O Executivo também legisla. E qualquer sentença judicial é legisladora, representa criação de norma. Mas o que está em causa no momento vai além disso. A anormalidade dos tempos está pressionando o STF a exercer um papel semelhante ao de um poder constituinte.

Até a decisão de suspender o mandato de Cunha, o STF tinha optado pelo máximo de autocontenção possível. Não faltam indícios de que houve uma concertação entre os ministros para influir o menos possível no desenrolar da crise política, apesar da gritaria geral por soluções definitivas. A partir de agora, o STF terá de resolver se vai novamente recuar para a posição anterior ou se acabará respondendo aos clamores por um Judiciário bonapartista.

O momento atual não é apenas o do impeachment de Dilma Rousseff e do início de um governo Temer. Coincide também com o encerramento da fase curitibana da Lava-Jato e com o pleno desenvolvimento de sua fase brasiliense. Quem não tem privilégio de foro, recorrerá à segunda instância da Justiça Federal. Quem faz parte da política oficial está já nas mãos do STF. Mais especificamente, de Teori Zavascki.

Executivo e Legislativo têm tantos investigados que não têm condições de executar as tarefas que lhes cabem na estabilidade política. O Judiciário passou a ocupar exclusivamente o lugar de estabilizador institucional. Ocorre com isso que a política que não consegue ser feita pelo Executivo e pelo Legislativo passa a invadir o STF. É fato que o STF faz parte do sistema político. Mas ele não é diretamente político, é obrigado antes de tudo a se submeter à lógica do direito, à lógica dos pontos e das curvas, para, por meio do direito, exercer de maneira plena seu papel político no sistema.

Ao suspender o mandato de Cunha, o STF agiu de maneira diretamente política. Repetiu, aliás, o que já tinha feito o juiz Sérgio Moro ao determinar a condução coercitiva de Lula para depor e ao divulgar todos os áudios de conversas do ex-presidente. Sérgio Moro foi devidamente repreendido por Teori Zavascki por sua atitude. Ocorre que a instância institucional que poderia repreender e controlar o STF, o Legislativo, está em frangalhos e sem condições de ação ou de reação.

Por trás do conto da carochinha da briga de egos entre ministros, o que realmente esteve em causa na decisão Cunha foi uma disputa pela posição vencedora na condução do país durante sua crise político-econômica. Como relator da Lava-Jato no STF, Teori Zavascki colocou-se na posição de esteio da estabilidade política. Suas decisões, ações e atitudes indicam a intenção de garantir as condições para que o governo Temer possa se instalar e governar. Isso significa, antes de mais nada, garantir que o andamento da Lava-Jato no campo da política oficial seja mantido em um ritmo que não inviabilize o governo Temer. Como significa também exercer sua posição hierarquicamente superior ao grupo de Curitiba. Ocorre que isso tudo implica também que os demais ministros do STF se perfilem atrás dessa posição de autoridade e de poder do relator da Lava-Jato.

A decisão Cunha significou um desafio a essa pretensão de Teori Zavascki por parte de Marco Aurélio Mello e de Ricardo Lewandowski. A atitude concertada do presidente do tribunal e de seu mais notório franco atirador mostra que, no mínimo, estão a exigir que sejam ouvidos em uma necessária abertura de negociação em torno da questão. A resposta de Teori Zavascki ao enfrentamento não foi exatamente nesse sentido. Sua decisão no caso Cunha foi o equivalente STF do pito que passou em Sérgio Moro.

Para além de pontos e curvas, o que está em questão é a travessia até 2018. Não surgiu até o momento qualquer alternativa real a uma transição tutelada pelo STF. A disputa é apenas sobre a natureza dessa tutela. Um STF fraturado vai produzir uma saída tão ineficaz quanto aquela que já não é oferecida por um sistema político em pane. E está longe de ser evidente a produção de uma maioria sólida e constante em uma corte que se mostra refratária a composições duradouras.

A unanimidade no caso da decisão sobre o mandato de Cunha foi apenas aparente. Para que seja efetiva, a maioria dos ministros precisa chegar a um acordo de base inédito e duradouro. Se isso não acontecer, todos os anos até 2018 vão repetir 2015. E pontos e curvas se tornam simplesmente irrelevantes.


Merecíamos algo melhor - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 09/05

Que modo mais sinistro, esse do PT, de despedir-se de longos 13 anos de poder. Voltará à oposição depois do fracasso de Dilma, o último presidente que elegeu e reelegeu; da decadência do primeiro, Lula, sob o risco de ser preso por corrupção a qualquer momento; e de ter despencado no ranking dos partidos mais admirados pelos brasileiros. O PT nunca deu nada de barato. Não daria agora.

DILMA FOI ABANDONADA por Lula no palanque do 1º de Maio, em São Paulo. De lá, telefonou para ele três vezes. E ouviu de Marisa que o marido estava afônico e febril. Não podia atendê-la, muito menos comparecer ao ato convocado pela Central Única dos Trabalhadores. Dilma telefonou para o médico de Lula perguntando se ele estava de fato doente. O médico respondeu que não sabia. Que triste, não?

QUEIXA-SE LULA DE DILMA tê-lo abandonado quando a Lava-Jato começou a aproximar-se dos dois. Mais que nunca, era preciso que eles tocassem de ouvido para tentar escapar do juiz Sérgio Moro. Mas Dilma não estava sujeita a Moro, e, sim, ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde tem amigos. Pouco fez para salvar a face de Lula. E o que acabou fazendo produziu um monumental desastre.

COM A DIVULGAÇÃO DE uma série de conversas de Lula grampeadas, Moro deixou-o nu na frente do distinto público. E Lula, despido das fantasias concebidas pelo marketing, é muito feio. Sempre foi. Uma das conversas, a de Dilma com Lula, flagrou a presidente da República avisando ao ex-presidente que um portador lhe entregaria cópia do ato de sua nomeação para ministro-chefe da Casa Civil.

ASSIM, SE MORO MANDASSE prender Lula antes de ele tomar posse como ministro, Lula alegaria que sua nomeação já fora assinada por Dilma, e que, portanto, ele só poderia ser preso por ordem do STF. Manobra escandalosa para obstruir a Justiça! Que custou a Lula a suspensão de sua posse. E a ele e a Dilma, um pedido do procurador-geral da República para que sejam investigados por isso.

O SENADO, DEPOIS DE AMANHÃ, aceitará a instalação de processo para julgar Dilma por despesas feitas sem autorização do Congresso. De imediato, ela será afastada do cargo e se recolherá à solidão do Palácio da Alvorada à espera do julgamento. Assumirá o vice Michel Temer. E Lula seguirá vivendo o tormento diário de ser acordado por agentes da Polícia Federal. Que triste, não? Mas merecido.

O PAÍS MERECE LÍDERES e governos melhores. O desafio de Temer é esse. E ele não terá muito tempo para vencê-lo. Infelizmente, e com razão de sobra, ganha corpo dentro e fora do Congresso a impressão de que nada deverá ser mais parecido com o governo Dilma do que o governo Temer. Haverá maior racionalidade econômica, ninguém duvida. Mas isso só não basta.

A BASE DE APOIO DE Temer no Congresso será praticamente a mesma que subtraiu a Dilma tudo o que pôde para depois largá-la de mão. O governo que está no fim tem nomes citados na Lava-Jato. O governo ainda em fase de montagem também terá. Temer nada vê de negativo nisso. Parece não ter tirado lição alguma da decisão do STF de suspender o mandato de Eduardo Cunha.

TEMER COGITOU ATRAIR nomes “notáveis” para seu governo. Desistiu, ao que tudo indica. No momento, troca ministérios por votos no Senado para impedir a improvável volta de Dilma ao cargo em um prazo de até 180 dias. Que triste, não? Merecíamos algo melhor.


Previdência não pode esperar - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 09/05

A reforma da Previdência Social deverá ser uma das primeiras medidas de impacto que o vice-presidente Michel Temer tomará, caso venha a ocupar a cadeira da presidente Dilma Rousseff no terceiro andar do Palácio do Planalto - na quarta-feira o Senado decidirá se a presidente será afastada temporariamente, por 180 dias, na votação do processo de impeachment. A reforma previdenciária não pode esperar mais, sob o risco de o país ver desmoronar a engrenagem da assistência aos aposentados (e pensionistas também) que colaboraram durante anos em sua vida para terem uma velhice com o mínimo de dignidade.

Duas das principais mudanças para a aposentadoria, com certeza, serão a fixação da idade mínima de 65 anos para homens e mulheres e a desvinculação dos benefícios previdenciários e assistenciais (deficientes físicos e idosos de baixa renda) do salário mínimo, passando a ser corrigidos a cada ano somente pela inflação. Importante ressaltar que o Brasil é um dos últimos países a adotar um sistema de previdência social sem o instituto da idade mínima.

O formulador da nova política previdenciária num provável governo comandado pelo vice-presidente Temer, o ex-ministro Roberto Brant, titular do Ministério da Previdência no governo Feranando Henrique Cardoso, revelou que a reforma proposta por ele prevê regras de transição para quem já se encontra no mercado de trabalho. Isso para que direitos adquiridos sejam preservados, mas essa transição se dará em curto espaço de tempo, entre 5 e 10 anos.

Brant destaca que as contas públicas não podem esperar. Lembra que a previsão é de um rombo na Previdência Social da ordem de R$ 133,6 bilhões em 2016. De acordo com estimativas oficiais, o custo atual da Previdência representa 7,95% do Produto Interno Bruto (PIB) e, se nenhuma medida for tomada imediatamente, poderá chegar a 17% em 45 anos.

Pela proposta apresentada ao vice-presidente, a desvinculação do salário mínimo dos benefícios previdenciários e assistenciais é primordial para reduzir os gastos no setor. A proposta não está ainda totalmente fechada - falta acertar cálculos e projeções para estipular prazos - mas constitui grande alento para o país, cuja população tem a obrigação de encarar a necessária reforma da Previdência Social. Talvez essa medida seja a primeira a abrir as portas para outras reformas fundamentais - trabalhista, fiscal e política, para citar as mais prementes -, com o objetivo de recolocar o Brasil na trilha do desenvolvimento socioeconômico sustentável.

Agora, Renan Calheiros - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 09/05

Eduardo Cunha já se foi – se não definitivamente, pelo menos por prazo indefinido – e Dilma Rousseff tem encontro marcado com seu impeachment no próximo dia 11. Mas a faxina nos mais altos escalões da República, imposta pela necessidade de reescrever a triste história do populismo ancorado na corrupção que o País viveu nos últimos 13 anos, exige ainda outra medida essencial: o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado Federal. Vale para o político que comanda a Câmara Alta o mesmíssimo argumento apresentado pelo ministro Teori Zavascki ao justificar a suspensão do exercício do mandato de deputado de Eduardo Cunha e, consequentemente, seu afastamento da presidência da Câmara: “Nada, absolutamente nada, se pode extrair da Constituição que possa, minimamente, justificar a sua permanência no exercício dessas elevadas funções públicas”. Funções que incluem a eventual e temporária substituição do presidente da República.

O senador Renan Calheiros, em quem cai como uma luva a definição pejorativa de “político profissional”, aliou-se a todos os governos pós-redemocratização e está hoje envolvido até o pescoço nas investigações da Lava Jato, relativas ao escândalo da Petrobrás e conexos. Aparece como investigado e acusado em delações premiadas em nada menos do que nove inquéritos. E é investigado também em um inquérito da Operação Zelotes, que trata de suspeitas de corrupção no âmbito da Receita Federal. No total, o senador responde a 12 inquéritos junto ao STF, 9 dos quais da Lava Jato. A diferença em relação a Eduardo Cunha é que Calheiros, pelo menos por enquanto, não é réu em nenhum desses processos. No máximo, teve a quebra de seu sigilo bancário e fiscal autorizada por Zavascki, em dezembro do ano passado.

Mas as peripécias de Renan Calheiros à sombra do poder, que chamam a atenção da polícia, não se limitam àquelas sob investigação nos últimos dois anos. Em seu terceiro mandato de senador, o peemedebista alagoano cumpre também o terceiro de presidente do Senado. Foi obrigado a renunciar ao segundo mandato de presidente, em outubro de 2007, para evitar a cassação de seu mandato de senador, depois de o Conselho de Ética ter recebido seis representações contra ele, envolvendo acusações relativas a delitos de toda natureza, a começar pelas denúncias, que tiveram ampla repercussão na imprensa, sobre a propina que recebia da construtora Mendes Júnior na forma de uma mesada de R$ 12 mil paga à jornalista Mônica Veloso, com a qual tem uma filha. Pactuou-se escandaloso escambo e o Conselho de Ética absolveu-o de todas as acusações.

Renan Calheiros não é Eduardo Cunha e a distinção é evidente quando se comparam os temperamentos e os estilos. Na essência de seu desempenho político, no entanto, os dois se equiparam, principalmente pela obstinada ambição de poder, que é sempre ilegítima quando parte do princípio de que os fins justificam quaisquer meios e, de modo especial, quando esses fins nem sempre têm algo a ver com o bem comum. E nessa matéria a falta de escrúpulos de ambos é notória. São dois exemplos, a caminho de se tornarem clássicos, da vergonhosa subversão de valores que impera hoje na política brasileira, em grande parte estimulada pelo nefasto populismo lulopetista que, feliz e finalmente, está sendo desmascarado. Políticos com esse perfil, especialmente no comando dos Poderes da República, comprometem a credibilidade do governo e das instituições democráticas, no momento em que, talvez mais do que nunca, o Brasil precisa de amplo respaldo popular e da confiança de investidores nacionais e estrangeiros para, com urgência, sair do buraco em que foi metido pela soberba, ignorância e má-fé dos mercadores de ilusões.

Está mais do que na hora, portanto, de o ministro Teori Zavascki, apesar de assoberbado pela avalanche de processos da Lava Jato, encontrar tempo para dar também a Renan Calheiros o que ele merece. Será um trabalho facilitado pelo fato de que bastará copiar e colar, com o cuidado de trocar os nomes, amplos trechos do relatório sobre Eduardo Cunha unanimemente aprovado por seus pares. Afinal, se a exceção excepcionalíssima que os juízes do Supremo engendraram vale para afastar Eduardo Cunha, também vale para Renan Calheiros. Só se espera que o excepcional não vire rotina – ou jurisprudência.


Judicialização da saúde - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 09/05

O problema da judicialização da saúde continua a se agravar, tanto com ações contra os planos como contra municípios, Estados e a União. Em uns, clientes insatisfeitos reclamam atendimentos os mais diversos. Em outros, pedem acesso a tratamentos e medicamentos caros, nacionais ou importados, não oferecidos pela rede de saúde pública. Em ambos os casos, nos termos em que a questão está posta, a satisfação de uns pode representar prejuízos para os demais, o que não é aceitável.

Estimativa feita pela Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) sobre o gasto desse setor para atender a demandas judiciais dá uma ideia, como mostra reportagem do Estado, da dimensão que o problema está adquirindo. Ele dobrou nos últimos dois anos, pulando de R$ 558 milhões em 2013 para R$ 1,2 bilhão no ano passado. Uma despesa que segundo essa entidade desequilibra o setor de saúde privada e acaba por prejudicar os próprios clientes, já que ela é repassada para as mensalidades.

Em outras palavras, os responsáveis pelo problema seriam os clientes que recorrem à Justiça para ter acesso a terapias e remédios a que julgam ter direito e que lhes são negados pelos planos. Segundo estes, suas obrigações estão claramente expostas nos contratos e por eles são observadas. Pedro Ramos, diretor da Abramge, admite que há clientes cujas reclamações são procedentes, mas esse não é o caso de muitos outros. As coisas não são tão simples assim.

Cálculos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) indicam que daquele total de R$ 1,2 bilhão, pelo menos R$ 320 milhões – praticamente um quarto – foram gastos pelos planos com procedimentos não cobertos em contrato, ou seja, aqueles a que os clientes não tinham de fato direito. Deduz-se que os outros três quartos se refiram a algo que lhes era devido. Na maioria das ações, portanto, as queixas dos clientes procediam. É de supor que o repasse para as mensalidades deve ter se limitado aos R$ 320 milhões.

Os valores referentes às ações judiciais contra municípios, Estados e a União – pedindo desde fraldas geriátricas até modernos medicamentos contra câncer que ainda não foram registrados no País e mesmo a tratamentos no exterior – são muito maiores. Apenas em São Paulo, a Secretaria Estadual de Saúde calcula que já se gasta R$ 1 bilhão por ano com isso. O número de ações quase dobrou de 2010 (9.385) até o ano passado (18.045).

Outro dado importante: 70% das receitas dos medicamentos e tratamentos concedidos pela Justiça em São Paulo são dadas por médicos da rede privada, ou seja, para pacientes de renda média ou elevada que podem pagá-los.

Tudo isso levou o secretário de Saúde, David Uip, a advertir, em meados do ano passado, que era preciso “avançar na discussão (do problema), porque isso vai ficar inadministrável”. Quem paga a conta, nesse caso, é o conjunto da população com seus impostos. Todos têm o direito de buscar os remédios e tratamentos de que precisam, mas, como os recursos são escassos, em muitos casos isso acaba por se tornar possível apenas em detrimento dos que não têm meios para recorrer à Justiça, o que é inaceitável.

Felizmente, providências já começaram a ser tomadas para tentar evitar essas distorções. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a ANS devem firmar um termo de cooperação para oferecer subsídios técnicos aos juízes para que possam tomar suas decisões. Ambos participarão de núcleos de solução de conflitos referentes a essa matéria a ser criados nos Tribunais de Justiça estaduais.

Como diz o supervisor do Fórum de Saúde do CNJ, Arnaldo Hossepian Junior, “o juiz sabe Direito, mas não sabe Medicina, e temos a possibilidade de criar um mecanismo que conforte o magistrado quando ele for dar a decisão”.

Isso tem tudo para melhorar a qualidade técnica das decisões, de forma a tornar mais justa a repartição de recursos públicos, por um lado, e salvaguardar os direitos tanto dos clientes quanto dos planos de saúde, por outro.