sábado, agosto 31, 2013

Na era da complicação - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 31/08
Já foi mais fácil tomar partido. O mundo e as coisas tinham apenas dois lados, o bom e o ruim, o branco e o preto, o certo e o errado, o bonito e o feio. A democracia é que inventou essa complicação de vários pontos de vista, de ambivalência, substituindo o maniqueísmo pelo relativismo. O bem pode estar dentro do mal e vice- versa, entre o preto e o branco há o cinza, entre as luzes e as trevas existe o crepúsculo, e até o feio e o bonito variam conforme o gosto. No tempo do sectarismo ideológico, não haveria dúvidas em relação, por exemplo, a questões que se discutem tanto. Você é contra ou a favor da importação de médicos cubanos? Era muito simples: se vinha de Cuba, era bom. Ou ruim. Dependia de sua posição política. Agora, a complexidade de certos casos não admite mais resposta binária, pelo menos para quem não carrega na cabeça resquícios da Guerra Fria.
Como ser contra enviar médicos cubanos para os lugares onde os nossos não querem ir? Só com muito preconceito ideológico ou corporativismo, ou os dois. Ao mesmo tempo, como aceitar passivamente que esses profissionais permaneçam submetidos a um regime ditatorial que confisca parte de seus salários e não os deixam trazer suas famílias, retidas lá como reféns para evitar possíveis deserções? Não dá para desprezar os direitos humanos e dizer: "Isso é problema deles, não nosso." Mesmo pesando os prós e os contras na busca de isenção, a decisão é complicada. Virá sempre acompanhada de um "mas", "porém", "por outro lado".

Diferente, mas também com implicações políticas, é o caso do diplomata Eduardo Saboia, que à revelia do Itamaraty deu fuga ao senador boliviano Roger Pinto, que esteve refugiado na embaixada do Brasil em La Paz durante 452 dias. Preocupado com a saúde debilitada do asilado, Saboia colocou-o um dia num carro, viajou 1600 quilômetros acompanhado de dois fuzileiros brasileiros, e depositou-o em Corumbá, enfurecendo o governo boliviano. O senador é um desafeto de Evo Morales, a quem acusa de corrupção, e é acusado por este do mesmo crime. Politizada, a questão gerou uma séria crise diplomática entre os dois países. Para uns, Saboia foi um "herói", do ponto de vista humanitário; para outros, um "irresponsável". Vai ver, cada lado tem um pouco de razão.

Em suma, trata-se de um mundo complicado que cobra atitude onde tudo é relativo, inclusive essa afirmação.

Da rebelde Alice insurgindo-se contra a proibição paterna de comer chocolate fora de hora: "Estou ficando furiosa. Pronto (rangendo os dentes) já estou furiosa." Ela é indomável. Acho que nem com gás de pimenta. 

Radiografia de um escárnio - LEONARDO CAVALCANTI

CORREIO BRAZILIENSE - 31/08


No atacado, é possível apontar culpados pela salvação de Donadon. PT e PMDB tiveram uma participação direta na trama e nos erros. No varejo, entretanto, os parlamentares sempre vão se esconder no voto secreto



A noite de todos os erros e acordos para salvar o mandato do deputado presidiário Natan Donadon (RO) foi previsível para os caciques do Congresso. Às 20h45 da última quarta-feira, já era possível apontar o escárnio, pois estava mais do que evidente a fuga do plenário dos colegas do parlamentar. Não que a presença em massa dos políticos pudesse significar a perda de mandato, afinal o voto secreto transforma tudo em avacalhação. A falta de 103 deles, entretanto, deixou a tragédia mais evidente.

O próprio Donadon foi avisado da salvação ao entrar no Congresso, logo depois de deixar o Complexo Penitenciário da Papuda, onde está preso numa cela de 6m². O presidiário sabia que, ao discursar no plenário, deveria ser eficiente, com gestos teatrais. A farsa deu tão certo que teve até deputada chorando, emocionada com a rotina do amigo político, preso depois de fraudar os cofres públicos em R$ 58 milhões, em valores atualizados, e que protelou o quanto pôde o cumprimento da pena de prisão.

Se o discurso funcionou, a trama foi completada com o cancelamento da sessão ordinária para o dia seguinte, o que livrou os deputados da presença em Brasília. Por mais que todos os partidos tenham contribuído de alguma forma com as faltas, os parlamentares governistas são grandes responsáveis pela vergonha, principalmente petistas e peemedebistas. Ao abrir o painel, 405 políticos confirmaram o voto. Sabia-se que seriam preciso pelo menos mais 35 nomes para aprovar a cassação, ainda de forma arriscada.

Espírito de corpo
No atacado, é possível apontar culpados. É mais do que razoável chegar ao PT e ao PMDB. Petistas por terem lavado as mãos em prol de mensaleiros, os próximos a irem ao plenário. Peemedebistas desgarrados, por sua vez, aliaram-se à parte da bancada evangélica. O grupo tinha dois motivos para a afronta. O puro espírito de corpo, a partir da história “hoje acontece com ele, amanhã pode ser comigo”. E a tentativa de mostrar independência em relação ao presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves.

No varejo, entretanto, os parlamentares sempre vão se esconder no voto secreto. E chegamos ao ponto inicial. Todas as costuras e acordos foram feitos e continuarão valendo por causa do sigilo. Sem ele, os deputados seriam diretamente pressionados pelo eleitor, o dono do mandato do parlamentar. Não saber como o político votou é uma afronta à democracia, afinal o parlamentar é o representante do eleitor — sem demagogia, senhores. E precisa prestar contas a quem o elegeu. Ponto.

Sem o voto secreto, Donadon seria cassado. Seria impossível para os 131 deputados que votaram a favor do presidiário confirmarem a decisão, caso tivessem que revelar o posicionamento. Assim, esconderam-se para fazer o jogo sujo e desconsiderar uma decisão judicial. Pior, criaram um fato vexaminoso para o próprio Congresso brasileiro, onde um homem acusado de fraude com dinheiro público e no xadrez possa continuar exibindo o broche do parlamento dentro de uma penitenciária.

Apenas o eleitor deve ter o direito do sigilo do voto. Tal prerrogativa o protege de poderosos. Os parlamentares não precisam da proteção. Ao contrário, devem ter coragem de revelar as decisões, sob o risco de serem considerados covardes. O eleitor não teria absolvido Donadon.

Mais Médicos
O governo ainda vai ter problemas com o Programa Mais Médicos — como mostram o caso de demissões de brasileiros nas prefeituras, levantado pela Folha de S.Paulo, e a reportagem de hoje da repórter Júlia Chaib, do Correio —, mas o Planalto já não tem mais dúvidas sobre a vitória na luta contra entidades de classe. “Se a gente pudesse, premiaria os conselhos de medicina por causa das manifestações equivocadas, o que acabou provocando claros episódios de preconceito, repudiados nas redes e em artigos de jornais”, disse um interlocutor da presidente Dilma Rousseff esta semana. “Isso apenas fortaleceu o programa.”

Agora chega - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 31/08


A presidente da Associação de Moradores e Amigos do Leblon, Evelyn Rosenzweig, foi à Justiça pedir que a prefeitura do Rio retire os manifestantes acampados na porta do governador Sérgio Cabral.
Ela diz que os moradores do bairro estão “enlouquecidos” com a ocupação e os protestos.
A decisão será dada pela 4ª Vara de Fazenda Pública do Rio.

Sem censura
Daniel Filho, 75 anos, vai ganhar uma biografia da Editora Objetiva feita pela jornalista Regina Zappa, que já escreveu sobre Chico Buarque e Gilberto Gil. O ator e diretor, numa época em que há gente censurando biografias, diz que não vai se intrometer:
— Terei apenas comando sobre a capa.

Não é fofo?
Evangélicos no tráfico Traficantes, para atender grupos evangélicos, estão fechando centros espíritas de Vaz Lobo e Vicente de Carvalho, Zona Norte do Rio.
Quarta, a turma foi proibida de usar branco. E houve quebra-quebra de imagens sagradas. Que horror!

Médicos cubanos
Pesquisa mostra que 59% dos cariocas são a favor da vinda de médicos estrangeiros para o Brasil, sendo que 89% deles aceitariam ser tratados por médicos de outros países.
O estudo é da UniData, da Unicarioca.

Capital da safadeza
Pesquisa da “GQ Brasil”, que chega às bancas segunda, revela que as mulheres de Brasília, a capital do poder, seriam as mais, digamos, safadinhas.
É que 77% delas fariam ménage à trois — três vezes mais que as cariocas (25%). Na verdade... cala-te, boca.

O popstar Joaquim
Joaquim Barbosa foi receber o prêmio de ética da Associação Comercial do Rio e teve mais um dia de popstar.
Primeiro foi ao Centro visitar o antigo prédio da Rua México onde trabalhou, e de lá foi a pé até a associação. Foi parado diversas vezes na rua para tirar fotos ou, simplesmente, ser cumprimentado.

Artista de novela...
Na ACRJ, depois da cerimônia, ele teve que dar autógrafos e tirar mais fotos com empresários e até mesmo com funcionários.
Vários grupos cercaram o ministro para fotos. Parecia artista de novela.

Pra completar...
Falta Joaquim botar para julgar o caso dos aposentados da Varig.

Marcha da insensatez
Diferentemente do que saiu aqui, Geddel Vieira Lima não é deputado.
Ele, que tem um irmão deputado, Lucio Vieira Lima, considerou como “marcha da insensatez” a decisão da Câmara de absolver o presidiário Natan Donadon.
Na semana da Bienal do Rio, Sérgio Cabral lançou o projeto Mais Leitura Itinerante. Esta carreta, que por dentro é uma livraria, estava ontem em Manguinhos.

Depois, vai percorrer comunidades e cidades do estado.

O Rio é Lan
A Renascer de Jacarepaguá, como se sabe, não terá disputa de samba-enredo este ano porque sua quadra deu espaço às obras da Transcarioca.
A diretoria da escola encomendou o samba, em homenagem ao cartunista Lan, aos compositores Moacyr Luz e Claudio Russo.

Segue...
Um trechinho: “Do vira-lata ao doutor/No sol de cada manhã/O Rio de Janeiro é todo Lan”.
Eu apoio.

Mãos ao alto!
O badalado CT Trattorie, do chef Claude Troisgros, ali no Jardim Botânico, Zona Sul do Rio, foi alvo de ladrões armados, pouco depois da meia-noite de ontem.
Os clientes já haviam saído. Sobrou para a casa e para os funcionários.

Cena carioca
O caso ocorreu tem duas semanas. Durante a Meia Maratona do Rio, dia 18, um participante, num ato solitário, gritou três vezes, pouco depois da largada: “Cadê o Amarildo?”, em referência ao ajudante de pedreiro que desapareceu na Rocinha. Nisso, um morador gaiato respondeu, da janela:
— Aqui não é Rocinha! Aqui é o Vidigaaaaaaaal!
Há testemunhas

Pátria de jaleco - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 31/08

Dilma Rousseff fará em seu pronunciamento de TV no Sete de Setembro um balanço dos pactos propostos por ela como resposta às manifestações de junho. O destaque será o Mais Médicos. Embora os primeiros profissionais ainda estejam fazendo cursos e haja controvérsia quanto à contratação de cubanos, pesquisas qualitativas que chegaram ao Planalto mostram aprovação crescente ao programa, visto pelos eleitores como uma das principais marcas do governo Dilma.

Digitais 

Aécio Neves e Eduardo Campos pararam a conversa no jantar de anteontem para postar no Instagram uma foto juntos e sorridentes. Até ontem, o clique tinha 600 "curtidas" no perfil do tucano e 459 no do pessebista.

Analógicos

Mas Campos precisou da ajuda do filho, José, 10 anos, para ligar a moderna jukebox que decora a varanda de sua casa, na qual colocou para tocar a canção "Evidências", numa versão açucarada de José Augusto.

Melô 

Só para lembrar, a música, popularizada por Chitãozinho & Xororó, diz, no refrão: "E nessa loucura de dizer que não te quero/ vou negando as aparências/disfarçando as evidências''.

Sandálias... 

Marina Silva vai pedir na semana que vem audiências reservadas com cada ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para apresentar as razões que levaram a Rede a pedir celeridade no processo de registro.

... da humildade 

A ex-senadora quer desfazer a impressão de que tentou pressionar o TSE a dar um jeitinho'' para agilizar a sigla.

Colateral 

A corrente Construindo um Novo Brasil, que comanda o PT, calcula que a nova fase do julgamento do mensalão terá influência sobre a eleição interna para a direção do partido. Integrantes dizem que a Mensagem ao Partido usa o tema para atacar a gestão atual.

Jogo... 

Apesar de ter chamado o senador Roger Molina de "delinquente" em entrevista ontem na cúpula da Unasul, Evo Morales saiu da conversa com Dilma falando em "respeito ao processo legal brasileiro", em um possível processo de extradição.

... de cena? 

Entre diplomatas brasileiros, acredita-se pouco no empenho boliviano de repatriar o senador.

Mórbido 

Chamou atenção o fato de o encontro sido aberto por um vídeo com pronunciamento de Hugo Chávez, que morreu em março.

Veja bem 

Foi Beto Albuquerque (PSB-RS) quem pediu, em ofício ao presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), para representar a Casa em evento literário em Passo Fundo, na quarta-feira. Naquele dia, faltaram 24 votos para cassar o mandato do de Natan Donadon.

Sumário 

Líderes do Senado entraram em acordo para votar até 15 de setembro a PEC 18, que determina perda automática de mandato de parlamentares condenados.

Por bem ou... 

Sindicalistas invadiram ontem a sede central dos Correios, em Brasília. Aos gritos, mandavam os funcionários saírem do prédio. "Quem não sair pela porta, vai sair pela janela", ameaçavam.

... por mal 

A empresa recorreu à Justica, conseguiu decisão de reintegração de posse e, com ajuda da polícia militar, conseguiu promover a desocupação do prédio.

Visita à Folha Thomas Schmall, presidente da Volkswagen do Brasil, visitou ontem a Folha, a convite do jornal, onde foi recebido em almoço. Estava acompanhado de André Senador, diretor de Assuntos Corporativos.

com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN

tiroteio

"Quero ver Eduardo explicar sua aliança com a oposição ao povo que aprova o Bolsa Família de Lula e o Mais Médicos de Dilma."
DO DEPUTADO CARLOS ZARATTINI (PT-SP), sobre o jantar que reuniu os presidenciáveis Eduardo Campos (PSB) e Aécio Neves (PSDB) anteontem.

contraponto

Encontro providencial

O médico Carlos Eduardo Souza desembarcou em São Paulo vindo de Brasília. No ônibus entre o avião e o terminal, reconheceu o ministro Alexandre Padilha (Saúde). Em voz alta, apresentou-se como médico. Padilha, que tem sofrido oposição de entidades da categoria, já achava que ia passar sufoco quando ele continuou:

--Ministro, sou brasileiro formado em Cuba e acabo de voltar de Brasília, onde fui fazer minha inscrição para o Mais Médicos. Vou para Roraima atender a população.

Um passageiro disse que Carlos Eduardo merecia uma salva de palmas, e todo mundo começou a aplaudir.

Janela aberta - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 31/08

o ministro José Dias Toifoli (TSE), relator da consulta do PPS, adotou a tese de que fusão representa a criação de um novo partido. Com isso, os deputados que quiserem podem migrar sem medo de perder o mandato. A ministra Laurita Vaz pediu vista, e o plenário ainda terá de deliberar, mas vários partidos ficaram alvoroçados e estão correndo para fusões com pequenas siglas.

Corrida contra o tempo

Diante da sinalização do TSE, pelo menos três partidos voltaram a campo em busca de fusões. O PSB, do governador Eduardo Campos, faz consultas. O PPS, do deputado Roberto Freire, já conversou com o PTN. O PSD, do ex-prefeito Gilberto Kassab, articula e, ao mesmo tempo, avalia se, ao abrir a porta, ganhará mais do que perderá. Além dos preciosos segundos de TV que as fusões possibilitam, abrem as portas para a nova sigla receber deputados de outros partidos. Apesar das negociações, ocorridas meses atrás, o PSB e o PPS não voltaram a sentar na mesa. Os seus dirigentes avaliam que não há mais tempo para acertar as divergências regionais.

“o PPS e o PSB não voltaram a conversar, Ambos têm estruturas complexas. Agora, é jogo rápido. Temos até o fim de setembro para filiar deputados”
Arnaldo Jardim
Deputado federal (PPS-SP)

Na linha de frente

O deputado Sérgio Moraes (PTB-RS) fez campanha pró-Natan Donadon na quarta-feira. Pediu a dezenas de deputados que votassem contra a cassação. Seus argumentos: “o Ministério Público foi tendencioso” e “Donadon é inocente’

Correção de rumo
Durante reunião da Executiva do DEM, na quarta-feira, o presidente José Agripino Maia advertiu os críticos do Mais Médicos que esse é um assunto no qual se “tem que andar no fio da espada’ Para evitar prejuízos eleitorais, sua orientação é criticar a ditadura que governa Cuba e respeitar os médicos cubanos que estão vindo para o Brasil.

No mundo da lua
Ao votar na sessão que deveria cassar Natan Donadon, o deputado João Dado (PDT-SP) perguntou por que seu voto não aparecia no painel. Ao saber que o voto era secreto, disse: “O voto é secreto? Mas já não mudamos isso?’

Para inglês ver
A reação do governo boliviano, cobrando explicações sobre a fuga do senador Pinto Molina e sua extradição, segundo um ministro próximo à presidente Dilma, está dentro do script. Estranho seria se não protestassem. O governo não crê em maiores consequências. Afinal de contas, o presidente Evo Morales desapropriou a Petrobras, no governo Lula, e o Brasil não declarou guerra.

Vacina
Os deputados tucanos Bruno Araújo (PE), Antônio Imbassahy (BA) e Nelson Marchezan Jr. ( RS) gravaram vídeo do momento em que votavam pela cassação de Natan Donadon. Usaram as redes sociais para difundir as imagens.

Se arrependimento matasse
Muitos deputados estão desolados por não terem votado no caso Natan Donadon. Alegam que não imaginavam que existia o risco de não aprovar a cassação. Eles agora estão no pelourinho e se desdobrando para se explicar para a sociedade.

OS NÚMEROS. A pedido de Marina Silva, o TSE definiu que a Rede terá o número 99. O Solidariedade, do deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), será 77.

Notícias boas - LUIZ CARLOS AZEDO

CORREIO BRAZILIENSE - 31/08

O resultado do PIB divulgado ontem surpreendeu o mercado. O país cresceu 1,5% no segundo trimestre, desfazendo previsões pessimistas que deixavam o governo amuado e a oposição animada. Nem os mais otimistas imaginavam um resultado tão bom nas atuais circunstâncias. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, que andou com a cabeça a prêmio, ontem estava exultante. A agropecuária teve alta de 3,9%, a indústria cresceu 2%; o setor de serviços, que estava em declínio, subiu 0,8% no período.

Em comparação com o mesmo período do ano passado, o PIB cresceu 3,3%. Há que se considerar que a economia reagiu positivamente mesmo diante da elevação da taxa de juros, que já está em 9% e deve chegar a 10% até o fim do ano. O resultado do PIB veio a se somar a outras notícias favoráveis na economia, como a alta de 3,6% no segundo trimestre na taxa de investimento (formação bruta de capital fixo), que chegou a 18,6% do PIB no ano, considerando o período de 12 meses.

Mais uma vez, as previsões catastróficas da oposição não se confirmaram. O Palácio do Planalto comemora. A festa é ainda maior porque pesquisas do PT não divulgadas apontam que a presidente Dilma Rousseff recupera popularidade, tendo chegado a 41% na soma de bom e ótimo. Isso significa que a reeleição está garantida? Não, mas reforça a condição de Dilma Rousseff como favorita na disputa de 2014, o que ajuda o governo a manter a base governista sob controle. Atualmente, os aliados dão mais trabalho ao governo do que a oposição no Congresso.

Mais técnica// O ministro da Aviação Civil, Moreira Franco, quer mudar o sistema de licitações das obras dos aeroportos brasileiros. Segundo ele, é preciso mais rigor nas exigências técnicas porque, na maioria das vezes, o critério de menor preço, exclusivamente, provoca o sucateamento e a baixa qualidade dos serviços.


E agora?
A decisão do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, do PMDB-RN, de não votar novos pedidos de cassação enquanto não for aprovado o fim do voto secreto, pode ser mais um tiro no pé. Com a conclusão do julgamento do mensalão pelo STF, a cassação dos deputados condenados na Ação Penal 470 ficaria para as calendas. É que os mesmos que não aprovaram a cassação do deputado Natan Donadon, que está preso na Papuda, também não votariam o fim do voto secreto, com exceção de alguns que se ausentaram por outros motivos.

Mais Médicos
Procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Sebastião Caixeta pediu ao Ministério da Saúde acesso à documentação sobre o convênio firmado entre a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e o governo de Cuba, um dos países que vão enviar médicos para o Programa Mais Médicos. Entidades médicas questionam a legalidade dos contratos de trabalho.

O grito
O 19º Grito dos Excluídos terá como tema, este ano, a exclusão dos jovens. Com o lema “Juventude que ousa lutar constrói projeto popular”, os movimentos sociais e as pastorais promoverão vários atos em todo o país no dia 7 de setembro, quando se comemora a independência do Brasil. Por causa dos protestos, o Palácio do Planalto decidiu encurtar o desfile oficial.

Incongruência
Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Joaquim Barbosa lamentou ontem a “incongruência constitucional” gerada pela decisão da Câmara dos Deputados de rejeitar a cassação do deputado Natan Donadon (sem partido-RO), condenado pelo STF a 13 anos de reclusão por peculato e formação de quadrilha. O parlamentar está preso no Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal. “O Congresso Nacional é soberano, ele tomou a sua decisão, ele terá que conviver e lidar com as consequências desse ato”, acrescentou.

Agências
O vice-presidente da Câmara dos Deputados, André Vargas (foto), do PT-PR, criticou a atuação das agências reguladoras de serviços essenciais, como energia elétrica, telecomunicações, transportes e saúde suplementar. “Atualmente, existem 10 agências reguladoras, implantadas entre dezembro de 1996 e setembro de 2001, mas nem todas realizam atividades de fiscalização”, afirma.

Judô/ O governador da Bahia, Jaques Wagner, em companhia do ministro do Esporte, Aldo Rebelo, e do presidente da Confederação Brasileira de Judô, Paulo Wanderley Teixeira, assinou contrato para construção do Centro Pan-Americano de Judô (CPJ). O centro será erguido em frente à Praia de Ipitanga, no município de Lauro de Freitas, região metropolitana de Salvador.

Cidades/ A Fundação João Mangabeira, criada pelo PSB para atividades de formação política e elaboração de políticas públicas, está organizando uma série de 10 oficinas para debater o desenvolvimento brasileiro. Ontem, vários especialistas debateram em Brasília o planejamento urbano.

Noite ilustrada/ O escritor Lira Neto faz sucesso em Brasília. Na quarta-feira, o autor da biografia de Getúlio Vargas (Cia. De Letras), cujo segundo volume acaba de ser lançado, foi recebido na residência oficial do vice-presidente da República, Michel Temer. Os ministros do STF Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes e Ayres Britto bombardearam o autor de perguntas. A tertúlia foi organizada pelo cientista político Murilo Aragão.

Centavos
O valor das ações da OGX , empresa de Eike Batista, caiu para R$ 0,30

SINAL VERDE - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP -31/08

O projeto do Samuv (Serviço de Atendimento Médico Móvel de Urgência Veterinário), para socorrer cachorros e gatos, vai custar cerca de R$ 3 milhões. O prefeito Fernando Haddad (PT) deve incluir no orçamento do ano que vem os recursos necessários para concretizar a proposta, apresentada na Câmara pelo vereador Nelo Rodolfo (PMDB).

SINAL VERDE 2
Cada ambulância está orçada em cerca de R$ 150 mil, segundo o autor. Para equipar um ônibus para castração, são estimados R$ 400 mil. Rodolfo, que esteve com Haddad nesta semana e diz ter ouvido dele o compromisso com o projeto, afirma que o prefeito "achou a ideia ótima". "Ele vai me ajudar a aprovar o texto na Câmara", diz o vereador.

PODER DE CRIANÇA
Santo André, no ABC paulista, vai apresentar na Argentina um projeto em que a prefeitura ouviu a opinião de crianças sobre prioridades para o município. A experiência com o Plano Plurianual Infantil, que será explicada no Encontro de Cidades Educadoras, a partir de terça, envolveu 18 mil estudantes. Eles pediram melhorias nas escolas e na saúde e construção de parques.

MUITO FEIO
Drauzio Varella critica a reação de parte de seus colegas à vinda de estrangeiros. "Por enquanto, posso dizer que o que os médicos brasileiros estão fazendo com os profissionais cubanos é muito feio", afirma. Ele abordará o tema com mais profundidade em sua coluna na Folha no próximo sábado.

RAINHA DO RÁDIO
Chico Buarque, Regina Duarte, Sérgio Cabral, José Celso Martinez Corrêa e Rosamaria Murtinho assinam comentários na contracapa de "Quando o Carteiro Chegou - Mensagem a Isaurinha Garcia", livro da produtora cultural Lulu Librandi. A obra, patrocinada pelo MIS (Museu da Imagem e do Som), será lançada no mês que vem. A morte da cantora completou 20 anos ontem.

FEBRE TEEN
Mel Fronckowiak, ex-integrante do grupo Rebelde, vendeu 407 exemplares do seu livro "Inclassificável - Memórias da Estrada", durante o lançamento, no último sábado, no Rio. A Rubra Editora prepara nova tiragem da obra da atriz e cantora de 25 anos, atual namorada de Rodrigo Santoro. Na pré-venda pela internet, foram comprados 4.000. A próxima tiragem será de 10 mil.

PRATARIA
A ceramista Hideko Honma está produzindo 4.000 peças para o Sukiyaki do Bem, jantar beneficente para 350 convidados, em 13 de setembro. O cardápio de seis pratos é assinado pelos chefs japoneses Takuji e Yoshihiro Takahashi, com os brasileiros Jun Sakamoto, Shin Koike e Adriano Kanashiro.

ÍCONE 
Bob Wolfenson abre seu arquivo de imagens para a revista "Bamboo"; uma das fotos de destaque é de Gisele Bündchen, em Paraty, para a "Vogue" em 2003

TRÊS PODERES
O vice-presidente da República, Michel Temer, e os ministros Marta Suplicy (Cultura), Aldo Rebelo (Esporte) e Guido Mantega (Fazenda) foram anteontem à premiação dos destaques do ano da revista "IstoÉ Dinheiro", da Editora Três. Wesley e Joesley Batista, donos da Friboi, Fernando Altério, diretor-presidente da Time for Fun, Márcio Utsch, presidente da Alpargatas, e Rômulo Dias, da Cielo, estiveram no Credicard Hall.

POR DENTRO DA MODA
A empresária Marcella Tranchesi e o herdeiro das lojas Marisa, Ricardo Goldfarb, estiveram no shopping Iguatemi anteontem na inauguração da La Rouge Belle, loja de lingeries da blogueira e socialite Lala Rudge. O estilista Sandro Barros, a empresária Iara Jereissati e a socialite Ruth Malzoni também foram ao evento.


CURTO-CIRCUITO

O esportivo Mercedes-Benz SL 63 AMG foi eleito carro do ano pela "Robb Report". A revista avaliou 14 veículos de luxo.

A peça "Prof! Profa!", com Jandira Martini, estreia hoje, às 21h, no Sesc Ipiranga. 12 anos.

Amir Slama faz desfile de sua nova marca, que leva seu nome, hoje, às 17h, no MuBE. A apresentação faz parte do evento Fashion Day In.

A Orquestra Experimental de Repertório se apresenta amanhã com a cantora Maria Gadú, no auditório Ibirapuera, a partir das 12h30. Grátis.

A exposição "Fortuna", do artista sul-africano William Kentridge, será aberta hoje, às 11h, na Pinacoteca do Estado. Vai até 10 de novembro.

Lunáticos, go home - GUILHERME FIUZA

O GLOBO - 31/08

Prezadas autoridades: tomem vergonha, cumpram a lei contra os lunáticos e devolvam as ruas ao cidadão


Se você estiver entediado e quiser apimentar um pouco a sua rotina, não hesite: ligue o computador, mergulhe no mundo mágico das redes sociais, reúna uma dúzia de amigos mais ou menos ociosos, combine com eles uma causa (pode ser “tédio nunca mais”), pinte o slogan em algumas cartolinas, saia às ruas com o seu grupinho revolucionário e feche uma das principais avenidas da cidade. Qualquer uma. Mas feche mesmo: interrompa totalmente o trânsito, pelo tempo que você quiser.

Não tenha medo. As autoridades não estragarão o seu desfile. Recentemente, algumas dúzias de manifestantes bloquearam a Avenida Rio Branco, principal via do Centro do Rio, durante sete horas. A cidade parou, foi uma beleza — pelo menos para a polícia, para os guardas de trânsito, para o prefeito e para o governador, que cruzaram os braços e assistiram impávidos à singela arquitetura do caos. Ou talvez não tenham assistido, porque têm mais o que fazer.

Por algum motivo transcendental, as autoridades resolveram aceitar os bloqueios de trânsito. Passou a vigorar um novo princípio legal: a rua é do militante (qualquer um). Se ele deixar, a cidade pode ir e vir. No Rio de Janeiro, em especial, não se pode mais sair para qualquer lugar sem dar uma busca na internet ou no rádio. É preciso descobrir que bairro está sitiado naquela hora, ou naquele dia, por conta dos protestos contra tudo isso que aí está.

É uma piada (péssima). Em qualquer cidade séria do mundo isso seria impensável. O poder público, escondido em algum lugar entre a covardia e a vagabundagem, resolveu não cansar a sua beleza com a garantia da livre circulação. Desistiu de cumprir a lei. E o que é pior: a população se sujeita a isso calada — como se fosse vítima de uma nevasca, furacão ou enchente. As pencas de institutos e ONGs que passam a vida matraqueando a palavra cidadania, entupindo a mídia e os espaços públicos com suas cartilhas politicamente corretas, também não dão um pio diante desse escárnio.

Cumpre informar a todos os papagaios de clichês moderninhos: a cidadania no Rio de Janeiro foi revogada. A não ser que se conceba a meia-cidadania, ou a cidadania em meia pista.

Como explicar esse apagão de civilidade? Como entender que o poder público lave as mãos diante dessa “solidariedade” egoísta — que pode custar a vida de um enfartado, ou torturar uma grávida em trabalho de parto? Em nome de que, afinal, as autoridades liberaram a bandalha em forma de passeata?

Provavelmente tem a ver com populismo (essa praga que dominou o continente na última década), e com uma noção subdesenvolvida de bondade e tolerância. O marqueteiro mandou não contrariar. E o mais triste é que a suposta explosão cívica, tolerada pelas autoridades, é ainda mais subdesenvolvida do que quem a tolera. Para quais mudanças reais o “povo na rua” está de fato apontando?

Nenhuma. Depois da grita contra o aumento na tarifa de ônibus, a palavra de ordem “não são só 20 centavos” enunciou um abrangente movimento de massa. Teve até político afinando a voz — como o irremovível Renan Calheiros, acusado de promiscuidade com empreiteira. Calheiros virou militante do passe livre. E continuou presidindo o Senado, numa boa.

O governo Dilma, com seus 40 ministérios, bateu o recorde de gastos públicos improdutivos no auge das manifestações (o Banco Central teve que elevar a projeção de déficit para 2,7% do PIB em 2013). A sagrada sublevação das ruas jamais apontou um dedo para qualquer dos ralos do governo popular — origem da inflação que aperta os brasileiros, não só na roleta do ônibus. A nova onda de superfaturamentos no Dnit — alvo da “faxina”! — nem foi notada por ninjas, black blocs, foras do eixo e foras de órbita.

Nesse meio tempo, chegou ao Congresso o pedido da CPI da Copa. A enxurrada de dinheiro público em estádios bilionários como Mané Garrincha e Itaquerão (projetado após o golpe que “desclassificou” o Morumbi) iria enfim ser investigada. Sabem o que aconteceu com a CPI da Copa, queridos revolucionários? Foi enterrada antes de nascer. Sem nem um cartaz criativo no velório, sem nem uma ruela obstruída para pressionar os deputados coveiros.

O ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, que faturou alto com consultorias invisíveis para a indústria mineira, não só permanece no cargo, como dali toca sua campanha para governador. E ainda dá palpite sobre o dólar (“tem espaço para chegar a R$ 2,50”!), bajulando assim seus amigos empresários e bagunçando ainda mais o ambiente econômico. É típico do parasitismo petista, que não incomoda os fechadores de rua.

Um dos grandes agentes da pacificação no Rio, José Junior, líder do AfroReggae, está há dois meses jurado de morte por Fernandinho Beira-Mar. Sua instituição foi metralhada no Complexo do Alemão. Não se viu uma única passeata pela vida de Junior, e contra essa vergonha de presos em segurança máxima comandando o crime.

No entanto, há uma favelinha ninja ocupando, há meses, duas faixas da Avenida Delfim Moreira, a pretexto de pedir a saída do governador.

Prezadas autoridades: tomem vergonha, cumpram a lei contra os lunáticos e devolvam as ruas ao cidadão.


Um desafio para o ministro n° 40 - ROLF KUNTZ

O ESTADO DE S. PAULO - 31/08

O juízo final vai criar um grave problema para os ministros da área econômica. Por falta de futuro, eles ficarão impedidos de prever - ou de prometer -resultados melhores para o ano seguinte, como fez ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Por enquanto eles têm essa rota de fuga, especialmente valiosa quando o cenário de curto prazo parece muito inseguro. Mesmo diante do resultado aparentemente bom do primeiro trimestre, o ministro evitou projeções para 2013 e anunciou 2014 como um ano "mais promissor". Que significa promissor? A resposta será especialmente importante para o trabalho do ministro número 40, principal ajudante da presidente Dilma Rousseff, seu marqueteiro eleitoral e grande planejador de ações políticas de impacto.

O ministro da Fazenda recusou indicar números, mas talvez possam servir como referência de um ano "promissor" as estimativas incluídas na proposta de lei orçamentária para 2014:4% de expansão para o produto interno bruto (PIB) e inflação de 5%, medida pelo índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado na política de metas do Banco Central (BC).

Não são de fato previsões, disse Mantega ao apresentar o projeto, na quinta-feira, como se os técnicos tivessem tomado quaisquer hipóteses mais ou menos críveis para calcular a receita e a despesa do próximo exercício. Pode parecer meio estranho, mas só um pouco. Afinal, nenhuma esquisitice deste governo causa mais muita estranheza. Para o marqueteiro presidencial, no entanto, esses números poderão ser muito relevantes.

Só para um exercício muito simples, admita-se para este ano um crescimento econômico de 3% - por enquanto, uma hipótese otimista. Se o PIB aumentar 4% em 2014, a expansão acumulada nos quatro anos de mandato da presidente Dilma Rousseff será de apenas 11%. A produção de bens e serviços terá crescido a uma taxa média inferior a 3% ao ano. Se a perspectiva de um desempenho ainda medíocre neste ano e no próximo se confirmar, o mercado de emprego ficará provavelmente mais fraco. A expansão do salário real, já menor em 2013, será prejudicada. Os empresários estarão menos dispostos a contratar e será mais difícil compensar com aumentos a perda salarial causada pela inflação.

Para estimular a produção o governo poderá usar novas doses de benefícios fiscais, cortando tributos de setores selecionados. Nesse caso, insistirá numa linha de ação fracassada. Incentivos desse tipo custam caro ao governo e só produzem efeitos localizados. Nem a médio prazo o aumento da produção compensa os buracos abertos na arrecadação. Mas o governo parece ainda acreditar nas virtudes da política adotada nos últimos anos. Os fatos desmentem essa crença, mas a teimosia tem sido muito mais forte que os fatos.

Dois outros fatores ainda poderão impulsionar o crescimento e, mais que isso, criar condições para uma expansão sustentável. Em primeiro lugar, novas concessões para infraestrutura poderão movimentar o setor da construção e produzir bons efeitos a curto e a médio prazos, a começar pela multiplicação de empregos. Os ganhos de eficiência econômica serão benefícios mais duradouros e de maior alcance. O governo tem apostado nessas possibilidades, mas foi incapaz, até agora, de iniciar a execução do programa, anunciado festivamente há um ano.

Se quiser tratar seriamente do assunto, a administração federal deverá ser mais pragmático na elaboração dos editais, pôr de lado preconceitos e abandonar a ideia mal concebida do trem-bala, um projeto caríssimo e nada prioritário neste momento. Muitíssimo mais importante,nesta altura, é cuidar das condições do transporte de carga, pensar nos sistemas multimodais e dar um jeito nos aeroportos ineficientes e congestionados.

O reajuste cambial poderá ser outro fator positivo. Ninguém sabe qual será o novo patamar do câmbio, depois de superada a atual instabilidade, mas o produtor nacional certamente ganhará algum poder de competição com o real mais barato. Será um erro enorme, no entanto, fazer do câmbio o fator decisivo de competitividade, como já ocorreu em outras épocas. Quem entra nesse jogo é condenado ao fracasso, até porque o estímulo cambial tende a tornar-se um vício. Os brasileiros deveriam conhecer muito bem a desastrosa sequência formada pela depreciação cambial e pela inflação.

Não há competitividade real e duradoura sem muito investimento. No segundo trimestre, o valor investido em máquinas, equipamentos, construção civil e obras de infraestrutura foi 3,6% maior que o dos primeiros três meses do ano e 9% superior ao de igual período de 2012. Mas esse crescimento ocorreu sobre uma base muito baixa. No trimestre, a relação entre investimento e PIB ficou em 18,6%. Um ano antes estava em 17,9%. Será preciso um esforço muito grande e muito sério para se chegar a uns 24% ou 25%, nível já superado, até com folga, por vários latino-americanos.

Além de investir mais em ativos físicos, o País precisará cuidar muito mais seriamente da formação de pessoal e da inovação tecnológica. Sem isso seu potencial de crescimento continuará muito limitado. Esse potencial é hoje estimado na faixa de 2% a 3% por economistas de muito boa reputação. É difícil uma estimativa precisa, mas os limites brasileiros, como tem mostrado a experiência, são muito estreitos, especialmente no setor industrial. Diante da baixa capacidade de oferta, qualquer aumento importante da demanda pode resultar em mais inflação e em deterioração das contas externas -fenômenos muito visíveis hoje, mesmo com modesto crescimento econômico. A solução de problemas desse tipo vai muito além do marketing eleitoral.

PIB-surpresa - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 31/08

A evolução do PIB no segundo trimestre deste ano foi surpreendente. Já se sabia que seria mais expressiva do que a dos trimestres anteriores, mas não que fosse tanta. O salto foi de 1,5%, quando o que estava nas projeções dos analistas não era muito mais do que 0,9%.

Pode-se objetar que esse crescimento está prejudicado pela base achatada de comparação, que foi o baixo desempenho do PIB nos trimestres anteriores. Mas, ainda assim, foi uma recuperação forte.

O que já se sabe é que o terceiro trimestre deste ano deverá apresentar um comportamento oposto a este. Deverá voltar a acusar um resultado medíocre ou até negativo. É um desempenho aos solavancos, que reflete as atuais distorções da economia. É por isso que o desempenho líquido do PIB de 2013 em relação ao do ano anterior não deverá ser melhor do que o projetado, coisa aí provavelmente algo em torno dos 2,2% (veja o Confira).

As Contas Nacionais podem ser vistas a partir de dois ângulos: o da oferta (produção) e o da demanda (consumo). Na área da oferta, já se esperava que a agropecuária apresentasse bom resultado. No entanto, desta vez, também foi o grande destaque: crescimento no trimestre (sobre o anterior) de 3,9%, substancialmente maior do que o crescimento do PIB (1,5%). É, no momento, o setor mais ativo da economia, embora tenha peso limitado no total produzido, pouco mais de 5%.

O resultado da indústria de transformação não foi exuberante, como se sabe, no entanto se notabilizou por ter ido bem melhor do que estava nas estimativas, avanço de 1,7%. Desta vez, o setor de serviços, o que mais pesa na economia (68,5%), teve um comportamento mais modesto, de apenas 0,8% sobre o trimestre anterior.

Do lado da demanda, são três os destaques, nem todos positivos. O consumo das famílias, por exemplo, repetiu no segundo trimestre os sinais de esgotamento manifestados no trimestre anterior: cresceu apenas 0,3%. Está sendo castigado pela inflação que corrói o poder aquisitivo e pelo excessivo endividamento que, por sua vez, é consequência da maior agressividade das operações de crédito pelos bancos. Mesmo assim, o alto nível da ocupação e os bons reajustes salariais garantem alta participação do consumo das famílias no PIB (62%).

Pelo terceiro trimestre consecutivo, o investimento (Formação Bruta de Capital Fixo) vem apresentando desempenho melhor do que o PIB. Apesar disso, sua participação é baixa (apenas 18,6%) a ponto de não fazer muita diferença. As exportações, essas sim, apontaram avanço relevante na renda: 6,9%.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem motivos para festejar, mas seu diagnóstico, de que o desempenho da economia já é bem melhor em consequência dos ajustes decididos pelo governo, é, no mínimo, precipitado. Fosse isso mesmo, os próximos trimestres também estariam fadados ao sucesso. Tanto os analistas como o governo já sabem que não é bem assim.

Ainda há mais a comentar sobre o tema. Fica para amanhã.

Em que o país acertou - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 31/08

Todos os dados do PIB divulgados pelo IBGE foram bons e mostraram, como escrevi aqui ontem, que o segundo trimestre teve um crescimento maior e de mais qualidade. Ele foi disseminado por todos os setores, ainda que alguns tenham sido os grandes puxadores. O investimento teve um ótimo desempenho. O número de 1,5% ficou acima do topo das previsões do mercado.

A grande questão em relação a esse resultado é que todos sabem que ele não vai se repetir neste trimestre, então, o melhor a fazer é estudá-lo cuidadosamente para saber onde foi que o país acertou para repetir em outros momentos.

O governo, até o ano passado, achava que bastava incentivar bastante o consumo que a oferta viria depois. Desta vez, o consumo das famílias cresceu só 0,3% e o investimento 3,6% em relação ao trimestre anterior. Mas o país tem investido menos do que deveria. O governo não tem cumprido os investimentos do orçamento, e as empresas enfrentam o intervencionismo excessivo nos setores regulados. O que a lição do segundo trimestre deixa nessa área é que é preciso encontrar formas de estimular mais o investimento e realizá-los. Afinal, com todo o salto na área — que representa 9% em comparação com o mesmo período de 2012, a taxa de investimento ainda é de apenas 18,6% do PIB. Muito distante da taxa de 24% que se convencionou considerar como o desejável. A alta do investimento do primeiro trimestre estava muito concentrada em vendas de caminhões; o do segundo trimestre tem compra de máquinas e equipamentos e construção. É um dado mais sólido.

A agricultura puxou o primeiro e o segundo trimestre. Os dados de ontem (crescimento de 3,9% em relação ao primeiro trimestre e de 13% na comparação com o mesmo período de 2012) mostram que, mesmo tendo um

peso pequeno no PIB, a agropecuária será responsável por pelo menos um terço do crescimento deste ano. A MB Associados calcula que, se for considerada toda a cadeia produtiva que o setor puxa, é bem possível que metade da elevação do PIB de 2013 pode ser responsabilidade da agropecuária.

A indústria cresceu 2% em relação ao primeiro trimestre, e 2,8% na comparação com o ano passado. Teve um desempenho menos brilhante, mas há muito tempo ela é que tem reclamado mais dos efeitos da crise, portanto, o resultado foi considerado bom e é o melhor desde o segundo trimestre de 2010. O ministro Guido Man-tega, em entrevista coletiva, disse que é conseqüência das desonerações que tornaram alguns setores mais competitivos. Se for desoneração permanente — como a que recai sobre a folha salarial — faz sentido a comemoração. Se for resultado das reduções temporárias de impostos para incentivar alguns setores, o desempenho não tem fôlego para ir adiante.

É natural que o governo comemore porque o número foi acima do que se esperava e trouxe várias boas surpresas. É forçado, no entanto, dizer, como fez Mantega, que "anualizado" é um crescimento de 6%, só menor do que o da China. Esse cálculo parte de uma improbabilidade: que todos os trimestres crescessem neste mesmo ritmo. O primeiro período foi de 0,6%, e não se espera no terceiro e no quarto a repetição do 1,5% do segundo.

O crescimento do ano deve ficar mesmo em torno de 2%. Mas algumas consultorias, ontem mesmo, já estavam recalculando o PIB do ano com base nos dados do segundo trimestre, acrescentando alguns pontos após a vírgula. O mais importante é — evitando comparações asiáticas ou pessimismos prévios — analisar os pontos em que o país acertou para buscar novos bons números.

Um justo entre duas nações - KÁTIA ABREU

FOLHA DE SP - 31/08

Saboia, na Bolívia, ousou contrariar o Itamaraty assim como foi feito com a emissão de vistos a judeus


Impossível não admirar a conduta de Eduardo Saboia, encarregado de negócios na Bolívia, de trazer para o Brasil o senador Roger Pinto Molina, asilado há 15 meses em nossa embaixada em La Paz. Tomou atitude nobre e corajosa.

No passado, outros diplomatas brasileiros ousaram contrariar a cúpula do Itamaraty. Na França, o embaixador Luís Martins de Souza Dantas emitiu centenas de vistos para o Brasil a perseguidos pelos nazistas.

Mesmo depois de ser repreendido e formalmente proibido de conceder vistos, seguiu assinando documentos de próprio punho, com datas anteriores à da proibição. Enquanto isso, em Hamburgo, o vice-cônsul brasileiro e escritor João Guimarães Rosa também agiu assim, concedendo vistos de entrada no Brasil a judeus.

Décadas depois da façanha, Souza Dantas virou personagem do Museu do Holocausto, em Israel. Foi proclamado "Justo entre as nações", título atribuído a pessoas que arriscaram suas vidas para ajudar judeus perseguidos pelo regimes nazista e fascista.

Mas não se trata aqui, como não o foi no passado, de defender quebra de hierarquia nem de comparar o terror do Holocausto a um fato que pode não ir além de um incidente diplomático. Quero apenas mostrar que, em situações extremas, o diplomata deve recorrer a si mesmo.

Ressalte-se que o embaixador anterior, Marcel Biato, já havia concedido o asilo a Molina, fazendo valer esse direito internacional.

E o senador teve de pedir asilo por ter denunciado a corrupção no governo de seu país. Ousou fazer o que muitos não tiveram coragem de fazê-lo.

Em resposta, ganhou um processo "judicial", típico de "socialistas bolivarianos" que tratam os opositores como se criminosos fossem. É a criminalização da política, levada a cabo por governantes que não nutrem respeito à democracia e aos direitos civis.

Há que lembrar, também, que a lista de incidentes diplomáticos na relação do Brasil com a Bolívia é extensa. Basta citar dois episódios: a ocupação militar de uma refinaria da Petrobras e a vistoria de três aviões da Força Aérea Brasileira, que deveriam ser invioláveis, inclusive um que levava nosso ministro da Defesa.

E é bom que se diga que o senador Molina não está foragido no Brasil. Foi retirado da Bolívia em uma operação conduzida pelo consulado brasileiro. O que se espera, agora, é que não tenha destino diferente do que teve Cesare Battisti, que conseguiu permissão para ficar no Brasil, mesmo com pedido de extradição aprovado pelo Supremo Tribunal Federal.

Quando foi trazido ao país, Molina vinha de um confinamento de quase 500 dias num cubículo da embaixada brasileira, sem direito a banho de sol, em uma condição de deterioração física e psíquica. Bem diferente do tratamento principesco que o ex-presidente de Honduras Manuel Zelaya recebeu ao longo dos quatro meses em que se manteve exilado na nossa embaixada em Tegucigalpa.

Alguns aguentam mais, outros menos. Se Molina ameaçou suicídio, é porque estava no limite de suas forças. Basta nos colo- carmos na posição do outro para percebermos melhor sua condição dramática.

O encarregado de negócios Eduardo Saboia vivenciou o drama do senador. Ninguém melhor do que ele para decidir o que fazer, dada a sua proximidade e diante da falta de comando hierárquico.

Se tomou uma decisão humanitária, ele o fez em respeito aos direitos humanos defendidos por nosso governo. Se a cúpula do Itamaraty não estava observando esses direitos, um de seus diplomatas optou por fazê-lo, mesmo colocando vidas em risco.

Seguiu valores maiores, com determinação. Não se conformou com a rotina burocrática basea- da na omissão, embora essa omissão possa ter sido, ela própria, uma decisão. Cumpriu todo um péri- plo até chegar, enfim, a territó- rio brasileiro.

Bolada vez? - PAULO NOGUEIRA BATISTA JR

O GLOBO - 31/08

Não podemos nos iludir: a turbulência vai continuar


Escrevo outra vez da Rússia, onde estou para reuniões dos Brics e do G-20. Um dos grandes temas nesses encontros, talvez o maior, será a instabilidade nos mercados financeiros, com efeitos particularmente intensos em economias emergentes como a do Brasil.

Há muito tempo os emergentes não sentiam turbulência tão forte e generalizada. Os últimos anos vinham sendo gloriosos para essas economias, notadamente para os Brics. Mas em 2013 o quadro virou, particularmente depois que o Federal Reserve — o banco central dos EUA — sinalizou que pretende normalizar sua política monetária, desativando gradualmente as medidas ultraexpansivas que adotou desde 2008.

Parece a repetição de um ciclo conhecido em que a alternância de fases de expansão e contração da liquidez internacional e dos mercados financeiros mundiais gera efeitos ampliados nas economias emergentes, em especial naquelas que se deixam seduzir nos períodos de dinheiro farto e juro barato. Em 2013, foram novamente as economias mais vulneráveis, com déficits maiores, que logo sentiram o golpe.

Seriam os emergentes a “bola da vez”? É a pergunta que muitos fazem, não sem um toque de “Schadenfreude”, de discreta (ou nem tanto) satisfação de ver a crise se deslocar para o mundo em desenvolvimento, de onde — insinua-se — nunca deveria ter saído. A instabilidade servirá ao menos para colocar esses arrivistas no seu devido lugar — essa é a mensagem subjacente a diversos comentários sobre a conjuntura na imprensa internacional. E o FMI, por exemplo, já se apressa a oferecer ajuda...

Há quem faça comparações entre o quadro atual e as crises anteriores que atingiram economias emergentes nos anos de 1980 e 1990, notadamente na Ásia e na América Latina. Semelhanças existem, mas há diferenças importantes também.

Destacaria duas: os regimes cambiais e os níveis de reservas internacionais. Nas crises das décadas anteriores, muitas economias emergentes trabalhavam com sistemas de câmbio fixo ou bandas cambiais. Quando a crise se instalava, regimes mais ou menos rígidos se tornavam alvos para maciços ataques especulativos.

Hoje, prevalecem sistemas de flutuação, com câmbio flexível e maior ou menor intervenção dos bancos centrais. A depreciação cambial é uma primeira linha de defesa, permitindo absorver parte dos choques externos.

A segunda diferença importante: o elevado nível das reservas internacionais, atualmente muito maiores do que costumavam ser. É outra linha de defesa de que dispõem os emergentes diante de choques externos. Os países aprenderam com as crises passadas e têm munição acumulada.

Câmbio flexível e reservas altas ajudam, sem dúvida, mas não podemos nos iludir: a turbulência vai continuar. E a briga vai ser feia.

Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais dez países no Fundo Monetário Internacional, mas expressa os seus pontos de vista em caráter pessoal.

A foto que virou radiografia - ALBERTO DINES

GAZETA DO POVO - PR - 31/08

O que assemelha dois episódios aparentemente tão diferentes quanto a manutenção do mandato do deputado-presidiário Natan Donadon e a vaia dos médicos cearenses aos colegas cubanos recém-chegados?

O salvo-conduto oferecido pelos deputados ao legislador-malfeitor situa-se na esfera criminal: espertos, pretendem gozar da mesma impunidade quando seus eventuais ilícitos e bandalheiras forem desvendados. Já a assuada e os apupos dos esculápios no aeroporto de Fortaleza são de ordem pragmática: não querem concorrentes, o imaculado avental branco não pode ser estendido a estranhos. Privilégio exclusivo, só deles.

Deputados-cúmplices e médicos ensandecidos são filhos da mesma aberração política: o corporativismo. A República Corporativa do Brasil (já referida neste espaço em 27 de abril) avança. Quanto mais se desenvolve a percepção de isonomia e as exigências de igualdade, maior a resistência dos setores agarrados às regalias particulares.

O corporativismo é uma forma de exclusão, fragmentação da sociedade em camadas seletivas, autêntico sectarismo, tribalismo modernizado. É uma incapacidade de enxergar o todo – o bem comum, a comunidade – em benefício dos grêmios privados (as guildas medievais).

Não foi por acaso que o fascismo de Benito Mussolini, um ex-socialista paranoico, edificou sua concepção de Estado sobre a enganosa e pseudodemocrática ideologia corporativista. Também não é coincidência que essa formatação política tenha germinado entre nós com tanto viço e vigor: o tenentismo dos anos 20, a luta contra as oligarquias da Revolução de 1930, o arcabouço da Constituição de 1934 e a ditadura do Estado Novo imposta em 1937, cada um destes movimentos, à sua maneira e em doses diferenciadas, contribuiu para consolidar uma mentalidade e um arcabouço corporativista até hoje persistentes.

Quando esquecem sua função pública e a solidariedade, inchadas pelo jogo de poder, corporações são caricaturadas como máfias, e a nossa “máfia de branco” tem no currículo desempenhos ostensivamente antissociais. No entanto, médicos são os nossos melhores amigos; em cada história pessoal há um doutor que minorou a dor, salvou nossa vida ou a de nossos queridos. Não é a pessoa física, a profissão nem o seu benemérito exercício que estão em discussão. São os desvios do grupo, das entidades, a ambição e arrogância da pessoa jurídica convertidas em atividade-fim.

A vaia de Fortaleza foi ouvida no Brasil inteiro graças a uma foto silenciosa e dolorosamente reveladora de malefícios e maldições piores que o corporativismo. Doença da alma, a xenofobia é o rancor contra o outro, o diferente, o desigual. No caso, o médico cubano em primeiro plano era negro. Assim, casualmente, a foto converteu-se em radiografia e ofereceu um arrasador diagnóstico da nossa desumanização: a xenofobia é irmã do racismo e ambas, filhas do fascismo.

Medicina e xenofobia não combinam: antípodas e antagônicas. O programa Mais Médicos pode resultar numa catarse e vencer a maldição original – a histeria ideológica.

Juiz faz a lei? - WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SP - 31/08

A sentença também pode fazer a lei, consolidando a interpretação e sua aplicação em casos semelhantes


Os paradoxos da vida diária se repetem. Exemplos: um parlamentar federal é condenado por crime grave, é preso para o cumprimento da pena e seus colegas (alguns talvez em causa própria) não lhe tiram o mandato. No atual debate do STF, a respeito do "mensalão", o calor das discussões e irritação de seus personagens desperta mais atenção que os fatos lamentáveis que lhes deram origem. O mesmo se diga do boliviano que, numa escapada veio para o Brasil, em fuga que parece rocambolesca, sem o ser.

Na tripartição dos poderes, a base da atividade judicial consiste em examinar fatos e dar razão a quem a tenha. Justifica a volta da velha pergunta: o juiz faz a lei? Ou apenas a aplica?

Nos países da lei escrita (caso do Brasil) o magistrado aplica a lei, da Constituição para baixo. Em outras nações, não é assim.

Nos Estados Unidos, por exemplo, há Estados que se guiam predominantemente pela chamada "common law", em que a fundamentação básica dos julgamentos parte do exame de decisões anteriores dos tribunais, rumo que se repete em vários países de formação anglo-saxônica. Baseado, portanto em precedentes judiciais, para resolver um caso novo.

Desde o começo do século passado, os dois sistemas trocaram informações e experiências. Houve lenta combinação dos elementos essenciais. Entre nós, a evolução trouxe soluções indo mais além do puro texto legal. Vale a pena pensar no assunto.

Hoje é possível dizer que, nos dois tipos, a vida sugere que o juiz também faz a lei, neste mundo em transformação. Assim será pelo fato de que a lei escrita, base de nosso direito, não acompanha a mutante realidade socioeconômica. Desatualiza-se rapidamente. Na faixa anglo-saxônica a invocação de velhos julgados foi superada quando atacados pela adesão crescente na lei escrita. A transição é confusa neste mundo conturbado.

Fixemos nossa atenção no Brasil: os quase trezentos artigos, do corpo principal da Carta Magna, trazem a essência das regras de cumprimento obrigatório neste país (arts. 1º e 5º). Cresceu muito o número de leis escritas, mas com as constantes e complexas mudanças da vida, o texto original da lei é de curta duração, bastando pensar nas dezenas de emendas da Constituição.

O paradigma legal reclama atenção permanente acelerada para sua atualização, o que também explica a proximidade das soluções nos dois sistemas legais.

Temos evoluído para uma solução mista. No Brasil o espaço vazio da lei é preenchido, nos cinco primeiros artigos da Constituição, por preceitos gerais denominados "fundamentos", orientando a interpretação da normatividade inferior.

É o caso de soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e mesmo o pluralismo político. De igual modo se diga dos objetivos fundamentais da República de definição constitucional, em casos de regência imperativa (arts. 3º e 4º).

Dão ordem à resposta da pergunta inicial: a sentença quando não caiba mais recurso, também faz a lei, consolidando a interpretação e sua aplicação em casos semelhantes. Os arts. 102, parágrafos 1ª (preceito fundamental) a 3ª (repercussão geral), 103-A (súmula com efeito vinculante), da Constituição são exemplos da compreensão ampliada.

Quais monstros virão? - RENATO FERRAZ

CORREIO BRAZILIENSE - 31/08
Zoinho, Asdrubal, Neca, Cajado e Priante; Quintão, Pimenta, Biffi e Mussi; Faro e Feliciano. Não é escalação de time de futebol, mas pequena brincadeira para lembrar vocês, caros leitores, de jamais esquecermos o pior dos medrosos, aqueles que temem assumir posição pública - ainda mais sendo parlamentar. Os 11 citados acima, e não avalio o comportamento individual de nenhum, estão entre os 108 parlamentares que se ausentaram da Câmara na noite em que se tentou cassar o mandato de Natan Donadon, ex-peemedebista de Roraima agora na Papuda. Há gente do PT ao PSDB, do PSB ao DEM.
O Partido dos Trabalhadores, hoje motivo até para a criação de neologismos de mau gosto, continua se esforçando para se tornar igual a tudo e a todos: 21 deles desapareceram do plenário. Até o "pragmático" PMDB foi mais comedido: mandou 15 sumirem. O comportamento do PSB, que escondeu 6 deputados, foi igualmente vergonhoso. Da turma tucana, se acovardaram sete deputados - um em cada 10. Outros 41 parlamentares lá estavam, mas preferiram se abster: a neutralidade, já se disse, pode ser sinônimo de omissão, descomprometimento. O neutro costuma beneficiar o infrator.

De qualquer forma, a Câmara deu munição aos jovens manifestantes de rua que haviam se recolhido às confusas "manifestações" via internet, por meio de redes sociais. Talvez a atitude dos deputados provoque até mais incerteza sobre o que querem (ou não) os jovens - que têm angústias semelhantes em todos os países.

O antropólogo Edgar Morin e o filósofo Patrick Viveret, na obra Como viver em tempo de crise, chegam a acreditar na hipótese de que possamos estar vivendo uma metamorfose diante de tanta coisa errada na economia, na política, nas relações diplomáticas, no trato ao meio ambiente e por aí vai. E vão até Antonio Gramsci, que definia muito bem o que é uma crise: o exato momento em que o velho mundo custa a desaparecer e o novo custa a nascer - e nesse claro-escuro podem acabar surgindo monstros.

Reflexos da crise - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 31/08
Não foi uma simples mudança de humor da população que levou multidões às ruas e fez a popularidade dos governantes cair a níveis inimagináveis, sobretudo a presidente Dilma, que do céu de uma aceitação espetacular quase foi a nocaute em junho e só agora começa a se recuperar, lentamente.
Os ecos do crescimento do PIB de 1,5% no segundo trimestre deste ano certamente ajudarão nessa tentativa de recuperação, mas tudo indica que o terceiro trimestre que termina este mês vai cobrar de volta o resultado positivo.

Os movimentos que invadiram as ruas desde junho deixaram um legado que não se deve ignorar: a consciência de boa parte da população de que o Estado aplica mal os recursos obtidos com a arrecadação de impostos. Nas grandes metrópoles, o recado das ruas se mostra ainda mais claro: há uma enorme insatisfação da população com a baixa qualidade de vida.

As deficiências ficaram mais evidentes devido ao baixo crescimento econômico do país, que deve ficar em torno de 2% na média do governo Dilma, uma das mais baixas taxas de todos os tempos.

O professor Reinaldo Gonçalves, da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, fez um ranking dos governos brasileiros com base apenas na avaliação econômica desde Deodoro da Fonseca e classifica os que tiveram crescimento do PIB abaixo de 2,3% como os piores: além dos governos com queda do PIB durante os mandatos, Collor (- 1,3%) e Floriano Peixoto (-7,5%), compõem a lista Venceslau Brás (2,1%) e Dilma Rousseff (2,0%), com a previsão de crescimento de 2,1%-2,2% em 2013-14.

Em termos de comparação, governos "medíocres" em termos econômicos foram aqueles que tiveram crescimento do PIB entre 2,3% (Fernando Henrique) e 3,1% (Campos Salles). Entre eles estão Afonso Pena (2,5%) e João Figueiredo (2,4%). A taxa média anual de crescimento do PIB brasileiro é de 4,5% no período republicano, a taxa de crescimento médio anual do PIB mundial é 3,5%. Para o governo Dilma chegar à classe "medíocre", seria necessário que as taxas de crescimento médio anual do PIB fossem maiores do que 2,8% em 2013-14, proeza considerada impossível pela maioria dos analistas econômicos.

A súbita descoberta de que a má gestão ocasiona serviços públicos de péssima qualidade, afetando o cotidiano dos cidadãos, trouxe ao debate a necessidade de os governos serem bons gestores, uma tese muito cara a dois dos principais candidatos a adversários de Dilma na corrida à Presidência da República em 2014: o exgovernador de Minas e senador Aécio Neves do PSDB e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos.

Esse debate, que sempre foi ridicularizado pelo ex-presidente Lula (classificado como um governo "fraco" no ranking dos presidentes, com um crescimento do PIB de 4% ao ano) e menosprezado pelo PT, passou a ser um dos pontos importantes da disputa política.

Em recente estudo sobre a gestão das grandes cidades brasileiras, a consultoria Macroplan fez uma radiografia das cem maiores cidades do país - 1,8 % do total de municípios do território nacional.

Juntas, elas respondem por mais da metade de tudo que é produzido no Brasil (53% do PIB), concentram 40% da população, 42% dos trabalhadores, 48% das empresas e 51% dos empreendedores individuais do país. O grupo reúne 36% dos estudantes do ensino básico, 48% dos leitos hospitalares, 47% das habitações e 47% dos ônibus.

Nessas cidades se geram ainda 64% de todo o esgoto do país e é nelas que ocorrem 52% dos homicídios registrados no Brasil. Representam, assim, praticamente toda a engrenagem deste país. Localizadas em regiões pobres ou prósperas, de um canto a outro, elas, é certo, já não são as mesmas de algumas décadas atrás.

O Brasil exibe acelerado desenvolvimento urbano (a urbanização já alcança 84% da sociedade), a cobertura da educação fundamental praticamente foi universalizada, e o acesso à informação se ampliou radicalmente, ancorado em boa medida nos efeitos da privatização da telefonia e das novas formas de comunicação.

Nesse novo cenário, a população passou a exigir cada vez mais acesso a bens e serviços de qualidade, especialmente serviços públicos. Ao mesmo tempo em que fazem girar o motor da economia, as cidades estudadas têm aspecto intrigante. Olhar para o grupo das cem cidades é como olhar para um copo cheio pela metade - há inúmeros exemplos de quase sucesso e quase fracasso em áreas estratégicas para o desenvolvimento.

(Amanhã, uma radiografia das cidades)

Ideias e mundo real - LUIZ SÉRGIO HENRIQUES

O ESTADO DE S. PAULO - 31/08

A relação entre ideias e mundo real não costuma ser unívoca nem se prestar a simplificações. Desajustes entre o que os homens efetivamente fazem, o que dizem sobre si e sobre a ação que empreendem constituem situação ineliminável da vida política. Não são, pois, traço característico da direita ou da esquerda, algo que se aplique com exclusividade a esta ou àquela entre as frações que ocupam o leque das opções disponíveis em cada circunstância.

Caso clássico, nesse sentido, e que atingiu em cheio a trajetória da esquerda foi o que se deu, a partir de 1917, com a justificação leninista e, depois, stalinista dos acontecimentos russos. Como se sabe, para o fundador do Estado soviético,o comunismo poderia ser sintetizado numa fórmula que reuniria sovietes e eletricidade. Por uma dessas duras réplicas da História, a ideologia marxista-leninista, que seria a codificação do bolchevismo no poder, logo recobriria, velando mais do que esclarecendo, uma realidade em que os sovietes (a democracia direta) se atrofiariam rapidamente e a eletrificação (a modernização) se daria "pelo alto", num período curtíssimo de tempo e com brutal custo humano, encarnado na coletivização do campo e na tragédia do stalinismo.

O século 19 brasileiro é outro exemplo evidente de que o mundo ideal e o dos fatos se articulam de modo pouco ortodoxo. A explicação que daquele século nos deu Florestan Fernandes apreende, com sagacidade, os caminhos de uma "revolução encapuçada" que, escorada pelo elemento dinâmico do liberalismo político, minaria os fundamentos da ordem senhorial, preparando - é verdade que ao longo de décadas, que viram a insólita associação de liberalismo e escravidão - o surgimento da modernidade capitalista.

Uma hipótese a ser examinada para entender o período iniciado com a Constituição de 1988 é que, uma vez mais, estaríamos lidando com alguma inédita ou pouco comum ironia da História. O grande e heterogêneo conjunto de ideias e práticas que se associa à social-democracia será talvez o que mais apropriadamente descreve a "ideologia" da nossa Carta, com seus novos mecanismos de criação de direitos a partir do reconhecimento jurídico de interesses legítimos de todos os setores sociais, especialmente dos subalternos. E, no entanto, as correntes políticas próximas daquele ideário se dividiriam em facções crescentemente irreconciliáveis, cuja conflituosidade por vezes espanta o observador desatento aos movimentos mais profundos que orientam o comportamento de atores individuais e coletivos, bem como a relação entre cultura e política.

Num exame menos superficial, tucanos e petistas de modo algum são inteiramente idênticos por origem ou orientação de valor, mas as diferenças que exibem e até exasperam não autorizam colocá-los em compartimentos antagônicos nem sequer muito distintos, ao contrário do que possam sugerir os tons da refrega a que se entregam. Os governos Fernando Henrique e Lula registraram avanços sociais dignos de nota, em razoável grau de continuidade, como atestam sucessivas avaliações, a mais recente das quais insuspeito índice de desenvolvimento humano referido à totalidade dos municípios brasileiros. Nenhuma revolução social, naturalmente, mas um interessante progresso relativamente espalhado pelo território, cujas consolidação e ampliação podem recolher considerável nível de consenso e gerar mobilização ainda maior de recursos, reduzindo a pobreza e também a desigualdade, numa "revolução encapuçada" mais ambiciosa, a ser conduzida estritamente dentro dos parâmetros constitucionais.

Os dois atores, dizíamos, não são idênticos: uns, mais atentos à dimensão institucional da democracia representativa, apesar da ferida representada pela malfadada emenda da reeleição em benefício dos então ocupantes do poder; outros, mais cuidadosos com as urgências sociais, ainda que o desleixo com os aspectos "formais" da democracia- aspectos "burgueses", dirse-ia na velha cultura bolchevique - os tenha feito incorrer não em episódio "comum" de corrupção, explicável pela generalizada força do dinheiro na política contemporânea, mas sim num ataque frontal ao Parlamento, como aquele sobre o qual o Supremo Tribunal Federal ora se debruça novamente.

Difícil imaginar Fernando Henrique,não obstante a manobra da reeleição, nas vestes de caudilho: para tanto lhe falta, inclusive, o physique du rôle. Preocupante observar na variante social-democrata rival, não obstante a recusa do terceiro mandato, uma proximidade pelo menos ideal com a presente vaga dos presidentes latino-americanos que se querem "eternos": um sinal de que esta variante se terá modernizado de modo insuficiente, podendo condescender, se as condições o permitirem, com velhas taras autoritárias que assolam a tradição e não são atributo exclusivo dos "reacionários".

Se esta chave de leitura for minimamente correta, isto é, se estivermos assistindo ao confronto desabrido entre duas vertentes da mesma social-democracia,é o caso de temer pela qualidade das instituições, que constituem o bem mais precioso herdado das lutas contra o regime autoritário. Não custa fazer outro paralelo com a História trágica do século 20 e lembrar que os bolcheviques - ramo radicalizado do grande tronco socialista em certo momento se lançaram contra os "social-fascistas"-os social-democratas clássicos -, facilitando a emergência do nazismo, o mal absoluto por definição.

Estamos muito longe desse cenário de pesadelo, mas bem podemos imaginar outras formas de degeneração do discurso e da arena política causadas pelo espírito de cruzada sem tréguas contra o adversário, considerado o inimigo a varrer em cada episódio eleitoral. Algumas dessas formas, infelizmente, já podem talvez ser entrevistas a olho nu.