quinta-feira, junho 13, 2019

Petróleo e poder: o homem que está botando fogo no Golfo - VILMA GRYZINSKI

REVISTA VEJA

Ali Khamenei, o manda-chuva do Irã, é o supremo líder religioso, mas nunca foi santo; só sob seu controle direto, tem mais de 200 bilhões de dólares




Acho que tive uma ideia: aos 80 anos, Khamenei quer salvar o regime peitando Donald Trump (Leader.ir/Reuters)

Teria o líder supremo Ali Khamenei a suprema cara de pau de chancelar ataques clandestinos contra dois petroleiros, sendo um deles japonês, exatamente no momento em que o primeiro-ministro Shinzo Abe visita Teerã na tentativa de acalmar ânimos e, principalmente, garantir o abastecimento de petróleo sem o qual o Japão para?

A resposta, em uma palavra, é sim.

Um dos navios, de bandeira norueguesa, ficou à deriva, em chamas, no Golfo de Omã. O Kokuka Courageous, o japonês, que levava metanol da Arábia Saudita para Singapura, sofreu um buraco no casco, acima da linha d’água.

O preço do petróleo subiu 4% e o mundo inteiro ficou olhando para os Estados Unidos. Tendo reforçado a presença militar no Iraque há exatamente um mês e ameaçado o Irã das piores coisas possíveis se sair da linha, Donald Trump tem que dar uma resposta à altura dos novos ataques.

Garantir o livre trânsito de petróleo pelo Golfo Pérsico, incluindo o gargalo do Estreito de Ormuz, é um dos fundamentos que tornam os Estados Unidos a superpotência dominante.

E permite a todos nós não passar noites em claro, à espera do abismo que nos engoliria se houvesse uma crise no abastecimento mundial.

O contexto mais recente da encrenca é conhecido: Trump saiu do acordo de contenção nuclear do Irã, exatamente como havia prometido fazer, e apertou os formidáveis parafusos das sanções econômicas.

Como o dólar é a moeda padrão e todas as transações passam por ele, quem quiser comprar petróleo do Irã está sujeito a medidas punitivas.

Só um exemplo: o Standard Chartered, banco com sede em Londres, “aceitou” pagar no começo do ano, em acordo com a justiça, uma multa de 1,1 bilhão de dólares por causa de transações feitas com o Irã por seu ramo em Dubai em 2012. E ainda pediu desculpas.

Estrangulado, o regime iraniano tenta de tudo. “Cooptar” países europeus para um entendimento em separado – veja-se multa acima para imaginar o resultado – e ameaçar represálias subreptícias que vão desde os ataques “anônimos” a petroleiros até uma série de armadilhas para fazer Israel se confrontar, sem querer, com a Rússia no teatro bélico da Síria.

Um passo além, seria usar seus asseclas entre as múltiplas milícias xiitas no Iraque para atacar diretamente militares americanos.

É claro que uma afronta assim mudaria o quadro atual, que já não é nada tranquilizador.

Como não dá para esperar a realização do sonho dos aiatolás – uma derrota de Donald Trump na tentativa de reeleição do ano que vem, com a certeza de que um presidente democrata voltaria correndo para o acordo nuclear -, a tática dos confrontos de baixa intensidade, principalmente para apavorar os petroleodependentes, está se desenrolando.

Absolutamente qualquer planejamento, decisão e execução final passam pelo aval de Ali Khamenei, o segundo líder supremo, como nas antigas charges de marcianos desembarcando na Terra, desde o principal arquiteto da revolução dos turbantes, o aiatolá Khomeini.

Aos 80 anos, ele está vendo o plano declarado de destruir Israel ainda um pouco longe da realização e as vicissitudes do regime teocrático ameaçando sua sobrevivência até o fim dos tempos – o que aconteceria, na escatologia xiita, com a volta do imã reverenciado como o décimo-segundo e último de sua linhagem, tendo entrado em estado de “ocultação” no século X.

Ao contrário da austera tradição dos líderes religiosos xiitas, Ali Khamenei não tem nada da figura monacal que apresenta ao mundo.

Segundo desertores de alto escalão, ele adora caviar do Mar Cáspio, tem mais de cem cavalos de raça, coleciona bengalas antigas, usa mantos tecidos com pelos de uma raça especial de camelos e usa nada menos do que seis palácios, sendo dois que pertenceram ao deposto xá do Irã. E adora piadas sujas.

Fora as piadas, tudo isso é bancado por uma mistura entre público e privado. Grandes propriedades, fábricas e imóveis confiscados de iranianos que fugiram ou foram obrigados a fugir do país foram incorporados a uma organização chamada Central de Execução das Ordens do Imã, conhecida como Setad em farsi.

A organização instala energia elétrica e constrói casas para a população carente, mas a falta de barreiras entre o que é “nosso” e o que é “deles” construiu para Ali Khamenei e sua família um pote de ouro calculado em estarrecedores 200 bilhões de dólares.

A família tem investimentos em todos os setores da economia iraniana e, através de empresas de fachada, em fábricas na Europa, operadoras de celular na África e outras minas de ouro.

O dinheiro aumenta o poder de Khamenei – assim como as gravações de conversas de inimigos e, principalmente, amigos que, segundo um ex-guarda-costas, ele ouve diariamente por pelo menos vinte minutos.

Enquanto tantos órgãos de imprensa mundiais acham que Donald Trump é autoritário (sem contar que acredita que a Lua faz parte de Marte), o líder supremo iraniano e chefe de Estado, comandante-chefe das Forças Armadas, tem poder de baixar decretos sobre assuntos religiosos, econômicos, ambientais e de relações exteriores. Jornalistas acusados de ofendê-lo podem ser presos e condenados a chibatadas.

Khamenei tem os movimentos do braço direito prejudicados por sequelas do atentado a bomba – escondida num gravador diante de seu pódio numa mesquita- em 1981o, quando grupos ultraesquerdistas ou anticlericais ainda tentavam se rebelar contra o regime teocrático dos aiatolás.

Em manifestações recentes, devidamente reprimidas, têm surgido os gritos de “Abaixo o ditador”, com referência a Khamenei. Além de um quase inacreditável “Morte à Palestina”, além de “Não a Gaza e ao Líbano” e “Fora da Síria”. Todos são referências às intervenções bancadas, com dinheiro, ideologia e, no caso da Síria, vidas, pelo regime teocrático.

Como líder supremo e autoridade máxima dos xiitas que seguem a linha do décimo-segundo imã – dodecadêmicos -, Khamenei tem que ser um exemplo, ou “marja”, a ser imitado e reverenciado por todos os fieis.

Algumas correntes xiitas da mesma linha, em especial no Iraque, não aceitam que ele tenha credenciais religiosas para ser um grão-aiatolá, o grau máximo da hierarquia, que é mais verticalizada do que entre os muçulmanos sunitas.

Com uma cirurgia por câncer de próstata e um futuro não muito longo pela frente, Khamenei terá se tornado mais agressivo e não mais sábio com a idade? Estará disposto a tocar fogo no Golfo Pérsico para salvar seu legado? Vai peitar Donald Trump?

Petróleo, religião e poder nunca garantiram um minuto de tranquilidade ao Irã em quase cinquenta anos. Espalhar instabilidade além-fronteiras tem sido a vingança dos aiatolás.

Khamenei tem que decidir se deixará mais ódio e destruição como herança.

Licença para fazer dívidas - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 13/06

Com aprovação de crédito de R$248,9 bilhões pelo Congresso, o governo pode encarar o rombo fiscal deste ano


Na última terça-feira, o governo federal arrancou do Congresso autorização unânime para que o Tesouro pudesse aumentar o endividamento em R$ 248,9 bilhões (correspondente a 17% da arrecadação de 2018).

Com os recursos assim obtidos, o governo pode encarar o rombo fiscal deste ano sem ter de cortar ou adiar despesas nem de ter de incorrer em crime contra a Lei de Responsabilidade Fiscal por não respeitar a regra de ouro estabelecida pela PEC do Teto de Gastos.

Essa PEC foi aprovada no governo Temer para evitar que se repetissem os abusos do governo Dilma, que “pedalava” despesas de um exercício fiscal para outro para disfarçar o rombo – e por isso enfrentou impeachment. A própria PEC já previu a necessidade de autorização extra pelo Congresso caso a conjuntura impossibilitasse o cumprimento do Orçamento.

Entre as justificativas divulgadas pelo governo Bolsonaro para a decisão desta semana está a retórica de que, sem esses recursos extras, o governo teria de abortar o Plano Safra destinado à agricultura, interromper ou manter paralisadas obras de interesse social, como as da transposição do Rio São Francisco, cortar verbas para o programa de habitação popular Minha Casa, Minha Vida e deixar de pagar benefícios sociais. Quando tiveram de justificar as pedaladas, as autoridades da hora ao longo do governo de Dilma Rousseff disseram coisas parecidas.

O governo poderia ter feito ameaças de cortes em outras áreas, como na dos recursos para as Forças Armadas ou de atraso dos salários e aposentadorias de funcionários públicos, como vêm fazendo os governadores que estão com a corda no pescoço.

Ou seja, o que importa aí não são as alegações e a maneira como seria estendido o cobertor curto. O que importa é o tamanho do rombo que não é nem culpa deste governo.

Mais do que isso, importa o fato de que essa ajeitação prevista, de resto em lei, não resolve o problema de uma vez por todas. Essa não é uma cobertura de emergência, apenas destinada a socorrer um déficit de caixa impossível de ser previsto, como em família poderia ser um acidente ou uma doença. Ele já estava nas contas. Ele está aí para se perpetuar. No ano que vem, rombo de igual tamanho (ou maior) exigirá nova autorização para aumentar o endividamento e empurrar a conta para o futuro, que a Deus pertence. O ministro da Economia, Paulo Guedes, não esconde que até 2022 a história se repetirá.

Dado o precedente, e acompanhadas por essas e outras ameaças de jejum imposto pelo corte de verbas, o Congresso será novamente acionado para o inevitável, ano após ano.

Mesmo contando com os benefícios de um início de mandato, o governo Bolsonaro teve de se desdobrar em certas concessões para garimpar o amém do Congresso. No ano que vem, em pleno clima de eleições municipais, as concessões poderão ser ainda maiores. E daí para a frente, além dos desgastes decorrentes da atual deficiência de governança, o presidente Bolsonaro estará enfrentando o desgaste político típico de começo do fim de mandato.

Agora, a pergunta inevitável: em meio a essas empurradas de contas para quando der, para onde vai o passivo do setor público, que não mais é do que rombo acumulado? Hoje, apenas a dívida mobiliária (em títulos) está nos 78,8% do PIB. Estão excluídos desse total outros passivos, como os precatórios e passivos trabalhistas.

E a dívida pública galopando em direção ao incomensurável. Se for confirmado o naniquismo do PIB neste e nos próximos anos, a dívida em relação à renda do País deverá aumentar ainda mais. Se, na melhor das hipóteses, a reforma da Previdência trouxer a economia de R$ 1 trilhão, como quer o ministro da Economia, convém lembrar que esse resultado só virá em dez anos. E não se sabe como a despesa pública evoluirá até lá.

A saída, pois-pois, é o crescimento econômico, que aumentaria a renda nacional e a arrecadação, com o que até a oposição concorda. No entanto, o crescimento do PIB só virá se voltarem muitas coisas, especialmente a confiança. Esta, por sua vez, só se restabelecerá caso a economia, hoje desarrumada, seja submetida a um conjunto sólido de reformas.

Aí entra a velha mumunha de que ninguém quer pagar a conta que vai ficando. O risco maior é o de que tudo precise piorar para só então começar a melhorar, como acontece nas leis do inevitável. Falta saber: piorar até que ponto? E até quando?


Miopia - ZEINA LATIF

O Estado de S.Paulo - 13/06

Os mercados estão excessivamente otimistas quanto ao espaço para políticas anticíclicas nos países


O ambiente internacional é um importante elemento para permitir a travessia do Brasil sem maiores sobressaltos até a aprovação de reformas estruturais e a volta do crescimento econômico. A estagnação da economia torna o País mais vulnerável a ventos de proa do cenário mundial. Basta lembrar as consequências da alta do dólar e dos derivados de petróleo no ano passado, que culminaram na grave paralisação dos caminhoneiros.

Em dezembro do ano passado, discuti que 2019 seria, provavelmente, mais um ano de desaceleração do crescimento mundial. Retorno ao tema, pois novos elementos estão presentes. Alguns mais preocupantes e outros até positivos.

O ritmo de desaceleração global ganhou ímpeto nos últimos meses. Pior, os sinais recentes são de quase estagnação na produção industrial e no comércio mundial, tanto em economias avançadas, como emergentes, cuja performance atual nem de longe lembra a do passado. Não restam dúvidas que a guerra comercial EUA-China e as decisões equivocadas de Donald Trump de isolar os EUA dos parceiros comerciais cobram seu preço. Enquanto isso, a Europa, com escassez de lideranças fortes, não consegue fazer o contraponto.

A fraqueza do comércio mundial é preocupante porque, aliada às incertezas globais, implica menos investimentos e inovação e, portanto, menor potencial de crescimento do mundo.

A desaceleração na China segue, apesar das várias políticas de estímulo – monetária, creditícia, fiscal, regulatória – conduzidas desde meados do ano passado. A cada rodada de indicadores econômicos mais fracos, novos estímulos são anunciados.

Ainda que essas medidas venham a ser bem-sucedidas em compensar o impacto da guerra comercial, que penaliza as exportações chinesas (20% do PIB), não se pode desconsiderar que fatores estruturais e duradouros também produzem a desaceleração econômica, como a demografia (envelhecimento da população), o menor êxodo rural e a mudança paulatina de modelo econômico.

De quebra, a China enfrenta a chamada armadilha da renda média. Atingir patamares mais elevados de renda per capita exigirá reformas estruturais pró-mercado, reduzindo a intervenção estatal.

Importante ponderar que um acordo para pôr fim à guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo talvez não ocorra tão cedo e quando ocorrer, talvez seja em etapas, enquanto a disputa tecnológica veio para ficar. Mesmo que Trump não se reeleja, o fato é que se trata de uma agenda de Estado, não de governo, ainda que o presidente norte-americano dificulte bastante o diálogo.

Os EUA também dão alguns sinais de desaceleração. Não está claro o quanto ela é provocada pelo aperto monetário promovido pelo Federal Reserve, que deve ter seu impacto máximo na economia este ano, ou pelo fato de a economia estar operando em seu pleno potencial, o que naturalmente limita o avanço. A taxa de desemprego está nas mínimas históricas e, assim, o custo da mão de obra começa a subir, ainda que sem pressionar a inflação.

Talvez o Fed decida cortar a taxa de juros por conta do efeito da guerra comercial sobre a demanda (consumo e investimentos). Difícil, porém, enxergar grande espaço para corte, pois o conflito comercial provocará também pressão de custos e menor potencial de crescimento. Bloquear importações chinesas produz ineficiências.

A inflação baixa e a existência de instrumentos para tentar conter a desaceleração mundial tem sido um alento aos investidores. Bom mesmo seria se isso não fosse necessário. De qualquer forma, este quadro tem proporcionado baixa volatilidade nos mercados globais, o que poupa os mercados e a economia brasileira de maiores solavancos.

Avalio que os mercados estão excessivamente otimistas quanto ao espaço para políticas anticíclicas nos países e, também, quanto à sua eficácia. Isso não ficará claro tão cedo. Como o horizonte temporal dos mercados é curto, de alguns meses, preserva-se a baixa volatilidade dos mercados, o que, por ora, ajuda em nossa travessia. Não convém, porém, contar com a sorte.

Economista-chefe da XP Investimentos

As teorias da conspiração - MARIA CRISTINA FERNANDES

Valor Econômico - 13/06

Com um xerife mais fraco, governo vê crescer poder militar


A conspiração do juiz e do procurador é grave mas tem uma minuta de explicação: tapar os buracos de uma operação desbalanceada entre convicções e provas. O que vagueia sem rastro são a autoria do grampo e do vazamento, além de suas motivações. Como também se trata de uma conspiração, estão liberadas as teorias, como esta de um general: coisa de bandido, para bandido e focada a revelar a porção bandida de agentes públicos.

Não é a única. Outra, de extensa rodagem, é a do fogo amigo de procuradores destinado a chamuscar a ala curitibana em meio a uma encarniçada disputa sucessória na Procuradoria-Geral da República. A hipótese ganhou força com o hacker que invadiu ontem um grupo de WhatsApp de procuradores. Como toda teoria do gênero, despreza o risco de se reduzir a cinzas o prestígio da instituição. Não guarda nenhuma relação o grau de dificuldade envolvida nas duas operações.

O Telegram, usado pelo então juiz Sergio Moro e pelo procurador Deltan Dallagnol é considerado tão seguro que inspirou o EBchat, canal de comunicação usado pelo Exército brasileiro. Com mensagens que se apagam automaticamente e sem armazenamento em servidor, o Telegram teve seu uso restrito em sua própria pátria, a Rússia.

Duas semanas antes de o distinto público ser informado que as duas principais autoridades da Lava-Jato combinavam procedimentos por Telegram, coube ao vice-presidente da República associar a Rússia à guerra híbrida, termo usado pelos militares para a mescla de táticas lideradas pela cibernética.

O general Hamilton Mourão estava em Pequim quando ditou mensagem nada cifrada. Falava-se dos Brics, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, quando o vice saiu com essa: "Temos uma guerra híbrida em vigor no mundo, que parte de um dos membros do Brics." Parece improvável que falasse do país anfitrião. Exclua-se, ainda, a Índia, sem histórico do gênero, ou a África do Sul, primo mais pobre do bloco. Sobra a Rússia, acusada de liderar ataques cibernéticos antes mesmo da anexação da Crimeia, quando houve bloqueio das comunicações.

Como não havia vestígio de Vaza-Jato, o general parecia dar curso à percepção, vigente entre militares brasileiros, de que a Rússia patrocina hostilidades cubanas e venezuelas contra o Brasil. A maior abertura brasileira à política externa americana para a região só renovou o credo.

Com o vazamento, Mourão soou premonitório. O enredo reuniria um chat russo e um jornalista notório por fonte (Edward Snowden) egressa da comunidade de informações dos EUA, hoje estabelecido em Moscou. Os alvos, autoridades que conduziram a Lava-Jato em estreita colaboração com serviços de investigação do Estado americano, completaram a história.

A ponta solta desse enredo é a relação dos guerreiros híbridos com os prejudicados pela Lava-Jato, principais suspeitos, na elucubração em curso, da armação. Entre os predicados do suspeito, na opinião deste militar, está a capacidade de bancar a operação custosa e demorada que representa o grampeamento de anos de comunicação via Telegram. O investimento envolvido descartaria o principal beneficiário do desmonte da Lava-Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um penitenciário de recursos bloqueados, e empresas que ainda penam para quitar multas e empréstimos bancários.

Se os americanos custam até hoje a comprovar a interferência russa na eleição presidencial de 2016, parece improvável que quaisquer conspirações internacionais em torno da Vaza-Jato venham a se confirmar. Ao contrário de bombardeios, explica um outro general, ataques cibernéticos não deixam assinatura.

A consequência mais visível na configuração dos poderes de um governo pós-Moro é o fortalecimento militar cada vez maior. Não se espere do general Edson Leal Pujol, comandante do Exército, nada parecido com os tuítes do antecessor, o general Villas Bôas, em apoio à Lava-Jato. Hoje assessor no Gabinete de Segurança Institucional, Villas Bôas voltou a tuitar esta semana, quando o Supremo retomou o tema, a exemplo do que fez no ano passado, às vésperas do julgamento do habeas corpus de Lula.

Pujol, um general mais reservado, saiu do Twitter e restringiu as compilações do noticiário (clippings), dos quartéis. Sem participação em intervenções federais que marcaram sua atuação na segurança interna nos últimos anos, as Forças Armadas se voltaram para sua agenda interna, da reestruturação da carreira, em tramitação no Congresso, aos projetos estratégicos da farda, como o programa nuclear.

Na semana anterior à Vaza-Jato, o presidente Jair Bolsonaro declarou, na Argentina, que o Brasil descarta a assinatura do protocolo adicional do Tratado de Não Proliferação Nuclear, agenda que mobilizava setores do Itamaraty mas ainda enfrentava grande resistência nas Forças Armadas.

Com programas nucleares complementares, Brasil e Argentina trocaram promessas de maior cooperação. Cinco dias depois, o presidente decretou a ampliação dos poderes do Gabinete de Segurança Institucional sobre o setor. Não foi o único sinal de fortalecimento do GSI. Outro decreto, da semana passada, reforçou suas atribuições no comando da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conselho de Governo. Mais do que o general Heleno Augusto Ribeiro, é o secretário-executivo, Valério Stumpf Trindade, um dos quatro generais da Pasta, no cargo desde o governo passado, que assumiu a dianteira das novas atribuições.

Generais da ativa e da reserva coincidem na avaliação de que a Vaza-Jato exibiu um país desguarnecido em sua defesa cibernética ainda que se sintam inoperantes ante autoridades indisciplinadas em sua comunicação, de Dilma Rousseff a Moro. A Abin não tem os mesmos poderes da Polícia Federal e o Centro de Informações do Exército, ainda que tenha meios para atuar, não é legalmente autorizado a fazê-lo, a não ser em tempos de guerra ou de Copa.

O reforço da presença militar na inteligência do Estado ganha, com a ida do principal xerife do país para a berlinda, sua justificativa mais plausível. Mas nenhuma razão parece mais forte para esta presença redobrada do que a de um comandante em chefe que não larga o celular.


A Previdência não aceita mais Keynes - THOMAS KORONTAI

GAZETA DO POVO - PR - 13/06


Boa parte dos estados tem sérios problemas de caixa em relação aos seus institutos previdenciários próprios. Cinco estados já gastam mais pagando servidores inativos do que ativos. Segundo estudos do Instituto Fiscal Independente (IFI), o déficit das previdências estaduais será quatro vezes maior em 2060 que o verificado em 2013. Como se trata de regime próprio – setor público –, alguém terá de cobrir os déficits, e você já sabe quem, não é mesmo? Se achar que não, os números atuais não mentem.

Diz relatório do economista e professor Ricardo Bergamini que “em 2018 o Regime Geral de Previdência Social (INSS), destinado aos trabalhadores de segunda classe (empresas privadas), com 97,5 milhões de participantes (65,1 milhões de contribuintes e 32,4 milhões de beneficiários), gerou um déficit previdenciário da ordem de R$ 192,5 bilhões (déficit per capita de R$ 1.974,35). Já em 2018 o Regime Próprio da Previdência Social, destinado aos trabalhadores de primeira classe (servidores públicos) – União, 26 estados, DF e 2.123 municípios mais ricos, com apenas 10,2 milhões de participantes (6,1 milhões de contribuintes e 4,1 milhões de beneficiários) –, gerou um déficit previdenciário da ordem de R$ 187,1 bilhões (déficit per capita de R$ 18.343,14)."


Prefeitos e governadores terão de ter coragem para negociar as reformas de suas previdências

Uma das grandes justificativas na proposta da PEC 6/19 – a reforma da Previdência do governo Bolsonaro – é exatamente igualar os regimes privado e público. Os números acima se referem à totalidade dos ativos e inativos em ambos os regimes. É verdade que, apenas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, cada estado e município já deveria ter feito sua própria reforma. Talvez alguns tenham feito. Curitiba, por exemplo, já tem um regime complementar capitalizado, implementado há pouco mais de um mês. Ou seja, já se mexeram.

Prefeitos e governadores terão de ter coragem para negociar as reformas de suas previdências. Não há como escapar, sob pena de não terem recursos para cumprir os compromissos com aqueles que não estarão mais trabalhando. Não dá para fazer como Keynes, que disse “no futuro, todos estaremos mortos”, porque o futuro é amanhã.

O envelhecimento da população, somada ao aumento da expectativa de vida, nos obriga a ser responsáveis com o futuro que vai nos atingir também. Principalmente no setor público o problema não pode ser ignorado. O IFI detectou, por exemplo, que o número de servidores inativos entre 2006 e 2015 aumentou 38% enquanto o número de ativos caiu 3,4%. Piorando o quadro, “o valor do benefício médio pago aos inativos cresceu 32,7% em termos reais no período, fruto, em grande medida, do aumento de 50,8% do valor da remuneração média dos servidores ativos”, de acordo com o IFI.

Se apenas estes números assustam, imagine os demais, cuja conta no Orçamento Geral da União nunca fecha. O ministro Paulo Guedes está se esforçando para reduzir no que pode os gastos, persegue algo como R$ 3 trilhões para zerar o serviço da dívida, que consome quase R$ 1 trilhão só em juros. Mas a fonte geradora dos gastos, garantida pelos direitos adquiridos constitucionais, vai continuar, e em dez anos estaremos discutindo isso de novo se não fizermos a lição de casa, que vai além da Previdência, da dívida pública, da burocracia estonteante, da concentração bancária, do mercado fechado, dos oligopólios, enfim... Pois é, não me sai da cabeça o botão de reset.

Thomas Korontai é empresário, fundador e presidente do Instituto Federalista.

O Congresso não pode usar Moro para desviar o foco - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

Gazeta do Povo - PR - 13/06

Senado e Câmara estão avaliando e aprovando sucessivos pedidos para que o ministro da Justiça, Sergio Moro, compareça às casas legislativas para prestar esclarecimentos a respeito das conversas com o procurador Deltan Dallagnol, da força-tarefa da Operação Lava Jato. O conteúdo dos supostos diálogos foi ilegalmente obtido por um hacker e publicado pelo site The Intercept Brasil, levando esquerdistas e defensores do presidente Lula a rasgar as vestes com aquela indignação nunca vista quando eles são colocados diante da realidade dos megaescândalos de corrupção armados pelo PT.

Moro irá à Comissão de Constituição e Justiça do Senado no dia 19 – e louve-se, aqui, o fato de o próprio ministro ter tomado essa iniciativa –, e também deve ir à CCJ da Câmara no dia 26. Além disso, outra comissão da Câmara, a de Trabalho, Administração e Serviço Público, aprovou convite ao ministro da Justiça, frustrando o petista Rogério Correia, autor da proposta, que desejava uma convocação – neste caso, Moro seria obrigado a comparecer, enquanto um convite é passível de recusa. Também há pedidos para que o ministro seja convocado para ir ao plenário da Câmara e à Comissão de Direitos Humanos e Minorias, ambos apresentados por um deputado do PCdoB.


Usar o imbróglio envolvendo Moro e Dallagnol como um “complicador”, seja para atrasar a tramitação da reforma, seja para barganhar apoio, é misturar assuntos sem relação alguma

Se é verdade que entre as funções do Legislativo está a fiscalização dos atos do poder público, também é verdade que há parlamentares – seja a oposição de esquerda, sejam os encrencados da Lava Jato – interessados em usar o imbróglio para paralisar o Congresso Nacional às vésperas de uma discussão fundamental para o futuro do país: a votação da reforma da Previdência na Comissão Especial e, depois, no plenário da Câmara. Gastar tempo precioso do Legislativo com discursos inflamados contra a Lava Jato, como já ocorreu na noite de quarta-feira, durante a análise de vetos presidenciais e a votação do crédito suplementar para o governo federal, e com uma série de convocações ou convites redundantes é expediente bastante duvidoso.

Isso porque está evidente que um assunto não tem absolutamente nada a ver com o outro. Usar o imbróglio envolvendo Moro e Dallagnol como um “complicador”, seja para atrasar a tramitação da reforma, seja para barganhar apoio, é misturar assuntos sem relação e uma demonstração de irresponsabilidade, quando não de pura má-fé – ainda mais quando a não divulgação da íntegra das supostas conversas, bem como da prova de sua autoria, ainda torna prematura qualquer conclusão a esse respeito. Não faz sentido que qualquer escândalo, autêntico ou fabricado, tenha a capacidade de paralisar quase 600 parlamentares, incapazes de realizar suas tarefas enquanto aguardam o desfecho de um assunto. Seria ridículo imaginar que todo o Poder Legislativo só pudesse se concentrar em um tema por vez – ainda por cima, elegendo como centro das atenções justamente o que tem menos relevância, em vez das reais urgências.

E o país tem, na reforma da Previdência, essa urgência real. Na quinta-feira, o relator da proposta na Comissão Especial, Samuel Moreira (PSDB-SP), fará a leitura de seu parecer, momento a partir do qual começa a contar o prazo regimental para que ele seja votado. O presidente da comissão, Marcelo Ramos (PL-AM), já adiantou que deverá haver um pedido de vista coletivo para que os deputados analisem o parecer. E, quando terminar esse período, a Câmara vai parar para o feriado de Corpus Christi, no dia 20, e provavelmente não terá quórum no fim de junho, graças ao “recesso branco” autoproclamado pelos deputados do Nordeste, cuja escala de prioridades coloca as festas juninas acima das reformas necessárias para tirar o Brasil do abismo fiscal.

Ou seja: a não ser que os líderes do governo e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), realizem um excepcional esforço de articulação, há grande possibilidade de o relatório de Moreira ser votado apenas no início de julho, dando pouquíssimo tempo aos demais deputados para cumprir o objetivo de aprovar a reforma na Câmara ainda antes do recesso parlamentar oficial, que começa em 18 de julho.

É bem verdade que houve muito tempo perdido no início do ano – a apresentação da reforma ocorreu já decorridas três semanas depois do início dos trabalhos legislativos; ainda foi preciso esperar um mês até o início da sua tramitação, devido ao acordo sobre o projeto de lei da previdência dos militares; e, por fim, gastou-se um mês inteiro na CCJ. Mas de nada adianta chorar sobre o leite derramado a essa altura: trata-se de trabalhar duro agora para que o cronograma possa ser cumprido e o Brasil possa superar essa fase de incerteza."

Parlamentarismo branco, prognóstico cinzento - JOSÉ SERRA

O Estado de S.Paulo - 13/06

Um Congresso mais poderoso, mas cada vez mais fragmentado, não é o que o País deseja


A maioria dos estudiosos da política brasileira assume a hipótese seminal de Sérgio Abranches de que a forma de governo vigente no Brasil é o “presidencialismo de coalizão”. Esse arranjo não se deu por acaso, mas responde a certas características estruturais da política brasileira e, mais ainda, de nossa formação histórica e social: o presidencialismo, o federalismo, o bicameralismo, o multipartidarismo e a representação proporcional. Tudo combinado!

Embora a definição utilizada pelos estudiosos possa variar em relação à original, há um elemento constante nas várias interpretações. Diante da fragmentação partidária derivada de nosso processo eleitoral, os presidentes eleitos não dispõem de base parlamentar “automática” com a qual possam implementar suas propostas de governo. A forma de garantir a governabilidade seria a formação de coalizões amplas – em geral pouco consistentes ideologicamente. Apesar dessa inconsistência, elas seriam capazes de sustentar o governo e, talvez, lhe permitir alguma direção programática, sem a qual a própria coalizão não sobreviveria.

Na verdade, o presidencialismo de coalizão é um diagnóstico sobre a insuficiência de nossas instituições políticas. Trata-se de reconhecer uma circunstância indesejada, mas de grande peso na nossa trajetória política e na nossa formação como sociedade.

Tirar o País da contingência do presidencialismo de coalizão requer esforço político enorme para alterar as práticas e crenças mais enraizadas de nossa vida pública. Adotar o parlamentarismo clássico seria um dos desafios para a superação desse modelo. Outro tipo de ação seria aperfeiçoar nosso debilitante sistema eleitoral, que, a cada eleição, fragmenta adicionalmente o Congresso e torna cada vez mais penosa a composição de maioria parlamentar.

Tenho lutado pela remoção destes entraves históricos: o presidencialismo e a eleições proporcionais no modelo atual. Defendo substituí-los por um parlamentarismo responsável, estruturado sobre bases partidárias que resultem do voto distrital misto. Este sistema envolve regra proporcional, mas que, diferentemente do atual, privilegia a maior representatividade e induz à formação de maiorias programáticas, sem impedir a presença parlamentar de minorias relevantes.

Na presente conjuntura, percebe-se que o poder do presidente tem sofrido erosão adicional, o que dá forma a uma espécie de parlamentarismo de fato, mas que não aumenta a responsabilização do Congresso, na medida em que crises e impasses não põem em risco os mandatos dos parlamentares, característica essencial de um parlamentarismo consequente. A resultante é o conflito permanente, uma espécie de “presidencialismo de colisão”!

Desde a redemocratização, considera-se que o presidente da República, embora com dificuldades para a formação de maiorias, detém importantes recursos políticos que lhe garantem grande peso na agenda do Congresso. A prerrogativa de editar medidas provisórias (MPs) e de nomear cargos públicos, o poder de veto, o rol de iniciativas privativas do chefe do Executivo e o poder de liberação de emendas orçamentárias comporiam, por assim dizer, o arsenal do Executivo para disciplinar a fragmentação partidária.

No entanto, por motivos vários, esses instrumentos de controle estão sendo enfraquecidos ou simplesmente eliminados.

Veja-se, por exemplo, a frequência crescente com que vetos presidenciais vêm sendo derrubados. Até o primeiro mandato de Dilma Rousseff, a derrubada de vetos era tabu. A simples ameaça de derrubada levava a dura resposta do Executivo. O resultado é que pouquíssimos vetos foram derrubados desde 1988 até 2015. De 2016 para cá, tudo mudou. Apenas na penúltima sessão do Congresso, nada menos que 41 dispositivos foram rejeitados.

Além disso, vem aumentando a frequência de emendas constitucionais (EC), sobre as quais o poder de veto não incide. De 1989 a 2008, foram promulgadas 57 ECs, média de 2,9 por ano (sem contar as emendas de revisão); de 2009 a 2017, foram promulgadas 42 ECs, média de 4,7 por ano. Isso sem contar a EC do orçamento impositivo, já aprovada e na bica de ser promulgada, que enfraquecerá um dos elementos de controle do Executivo: a liberação de emendas parlamentares.

A mesma tendência de redução do poder presidencial se vê na proposta de emenda que tramita com boas chances no Congresso e que pretende limitar a cinco o número de MPs por ano.

Tudo somado, estamos assistindo à construção de um novo sistema de governo: um parlamentarismo branco, desorganizado. Trata-se de um desdobramento indesejável. As mudanças que o Congresso tem conseguido impor elevam seu poder como corporação, mas estão longe de organizá-lo como fórum bem qualificado de decisão e encaminhamento das pautas majoritárias na sociedade. Um Congresso mais poderoso em suas atribuições, mas crescentemente fragmentado, não será capaz de gerar os difíceis consensos que a grave situação econômica exige.

Uma consequência poderá ser o aumento do conflito entre os poderes – o presidencialismo de colisão – sem que haja alternativa de dissolução do Parlamento, seguida por uma nova composição capaz de seguir um programa majoritário.

Além disso, o elevado grau de conflito sem mecanismos de solução de impasses tende a ampliar a chamada judicialização da política, fenômeno pelo qual as questões mais complexas e controversas deixam de ser resolvidas politicamente e passam à esfera de decisão do Judiciário, erigido à condição de poder moderador. Um resultado também indesejado.

Precisamos de um parlamentarismo de verdade, capaz de formar maiorias sólidas oriundas do voto distrital misto. Com esforço, poderemos fazer no segundo semestre de 2019 esta verdadeira revolução política, que prevaleceria já nas eleições de 2022 e passaria a valer em sua plenitude a partir de 2023.


Reações da sociedade a loucuras de Bolsonaro ajudam o governo - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de S. Paulo - 13/06

Medidas daninhas, extremistas e reacionárias são limitadas por Congresso e Judiciário



Jair Bolsonaro tende a se beneficiar de avanços que não são resultado da atuação do presidente, de seu entorno e de sua articulação parlamentar, que inexiste. A reforma da Previdência progride, apesar do Planalto. Por outro lado, as derrotas do bolsonarismo “raiz”, embora nenhuma avassaladora, podem ter um saldo positivo para o governo, no entanto.

Medidas daninhas, extremistas e reacionárias, quando não ilegais, são limitadas por Congresso e Judiciário.

Existe a possibilidade de que Parlamento e Justiça vistam o governo com um paletó de direita, em vez da fantasia de extrema direita do maluco da serra elétrica.

Sim, a camisa de força continua no guarda-roupa. O Congresso talvez aprove reformas que podem salvar Bolsonaro do naufrágio econômico, sem ganho político imediato algum; também por isso planeja limitar poderes presidenciais, pontual ou sistematicamente.

Por ora, houve reação no caso do sigilo de atos de governo, dos decretos faroeste (sobre armas), da extinção de conselhos e da promessa de punir universidades “da balbúrdia” com corte de verbas, por exemplo. Por bons e maus motivos, o Congresso adiou “sine die” a apreciação do mui problemático pacote anticrime do avariado Sergio Moro.

Gente mais sensata do governo tolheu dedaços de Bolsonaro na Petrobras e no Banco do Brasil. Militares contiveram o avanço ainda maior da filhocracia e de ideólogos youtubers sobre o Planalto.

Não se faz aqui uma previsão. Trata-se de constatar uma resultante recente e precária do embate entre os instintos mais primitivos do governo com instituições e parte da opinião pública.

Obviamente, o bolsonarismo “raiz” tem a seu modo uma ideia de revolução, de “quebrar o sistema”. Pode estar apenas em fase de muda e recuo tático; Bolsonaro mal sabe o que diz e faz. Etc. Ainda assim, se o sistema de algum modo funcionar, pode ser que o show antiestablishment perca plateia.

O programa teológico-escatológico instalado no Itamaraty por ora parece tolhido. Foi o que aconteceu com as iniciativas mais práticas, praticamente loucas, tal como a intervenção na Venezuela e a conversa de combater o “globalismo”. Houve reação de ministros militares, do Ministério da Economia, da Agricultura e da burocracia das Relações Exteriores.

Note-se que parte do governo tem anunciado com orgulho possibilidades como o acordo com a União Europeia e a entrada do Brasil na OCDE, duas frentes do “globalismo”. A viagem do vice-presidente Hamilton Mourão à China tapou outra parte da cornucópia de maluquices comerciais e diplomáticas.

Se essa diplomacia extraoficial vai dar certo, é outra história. Goste-se ou não dessas políticas, são planos que estão no universo da razão. Seria ainda mais esperto elaborar um programa geral de governo, que quase não existe. Há promessas de desmonte, como na educação e no ambiente, ambições vagas e grandiosas na economia e os decretos dos ressentimentos de Bolsonaro.

Que a reforma da Previdência ainda caminhe nesse pântano é uma surpresa, resultado do pacto de lideranças parlamentares com boa parte da elite econômica.

Diz-se que a economia com a reforma teria baixado a R$ 850 bilhões, a esta altura um chutaço. Mas, caso o palpite não seja muito errado, mesmo essa economia pouca tende a beneficiar Bolsonaro, que quase nada fez a respeito. Se o governo fosse menos amador, alucinado e extremista, o resultado seria ainda melhor.

À espera de bom senso - RAUL VELLOSO

O Estado de S.Paulo - 13/06

É chocante observar a quase indiferença de governadores em relação aos déficits previdenciários



Mais barulhentos, os governadores do Nordeste gostariam de participar dessa que, sob a batuta de Paulo Guedes e lavra de Rogério Marinho e Leonardo Rolim, deve ser a melhor proposta de reforma da Previdência que tem circulado desde que comecei a acompanhar o assunto. Só que, mesmo virtualmente quebrados financeiramente no curto prazo, seu apoio é condicionado, não à ajuda financeira federal – super bem-vinda no difícil momento em que vivem –, mas à retirada das partes do texto, que, no regime geral, são para eles politicamente mais indigestas.

Trata-se das relativas ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), à aposentadoria rural, à capitalização, que sofre forte resistência ideológica, sem falar na que desconstitucionaliza vários dispositivos incrustados na Constituição nos colocando no mesmo time de Gana, único país do mundo com a constituição tão detalhada nesse aspecto.

Sem espaço para uma avaliação mais detalhada, o fato é que a parte que deveria realmente interessar aos Estados é a que bate diretamente nos seus orçamentos, a dos servidores públicos, segmento esse que, ao lado de se constituir no grupo de pressão política mais poderoso do País, é também – talvez até por isso – o mais forte alvo de amplas acusações de privilégios.

Para perceber como a reforma será importante para a grande maioria dos Estados, é preciso mostrar números que falem bem alto. Primeiro, vêm os déficits orçamentários anuais, que são retirados dos respectivos balanços. Se compararmos o déficit total médio do último mandato com os déficits médios dos cinco mandatos precedentes, que haviam oscilado em torno de zero, vê-se uma deterioração muito grande nos resultados estaduais. Na média de 2015-18, eles pularam para um déficit de nada menos que R$ 19,3 bilhões. Por conta disso, estimam-se atrasados de cerca de R$ 100 bilhões no início dos atuais mandatos, à espera de uma solução.

Chocante. Ou seja, a rigor, os governadores da última safra deveriam estar sendo processados pelos respectivos tribunais de contas, pois a lei proíbe a transferência de resultados negativos entre mandatos.

Olhando para a frente, projeções oficiais dos Estados revelam a perspectiva de déficits médios anuais de R$ 35,2 bilhões em 2019-2020. Levados ao final dos atuais mandatos, implicariam a acumulação de R$ 70,4 bilhões em nova rodada de atrasados. Caos financeiro. Note que a reforma em exame implicaria um ajuste de um terço dos atuais déficits. Daí sua importância.

Por trás disso, está principalmente a explosão dos déficits previdenciários, que, depois de virem crescendo a taxas altas, pularam de uma média de R$ 23 bilhões em 2006-12, para R$ 101,9 bilhões, em 2018, e tendem a continuar subindo rapidamente.

Quanto aos demais governadores, é chocante observar a quase indiferença em relação ao assunto, como se não os afetasse igualmente e talvez até mais. Nesse particular, deve-se destacar a postura corajosa de João Doria, governador de São Paulo, que, mesmo não tendo problemas de caixa como os da grande maioria, saiu repentina e ruidosamente em defesa da tese correta de, em que pese tudo o mais, não deixarmos de incluir os Estados na proposta de reforma. Igualmente meritória é a de Wellington Dias, governador do meu Piauí, que, além de ser o único Estado definitivamente empenhado no equacionamento do seu problema previdenciário e um dos únicos capazes de aprovar reforma idêntica à federal nas suas plagas, vem se dedicando a convencer os colegas de região a flexibilizar suas posições.

Minha queixa final é com os deputados do Centrão, que acusam os Estados de fazer corpo mole na votação da reforma, o que só vale para um ou outro. Teriam dito ao governo, cada vez menos forte politicamente, que a reforma que interessa à União eles têm como passar, já a dos Estados, eles que se virem... Em relação ao Executivo Federal, é preciso apoiar financeiramente os Estados de forma rápida e contundente, caso contrário terá de fazer isso quando a crise explodir para valer e será um deus-nos-acuda...

CONSULTOR ECONÔMICO

Juízes e justiceiros - MARIA HERMÍNIA TAVARES DE ALMEIDA

Folha de S. Paulo - 13/06

Há demanda social e incentivo institucional para que juízes virem justiceiros


Estava certo o então primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, quando disse, em tom de blague, que “no processo de estabelecimento do governo da lei, os primeiros cinco séculos são os mais difíceis”.

O governo da lei é o núcleo do Estado democrático de Direito, delicado mecanismo institucional que rege as condutas de governantes e governados e os obriga a acatar as regras que o sustentam.

Ao impor limites às paixões, interesses e concepções individuais do que é justo ou injusto, o governo da lei funciona sob tensão, exposto ao perpétuo risco de serem atropeladas as normas que lhe dão arrimo. Foi o que fizeram, como se tornou público e notório, o então juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, e os procuradores que geraram a Operação Lava Jato.

As razões que os levaram a violar o Código de Ética da Magistratura e também, provavelmente, o Código do Processo Penal serão matéria de acrimonioso e duradouro debate.

Terão sido eles movidos pelo antipetismo, como há quem acuse? Ou pelo empenho em combater a corrupção amplamente disseminada entre muitas das agremiações que compõem nosso sistema partidário, como argumenta o procurador Deltan Dallagnol?

Nas duas hipóteses, uma coisa parece clara: antes de trocar a toga pela fatiota de ministro, Moro, com o apoio da turma da Lava Jato, já havia substituído as austeras vestes de juiz pelo manto do justiceiro.

Nisso, nem sequer foi original: Joaquim Barbosa, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, a que o ministro Moro pretende ascender na primeira oportunidade, o envergara durante o mensalão. Ambos viraram heróis nacionais, máscaras e letras de marchinha de Carnaval, bonecos e faixas de passeata —além de protocandidatos ao Planalto.

Em sociedades em que a iniquidade reina e o sistema judiciário trava, a ânsia por justiça tende a se transformar em apoio a justiceiros que prometem punições puras e duras, mesmo ao preço de tratorar “formalidades” legais. O Brasil, onde o dinheiro movimenta com perversa desenvoltura as engrenagens do sistema político, não haveria de ser exceção.

Além disso, pesquisas revelam que uma parcela dos juízes e promotores, cujos poderes a Constituição de 1988 ampliou, passou a se ver não só como guardiães das leis e fiadores do devido processo legal, mas ainda como provedores de direitos que o Legislativo —visto como corrupto e reacionário— não se disporia a assegurar.

Há demanda social e incentivo institucional para que juízes se transformem em justiceiros. Ao fazê-lo, correm sempre o risco de atropelar as leis que lhes cabem proteger. Por quantos séculos mais?

Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap

Nas torcidas de Moro e Lula, falta coerência e sobra cara de pau - MARILIZ PEREIRA JORGE

FOLHA DE SP - 13/06

Após vazamento de diálogos, espetáculo de bate-cabeça não deve terminar tão cedo


Se você tem todas as certezas sobre a relação promíscua entre o então juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, parabéns. Ainda estou com o caderninho cheio de perguntas sem respostas. Pelo pouco do que foi revelado e pelo muito do que pode vir à tona, cautela deveria ser a conduta da maioria.

Mas por que tentar entender a gravidade do caso e desdobramentos se dá para correr para as redes sociais e escolher um lado para torcer? A Folha, por meio do GPS Ideológico, constatou bem o que ocorreu na internet. Ataques à Lava Jato e a Moro pela esquerda, e a defesa do ministro e da própria operação pela direita.

Os de esquerda querem Lula Livre, mesmo que precisem defender a anulação de quase 160 condenações da Lava Jato, das restituições de dinheiro, pôr na rua gente do naipe de Eduardo Cunha e Sérgio Cabral, cancelar o impeachment de Dilma. Se organizar direitinho, voltamos para 2009, o sonho de qualquer petista.

Pela direita, Moro segue com status de super-herói, pouco importa se aparentemente agiu sem a imparcialidade necessária para o exercício de sua função. Afinal, se é para enfiar corrupto na cadeia, às favas com as leis.

O GPS também registrou o comportamento do centro, responsável por só 7% das manifestações analisadas. Pessoas nesse espectro seguem os grandes veículos, nunca os extremistas, e influenciadores de direita e de esquerda. Costumam se posicionar de acordo com as pautas, e não com as ideologias. É o tal isentão.

Eu já peguei minha pipoca e meu banquinho de isentona para apreciar o espetáculo de bate-cabeça, que não deve terminar tão cedo. Dos dois lados, ficou claro que os fins justificam os meios, que falta de coerência e excesso de cara de pau são características comuns às pontas mais radicais.

Dá para gritar Lula Livre sem pregar a desmoralização da Lava Jato e sem ignorar que, sim, o PT saqueou o país. Assim como é possível defender a operação, mas reconhecer que o juiz andou muito fora da linha.

Crédito expõe insolvência do Estado - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 13/06

Pedido de verba, a ser obtida por endividamento, mostra a falta de recursos para cobrir os gastos


Deve-se dar a devida importância à vitória política do governo no Congresso — afinal, uma— na aprovação do crédito suplementar de R$ 248,9 bilhões, para não ser descumprida a “regra de ouro” , pela qual o Tesouro só pode se endividar para bancar investimentos, e não gastos correntes, de custeio. Para isso, é necessário o sinal verde do Congresso, o que Dilma não fez e reforçou as bases do seu impeachment.

Na negociação política no Legislativo, o Planalto foi obrigado a ceder — na concessão de verbas para educação, Minha Casa Minha Vida e obras no São Francisco — e obteve os votos necessários para o crédito extraordinário. O presidente Bolsonaro e seguidores patrocinaram um exemplo real de como é possível fazer política sem roubalheira. Que sirva de exemplo.

Se a permissão não fosse concedida, o governo não teria como arcar com despesas do dia dia, algumas importantes. Por exemplo, benefícios previdenciários, Bolsa Família, salários em geral, e muitos outros gastos.

Aconteceria pela primeira vez no Brasil algo como um shut down, termo que os americanos usam para designar a paralisação da máquina pública, incluindo a suspensão do pagamento de salários de parte do funcionalismo, quando o Congresso não aprova a ampliação do Orçamento. E como a inflação brasileira está relativamente baixa, não é possível o Estado contar com a ajuda da desvalorização da moeda para arcar com as contas, por meio de atrasos nos pagamentos. Manobra tantas vezes usada. A inflação elevada abatia a dívida.

É positivo o entendimento político em prol do bem comum, o que se espera que ocorra em torno da vital reforma da Previdência.

O aspecto negativo, a não ser esquecido, é que o crédito suplementar só foi necessário porque o Estado está tecnicamente insolvente. Não paga as despesas com a arrecadação dos impostos.

Para qualquer emergência, é preciso remanejar verbas, a fim de cumprir-se o teto constitucional dos gastos, que tem função pedagógica: ensinar aos políticos que é necessário estabelecer prioridades. Não há dinheiro para tudo. Não fosse o suficiente, para complicar a gestão, há o engessamento de quase a totalidade do Orçamento por meio de vinculações a gastos predefinidos.

A necessidade de aprovação do crédito suplementar — a ser levantado pelo Tesouro por meio de mais dívidas — também deveria servir de lição, para mostrar a impossibilidade, de forma incontestável, de o contribuinte pagar todas as despesas, mesmo que a carga tributária, na faixa dos 35% do PIB, seja a mais elevada no grupo das economias emergentes.

Nesta questão do crédito suplementar também estão expostas fortes razões para a reforma da Previdência. Como a elevação autônoma de gastos, que impede o atendimento pelo Estado também de despesas prioritárias.

Princípios às favas - WILLIAM WAACK

O Estado de S.Paulo - 13/06

Provavelmente a Lava Jato e seus expoentes sairão menos desmoralizados do que se pensa



Nas mensagens trocadas entre Sérgio Moro e Deltan Dallagnol publicadas até aqui está um bom resumo da Lava Jato. É a frase atribuída ao então juiz Sérgio Moro na qual ele, dirigindo-se ao procurador Deltan Dallagnol, duvida da capacidade das instituições brasileiras de lidar com a corrupção do sistema político.

A força-tarefa de Curitiba é um acontecimento relativamente recente, mas tem décadas a convicção que personagens como Moro e Dallagnol exibem da sociedade brasileira como hipossuficiente, isto é, incapaz de se defender sozinha, especialmente frente à esfera da política. Esse é também o ponto de partida para a compreensão que procuradores têm de si mesmos como “agentes políticos da lei”.

O que explica a extraordinária popularidade da Lava Jato não são esses velhos e conhecidos postulados ideológicos, mas, sim, o fato de uma imensa parcela da população ter encontrado nas ações da força-tarefa a expressão de seu profundo descontentamento com um “sistema”, sobretudo o político, encarado como principal obstáculo ao progresso dos indivíduos e do País.

A face nos últimos tempos mais identificada com o “sistema” era o PT, entre tantas siglas políticas que procuradores e juízes identificam como predadores de uma sociedade indefesa. Daí ter sido esse partido um de seus principais alvos, mas de forma alguma o único. O fato central é que o “lavajatismo” não considera o sistema político capaz de se regenerar, nem os poderes políticos (sobretudo o Legislativo).

A “tutela” exercida pelos integrantes da Lava Jato sobre uma sociedade civil entendida por eles como fraca e indefesa foi entusiasticamente aceita e se traduziu em grande medida na onda que arrasou o PT, e quase toda a política, com a colaboração de setores dominantes da mídia também. Convencidos desde o início de que enfrentariam uma formidável reação do “sistema”, especialmente dentro do Judiciário, os expoentes da Lava Jato claramente subordinaram meios legais aos fins – políticos num sentido amplo.

Assumiram que seria necessária a utilização excepcional de instrumentos de investigação e coerção, esticados até a margem da lei, para lidar com um adversário enraizado nas principais instituições. A maioria da sociedade brasileira concordou com isso e deu expressão eleitoral (na figura de Jair Bolsonaro) à noção de que era necessário “limpar” o PT e o “sistema”, ainda que se tivesse de fechar os olhos para eventuais “abusos” ou “escorregadas” por parte da Lava Jato.

Muita gente (muita mesmo) pensa que garantias legais e preceitos constitucionais e também a frase “não se deve combater crimes cometendo crimes” importam menos diante do grau de roubalheira, bandidagem, cinismo, irresponsabilidade dos dirigentes políticos e seus comparsas do mundo empresarial no “sistema”, conduzido mais recentemente pelo lulopetismo.

A revelação dos diálogos particulares entre Moro e Dallagnol enfureceu não só juristas, indignados com o que se configura óbvia violação de princípios pelos quais magistrados deveriam pautar suas condutas. Mas as consequências políticas estão sendo o contrário do que pessoas fiéis a princípios poderiam esperar com a grave denúncia de comportamento parcial ou de ativismo político por parte de integrantes da Lava Jato.

Quem calcula a “desmoralização” da Lava Jato provavelmente verá o contrário. Pode-se gostar disso ou não, mas na luta política brasileira já faz bastante tempo que princípios foram mandados às favas. Não sabemos ainda é com quais vamos tentar construir o futuro.

A hora do relatório - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 13/06

Negociações para a nova versão da reforma incluem concessões aceitáveis


O governadores decidiram enfim se engajar na reforma da Previdência, mas até agora não obtiveram sucesso em manter os servidores de estados e municípios no texto, cuja nova versão deve ser apresentada nesta quinta (13) pelo relator, Samuel Moreira (PSDB-SP), para análise de mérito em comissão especial da Câmara dos Deputados.

Os mandatários estaduais e do Distrito Federal —25 dos 27 assinaram uma carta aos parlamentares— querem evitar o confronto com as corporações locais, caso tenham de ajustar seus próprios sistemas de aposentadoria.

Entretanto líderes partidários preferem limitar os efeitos da reforma à esfera federal, para minimizar seu desgaste a pouco mais de um ano das eleições municipais.

Fora cálculos políticos, tal jogo de empurra demonstra o descaso com a população mais pobre —a principal ameaçada pelo impacto dos déficits previdenciários estaduais, acima de R$ 90 bilhões anuais e em alta, na prestação de serviços em educação, saúde e segurança.

O relatório a ser apreciado na comissão resulta de um acordo recém-firmado entre as forças que representam a maioria da Câmara. A proposta original do governo, que busca economizar cerca de R$ 1,2 trilhão em dez anos, será diluída para a retirada dos dispositivos mais polêmicos.

Além da provável e indevida exclusão dos entes regionais, parece certo que a mal explicada proposta de um regime de capitalização vai sair do texto. As duas modificações não afetam o cálculo dos ganhos com a reforma, válidos somente para os cofres da União.

Também devem deixar o projeto os critérios mais rígidos para a aposentadoria rural e as regras que reduzem o valor de benefícios assistenciais a idosos para menos de um salário mínimo.

Pelo que se estimava durante as negociações, a poupança em uma década tende a cair para algo entre R$ 800 bilhões e R$ 900 bilhões. Não está claro o quanto a cifra ainda pode mudar na votação em plenário —de acordo com o presidente da Casa, é viável promovê-la na primeira quinzena de julho.

No entender desta Folha, os objetivos centrais da proposta previdenciária são o freio às aposentadorias precoces, a maior racionalidade no cálculo de benefícios e o combate a privilégios, em particular os da elite do funcionalismo. Nesse sentido, é defensável um entendimento que retire do texto alguns itens complementares.

Entretanto cumpre aplicar mais esforço político para que estados e municípios permaneçam na reforma, mesmo que por vias menos diretas. Uma possibilidade é estabelecer desde já condições facilitadas para a aprovação das normas pelas Assembleias Legislativas e câmaras de vereadores.

Por fim, cumpre apontar que a redução da economia prevista com as mudanças, embora compreensível, significa basicamente mais endividamento público. As concessões de agora não desobrigam governo e Congresso de buscarem outros meios de reequilibrar os orçamentos nos próximos anos.