domingo, junho 16, 2019

A porta do inferno - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 16/06

Sabe-se como começam os vazamentos de informações, mas não como terminam

A divulgação pelo site The Intercept de supostas conversas entre juiz e procuradores na Operação Lava Jato provoca controvérsias.

A imprensa deve divulgar denúncias embasadas em registros obtidos ilegalmente? Quais devem ser os critérios para publicar reportagem com base em informações oferecidas por fontes anônimas? Além dos dilemas éticos, há uma consideração prática: como tratar notícias cuja veracidade não pode ser verificada?

No passado, vazamentos prejudicaram injustamente pessoas e, até mesmo, atrapalharam o país. Há dois anos, a divulgação de um diálogo perversamente editado estarreceu a população, quase derrubou o presidente e colaborou para a não aprovação da reforma da Previdência.

Não foi a primeira vez. A oposição disfuncional do PT ao governo FHC apontava qualquer insinuação de possível problema como crime de lesa-majestade e condenava os denunciados sem direito ao contraditório.

Seguidos vazamentos e denúncias, por vezes infundadas, atrapalharam a agenda de reformas naqueles anos. Essa estratégia transforma a política em briga de rua. Em vez de discutir os méritos dos projetos e refutar os argumentos propostos, atacam-se os seus autores, desqualificando-os.

Duas décadas depois, sabem-se alguns dos mecanismos utilizados. Eduardo Jorge Caldas Pereira, ministro de FHC, foi bombardeado com vazamentos ilegais dos seus dados fiscais por agentes de estado e tratado como criminoso.

Anos de martírio revelaram que não havia prova de malfeito, apenas o uso inaceitável do poder do Estado para perseguir a divergência. Os algozes de Eduardo Jorge, porém, acabaram poupados. Seus crimes prescreveram na nossa tortuosa Justiça, rápida em denunciar e lenta em punir quem abusa do seu poder de polícia.

Vazamento de informações, quebra ilegal de sigilo e ações à margem da lei, mesmo caso a intenção seja a melhor possível, são a porta do inferno. Sabe-se como se iniciam, não se sabe como terminam.

Melhor fortalecer o Estado de Direito. Divulgar informações privadas sob o véu do anonimato não pode ser tratado como ofensa menor, ainda mais se promovida por agentes do Estado. Há exceções, como quando a fonte denuncia um crime e tem receio justificado de retaliação.

O bom jornalismo deve sempre analisar criticamente as informações oferecidas pelas fontes. Caso contrário, o risco é a imprensa se tornar instrumento de conflitos pouco republicanos, em que as denúncias são utilizadas para derrotar adversários, sem nenhuma valia para o combate ao crime.

Para agravar a preocupação com as denúncias no site The Intercept, a invasão dos celulares não parece ter sido obra de amadores.

Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.

A longa história do desmonte da economia - EDITORIAL O GLOBO






O GLOBO - 16/06

Num cenário em que uma crise alimenta a outra, reforma da Previdência é essencial para recuperar a confiança

A situação em que se encontra o país é uma obra que veio sendo construída há muito tempo. Dados do relatório de junho da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, ilustram capítulos da história da atual debacle econômica do país. O início deste drama de 13 milhões de desempregados tem início na gestão Lula, empossado em 2003.

No seu primeiro mandato, até 2006, Lula seguiu o mapa da ortodoxia na política econômica. O candidato Lula, conhecido por propostas econômicas radicais, provocou inquietação crescente nos mercados, durante a campanha, à medida que avançava nas pesquisas.

Mas com Antonio Palocci na Fazenda e Henrique Meirelles no Banco Central, ajudados por um grupo de economistas liberais, Lula patrocinou a estabilização da economia, tirando o dólar da faixa de R$ 4,00. Para isso, aceitara que a equipe econômica usasse ferramentas “neoliberais” para evitar a evolução da crise — juros elevados e gastos contidos, uma heresia. Como esperado, funcionou, permitindo que a economia aproveitasse o vento a favor de uma fase de crescimento mundial sincronizado.

É visível no gráfico dos resultados primário e nominal das contas públicas — no primário, não está incluído o gasto com juros, o que acontece no nominal — como o superávit cai em 2008 e entra um pouco depois em descida íngrime, para se transformar em déficit. É o registro estatístico da guinada de Lula, no segundo mandato (2006/10), para a esquerda. Registre-se, nesta mudança de rumo, a influência de Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil, futura presidente, que, na sua gestão, lançaria a “nova matriz econômica”: gastos em alta, descuido com a inflação. Não deu certo, o que era previsto.

Os déficits levaram o Tesouro a se endividar. No ano da reeleição de Dilma, 2014, o endividamento estava em 51,5%, mas a explosão fiscal já estava contratada: este índice continuou a subir, no governo Temer, e chegou a 78,8% em abril, com Bolsonaro no Planalto. Mesmo com a reforma da Previdência, permanecerá em alta até começar a retroceder em 2022.

Entre os resultados do desastre provocado pela dupla Lula/Dilma, está o fato de que o PIB, depois da recessão recorde de mais de 7% no biênio 2015/16, não consegue decolar. O desemprego atinge 13 milhões de pessoas, dos quais 5 milhões são classificadas como “desalentadas”, porque deixaram de procurar emprego.

E se mantém estreita a margem de manobra do administrador público, porque os gastos obrigatórios são autônomos e não podem ser cortados. Resta passar a tesoura nas despesas chamadas de discricionárias, de livre destino. Daí a situação dramática em hospitais e postos de saúde, por exemplo.

Um dos mais perniciosos efeitos da insegurança fiscal é que os investimentos se retraem. Não ajudam a economia a se recuperar, pois sua queda prejudica a geração de empregos e renda.

É neste círculo vicioso em que se encontra o país. Uma crise alimenta a outra. Não deve ser difícil compreender que a reforma da Previdência, fonte das despesas que mais pressionam o Orçamento, é imperiosa para recuperar a confiança no futuro.

O que permitirá o lançamento de outras reformas — tributária, do Estado etc. A aprovação da reforma na Comissão Especial é a primeira etapa desta reconstrução do Brasil

INDICADORES DA CRISE
No atoleiro
No vermelho
Resultado primário e nominal
PIB – crescimento real (% a.a.)
(em 12 meses/% do PIB)
2
Nominal
Primário
1,1
1,1
3,9%
0,50
1
(set/08)
5,0
-1,4%
0
3,0
1,0
(abr/09)
0
-1
-1,0
-3,0
-2
-7%
-1,3%
-5,0
(abr/09)
(out/08)
-3
-7,0
-3,3
-9,0
-3,5
-4
-11,0
-13,0
-5
mar
mar
2014
2015
2016
2017
2018
2003
05
07
09
11
13
15
17
2019
À margem do trabalho
Futuro comprometido
Número de pessoas desalentadas (em mil)
Dívida pública (em % do PIB)
6,000
78,8%
90
(abr/19)
5,000
80
61,1%
70
51,5%
(out/09)
4,000
(dez/13)
60
3,000
50
40
2,000
30
20
1,000
10
0
0
mar
mar
dez
jan
abr
dez
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jul
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2012
13
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2019
2006
09
10
11
13
14
15
16
17
19
Efeito da rigidez
Termômetro
da insegurança
Despesas discricionárias e obrigatórias
federais acumuladas em 12 meses
(em R$ bilhões)
Taxa de investimento (em % do PIB)
Obrigatórias
Discricionárias
(eixo da esquerda)
(eixo da direita)
22%
1.269
1,400
230
21%
(abr/19)
1,300
215
20%
1,200
200
19%
1,100
185
18%
1,000
170
17%
127
900
155
(abr/19)
16%
800
140
15%
700
125
600
110
14%
dez
dez
1997
99
01
03
05
07
09
11
13
15
17
18
2010
11
12
13
14
15
16
17
2018

Banqueiro? Imposto nele - CELSO MING

ESTADÃO - 16/06

Relator da reforma da Previdência, Samuel Moreira (PSDB-SP) declarou que 'os bancos podem contribuir mais do que contribuem'

A proposta de reforma da Previdência prevê o aumento de 15% para 20% da Contribuição Social do Lucro Líquido (CSLL) dos bancos. Com o que, pelas contas do relator, Samuel Moreira (PSDB-SP), ficariam garantidos mais R$ 5 bilhões por ano ou R$ 50 bilhões em dez anos para cobertura das aposentadorias.

Banqueiro em geral já carrega um estereótipo impopular. Ilustradores o pintam de casaca e cartola, charutão na boca, sujeito sem alma, de olho e ouvidos só no movimento e tilintar das moedas e no aumento do seu patrimônio. Para eles, não há o que chegue.

No Brasil, então, depoimentos de todas as procedências falam dos lucros astronômicos dos bancos que precisam de corretivo e, por isso mesmo, estão sempre à espera de um Robin Hood corajoso e candidato a herói que lhes dê o tratamento merecido. A garfada proposta procura explorar essa expectativa. Na sexta-feira, o relator declarou que “os bancos podem contribuir mais do que contribuem”.

Três observações sobre a proposição. A primeira é a de que, nesse ponto, se for aprovada a proposta incluída no projeto do relator, não serão apenas os bancos privados que ficarão sujeitos a essa nova mordida. Aí estarão também os bancos estatais, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banrisul, Banco do Nordeste, Banco da Amazônia e outros. Nesse caso, não seria apenas o setor privado que pagaria esse pedaço da conta. Os bancos públicos detêm entre 50% e 55% do mercado de crédito e seriam eles que contribuiriam mais.



Bancos públicos detêm entre 50% e 55% do mercado de crédito e, caso aumente a alíquota do CSLL, seriam eles que contribuiriam mais Foto: Marcos Müller/Estadão

Segunda observação. O projeto do relator mistura itens de projetos de reforma. Usa a plataforma de correções na Previdência para avançar também na reforma tributária. Se é para tungar mais o sistema financeiro (e não só os bancos), seja qual for a justificativa, então é melhor deixar isso para a hora em que o País tiver de rever todo o arcabouço tributário. Vai que, nessa futura reforma, a CSLL desapareça ou seja incorporada por outro imposto e, aí, as receitas previstas por meio da cobrança desse tributo poderiam perder a finalidade prevista pelo atual relator do projeto de reforma da Previdência. Depois, se é para admitir que os bancos têm de ser mais taxados porque apresentam balanços rechonchudos, então é preciso estender o princípio a empresas não financeiras cujas finanças também mostram capacidade de multiplicar dinheiro. Poderiam ser as gigantes digitais, como Google, Apple, Microsoft, Facebook, Amazon...

Terceira observação: ninguém se iluda, banco não paga imposto. Banco recolhe imposto e repassa o débito ao cliente, a seus funcionários ou a seus acionistas. A maior parte dessa conta é paga pelo cliente. Isso significa que, além de tudo quanto já carregam, os juros cobrados sobre o crédito também incluirão esse novo custo. Ou seja, essa nova subconta da Previdência será debitada prioritariamente ao tomador de empréstimos do banco. Nesse sentido, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem razão quando afirma que “estão botando a mão no bolso dos outros”.

O relatório sugeriu, também, que os repasses do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), correspondente a 40% das receitas do PIS-Pasep, ou R$ 15 bilhões por ano, hoje emprestados para o BNDES (que terá de devolvê-los), sejam absorvidos também como receita corrente da Previdência Social e, simplesmente, gastos em aposentadoria. Sobre isso, a pergunta é: faria sentido usar um patrimônio do trabalhador, que deixaria de financiar a criação de empregos, para cobrir o rombo de caixa do sistema?

CONFIRA

» Demanda mais fraca


Pelo segundo mês consecutivo, o relatório do Instituto Internacional de Energia projetou queda do crescimento da demanda de petróleo neste ano. Em 2019, ficará limitada a 100,3 milhões de barris por dia e não a 101,5 milhões, como anteriormente projetado. A causa dessa revisão é a perspectiva de mais baixo crescimento econômico, especialmente nos Estados Unidos. Essa foi, também, a principal razão pela qual os preços internacionais do petróleo caíram nos últimos meses, como no gráfico ao lado.

A crise e a receita previdenciária - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 16/06

O problema da Previdência é estrutural, e não resultado da crise econômica

Meu leitor assíduo e crítico feroz Ricardo Knudsen fez diversos reparos aos cálculos que apresentei em coluna recente sobre o tema do título acima. Os comentários de Ricardo procedem e, portanto, volto ao tema.

Ricardo considera que a melhor maneira de calcular o impacto da crise econômica sobre a arrecadação do Regime Geral de Previdência Socialurbano, RGPS urbano, é considerar 2014 como ano-base.

Partindo de 2014, se não houvesse a crise econômica, qual teria sido a arrecadação do RGPS urbano em 2018?

Temos de considerar um cenário para o crescimento do emprego, da produtividade do trabalho e, portanto, dos salários, além da inflação entre 2014 e 2018.

Mantendo-se constantes os parâmetros do mercado de trabalho —taxa de desemprego e taxa de participação observadas em 2014—, a população ocupada (PO) cresceria na mesma velocidade da população em idade ativa, isto é, 4,7% no quadriênio de 2015 até 2018. Sempre considerando 2014 como o ano-base.

Para a medida de inflação, uso a inflação da economia como um todo, conhecida por deflator implícito do PIB, em geral superior ao IPCA. No período, o deflator subiu 23,8%.

Finalmente, considero que, no período, a produtividade do trabalho —e, portanto, os salários— subiu à taxa de 1% ao ano, ou 4,1% em quatro anos.

Com essas hipóteses, a massa de contribuições teria crescido, em termos nominais, 34,9%: basta compor 4,7, com 23,8 e 4,1.

Com todas essas hipóteses, a economia produziria, em 2018, 9% a mais do que produziu de fato.

A arrecadação do sistema urbano teria sido de R$ 421,9 bilhões, ou R$ 53,2 bilhões acima do valor observado.

Para saber o que ocorreria com o déficit, suporei que o crescimento real do salário de 4,1% no período não motivaria nenhum aumento do salário mínimo nem de qualquer outro benefício previdenciário. Assim mantenho constante o gasto do RGPS urbano em 2018. Essa hipótese é essencial para o resultado.

Sob essas hipóteses, o déficit do sistema urbano teria sido de R$ 40,7 bilhões e, se todas as desonerações fossem devolvidas ao sistema, isto é, se o Congresso Nacional eliminasse a desoneração da folha de salários, o programa Simples Nacional e o Microempreendedor Individual (MEI) e acabasse com a desoneração para as entidades filantrópicas, haveria um superávit de R$ 21,6 bilhões.

Para notarmos o desequilíbrio do sistema, se atualizássemos monetariamente os valores observados em 2014 para o RGPS urbano, o superávit a preços de 2018, no mesmo critério do exercício contrafactual que fiz no parágrafo anterior, teria sido de R$ 66,3 bilhões. Em quatro anos, R$ 44,7 bilhões do superávit de 2014 a preços de 2018 teriam desaparecido, mesmo na ausência da crise econômica.

Em mais dois anos, mesmo desconsiderando o déficit do RGPS rural, devolvendo todas as desonerações, o crescimento econômico e o emprego, mantendo o mesmo grau de formalização de 2014, congelando em termos reais os benefícios, teremos déficit. É nesse sentido que há um problema estrutural na Previdência.

Em uma sociedade em que a razão de dependência --população acima de 65 anos como proporção da população entre 20 e 64 anos-- é menor que 15%, o assunto déficit de um sistema previdenciário de repartição não deveria ser nem aventado.

Dois aspectos preocupam no relatório do deputado Samuel Moreira sobre a reforma: a retirada dos estados e municípios e de gatilhos automáticos que ajustam os parâmetros do sistema em função das alterações demográficas.

Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.

‘Usina de crises’ - ELIANE CANTANHÊDE

O Estado de S.Paulo - 16/06

Joaquim Levy não tem alternativa: demitir-se ou ser demitido


Estão em campo dois Jair Bolsonaro: o populista paz e amor e o poderoso arrogante, capaz de confrontar os outros Poderes, humilhar o presidente do BNDES em público e demitir três generais na mesma semana, um deles, Santos Cruz, prestigiado como “pitbull” na campanha e defenestrado como o “pitbull” que reagiu ao guru Olavo de Carvalho e defendeu os colegas militares.

O Jairzinho Paz e Amor participa de toda e qualquer solenidade militar, como ontem, quando foi até Santa Maria (RS) para o Dia da Infantaria, uma das Armas mais nobres do Exército. Há, inclusive, uma relação de causa e efeito entre a demissão de Santos Cruz na quinta-feira e a solenidade militar no sábado. Primeiro, morde, demitindo um general prestigiado. Depois, assopra, confraternizando com as forças e amenizando o desgaste.

Bolsonaro também descobriu onde voltar a ser aplaudido e reverenciado como na campanha: nos estádios de futebol, como o general Emílio Médici, no auge do regime militar. A lembrança, aliás, é do próprio Bolsonaro. No jogo Flamengo x CSA, com o ministro Sérgio Moro, ambos foram mimados com aplausos e camisetas flamenguistas.

Foi a partir daí que, quatro dias depois do início da chamada “crise Moro”, com o vazamento de conversas do então juiz com procuradores da Lava Jato, que tanto Bolsonaro fez declarações a favor do ministro quanto o próprio deu entrevista ao Estado desafiando a publicação de novas mensagens.

Confirmou-se no estádio, ao vivo e em cores, que a sociedade não está dando bola para os diálogos de Moro com procuradores, que tanto impactaram o mundo jurídico, principalmente advogados e até mesmo ministros do Supremo. Moro continua sendo o grande herói do combate à corrupção e o maior troféu do governo.

Mas o Jair Bolsonaro beligerante continua em ação. A última foi virtualmente demitir Joaquim Levy do BNDES numa entrevista a jornalistas: “Estou com ele por aqui”, disse ontem, demonstrando que o poder está lhe subindo à cabeça e deixando uma só alternativa ao economista: sair ou sair.

Os dois outros generais demitidos foram Franklimberg Ribeiro de Freitas, da Funai, e Juarez de Paula Cunha, que, como Levy, soube pela imprensa da sua demissão dos Correios. Assim como Santos Cruz sucumbiu ao “grupo ideológico”, Franklimberg, que é indígena, não resistiu ao “grupo ruralista”. Já Juarez Cunha cometeu um erro: discordou da privatização dos Correios, que o presidente defende. Os militares relevaram essas duas demissões, mas não se pode dizer o mesmo no caso de Santos Cruz.

Enquanto se considera forte, Bolsonaro também confronta, ora o Judiciário, ora o Legislativo. Depois alivia para um e para outro, até a nova investida. Na própria sexta-feira, criticou a decisão do Supremo de criminalizar a homofobia e insistiu num ministro evangélico, ideia rechaçada na Corte. Para alguns, soa como provocação.

Não por isso, mas muito significativamente, o STF impôs uma derrota ao presidente no primeiro julgamento de interesse do governo, vetando o uso de decretos para a extinção de conselhos criados por lei. No mesmo dia, duas outras derrotas: no Senado, a CCJ considerou inconstitucional o decreto de porte de armas, uma das obsessões da família Bolsonaro, enquanto a Câmara anunciava que
Estados e municípios ficariam de fora da reforma da Previdência. Também durão, o ministro Paulo Guedes acusou o Congresso de “ceder ao lobby” e “abortar a reforma” ao reduzir a economia prevista para dez anos. Rodrigo Maia deu o troco, chamando o governo de “usina de crises”.

Enquanto Bolsonaro for identificado (com ou sem razão) como o único capaz de impedir o PT e combater a corrupção, a sociedade não lhe cobrará os erros e lhe atribuirá as vitórias conquistadas pelos outros. Só não se sabe até quando.

Política em tempo real - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 16/06

Há sinais sombrios de que, justamente no momento em que o País mais precisa da política, ela está dando lugar à pura e simples algaravia.


Política requer maturidade, não necessariamente no aspecto etário – afinal, há muitos jovens políticos que desempenham muito bem seu ofício. O amadurecimento, aqui, refere-se principalmente à capacidade de refletir sobre a realidade antes de tomar decisões e defender ações que a modifiquem.

Nesse sentido, a política é muito trabalhosa, pois requer um diálogo constante com todos os que são atingidos pela realidade que se pretende alterar e que, portanto, têm algo a dizer sobre ela. Numa democracia plena, é esse processo de negociação, geralmente longo e desgastante, que amadurece as ideias antes de convertê-las em realizações.

Como consequência, os verdadeiros estadistas são os que tomam decisões não como resultado de algum dom excepcional, e sim em razão de sua capacidade de julgar os fatos pelos olhos dos outros e de arregimentar apoio, por meio da persuasão, para mudar esses fatos, isto é, para alterar a realidade que a tantos afeta.

Todo esse processo, ademais, deve se dar no âmbito das instituições democráticas, pois é ali, sob a égide das leis, que o poder de quem tem autoridade para tomar decisões é moderado. É o respeito a essas instituições – também estabelecidas por consenso ou por maioria democrática, e não pela força – que legitima as decisões que delas emanam.

O alarido, portanto, não é bom conselheiro. Decisões de Estado tomadas ao sabor da gritaria das redes sociais, como tem se tornado perigosamente comum, carecem dos elementos básicos de uma política madura. São iniciativas que primam pela irresponsabilidade, como acontece em regimes que se pretendem em conexão direta com o “povo” – nestes, invoca-se a suposta cumplicidade do líder com a massa para considerar como legítima qualquer ação dessa autoridade, mesmo as que seriam consideradas flagrantemente ilegais caso vigorasse o Estado Democrático de Direito.

Esse populismo desbragado, que desfigura a política, vem avançando no Brasil com notável desenvoltura, especialmente em razão da circulação cada vez mais veloz de informações por diversos meios eletrônicos, em particular as redes sociais na internet. A apreensão da realidade, essencial na atividade política, tornou-se praticamente impossível diante da difusão anárquica e em tempo real de versões dos fatos – e muitas vezes de versões sobre outras versões, que nem precisam se basear em fatos para serem encaradas pelos frequentadores das redes como expressão da verdade.

A realidade é sempre muito mais complexa do que as redes sociais, com suas “verdades” definitivas ditadas levianamente em algumas dezenas de caracteres, pretendem fazer crer. Por esse motivo, para atuar sobre essa realidade é preciso esforçar-se para conhecer suas múltiplas facetas, sem render-se ao conforto da ideologia – que para tudo oferece respostas definitivas e inegociáveis, que não se baseiam no real, e sim num sistema de pensamento que confere a tão desejada “lógica” ao caos do mundo. Renuncia-se à razão, sem a qual não se faz política responsável.

A política brasileira, contudo, parece cada vez mais inclinada a render-se a essa onda de irracionalidade, como resultado da revolução de costumes prometida pelos arautos da “nova política”. Na fogueira moralista dessa inquisição se imolaram não apenas os maus políticos, mas toda a política, especialmente aquela que presume o diálogo em busca de construção de maiorias para aprovar projetos de interesse público. Em seu lugar, surgiu algo que já podemos chamar de “política em tempo real”, que despreza profundamente o diálogo e atua aos encontrões, de forma irrefletida, para tentar transformar em realidade os devaneios do líder e de seus seguidores.

Pode até soar engraçado quando o presidente Jair Bolsonaro informa que fará uma enquete no Facebook para colher opiniões antes de decidir se acaba ou não com radares em estradas. Pode parecer pitoresco que deputados governistas prefiram falar com seus eleitores em tempo real, por celular, no plenário da Câmara, em vez de se dedicarem à busca de votos para os projetos que apoiam. O fato, porém, é que essas e tantas outras atitudes esdrúxulas não têm graça nenhuma. São, antes, sinais sombrios de que a política, justamente no momento em que o País mais precisa dela, está dando lugar à pura e simples algaravia.

E se fosse o juiz do Flávio? - VERA MAGALHÃES

O Estado de S.Paulo - 16/06

Gravidade da relação entre juiz e procuradores no caso Moro extrapola os personagens



A irracional fulanização de todos os assuntos nacionais turva a capacidade de análise de amplos setores da sociedade e coloca questões complexas e com graves consequências para a vida institucional do País sujeita à falsa dicotomia do bem contra o mal. O fenômeno é amplo, vem se agravando desde 2013, e se repete no caso, que completa uma semana hoje, do vazamento de conversas entre o ex-juiz Sérgio Moro e procuradores da Lava Jato.

Para se analisar corretamente a gravidade do que está em curso e como os apoios de hoje são gelatinosos e podem mudar amanhã, proponho um exercício de abstração. Suponhamos que em vez de Moro e Deltan Dallagnol, os diálogos divulgados pelo The Intercept Brasil se dessem entre o juiz e o procurador do caso Fabrício Queiroz-Flávio Bolsonaro, que completa seis meses ainda envolto numa névoa de explicações mal dadas e de iniciativas tíbias por parte do sempre combativo Ministério Público.

Qual seria a reação do presidente Jair Bolsonaro neste caso? Como reagiria ao ler/ouvir os procuradores do caso do “garoto” confabulando com o juiz que, cedo ou tarde, teria de julgá-lo? Daria o mesmo apoio que deu ao seu ministro da Justiça, sem saber ainda a totalidade dos diálogos que estão em poder do site que os vem ministrando a conta-gotas?

Evidentemente, a resposta é não. E ela pode ser extrapolada de Bolsonaro para a claque inflamada que vem defendendo Moro nas redes sociais. Vale o exercício, da mesma maneira, para o caso de amanhã ou depois o tal site divulgar uma conversa de Rogério Favreto, que mandou soltar Lula num domingo, com os advogados do petista, por hipótese.

Desfulanizar é essencial para todos os que querem fazer uma análise honesta intelectualmente deste que é o caso mais complexo jurídica, ética e politicamente posto diante do Brasil desde que a Lava Jato surgiu como uma operação policial e rapidamente foi elevada a categoria política, sendo fundamental inclusive para levar ao cenário que resultou na eleição do próprio Bolsonaro.

Não é aceitável, sob pena de se condescender com a quebra dos pilares que garantem a existência do Estado Democrático de Direito, que todos finjam que não viram que evidentemente Moro, Dallagnol e demais procuradores exorbitaram os limites – constitucionais, éticos, funcionais – que deveriam nortear suas atuações. E os fizeram cientes dos riscos, uma vez que outras operações anteriores foram anuladas justamente por vícios formais.

Portanto, seria bom que eles, bom estrategistas que são, entendessem que dificilmente vai colar o mantra “não há nada de ilegal ali” que entoam, com diferentes ênfases, desde domingo. Algum tipo de capitulação e pedido de desculpas terão de fazer, uma tentativa de separar o joio das maquinações do trigo das importantes revelações, provas, condenações e ressarcimento de valores que, graças ao seu trabalho inovador e corajoso, a Lava Jato legou ao País. Não como heróis a serem defendidos a qualquer preço e com base na negativa dos fatos, mas como homens públicos cientes de suas próprias falhas, porém reafirmando a lisura do produto de seu trabalho.

E que Moro, ainda tateando no ecossistema da política, entenda que a cada movimento seu no tabuleiro de xadrez virá um outro do adversário, pois ele não é mais o juiz onipotente, e sim um agente num ambiente em que se chocam múltiplos interesses, intercambiáveis, difíceis de mapear e que podem mudar ao sabor de uma revelação a mais – inclusive o apoio do chefe-pai Bolsonaro. É cedo demais para traçar prognósticos definitivos nesse caso em que conteúdo e forma das revelações ainda não estão esclarecidos. Mais cedo ainda para se tomar lados.

Intolerância política - MERVAL PEREIRA

O Globo - 16/06

O presidente demonstra considerar lealdade mais importante do que competência e não admite pensamentos diferentes no governo


O presidente Jair Bolsonaro deu várias mostras nos últimos dias daquilo que já havia sido evidenciado desde o início do governo: o que considera lealdade é mais importante para ele do que competência. E de que não admite diversidade de pensamentos em qualquer instância do governo.

O que ele fez com o presidente do BNDES, Joaquim Levy, foi demiti-lo publicamente ontem, ao anunciar que ele está “com a cabeça a prêmio” há muito tempo, e que já está “por aqui” com ele, que não estaria cumprindo o que combinara ao ser nomeado.

Isso porque Levy indicou para uma diretoria do BNDES Marcos Pinto, que trabalhou na gestão de Lula como chefe de gabinete de Demian Fiocca na Presidência do BNDES, de quem era assessor quando Fiocca foi vice-presidente.

Fiocca encaminhou a indicação de Marcos Pinto para a diretoria da CVM em 2012, na gestão de Guido Mantega. Essa relação de Marcos Pinto com a gestão petista irritou Bolsonaro, que exigiu publicamente sua demissão, ameaçando demitir Levy amanhã se não cumprisse sua ordem.

Por trás da confusão com Marcos Pinto está a irritação de Bolsonaro com o próprio Levy, a quem aceitou no BNDES por insistência do ministro da Economia, Paulo Guedes. A desconfiança do presidente recai até sobre pessoas que o auxiliaram muito de perto, como os ex-ministros Gustavo Bebianno e o general Santos Cruz, de quem era amigo há 40 anos. Foram vítimas de intrigas do mesmo grupo, comandado pelo filho Carlos e pelo guru esotérico Olavo de Carvalho. Bolsonaro faz jus a um conselho que recebeu de seu pai, que lhe dizia para confiar apenas nele e na sua mãe.

O ministro da Justiça, Sergio Moro, também passou pelo mesmo problema que atinge agora o ministro da Economia, Paulo Guedes. Os dois supostamente tiveram carta branca de Jair Bolsonaro para escolher seus assessores e foram desautorizados pelo presidente.

O caso de Moro foi menos grave que o de Guedes agora, mas exemplar de uma intolerância incomum nos governos recentes, com exceção de uma atitude pontual de Michel Temer, que demitiu um garçom nos primeiros dias de presidente por considerá-lo um espião petista.

Moro foi obrigado a cancelar a nomeação da cientista política Ilona Szabó para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. A ideia da nomeação da presidente do Instituto Igarapé, que estuda violência urbana e propõe medidas como desarmamento e descriminalização das drogas, era justamente colocar uma voz divergente no conselho, para que ele exercesse seu papel em plenitude, isto é, debater teses e sugerir opções ao ministro.

Nos governos anteriores, Francisco Weffort, fundador do PT, foi ministro da Cultura de Fernando Henrique por oito anos; os economistas Marcos Lisboa e Murilo Portugal foram assessores importantes de Palocci quando era ministro; e o próprio Joaquim Levy foi ministro da Fazenda de Dilma.

Os petistas boicotaram os economistas que consideravam tucanos, mas só Levy foi demitido. Dilma era mais próxima de Bolsonaro em termos de intolerância política do que Lula, que sabia aceitar assessores que não fossem petistas de carteirinha.

Com a crescente autonomia do Congresso em relação ao Palácio do Planalto, Bolsonaro parece estar retomando uma política de contato direto com o eleitor, que tentara no início de sua gestão. Radicalizando posições para contentar seu núcleo principal de eleitores.

O próprio ministro Paulo Guedes, que no início do governo disse que daria “uma prensa” no Congresso e teve que recuar, voltou a tentar pressionar os parlamentares com críticas duras contra a proposta da Comissão Especial da Previdência.

O mais provável é que queira passar a ideia de que não gostou da proposta, para que os deputados tenham a sensação de vitória sobre o governo e não façam novas alterações.

Também ontem Bolsonaro usou o Twitter para pedir que a população pressione os senadores para manterem seu decreto que flexibiliza o porte de armas. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado decidiu revogar os decretos que permitem o porte de armas de fogo a cidadãos e colecionadores, atiradores desportivos e caçadores.

O presidente, que já dissera que não acreditava que os senadores fossem votar “contra o povo”, agora pede que os eleitores os pressionem.