quinta-feira, julho 10, 2014

Importar é a solução - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 10/07

Do jeito que estamos, será difícil trazer craques. Mas bons e modernos técnicos podem vir com seu know-how e seu pessoal


No futebol, o Brasil também é exportador de matéria-prima. O país tem exportado jogadores muito jovens, ainda sem valor agregado, que são formados profissionalmente no exterior.

Neymar já saiu craque, mas é exceção. Na verdade, é o único caso assim na atual seleção. Os demais ganharam valor lá fora. Mesmo Neymar não se tornou — ainda, talvez — o protagonista do Barcelona. Parece que tem algo a ser mais elaborado.

No geral, eis o problema: o país do futebol exporta não apenas matéria-prima, mas uma matéria-prima inacabada.

A coisa piorou ao longo de anos. Lembram-se da grande seleção de 1982? Só Falcão jogava fora. Os demais (Zico, Sócrates, Careca, Junior, Cerezo etc) estavam por aqui ganhando Brasileirão e Libertadores. Todos foram para a Europa logo depois e lá assumiram posição de destaque.

Fenômeno e Ronaldinho Gaúcho saíram jovens, mas já craques reconhecidos, mais ou menos como Neymar agora.

De lá para cá, no balanço geral, o país tem exportado jovens desconhecidos ou quase, não formados, que dão ou não dão certo lá fora. Vão para batalhar — e, de repente, aparece um Luís Gustavo na Seleção. E que, aliás, está longe de ser protagonista no seu clube.

Sendo só exportador, e de matéria-prima, o futebol brasileiro sofreu uma grande perda de qualidade. Se mandamos para fora os craques recém-aparecidos, jovens talentos e jovens apenas promissores, quem fica para jogar aqui?

Reparem: o país exporta e não importa. Quer dizer, importa alguns latino-americanos, mas raríssimos de primeiro time ou mesmo de suas seleções.

Não importa pela mesma razão que exporta. O mercado local não é capaz de manter alta qualidade.

Qual a saída? Proibir a exportação? Como já dissemos aqui, seria ineficiente e ilegal. Ineficiente porque não há ambiente econômico para a formação de grandes times, dado o modo como o futebol é administrado — tanto o profissional, adulto, quanto o dos meninos da base. Ilegal porque não se pode coibir o direito de uma pessoa de trabalhar no exterior para ganhar mais e se aperfeiçoar.

O caminho é modernizar a gestão do futebol, criando uma legislação que permita o desenvolvimento de uma economia de livre mercado: clubes-empresas privados, sem subsídios ou favores do governo, investidores que efetivamente arrisquem seu dinheiro (e possam ganhar mais honestamente).

Faz parte disso uma globalização mais intensa que, no nosso caso, só pode ser a abertura e o incentivo às importações. A começar pelos técnicos. Seria como importar tecnologia e conhecimento para aperfeiçoar uma indústria local.

Do jeito que estamos, será difícil importar craques. Mas bons e modernos técnicos podem trazer seu know-how e seu pessoal.

A Alemanha tem um grande futebol local, com qualidade, público e dinheiro. Tanto é assim que, dos quatro semifinalistas, é o time que tem mais jogadores locais (15). O pessoal da casa não tem tanto motivo para emigrar. Ainda assim, a Alemanha tem oito “estrangeiros”, todos jogando em grandes times europeus. Nenhum na Ucrânia ou na Rússia ou na Grécia...

Faz algum tempo que a Alemanha, assim como Espanha, Itália, Inglaterra, onde jogam os “exportados” alemães, mantêm o mercado aberto e importam os melhores do mundo. Isso elevou a qualidade local, ao impor enorme competição e desafio aos nativos. E, claro, um ambiente favorável: é diferente crescer treinando com os craques do Bayern Munique, aliás, o time mais bem representado nas semifinais, com nove jogadores.

A Holanda, rica e globalizada, tem dez nativos e 13 estrangeiros. Já Brasil e Argentina são basicamente exportadores, com 19 e 21 “estrangeiros” respectivamente. Aqui como lá, os “emigrados”, quando voltam para suas seleções, caem num ambiente de baixa qualidade. Ganham pela sua longa tradição, chegam a semifinais porque têm muitos jogadores espalhados por aí. Mas estão claramente piorando e dependentes de um ou dois jogadores. A estrutura, exportar matéria-prima inacabada, vai se fixando aos poucos, mas inexoravelmente.

Mal comparando, eis alguns números para pensar: na última safra, o Brasil exportou 34 milhões de sacas de café, por 5,3 bilhões de dólares. Nossa principal freguesa é a Alemanha que, de seu lado, está entre as maiores exportadoras de café em pó (solúvel, instantâneo etc.). Importa café verde, matéria-prima, e exporta produto industrializado, com tecnologia, distribuição e marketing. O quilo desse café vale 70% mais que o verde. Também reexporta o verde, por um valor maior do que compra. E não tem um pé de café.

Proibir a exportação do café brasileiro não vai levar a nada exceto prejuízo para os produtores. A saída é criar condições para uma indústria local competitiva — e a situação da indústria brasileira tem piorado, como o futebol.

Sapos, aviões e crédito - ROBERTO LUIS TRÖSTER

O ESTADÃO - 10/07


O ilustre batráquio, quando colocado num recipiente com água a temperatura ambiente e aquecido gradualmente, morre inchado após um tempo. Mas se jogado no líquido já fervendo, ele pula fora rapidamente. Popularmente, o feito é conhecido como a síndrome do sapo fervido.

A demora em reagir a um quadro que se altera vagarosamente é um fenômeno que ocorre nas organizações por falhas de coordenação e de interpretação da informação disponível. É conhecido como inércia de ação. O que está acontecendo com o crédito no Brasil ilustra o ponto.

Os juros pagos pelos tomadores de crédito totalizam 21,4% do PIB, é o recorde mundial, quase o dobro dos do segundo colocado, o Vietnã, e é mais de quatro vezes a média mundial. Esse valor não inclui o pagamento dos encargos da dívida pública, que são mais 5,1%. Um absurdo!

A qualidade do crédito é ruim: mais da metade das concessões são de curtíssimo prazo - cartão de crédito, cheque especial e conta garantida -, o volume de juros pagos está aumentando (há dez anos era de 16,3% PIB), a inadimplência está elevada e subindo e um em cada três reais renegociados está atrasado. A conta não fecha.

O Brasil é o paraíso para rentistas, os aplicadores em renda fixa nacionais e estrangeiros, que estão vendo as taxas subir. E é o inferno para devedores, sejam eles empresas ou famílias, pelas condições e pelos custos de financiar suas atividades e seus investimentos. É óbvio que a dinâmica do crédito não é sustentável.

Há dois anos o problema foi enfrentado com a "Cruzada"; colocou-se como causa o lucro dos bancos, com empenho pessoal da presidente da República. O objetivo de campanha foi e continua sendo meritório, mas o diagnóstico e a estratégia estavam equivocados. A realidade provou o que analistas alertaram na época.

A margem líquida dos bancos (lucro dividido pela totalidade de receitas) é inferior a 10%. Mais de 90% da receita é destinada a custos. A causa dos problemas é a ineficiência do sistema. Relatório recente do BIS mostra que o custo operacional por ativo no Brasil é o mais alto do mundo. A razão é dada por distorções como tributação, compulsórios, qualificação, indexação, mecanismos de transmissão, cadastro positivo iterativo, fragmentação do relacionamento bancário, fixação de limites, transparência e regras de precificação, entre outras. Todas são passíveis de correções.

Uma é o preço cobrado pelo crédito, que guarda paralelos com as tarifas aéreas. No momento de escrever este artigo, uma passagem para o dia seguinte com destino ao Rio de Janeiro, a 429 km, custava entre R$ 377 e R$ 2.398 e a Belém do Pará, a 2.933 km, entre R$ 484 e R$ 2.058. São números que mostram claramente que o custo por passageiro por km voado tem baixa influência no preço das passagens de avião. O quanto é cobrado pelo crédito no Brasil guarda uma relação menor ainda com o risco da operação, com taxas variando de 12% ao ano para grandes empresas a mais de 600% ao ano em alguns casos.

Nas duas situações, a urgência pela viagem e pelo financiamento é a determinante dos preços. As consequências no caso dos aviões são mínimas quando comparadas às dos financiamentos. Os pequenos tomadores são mais afetados por essa prática, pois têm menos alternativas e conhecimento. O resultado é que o País cresce menos do que poderia e a intermediação financeira, em vez de gerar riqueza, emperra a economia.

A solução para a distorção das taxas, dentro do livre mercado, é tecnicamente viável e inclui a obrigatoriedade de divulgação de políticas de precificação e sua observância, a manutenção da marcação original, o cadastro positivo interativo, mais transparência e padronização de alguns critérios. É complexo, mas pode ser implantado. O sistema bancário brasileiro é sofisticado o suficiente para fazer a mudança. As instituições financeiras, empresas, famílias e o País teriam ganhos sustentáveis com uma adequação. O sapo das taxas pode ser transformado num príncipe.

Outra deformidade que precisa e pode ser corrigida é a tributação. Sua modernização traria ganhos para o erário e os bancos e corrigiria algumas injustiças, como cobrar mais impostos por real emprestado do pequeno tomador que do grande, e, mais importante, mais eficiência ao sistema. Poder-se-ia migrar para uma tributação de valor adicionado no mercado financeiro.

Os mecanismos de transmissão da política monetária apresentam obstruções que elevam os juros neutros. Sua correção baixaria essas taxas com reduções no custo do dinheiro e de rolagem da dívida pública. Há mais distorções, mas todas elas superáveis.

A pior de todas é a complacência de governo e banqueiros com a situação. Não querem beijar o sapo do crédito e transformá-lo num príncipe. O que está acontecendo é um não problema, apesar das consequências nocivas para a economia do País. Há uma inércia de ação que não se justifica.

É importante registrar que o sistema financeiro nacional também tem qualidades e oferece contribuições importantes para a economia, como a rede de pagamentos e o mercado de capitais moderno e globalizado. Mas é possível fazer melhor, fazendo o crédito crescer e baixar seu custo total. Há vários países onde as instituições oferecem mais financiamentos a taxas bem menores, com inadimplência reduzida e maior rentabilidade para acionistas. O Brasil também pode.

O potencial para que os bancos mantenham sua lucratividade com uma adequação na sua forma de operar existe e não deve ser desperdiçado. O sistema, além de sólido e rentável, pode ser inclusivo, estável e eficiente e ganhar legitimidade com isso.

Dever bem é bom para os bancos e bom para o País, mas dever mal é perigoso para ambos. O Brasil tem de escolher entre engolir o sapo do crédito ou beijá-lo e transformá-lo num príncipe.

O "7 a 1" e derrotas crônicas - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 10/07

Ressaca da goleada vai passar, mas vale lembrar velhos motivos desta e doutras derrotas nacionais


ERA O TIME mais fraco do último quarto de século em termos de talentos. Mas houve ainda uma confluência maciça de fatores de desastre desta vez.

"Desastre" em termos desse jogo. A vida vai continuar tão bem e mal quanto antes do "7 a 1". Cicatrizes na autoimagem, se isso é relevante, dependerão mais do sentimento geral de como anda o país, não o contrário. Pode haver efeito político e econômico marginal, pequeno, pois os humores já vinham conturbados, por motivos importantes.

De fato houve "tempestade perfeita": a força do adversário, erros ridículos na organização imediata do time, infortúnios, despreparo e um surto maior de delírio de grandeza patrioteira, além da contribuição de incompetências crônicas, típicas de nossas desordem e incivilidade.

É um despropósito toda a gente dedicar muito esforço mental e prático a um "programa de reconstrução do futebol nacional". Mas há certo interesse em relacionar comportamentos repulsivos genéricos a causas de derrotas várias, modos de agir vívidos no futebol, nicho de atrasos.

Do que se trata?

De primitivismo autoritário. A "família Scolari", o "professor" (técnico paizão), o "grupo fechado" (gangue cega por mística qualquer de união, que não é orientada pela ideia de cooperação esclarecida), disciplinas cotidianas autoritárias e infantis para as equipes, fila indiana com mão no ombro, mezinhas em geral.

Esses modos traduzem, bidu, os velhos paternalismo e "cordialidade": tratar assuntos objetivos ou públicos de modo íntimo e sentimental, ignorando normas formais de convivência social e de eficácia. Tais modos tolhem debates mais racionais, legitimam opressões, emburrecem o ambiente, corrompem regras.

Trata-se de descaso com a lei, de senso geral de decência. Da falta de honradez pessoal e esportiva, de quem aceita "virar a mesa" no tapetão a fim de ganhar pontos em campeonatos ou cavar faltas no campo com acrobacias palhaças. Tudo isso contribui para o menosprezo da competência, da igualdade de oportunidades, da colaboração, da confiança. Tudo isso, claro, solapa a ideia de excelência.

Trata-se de tolerância da violência. Das jogadas criminosas impunes às gangues de torcidas, apadrinhadas pelos clubes. Além da má qualidade de jogos e serviços relacionados, o futebol perde interesse porque ir a campo é um risco físico, porque o jogo baixa ao denominador comum dos piores, violentos e ineptos. Torna-se um negócio porco e pobre.

Trata-se da falta de espírito esportivo, de competir pelo melhor resultado, não pela aniquilação bélica do adversário, não pela vitória como droga para amenizar a pequenez de espírito e de capacidades no mais da vida.

Trata-se da desrazão, de patriotadas, da crença na "mística da camisa" do país do jeitinho, do puxadinho, na "tradição", da ignorância do adversário e de seus méritos. Trata-se de desprezo pela formação, da escola dos livros à do futebol, pelo estudo, por preparo e por planos. Não virá vitória assim.

Sim, todas essas corrupções estão institucionalizadas nos comandos do futebol e não só. Mas a gente ainda tolera à larga tais modos na nossa vida cotidiana.

De surpresa em surpresa - CELSO MING

O ESTADÃO - 10/07


O governo se reconhece surpreendido pela disparada da inflação para acima do teto da meta, para 6,52% em junho. Foi o que disse terça-feira o ministro interino da Fazenda, Paulo Caffarelli (foto).

E, no entanto, se não era propriamente uma caçapa cantada, esse estouro era bem mais do que uma simples possibilidade. Estava no radar de todos os analistas. Teria bastado que a inflação de junho fosse de 0,38% - foi 0,40%. E um governo surpreendido por essa goleada da inflação não deixa de ser chocante.

É mais uma indicação de que o governo está perdido em campo, sem resposta e sem postura diante dos primeiros gols do adversário. Seguir afirmando que a inflação pode ficar por aí ao longo de mais dois ou três meses, mas que fechará o ano abaixo dos 6,5% ao ano, não é nem uma aposta; é ficar mais perto da leviandade.

O Banco Central, por exemplo, está projetando para todo o ano de 2014 uma inflação de 6,4%. É um número sujeito a quaisquer imponderáveis, como tantos que vêm acontecendo. O risco do estouro da meta em 2014 é cada vez mais alto.

Entre as indicações de que o governo está sem reação e sem estratégia é o que ocorre no câmbio, que agora desempenha a função de âncora cambial, ou seja, trabalha para evitar a alta do dólar que, por sua vez, encareceria os importados.

Durante os últimos três anos, os atuais integrantes da equipe econômica criticaram insistentemente as operações de carry trade. Ou seja, criticaram as práticas especulativas feitas com moeda estrangeira. Trata-se do levantamento de empréstimos em moeda estrangeira a juros baixos no exterior para trocá-los por reais no câmbio interno, aplicá-los no mercado financeiro brasileiro a juros que hoje estão nos 11% ao ano e, assim, ganhar um bom retorno, na moleza. O problema dessas operações do ponto de vista do interesse brasileiro é que a qualquer momento os dólares podem levantar voo e produzir uma forte escassez de moeda estrangeira no câmbio interno. Para que isso não aconteça, o Banco Central tem de garantir uma certa estabilidade nas cotações da moeda estrangeira, o que o obrigou a prorrogar até dezembro os leilões de dólares no câmbio futuro, que já somam US$ 90 bilhões.

Pois hoje, as operações carry trade são desejadas. Foram estimuladas pelo governo que, em junho, reduziu a zero o IOF que antes era de 6% para operações de curto prazo. Lá se foi o tempo em que o ministro Guido Mantega denunciava a valorização forçada do real (baixa do dólar) como efeito perverso da guerra cambial promovida pelos grandes bancos centrais. O prolongamento da guerra cambial também passou a ser desejado, para que os dólares continuem aportando no Brasil e continuem a segurar a inflação por aqui. No entanto, ontem, a Ata do Federal Reserve (o banco central dos Estados Unidos) acenou com o fim das compras de títulos em outubro e, portanto, com o fim das emissões de dólares, o que pode provocar certa escassez de dólares e menos fluxo para o Brasil.

A atual prostração da economia, que se caracteriza por uma inflação em 12 meses mais perto dos 7% do que dos 6% e pelo crescimento do PIB já mais próximo de zero do que de 1%, não foi produzida por nenhum sapo enterrado. Tem explicações racionais. É, em grande parte, consequência das opções experimentalistas de política econômica feitas nos últimos três anos.

Lições de outro campo - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 10/07


A economia sabe tudo sobre derrotas, recomeços, superações e humilhações externas. Se olharmos através da linha do tempo que nos trouxe até aqui, veremos momentos em que parecíamos destroçados. Houve episódios da renegociação da dívida em que estrangeiros diziam que não tínhamos palavra. O dia do Plano Collor foi um momento de pânico, raiva e dor.
Era uma sexta-feira, os bancos estavam fechados havia três dias, tínhamos que esperar até segunda-feira para saber o que restara nas contas-correntes do que cada família tinha economizado ao longo do tempo. Foi desesperador. Dez milhões de pessoas correram aos bancos na segunda e a fúria era tal que, em uma das fotos que revi, anos depois, uma bancária se agachava atrás do balcão enquanto a multidão gritava descontrolada.

De fato, era forte demais. Uma sensação de ressaca se espalhou pelo país quando enfim entendemos o que as autoridades, de forma atrapalhada, tentavam nos dizer: o dinheiro ficaria prisioneiro do banco por 18 meses, pelo menos. As derrotas dos outros planos econômicos, como o Cruzado, Bresser e Verão, chegaram devagar. Ao longo dos meses a gente ia percebendo que falhara mais uma vez na luta contra a hiperinflação. Era só ver a volta das remarcações, os ágios cobrados nos preços congelados ou o desaparecimento das mercadorias. No Plano Collor, a violência veio de uma vez só. Uma pancada forte. Meio tontos, os brasileiros oscilavam entre a raiva e a apatia ou a tentativa de entender o que estava se passando.

Como foi muito violento, o país quis, num primeiro momento, que nem se tentasse mais controlar a inflação. Alguns ligaram um “deixa pra lá”. Depois, quando a inflação alta voltou a incomodar, o Brasil quis o plano sem traumatismos. E a população se esforçou em entender complexidades da economia, até que se livrou da doença que nos derrotava durante décadas. Por isso, é perigosa qualquer complacência com esse inimigo.

Na economia, aprendemos que não há vitória que não seja construída devagar com alguns elementos básicos: análise sincera do que houve de errado nas derrotas, estabelecimento da meta desejada, persistência na caminhada, mesmo quando o caminho é longo. E mais: jamais considerar que uma derrota, mesmo devastadora, sela o nosso destino.

Na economia, vivemos também o descrédito internacional. Era olhar a cara do mundo e sentir vergonha. Nossa fama era de caloteiros. Nossos negociadores passaram por situação de humilhação diante da arrogância dos credores. Houve uma vez em que negociando com o Clube de Paris, o saudoso Francisco Gros disse: “isso é tudo que o Brasil pode prometer.” Ele era presidente do Banco Central, nós estávamos no começo dos anos 1990, e Clube de Paris é a entidade na qual se negociam as dívidas entre governos. A delegação brasileira estava há dois dias numa maratona de negociação de 48 horas, descansando por revezamento num ônibus estacionado na porta de um prédio em Paris. “O Brasil nunca cumpriu o que prometeu”, disse um dos credores.

A dívida havia sido contraída de forma irresponsável, tratada de forma leviana, durante o governo militar. Erros assim cobram seu preço. O Brasil enfrentou o descrédito, renegociou, pagou num projeto de longo prazo de resgate da credibilidade. A derrota que nos levou à hiperinflação nasceu da soma de pequenos erros que, no dia a dia, pareciam sem importância.

As difíceis travessias econômicas que o país fez ensinam algumas lições para qualquer momento de tristeza. Inclusive no esporte. Recomeçar, fazer um projeto de longo prazo e persistir nele. A cicatriz ficará, mas as vitórias virão se trabalharmos por elas.

Apropriação indébita - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 10/07


O melhor que os políticos teriam a fazer de agora em diante seria deixar de lado o assunto Copa do Mundo. Pelo menos no que diz respeito ao futebol.

Isso na teoria, com base na premissa de que a oposição não deve sair comemorando a derrota horripilante e a situação não tem como captar dividendos nem pode ser responsabilizada pela surpresa que a "caixinha" desta vez nos reservou.

Aliás, não deixa de ser uma cruel ironia que a lavada da Alemanha sobre o Brasil tenha contribuído significativamente para aumentar o saldo de gols dessa Copa tão festejada também pela quantidade de bolas no fundo das redes.

A desconexão entre esporte e política é uma tese confirmada em eleições anteriores. Agora, porém, tornou-se uma hipótese a ser submetida a teste. Por diversos fatores, sendo o principal deles a nítida tentativa do governo de se apropriar do sucesso caso a seleção tivesse conseguido ir até o fim e conquistado o hexa.

A outra razão é a enrustida torcida da oposição para que algo desse errado. Se antes tudo parecia conspirar contra, quando o campeonato começou os ares ficaram favoráveis e os políticos seguiram o rumo dos ventos. Sempre, claro, dizendo que estavam todos unidos em um só coração.

Ninguém poderia, contudo, prever uma surra daquela proporção. Uma coisa horrorosa que pode levar as pessoas a reavaliarem a posição predominantemente favorável à realização da Copa no Brasil enquanto tudo era festa, e voltarem a querer discutir a oportunidade, a necessidade, os gastos, os atrasos, as promessas não cumpridas e os falsos legados do Mundial.

Considerando que os problemas, assim como os aeroportos, não serão levados de volta nas malas dos turistas - para usar uma imagem da presidente Dilma - já seria de esperar o retorno do azedume. Agora, no entanto, acentuado por um fato inimaginável e altamente negativo.

A oposição naturalmente não vai se recusar a esse tipo de debate. E é neste aspecto que agora possa haver, sim, uma conexão entre o futebol e as eleições. Não uma ligação direta entre a derrota em campo e a vitória nas urnas ou vice-versa. Há muitos fatores envolvidos, todos eles devidamente expostos naquele clima de exasperação que há um ano se instalou no País.

Junte-se a Copa realizada no Brasil com eleição disputada e os ânimos profundamente alterados, tudo fica superlativo. Não foi apenas a seleção que se perdeu em campo diante do profissionalismo dos alemães.

O departamento de propaganda do governo também dá sinais de atabalhoamento, pois age no improviso, a cada momento reagindo de uma forma diferente. Antes, quando temia que se concretizassem as previsões de falhas graves de organização e infraestrutura, procurou distanciar-se do campeonato em si para se concentrar no "legado".

Depois, à medida que ia saindo tudo melhor que a encomenda, a equipe do marketing houve por bem aconselhar a presidente a pegar uma carona na amabilidade do brasileiro - contrariando a personalidade irascível de Dilma, a inflexível - a fim de construir às pressas uma identificação.

A presidente foi às redes sociais falar contra o "uso indevido do pessimismo", imitar gestos de Neymar, atacar os "urubus" e misturar condenações à política econômica com críticas à organização da Copa ou mesmo à atuação do time de Luiz Felipe Scolari.

Tal salada governista revelou-se precipitada no uso indevido do otimismo. A suposição era a de que, tendo chegado até as semifinais, o Brasil poderia conseguir o título, ou pelo menos uma colocação razoável. Farejou aí a possibilidade de dividir as honras e apressou-se em abraçar a Taça.

Uma vez consumada a tragédia no campo, o Planalto volta a dizer que a Copa é uma coisa e a política é outra coisa. Mas foi o governo, na palavra da presidente, quem insinuou que era a mesma coisa.

"Padrão Felipão" - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 10/07


BRASÍLIA - Da presidente e candidata Dilma Rousseff, tentando cutucar a Fifa depois dos 3 a 0 do Brasil sobre a Espanha e a vitória na Copa das Confederações: "Meu governo é padrão Felipão".

E agora, depois dos 7 e o fim do sonho do hexa em pleno solo brasileiro? Dilma continua dando entrevistas sobre a Copa e, se já não comparava o padrão do seu governo à malfalada Fifa, não pode mais compará-lo ao do Felipão. Mas não vai faltar quem faça a comparação...

Política é curiosa, vai e vem, vem e vai, sempre sujeita aos humores da grande e difusa massa de eleitores. Dilma ganhou quatro pontos com a Copa, mas tende a estacionar agora.

O que ocorreria com a candidata Dilma se o Brasil fosse campeão e a presidente Dilma entregasse a taça para o capitão Thiago Silva? Imagem fortíssima, de imensa simbologia.

Mas o que ocorrerá com a candidata Dilma se a Argentina for campeã e a presidente Dilma for obrigada a entregar a taça para o capitão Messi em pleno Maracanã? Imagem igualmente fortíssima, de imensa simbologia, mas em sentido oposto.

Já que foi a própria Dilma quem fez o casamento entre o seu governo e o "padrão Felipão", estão unidos na alegria e na tristeza. Já que ela certamente tiraria louros político-eleitorais se a taça fosse nossa, a premissa contrária é igualmente verdadeira: tem agora de dividir os prejuízos da derrota vexaminosa.

Com crescimento medíocre e indicadores destrambelhados, é óbvio que a oposição, em algum momento, mais ou menos subliminarmente, vai colar a tática, a estratégia e a preparação do governo ao "padrão Felipão". Sobretudo na economia.

Eleição, porém, não é campeonato de futebol entre PT e PSDB. Se FHC dizia que a vitória do Brasil não impediria derrota de Dilma, a premissa contrária vale igualmente para ele: a derrota do Brasil também não impedirá a vitória da petista.

A Copa acabou para o Brasil, mas a eleição está apenas começando.

A falência do nosso futebol - RENATO ALVES

CORREIO BRAZILIENSE - 10/07
Com a humilhante derrota no Mineirão, deixamos de ser o país do futebol sim. Temos cinco títulos mundiais, somos os maiores vencedores no universo desse esporte, um celeiro de craques, mas deixamos de ser a referência do bom futebol, do jogo bonito. E faz tempo.
Pior do que perder de 7 x 1 em casa, assinar um placar histórico de forma negativa, é saber que os dirigentes do nosso futebol terão pouca disposição para aprender com tamanho vexame. Não esperem renovação, mudança na nossa cultura com os nomes que temos à frente da CBF.

Continuaremos reféns de métodos arcaicos de técnicos como Luiz Felipe Scolari. Ele repetiu em 2014 os recursos e discursos de 2002, quando ganhou a Copa com um time bem melhor que os adversários, em um Mundial de qualidade técnica abaixo do atual, o melhor dos últimos tempos.

Vice em 2002 com um time e futebol envelhecidos, a Alemanha mudou tudo. Renovou a comissão técnica e a forma do Campeonato Alemão, apostando nas categorias de base. Em 2006, em casa, a Alemanha perdeu para a campeã Itália na semifinal, mas o trabalho continuou. Klinsman deu lugar ao auxiliar, a Alemanha voltou a chegar perto do título em 2010 e sua evolução continuou, com reflexos no campeonato nacional e nas competições continentais.

Enquanto isso, com dirigentes só preocupados em fazer fortuna, o Brasil regrediu. Com medo de ir para a cadeia, Ricardo Teixeira negociou o poder com outro cartola obsoleto, José Maria Marin, que ressuscitou um Scolari que havia rebaixado o Palmeiras em 2012. E com ele veio Parreira.

Antes da partida de terça-feira, um canal de TV paga flagrou o preparador físico Paulo Paixão jogando sal grosso no gramado do Mineirão. Cena que espelha o modelo de gestão do nosso futebol.

Superstições, discursos motivacionais, patriotismo, nada disso ganha jogo. Nem hino à capela, hashtags, historinhas de superação, mão no ombro, beijos em criancinhas. Não no futebol moderno, não contra um time mais bem preparado, bem treinado, com um treinador e assistentes estudiosos. Não contra uma equipe mais competente.

A lacrimosa novela da derrota anunciada - EUGÊNIO BUCCI

O ESTADÃO - 10/07


Se é que pode existir palraria mais oca do que entrevista de jogador de futebol ao fim de uma partida, é entrevista de jogador de futebol chorando depois de perder o jogo. Há os que fungam, os que afinam a voz, e há os que vagueiam os olhos para o alto, indo com eles de um lado para o outro e depois voltando, como um pêndulo de ponta-cabeça. Fora isso, todos os jogadores que choram porque perderam são iguais.

A situação exige de nós que pensemos um pouco mais sobre essa subcategoria ultraespecífica de entrevista de jogador de futebol: entrevista-de-jogador-de-futebol-chorando-porque-perdeu. Trata-se de uma modalidade de entrevista que não acrescenta ideia nenhuma, não traz informação nova, não explica nada do que falta explicar e só piora a aflição sobre o que não está explicado. Mesmo assim, dá ibope. Por isso a televisão, que vive de se fartar do que é farto, abusa delas até não poder mais. Há nesse tipo de imagem um quê de obsceno que fascina as câmeras.

A palavra "obsceno" merece uma consideração um pouco menos ligeira. Além de "indecoroso" ou "indecente", há na raiz etimológica desse termo o sentido de "fora de cena". O obsceno é o que não entra em cena, mas dele se pode saber, ou seja, dele se pode saber apenas porque o público seria formado de seres racionais: pensando, o espectador intui e compreende o que está fora de cena e que, assim, posto fora, influi no enredo. O obsceno é o que não se dá aos olhos. O gozo do corpo, a frieza da morte, a contração psíquica da inveja - isso tudo fica além da cena, não cabe na cena; tudo isso é obsceno.

Ou era obsceno. Hoje, nada vale mais do que trazer o obsceno para o centro da cena. A verdade está exclusivamente no que se vê com os olhos e no que se toca com as mãos (o leitor há de compreender o pleonasmo; ele é necessário para que fique bem claro que o que se vê "em pensamento" ou o que se toca "pelo pensamento" não tem hoje o estatuto de verdade, mas de mera especulação). Tudo o que vemos é verdadeiro. Nada do que não vemos merece crédito. A imagem é o critério da verdade. Logo, é preciso mostrar, explicitamente, o que se pretende dizer.

É por isso que são torrenciais os soluços convulsivos nas novelas (servem para dar verossimilhança ao sentimento da dor), os tiros e o sangue nos filmes de ação (servem para dar verossimilhança ao grau de violência contido na história) e a escatologia pornográfica nas cenas de paixão (servem para dar verossimilhança ao que chamamos de amor). Pelo mesmo imperativo espetacular, o choro do lateral, do volante ou do goleiro ganha a tela inteira, por minutos intermináveis. O choro que, por uma questão de decoro, deveria resguardar-se ao vestiário (que está para a cobertura de futebol na TV mais ou menos como a coxia no teatro, isto é, como um espaço obsceno por definição) vira atração principal como um ímã, com a força inqualificável daquilo que nada tem a dizer e, no entanto, aprisiona o olhar. Um jogador chorando diante da TV depois de um jogo trágico - no sentido completo da palavra - serve apenas para explicitar a que ponto a derrota o devastou, a que limite chegou sua desestruturação psíquica. Como um condenado à morte pedindo clemência, ele roga à plateia que não esquarteje sua imagem pública, implora pela condescendência amorosa. Sim, é patético. Em resumo, um jogador chorando diante das câmeras significa apenas isso: um jogador chorando diante da TV.

Significa apenas isso, nada mais do que isso, mas há outras qualificações a serem feitas. É preciso anotar que jogadores de futebol que depois de uma derrota vão às câmeras chorar atuam como se fossem atores. Sabem que, ao se convulsionar diante dos holofotes, ao expor ali os olhos vermelhos, olhos que pediriam um massagista se houvesse massagista para os olhos, estão atuando, estão representando um papel que miseravelmente imaginam ser o deles. Eles aprenderam esse papel - e essa escola de atuação dramática - vendo televisão no Brasil. Daí por diante, oferecem ao espetáculo geral o prolongamento e o agravamento do vexame: choram diante das câmeras como se fossem mocinhas de novela, quer dizer, eles choram como se cada um deles fosse a mocinha da novela, como choraria a princesa no instante em que é sequestrada pelo dragão. Choram como vítimas inocentes, como quem deu o melhor de si e ainda assim não obteve a justa recompensa do mundo cruel, como quem foi atropelado por uma golfada do destino que lhes escapa inteiramente ao controle.

Se no melodrama de TV o choro da donzela começa quando as palavras se esgotaram, no gramado o pranto entra em cena quando o jogo acaba. Não há mais o que o futebol possa fazer. É como se eles jogassem em troca de amor (ou disso a que chamamos de amor). Não tendo tido sorte no jogo para obter o amor, lançam mão do pranto escancarado, encenado, o pranto explícito, para tentar, uma vez mais, ter sorte no amor. Pedem perdão. Falam que vão reconfortar-se na família. Falam que vão embora. Esquecem que ainda têm um jogo pela frente.

Como o final feliz não chegou, ficam desorientados. "Mas como pode?", eles se perguntam em pensamento. "Como é que pode não ter vindo o final feliz?" Desnorteados, despencam do faz de conta e estatelados na realidade, atuam com o repertório de que dispõem. Choram. Aliás, talvez estivessem representando desde o começo. Pareciam viver um idílio. Não traziam no semblante as premências impostas por uma competição angustiante e implacável. Em vez disso, falavam e sorriam como quem desfrutava o êxtase de ser astro de novela. Faziam propagandas de tudo e mais um pouco. Batucavam no ônibus. Davam declarações de candidatas ao título de Miss Brasil, diziam viver um sonho, como se a competição fosse um concurso de fotogenia.

A seleção da CBF beijou ardentemente o príncipe do espetáculo para dar de cara com o sapo do embuste - e o sapo era ela própria.


Fichas-sujas - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 10/07

A judicialização da política trouxe nos últimos dias notícias nada alvissareiras, com a Justiça sendo usada de variadas maneiras para manter na vida pública políticos que a desonraram. Num dos casos, o do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, há filmes comprovando o recebimento de propinas.

Ele foi condenado em segunda instância por improbidade administrativa pelo Tribunal de Justiça do DF, juntamente com a candidata a deputada Jaqueline Roriz, mas ambos podem escapar da Lei da Ficha Limpa, que proíbe a candidatura de políticos condenados por órgãos colegiados.

A interpretação da Justiça tem sido de que os políticos somente são impedidos de disputar uma eleição se a condenação ocorrer antes do registro da candidatura, cujo prazo final foi 5 de julho.

Outro caso também tem a ver com registro de candidaturas: o Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu liminar anulando a convenção estadual do PT paulista, porque o partido recusou a candidatura do deputado estadual Luiz Moura, acusado de ligação com facções criminosas em São Paulo.

Ele participou de uma reunião com membros do PCC no sindicato dos rodoviários, e não conseguiu explicar o que fazia lá. O passado de Luiz Moura o condena: preso por assalto à mão armada, fugiu da prisão e ficou foragido por 10 anos. No retorno, conseguiu uma anistia dos crimes e entrou para a política. Hoje, possui postos de gasolina e participação em empresas de ônibus.

O efeito colateral da medida por si só demonstra sua total falta de realidade: a anulação invalida todas as candidaturas do PT no estado de São Paulo, não apenas dos deputados estaduais e federais, mas, sobretudo, a de governador, do ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha.

Poderia ser uma solução para o PT, que já começa a cristianizar seu candidato antes mesmo de a campanha começar, mas privaria o estado economicamente mais forte do país e seu maior colégio eleitoral de ter uma representação do PT no Congresso, o que é inaceitável por uma decisão fora das urnas.

No caso de Brasília, a situação é mais surreal do que parece. Embora condenado, ele teve o voto do desembargador Mário-Zam Belmiro Rosa que entendeu que as provas não eram suficientes para ligar Arruda ao esquema, mesmo com o depoimento do delator e com os filmes comprobatórios, inclusive um mostrando o próprio ex-governador com maços de dinheiro, e outro a deputada Jaqueline Roriz recebendo a suposta propina.

Além do mais, o julgamento só ocorreu porque o presidente do Supremo tribunal Federal (STFJoaquim Barbosa determinou que a Justiça do DF julgasse o processo, derrubando uma liminar no STJ (Superior Tribunal de Justiça) que o suspendera.

O Ministério Público vai tentar derrotar a jurisprudência que permite a candidatos fichas-sujas disputarem uma eleição, destruindo completamente o espírito da legislação moralizante. Além do mais, ainda está vigendo o prazo para os registros de candidaturas serem impugnados, o que reforça a tese do Ministério Público.

A Copa das Copas >

Há uma conspiração dos astros contra a presidente Dilma. Na análise de seus conselheiros, o melhor resultado para sua candidatura, depois da tragédia do Mineirazo, seria a derrota ontem da seleção da Argentina e uma vitória da seleção brasileira contra os hermanos no sábado, na disputa pelo terceiro lugar.

Pois os argentinos venceram a Holanda e disputarão a final contra a Alemanha. Corre o risco de a presidente Dilma ter que entregar a Copa das Copas a Messi, o capitão da seleção argentina.

Pior desfecho não poderia haver. Só falta alguém sugerir à presidente Dilma que ela deve ir sábado ao estádio em Brasília para dar uma força à seleção brasileira. É o que dá misturar futebol e política.

O nacionalismo pueril - JEAN MARCEL CARVALHO FRANÇA

FOLHA DE SP - 10/07


A precariedade de raciocínio leva locutores esportivos a associar, de forma barulhenta e com olhos marejados, a honra e o orgulho nacional ao futebol


O pensador austríaco Karl Popper, pouco antes de morrer, em 1994, escreveu um pequeno e inusitado livro sobre a mídia televisiva, "Televisão: Um Perigo para a Democracia". Na obra, contrariando as centenas de ideias conspiratórias que então circulavam sobre o tema --como as do sociólogo francês Pierre Bourdieu--, advogava que um dos maiores problemas da televisão é pura e simplesmente o baixíssimo nível cultural de uma parte considerável de quem nela atua.

O argumento parece demasiado prosaico, mas, venhamos e convenhamos, tem um poder explicativo imenso quando aplicado ao que se tem visto na programação das redes nacionais nestes sonoros e conturbados tempos de Copa das Copas.

Resolve pouco o problema, mas alivia imensamente o espírito saber, por exemplo, que é a precariedade de raciocínio e a completa ignorância dos conhecidos perigos de se promover o nacionalismo irracional e belicoso da população que levam locutores esportivos a acusar um atleta de outro país de "criminoso", de atentar deliberadamente contra a integridade física de um atleta nacional, ou de alardear a leviana ideia de que há uma conspiração de entidades internacionais contra o futebol brasileiro ou, ainda, o que é pior, de associar, de forma barulhenta e com olhos marejados, a honra e o orgulho nacional a partidas de futebol.

Acalma ligeiramente a alma, do mesmo modo, pensar que é em razão da completa falta de referências sobre outros povos e da consequente incapacidade de escapar aos estereótipos mais rasteiros sobre o "outro" que um jornalista é levado a escrever "peças poéticas" sobre o confronto de seleções, lançando mão de lugares comuns como: "alemães trabalhadores e metódicos" contra " brasileiros criativos e improvisadores". Certamente, autor, que queria somente cantar as enormes dádivas dadas pela natureza a este belo povo dos trópicos, desconhece por completo que, ao exaltar tal lugar-comum, está exaltando uns outros tantos historicamente a ele conectados: a incapacidade do brasileiro para o trabalho sistemático, a crença de que o esforço é para os não escolhidos por Deus (os outros conquistam com trabalho, nós recebemos espontaneamente da natureza), a crença de que somos um povo dos "afetos", avesso à racionalidade, e por aí vai.

Dá um certo conforto íntimo, também, saber que é por singeleza de espírito que muitos jornalistas fazem um esforço enorme para insistentemente criar defensores e salvadores da mãe pátria ofendida, heróis nacionais de chuteira, com pouco mais de duas décadas de vida, que têm a triste e dura missão de levar nas costas e dar solução para todas as contradições e frustrações de uma sociedade que espera ser virtuosa ao menos no futebol, esporte que há décadas ela é levada a acreditar piamente que sintetiza o caráter, o bom caráter, nacional.

Enfim, não soluciona mas consola saber que parte considerável do nacionalismo pueril e socialmente danoso que vem sendo sistematicamente alimentado por parcelas da mídia televisiva nestes tempos de confronto de seleções não é, digamos, inteiramente ideológico, como pensam os amantes das teorias conspiratórias que povoam este conturbado país, parte dele --uma parte significativa-- é de certo modo genuíno: vem de gente mal preparada que, com as melhores intenções, julgam se dirigir a outros igualmente limitados.

Marcha a ré - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 10/07


Forte retração registrada pelo setor automotivo no primeiro semestre reflete fracasso da política econômica dos últimos anos

O colapso das vendas e da produção de automóveis nos últimos meses é uma amostra perfeita e acabada do fracasso da política econômica dos últimos anos. De um lado, o setor esbarra nos limites estreitos das medidas de estímulo ao consumo; de outro, tropeça na falta de competitividade e de integração com o resto do mundo.

Não é sem motivo, portanto, que em junho a fabricação de veículos no país diminuiu 23,3% em relação a maio. No acumulado do semestre, houve redução de 16,8% diante do mesmo período de 2013.

Com isso, a Anfavea (associação de fabricantes) revisou sua projeção de produção para o ano: em vez de alta de 1,4%, agora estima queda de 10%. Se isso se confirmar, será o maior decréscimo desde 1998.

Os estoques, por sua vez, permanecem altos, cerca de 45 dias de vendas. É quase o pico histórico, superado apenas pelo auge da crise de 2009, quando a economia mundial ficou paralisada.

Desta vez, no entanto, o problema é 100% local. Já não produzem os mesmos efeitos as ferramentas empregadas pelo governo federal com vistas a fomentar compras, como redução de IPI e mudanças na regulação para facilitar a expansão do crédito, com forte presença dos bancos públicos.

Verdade que a Copa do Mundo tem afetado o comércio e que haverá, no segundo semestre, maior número de dias úteis. São questões pontuais, porém, incapazes de mudar o quadro geral de desalento.

Ao lado da perda do poder de alavanca do crédito estão as medidas protecionistas. Em boa parte por causa delas, o Brasil perdeu para o México a posição de sétimo maior produtor de veículos.

Enquanto as montadoras brasileiras fabricaram 1,5 milhão de veículos leves no primeiro semestre, as mexicanas produziram 1,6 milhão. Do total nacional, 11% são destinados às exportações, com forte concentração (85%) das vendas para a Argentina; no México, 80% vão para mercados externos.

A falácia do protecionismo aparece com clareza. Não há competitividade sem integração comercial. As montadoras, como a maior parte das multinacionais, estão no Brasil para explorar o mercado interno. Escudadas pelas tarifas, têm poucos incentivos para inovar e buscar preços internacionais.

É fato que os impostos são elevados, mas a rentabilidade não deixa a desejar: entre 2010 e maio deste ano, o setor remeteu ao exterior US$ 16 bilhões em lucros.

Com a fraqueza das vendas e a crise na Argentina, as montadoras não têm como redirecionar produtos para o exterior --não se produzem aqui carros com aceitação global. O Brasil está na contramão do mundo, e grande parcela da culpa vem da mentalidade isolacionista que hoje permeia o governo.

Futebol alarga a vala comum de fracassos - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 10/07
A maior derrota da Seleção Canarinho na história da Copa do Mundo, jogando em casa, é o reflexo do país de hoje. A decepção é que o futebol, até a vergonhosa goleada por 7 x 1 para a Alemanha (com o consequente adiamento do sonho do hexa), ainda era visto como referencial brasileiro de excelência. Mas nem o esporte que atravessou um século no pódio de um dos maiores orgulhos nacionais se sustenta mais. Caiu na vala comum das tantas desonras com que o cidadão é obrigado a deparar-se dia a dia.
E as razões não são diferentes. A falta de planejamento, a desorganização, o improviso, o descompromisso espalham-se como ervas daninhas. Projetos, quando existentes, carecem de consistência e de execução eficaz. Transparência é outra qualidade ausente. Previdência, mais uma. Tanto que calamidades anunciadas são apostas certas, e fracassos já não surpreendem, a não ser, como no caso do tsunami alemão no Estádio do Mineirão, pela monumentalidade.

Bastaram dois lances na partida anterior, contra a Colômbia - a lesão sofrida por Neymar numa vértebra lombar e a suspensão do capitão Thiago Silva, por receber o segundo cartão amarelo -, para o Brasil se ver perdido num Mundial anunciado como a Copa das Copas. Em vez de os nomes dos substitutos, pela frequência dos treinos e testes, se imporem de imediato no consciente coletivo nacional, especulações de toda ordem é que vieram à tona.

A improvisação ficou mais evidente quando, na Granja Comary, a luxuosa sede reservada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) aos treinos da Seleção, parecia-se aguardar os ecos do debate nacional para uma tomada de decisão. O técnico Luiz Felipe Scolari chegou a reunir-se com jornalistas amigos para ouvir conselhos. E só instantes antes do início do desastre apelidado de "mineirazo" - numa alusão ao "maracanazo" de 1950, quando perdemos a Copa para o Uruguai em pleno Maracanã -, soube-se, enfim, quem entraria em campo.

Não se discute se a escolha foi certa ou errada. Não se culpa um jogador ou outro pela desilusão. Tampouco se pode apontar unicamente para o treinador. Futebol é esporte coletivo. A equipe ganha, a equipe perde. E a realidade é clara. Embora vitoriosa até então - inclusive com a conquista da Copa das Confederações, no ano passado -, a Seleção havia chegado até ali com dificuldades, como se viu contra o México, o Chile e a Colômbia. Não convencera, não passara a necessária confiança.

O improvável 7 x 1 aconteceu porque os germânicos se apresentaram com bem mais do que talentos individuais. A nós, resta reagir rápido, inclusive superando o abatimento moral, para conquistar o terceiro lugar no sábado. Quem sabe a reação não animará mudança mais ampla, capaz de nos resgatar dos piores lugares dos rankings internacionais de educação, competitividade, infraestrutura, expansão econômica e por aí afora?

Deixem o Brasil fora disso - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 10/07


Sob o impacto da estonteante goleada de 7 a 1 que a seleção alemã infligiu ao time nacional, não faltou quem se pusesse a atribuir o vexame às mazelas brasileiras, de que o resultado seria espelho fiel. Associou-se a catástrofe no Mineirão, por exemplo, ao "atraso civilizatório" do País, numa referência implícita aos padrões superlativos da Alemanha em praticamente todos os campos. Chegou-se a lembrar que, no cômputo de Prêmios Nobel conquistados, a grande nação europeia esmaga o Brasil por 103 a 0. A reação é compreensível, mas nem por isso menos equivocada.

É da condição humana, desde sempre, encontrar um sentido para fatos e situações que desafiam a lógica, o senso comum e as expectativas baseadas em experiências recorrentes. Daí, entre inumeráveis outras consequências, nascem as teorias conspiratórias, que imputam ações e acontecimentos adversos ou desconcertantes a planos urdidos nas sombras por quem quer que deles pretenda tirar proveito. A isso se chama em ciência "relação espúria". Nela, eventos tidos como causas e efeitos ou não se conectam de forma alguma ou, quando sim, só depois de passar por um sem-fim de elos, como os de uma quilométrica corrente.

Uma de suas manifestações mais comuns é a chamada "sociologia de botequim" - a confecção de teorias tão fáceis quanto mambembes sobre fenômenos sociais incomuns ou perturbadores. No caso do baque de Belo Horizonte, o mais certo, talvez, seja falar em sociologia de velório. Enlutados e inconformados com a perda repentina, absurda, do parente ou amigo próximo, alguns dos presentes tentam aquietar o seu pesar dando ao passamento razões que a medicina teria mais razões ainda para recusar. Tamanha a envergadura do colapso da seleção que muitos não conseguem explicá-la pelo que se passou, ou deixou de se passar, no gramado.

Para esses, o futebol - nisso incluído não só o jogo tal qual se desenrolou, mas ainda a qualidade dos times, o preparo de cada um, as táticas adotadas pelos respectivos treinadores, o seu grau de competência e tudo o mais que transcorre nos bastidores dessa multimilionária atividade - não dá conta do ocorrido. É preciso, afirmam, olhar em volta. Simples assim: sendo o Brasil um poço de problemas, nada mais natural que neles tenha se afogado o escrete ao enfrentar a representação de um país que teria resolvido todos os seus. O corolário consolador é que o naufrágio, quem sabe, sirva de choque de realidade para a superação das nossas piores carências.

Há, porém, um "pequeno detalhe": não foi o Brasil quem tomou uma sova histórica anteontem, mas os 11 jogadores escalados por um técnico que, assim como eles, trabalha sob contrato para uma entidade privada, a CBF, que, por sua vez, existe para dar lucro tanto quanto as suas congêneres do mundo inteiro, reunidas todas na famigerada federação da famiglia Blatter, a Fifa. Além disso - e à parte a manifesta superioridade tática do adversário - o desfecho foi literalmente excepcional. A sua causa evidente foi outra raridade, pelo menos em jogos entre seleções da primeira liga mundial: os 4 gols alemães em 6 minutos que entorpeceram o time de Luiz Felipe Scolari.

A chance de isso se repetir, joguem os selecionados dos dois países quantas vezes possam até o fim dos tempos, é ínfima. No acumulado desde 1963, os canarinhos colecionaram 12 vitórias em 22 embates, ante 5 dos rubro-negros e igual número de empates. Isso posto, o que diriam os que culpam os males do País pelos aberrantes 7 a 1 se a esquadra de Joachim Loew não tivesse ido além de uma vitória por 2 ou 3 gols de diferença? Uma coisa, portanto, é a ilógica que torna o futebol fascinante, como observa o técnico argentino Alejandro Sabella. Outra, o Brasil. De mais a mais, em matéria de más notícias, o governo já se incumbe de atingir os brasileiros com uma sequência interminável.

Para a vida real da população, a derrota diante dos alemães, conquanto "humilhante", como a imprensa do mundo inteiro se apressou a qualificá-la, é de uma irrelevância atroz perto de outro resultado dessa funesta terça-feira. A inflação em 12 meses, medida pelo IPCA, chegou a 6,52%, arrebentando o teto da média estipulada pelo governo. Goleada é isso.

Mau planejamento - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 10/07


Desde 2012, empresários e técnicos da área energética vinham alertando que parques eólicos já construídos no País não podiam gerar energia por falta de linhas de transmissão que os conectassem ao sistema elétrico interligado nacional. Isso significaria um custo adicional aos investimentos, já que os contratos preveem o início do pagamento às concessionárias a partir do momento em que as usinas estejam concluídas, independentemente do fornecimento ou não da energia. Contudo, não se imaginava que os atrasos provocados pela crônica falta de articulação entre os órgãos do governo já tivesse ocasionado uma conta quase bilionária.

Uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU), para servir de subsídio à Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, apurou que nada menos que 48 usinas eólicas já construídas na Bahia e no Rio Grande do Norte não podem fornecer energia devido a atraso na construção das linhas de transmissão.

Pelos cálculos do TCU, essas usinas, que deveriam gerar 1.262 MW, com garantia de entrega de 570 MW médios, já custaram R$ 929,6 milhões por atrasos na entrada em operação no período previsto entre julho de 2012 e dezembro de 2013. A conta deve aumentar porque as concessionárias vão naturalmente cobrar até que as linhas de transmissão cheguem afinal às torres aerogeradoras.

Isso ocorre em uma fase em que, por causa da seca no Sudeste e no Centro-Oeste, o sistema elétrico nacional precisa de reforço. O uso mais intenso da energia eólica, que é relativamente mais barata, poderia tornar a matriz energética menos dependente de termoelétricas movidas a combustíveis fósseis, em benefício do meio ambiente.

Essas vantagens deixam de ser usufruídas por um tempo indefinido e, como de hábito, a culpa pelo atraso é dividida entre vários órgãos do governo federal, ficando claro que há uma falha no modelo de gestão do setor. Para que usinas hidrelétricas ou parques eólicos possam ir a licitação é preciso obter uma licença prévia do Ibama, obtida por meio da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Mas o mesmo não ocorre com o licenciamento para as linhas de transmissão, cujo licenciamento ambiental só é solicitado depois do leilão das geradoras, sendo os riscos de garantir a viabilidade do empreendimento transferidos à concessionária.

Seria lógico que o cronograma de licenciamentos ambientais para as usinas e para as linhas de transmissão fossem acertados de modo a evitar o descasamento que agora se verifica. O setor privado tem reivindicado a correção da discrepância no processo, mas a EPE já sinalizou que não pretende alterar o rito de licenciamento das linhas de transmissão.

O TCU atribui à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a responsabilidade por uma "grande parcela desse atraso". Em uma das obras de transmissão, a agência reguladora levou oito meses para emitir a declaração de utilidade pública. A crítica se estende ao Ibama. O prazo para a concessão do licenciamento prévio previsto nos leilões é de oito meses, mas tem chegado a 20 meses, como informa o relatório do TCU. Entre as dificuldades, o Tribunal cita as limitações impostas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que não possui pessoal qualificado suficiente para licenciar empreendimentos em todo o País.

Por sua vez, a Cia. Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), subsidiária da Eletrobrás, vencedora das licitações para a construção das linhas, procurou passar a culpa do atraso para a Aneel, que teria fornecido dados para os seus estudos de planejamento em datas muito próximas da realização dos leilões. Além de rejeitar o argumento da Chesf, o órgão de fiscalização diz que haveria mesmo um "atraso sistêmico da empresa em executar obras de transmissão com celeridade".

Se for o caso, diz o relatório, os responsáveis pelos erros deveriam ressarcir os cofres públicos. Esta é uma hipótese, mas não a mais provável. No fim, quem paga tudo é o consumidor.

A necessária superação do vexame - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 10/06

A derrota trágica no Mineirão precisa ser o marco zero de uma reforma profunda, como fez a Alemanha, passando pela revitalização dos clubes, com o seu enquadramento num modelo profissional de administração


O período de 64 anos, de 1950 a 2014, é delimitado por duas tragédias na história do futebol brasileiro. Numa ponta, a perda do que poderia ter sido o primeiro título mundial, no Maracanã, para o Uruguai, e, na outra, a vexaminosa derrota por humilhantes 7 a 1 diante da Alemanha, terça-feira, no Mineirão. Era o penúltimo passo antes de se voltar seis décadas depois ao Maracanã para, enfim, vingar 50.

Ora, o país lutou para sediar a Copa de 2014 com dois objetivos principais: exorcizar aquele fantasma e ser hexacampeão. Não será, e ainda permitiu nova mancha nos 100 anos de seleção brasileira: a mais acachapante derrota nestas dez décadas.

Será infindável a pendenga sobre se o Maracanazo foi ou não maior que o Mineirazo. Mas trata-se de uma discussão tão longa quanto inútil. Os argumentos de lado a lado são vários. Perder um jogo (2 a 1) de decisão de Copa em casa, contra o Uruguai, no qual abriu-se o placar e precisava-se apenas do empate, é difícil esquecer. De outro lado, o vexame do 7 a 1, no Mineirão — sendo que tudo foi resolvido no espaço de apenas seis minutos do primeiro tempo, quando três gols, com diferença média de dois minutos entre eles, liquidaram a partida —, também é um pesadelo para sempre.

A vantagem, hoje, é já se ter passado por tragédia do mesmo tamanho, e ressurgido dos escombros. Não importa se a derrota é igual, menor ou maior que a de 50. Está nas crônicas da época o registro do profundo silêncio de catedral que tomou conta do ainda inacabado Maracanã, enquanto Obdulio Varela e Ghigia comemoravam o bi uruguaio no gramado. De anteontem, nestes tempos de comunicação instantânea e planetária, das transmissões ao vivo por incontáveis ângulos, restaram registrados nos arquivos digitais o choro de crianças no Mineirão e a tristeza nas ruas, antes desertas, em todo o país, à espera da classificação para a concretização, enfim, da vingança de 50, no domingo, no mesmo Maracanã.

Consumada a tragédia de 50, em duas Copas o Brasil ganharia a sua primeira, em 58, seria bicampeão e chegaria a cinco títulos. E, seja qual for o campeão no domingo, a seleção continuará como a mais vitoriosa. Nada que não possa ser soterrado por uma sequência de derrotas nos próximos torneios, caso o futebol brasileiro aceite de forma passiva a visível tendência de decadência e desorganização em que entrou. Porém, depois de 50 ele soube reagir. E não foram poucos os reveses seguintes. Quando tinha times medíocres, e a derrota era esperada, e mesmo em surpresas também dolorosas como em 82, na Espanha, quando o Brasil reuniu uma das melhores seleções de todos os tempos, e perdeu. Ou na final de 98, em Paris, para a França, num apagão cuja centelha foi a mal explicada indisposição de Ronaldo.

É indiscutível que o 7 a 1 tem um peso específico não desprezível. Porém, de nada adiantará buscar culpados individuais, transformar o Fred num Barbosa, o goleiro de 50. Ou algo do tipo. Isso não significa deixar de reconhecer os erros, para não repeti-los. Mas é crucial chegar às raízes das falhas.

O comportamento do time na Copa e, em particular, na semifinal de terça, denuncia incontáveis problemas, derivados de mau planejamento e preparação deficiente, falta de treinamento, problemas táticos, de escalação, desequilíbrio emocional e qualidade discutível de jogador. O choro descontrolado do capitão Thiago Silva antes da disputa por pênaltis contra o Chile, a instabilidade da equipe no segundo tempo do jogo com a Colômbia e a própria incapacidade de reagir ao primeiro gol da Alemanha, marcado por um atacante, com o pé, livre, numa batida de escanteio, falha grave de qualquer defesa, são pontos que, ao serem unidos, compõem uma radiografia que precisa ser analisada, com cuidado, sem paixões.

É preciso aprender com a derrota. Ainda mais esta, trágica. Antes de tudo, entretanto, deve-se fazer a autocrítica de que bravatas, ufanismos, arrogância e autossuficiência sempre são a antessala de perdas sofridas, cedo ou tarde. Estes cacoetes foram observados na comissão técnica, em Felipão e Parreira, ao se declararem favoritos e se dizerem com “a mão na taça”, postura que pesou tanto sobre os jogadores que a psicóloga da delegação teve quase tanto trabalho quanto o médico e o massagista. Nos últimos dias, até a presidente Dilma ensaiou querer usar a Copa como arma político-eleitoral. Primeiro, devido ao êxito do evento em si. Depois, se viesse o hexa, o ataque aos “pessimistas” seria amplificado nos palanques.

O vexame de terça mostrou, também, que não há jeitinho e malandragem que consigam superar a organização e o trabalho duro, competente e de longo prazo. O Brasil tem o exemplo da própria Alemanha, capaz de somar a habilidade individual à disciplina. Para isso, fez profunda reformulação, a partir também de um fracasso: na Eurocopa de 2000, quando o time marcou apenas um gol e foi desclassificado na primeira fase. Como no Brasil, lá futebol também é questão de Estado. O governo fixou dez anos de prazo para a Alemanha voltar à elite mundial. A Federação Alemã construiu 360 centros de formação de jogadores, onde são atendidos 25 mil meninos e meninas, de 9 a 17 anos. Foi preciso, também, reformar a liga de futebol (Bundesliga) e o campeonato, com o enquadramento dos clubes em normas de administração austera, como deve ser. Clube endividado sai da liga e do campeonato.

Enquanto isso, os clubes brasileiros, quebrados, deixaram de formar jogadores. Os que surgem são logo vendidos ao exterior, e o Campeonato Brasileiro se esvai — 12.500 de média de público por jogo, contra 45 mil da Bundesliga, a mais elevada do mundo.

O Mineirazo precisa ser entendido como marco zero de uma reforma brasileira de igual dimensão, passando pela cúpula do esporte e pela recuperação dos clubes e seu enquadramento, enfim, num modelo profissional de administração. Deve-se, inclusive, aproveitar, com este objetivo, a tramitação no Congresso do projeto de renegociação de suas dívidas tributárias.

Ao mesmo tempo, deve-se sepultar a ilusão de que o Brasil tem o monopólio da habilidade e do brilhantismo no futebol. Mito. Nem Pelé deixou de treinar e trabalhar com afinco para desenvolver suas habilidades. Antes de tudo, é preciso reconhecer que fomos ultrapassados por outros países. Pois, sem admitir que existe o problema, ele nunca será resolvido.

Aos 'black blocs' o rigor da lei - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 10/07


Usando pela primeira vez um mandado de prisão para prender um ativista acusado de associação criminosa e dano ao patrimônio em manifestação de rua, o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) prendeu, na quarta-feira passada, o motorista João Antônio Alves Roza, de 46 anos. Ele apareceu em imagens participando do quebra-quebra ocorrido em 19 de junho na Avenida Marginal do Rio Pinheiros depois de uma manifestação em que o Movimento Passe Livre (MPL) comemorou um ano da revogação do aumento das tarifas dos transportes públicos pelo governador Geraldo Alckmin, do PSDB, e pelo prefeito da capital, Fernando Haddad, do PT. O prejuízo da concessionária Mercedes-Benz - 12 carros de luxo foram danificados, segundo a polícia, por um grupo liderado por Roza, flagrado em vídeos e fotos atirando um extintor na fachada de vidro da loja depredada - foi calculado em R$ 3 milhões.

Ele vinha sendo monitorado pela polícia desde que foi notado como um dos líderes do quebra-quebra de 12 de junho, após um protesto contra a Copa do Mundo no Brasil. Na ocasião, o ajudante-geral Henrique Lima da Silva, de 19 anos, foi preso sob a acusação de ter destruído lixeiras a pontapés. O diretor do Deic, Wagner Giudice, informou que seus investigadores descobriram Roza por meio da rede social Facebook, na qual ele postou uma foto ao lado do filho, usando o boné e os óculos com que estava na depredação da concessionária.

Ele foi encontrado em São Mateus. Em sua casa, a polícia apreendeu dois produtos eletrônicos furtados de uma residência em Mauá, no ABC paulista, em 20 de abril. Com idade bem acima da média dos black blocs, e, ao contrário da maioria destes, sem ter frequentado faculdade ou participado de movimentos políticos, tem passagem pela polícia por receptação de produtos roubados, formação de quadrilha, pedofilia e porte de arma. Ele admitiu ter participado de atos de vandalismo.

Além dele e do ajudante-geral, outros dois black blocs foram presos por terem participado de depredações, após manifestações de protesto tidas como pacíficas. No dia 23, o Deic prendeu em flagrante num ato contra o Mundial na Avenida Paulista o funcionário da farmácia no Centro de Saúde Escola Butantã e estudante de comunicação da USP Fábio Hideki Harano, de 26 anos, e Rafael Marques Lusvarghi, de 29. Este se disse professor de inglês e contou ter passado pelas PMs de São Paulo e do Pará. Os dois foram indiciados por cinco crimes: associação criminosa, porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, incitação à violência, resistência e desobediência. Acusado de portar explosivos, Harano alegou que tinha apenas uma garrafa de vinagre na mochila. O Sintusp, sindicato dos funcionários da USP, exigiu a liberdade imediata de Harano em nota oficial em que afirmou: "Todos os funcionários da USP que o conhecem sabem de sua inocência quanto às acusações e ao que tem sido veiculado pela mídia. Sua prisão se deu de forma absurdamente arbitrária, o que gerou grande indignação em todos". Mas o juiz Sandro Rafael Barbosa Pacheco decretou a prisão preventiva da dupla, negando pedido de liberdade provisória da Defensoria Pública, que anunciou que recorrerá às instâncias superiores.

O governador Geraldo Alckmin elogiou a operação policial que resultou na prisão do motorista que atirou o extintor na direção da concessionária de automóveis. Segundo ele, "as ações policiais - a maioria nesses casos - são filmadas. O que nós vimos aqui, nas últimas vezes em São Paulo, não foi manifestação, foram atos de depredação, de vandalismo, foram crimes". O governador lembrou ainda que "já teve ordem de Justiça para a prisão. E nós vamos identificar todos".

Tudo indica, então, que tanto o Poder Executivo quanto o Judiciário saíram da passividade demonstrada em manifestações anteriores e resolveram prender e processar vândalos que abusam da natureza política correta das manifestações de rua para cometer crimes comuns, previstos no Código Penal e passíveis de punição. E já não era sem tempo.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“O povo separa muito bem a questão política da futebolística”
Geraldo Alckmin (PSDB), governador de São Paulo, sobre o vexame da Seleção



BRICS: BRASÍLIA TERÁ MEGAESQUEMA DE SEGURANÇA

O megaesquema de segurança da Copa do Mundo será mantido e até ampliado, em Brasília, para receber quarta-feira (16) o encontro de chefes de Estado e de governo dos países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e mais os presidentes dos doze países da Unasul, a União de Nações Sul-Americanas. Participarão dessa reunião presidentes como o russo Vladmir Putin e o chinês Xi Jinping.

APARATO À LA EUA

Putin vai trazer ao Brasil uma comitiva de 170 integrantes, além de tudo o que vai usar, incluindo água, comida, carros e helicópteros.

APROVEITA

Vladmir Putin e Xi Jinping chegam ao Brasil no dia 13, para assistir à partida final da Copa, no Maracanã.

RÚSSIA 2018

Ao final do jogo e após a premiação, será realizada a solenidade de transmissão de sede da Copa para a Rússia, a anfitriã de 2018.

CAPITAL BILIONÁRIO

Os Brics se reunirão no Brasil para assinar a criação de um banco de fomento das economias dos membros, com capital de US$ 50 bilhões.

TRABALHA PARA VIRAR MINISTRO DO SUPREMO

Como sempre ocorre em indicações para ministro do Supremo Tribunal Federal, o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) terá o papel de conversar com os candidatos à vaga de Joaquim Barbosa, para depois aconselhar a presidente Dilma na escolha. O problema é que Cardozo é um dos candidatos ao STF e tenta convencer Dilma a desistir de fazer a indicação até setembro, antes das eleições, como ela já decidiu.

ELA TEM PRESSA

Dilma sabe que, se não for reeleita, terá dificuldades de aprovar o indigitado no Congresso, por isso quer resolver o assunto logo.

O ‘ELEITORADO’

O ministro da Justiça tem apoios importantes para o STF, como José Dirceu e Aloizio Mercadante (Casa Civil), mas ele é detestado por Lula.

RIGOR MALVISTO

Lula detesta Cardozo porque ele agiu com imparcialidade, na comissão que investigou corrupção do PT em prefeituras petistas, nos anos 1980.

AMARELOU

O candidato a presidente Eduardo Campos (PSB) cancelou a agenda de ontem para não enfrentar o mau humor do eleitorado nas ruas, após o vexame da Seleção. Bem diferente de Dilma, que vai encarar o Maracanã lotado, domingo, para entregar a taça aos campeões.

VITIMIZAÇÃO

O PSDB do presidenciável Aécio Neves (MG) orientou correligionários a não apoiar xingamentos à presidente Dilma na entrega da taça, no Maracanã. Não por solidariedade a ela, mas para não vitimizá-la.

MURRO EM PONTA DE FACA

A estratégia do ex-governador José Roberto Arruda de processar juiz que o condena não parece ajudá-lo muito – como mostrou a decisão do Tribunal de Justiça do DF, ontem, confirmando sua condenação.

MANOBRA

Convidado como testemunha ontem no Conselho de Ética, o chefe de gabinete de Luiz Argôlo, Vanilton Bezerra, alegou que está no interior da Bahia e só virá a Brasília a partir de 30 de julho, justo no recesso.

CONTRA A CENSURA

Alexandre Jobim, Nascimento Silva e Ronaldo Lemos, do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, recomendaram a rejeição de propostas que violentam a liberdade de expressão neste período, inclusive a proibição de divulgar pesquisas 15 dias antes das eleições.

PRIORIDADE

O PSDB e o DEM chegaram ao consenso de que o candidato Aécio Neves deve priorizar a campanha em estados como São Paulo e Rio de Janeiro, em virtude da expressão do eleitorado.

SOMBRA

Coordenador-geral da campanha de Aécio Neves (MG) à Presidência, o senador José Agripino (DEM-RN) acompanhará o tucano no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, nesta quinta-feira, onde subirá em palanques do PMDB.

PAZ E AMOR

De olho em negociar apoio num segundo turno, o candidato pelo PMDB ao governo gaúcho, José Ivo Sartori, decidiu, por ora, evitar críticas ao governador petista Tarso Genro e à adversária Ana Amélia (PP).

PENSANDO BEM...

...se arrependimento matasse, Dilma já estaria mortinha da Silva, por ter dito, dias atrás, que seu governo é “padrão Felipão”.



PODER SEM PUDOR

O TRADUTOR ACIDENTAL

O ex-presidente Lula fala apenas a própria língua, e mal, mas também não finge "arranhar" outros idiomas. Durante a cerimônia de sepultamento do papa João Paulo II, ele se viu em meio a personalidades políticas mundiais, incluindo o então presidente francês Jacques Chirac, que lhe dirigiu algumas palavras. Sem qualquer diplomata brasileiro nas proximidades para socorrê-lo, Lula não hesitou. Cutucou o antecessor Fernando Henrique Cardoso, que estava ao lado, e pediu com toda a humildade:

- Traduz aí, Fernando...