sexta-feira, setembro 23, 2016

Álbum de figuraças - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 23/09

RIO DE JANEIRO - Na quarta-feira última (21), falei de como uma enciclopédia da corrupção brasileira preencheria uma lacuna no nosso mercado editorial. Sua produção exigiria uma equipe de redatores versados em leis criminais, técnicas contábeis e relações internacionais, mas, até aí, tudo bem. O problema é que, entre o término da preparação dos verbetes e a ida do original para a gráfica, tantos novos tipos de corrupção seriam descobertos que a enciclopédia, por mais ampla, nunca se poderia dizer completa.

Um leitor acaba de sugerir coisa melhor: um álbum de figurinhas – como esses sobre futebol que os garotos colecionam na Copa do Mundo. E nas mesmas condições: o álbum é grátis e as figurinhas, em pacotinhos de cinco, são compradas no jornaleiro. Sua vantagem é que, embora a corrupção sempre se renove, os corruptos tendem a ser os mesmos, entra ano, sai ano, e todos sabemos quais são.

O álbum teria cerca de 400 figurinhas, comportando os políticos, de qualquer partido, que respondam hoje a processo em alguma instância. Se tomarmos por base que o Congresso tem cerca de 300 picaretas — cálculo do então candidato Lula, antes de se aliar a eles na Presidência —, ainda teremos 100 figurinhas para contemplar ex-tesoureiros de partidos, ex-marqueteiros de campanha, ex-diretores de estatais, ex-funcionários de empreiteiras e outros ex, muitos atualmente cumprindo sentença, sem prejuízo dos ainda à solta.

Algumas figurinhas viriam carimbadas, mas só por uma questão de respeito — imagine quais. Outras, aleatoriamente, seriam mais "difíceis" — um Bumlai, por exemplo, valeria pelo menos cinco Dirceus num troca-troca. E virar um Renan num bafo-bafo seria a glória.

Comercialmente falando, o álbum de figurinhas dos corruptos teria tudo para estourar. Até os adultos iriam querer colecionar.


O analista e o marciano - EDMAR BACHA

O GLOBO - 23/09
A nova matriz se caracterizou por uma política monetária frouxa, que deixou de perseguir a meta da inflação


Ao pousar em Brasília, um marciano fica pasmo ao saber que o Brasil paga taxas de juros altíssimas no mercado internacional, apesar de suas reservas internacionais alcançarem US$ 380 bilhões (US$ 40 bilhões a mais que o total da dívida externa do país) e de suas contas externas estarem praticamente em equilíbrio.

A surpresa do marciano é maior ao verificar que, descontada a inflação, a taxa de juros paga pelo governo aos detentores da dívida pública interna é uma das maiores do mundo, apesar de o déficit primário do setor público não ser tão elevado. Esse déficit poderia ser facilmente coberto com o caixa de quase um trilhão de reais que o Tesouro Nacional tem no Banco Central — como aliás ocorreu com o pagamento das “pedaladas fiscais” no fim de 2015.

Contatado pelo marciano, um analista local lhe pondera que esse caixa do Tesouro tem como contrapartida um valor ainda maior de dívida do próprio Tesouro com o Banco Central, não devendo por isso mesmo ser usado para pagar “pedaladas”. Argui, ainda, que a prova de que as contas públicas estão em maus lençóis é que a dívida bruta do governo central alcança elevados 70% do PIB.

Mas o marciano fica confuso ao ver que não mais do que 60% dessa dívida bruta se deve a déficits acumulados do governo central. Pois 40% dela advêm da aquisição de ativos pelo governo, como as reservas internacionais e os créditos com o setor privado. Deduzidos esses ativos, a dívida líquida do governo alcança 42% do PIB, um valor que não assusta para os padrões internacionais atuais.

O analista não se dá por vencido, e observa que o déficit público total, incluindo o pagamento de juros, atinge assustadores 10% do PIB. Mas o marciano acha essa constatação algo tautológica, pois o déficit é elevado apenas porque os juros são tão altos. Se os juros fossem baixos como em quase todo o mundo, o déficit também deixaria de ser assustador.

O analista insiste que os juros não podem baixar de suas alturas, pois a inflação supera 10% ao ano, quando a meta que o Banco Central persegue é de 4,5%. O marciano fica pasmo ao saber que a inflação se mantém alta, apesar de o país enfrentar uma das piores recessões de sua história, com o desemprego atingindo mais do que 11% das pessoas ativas e o PIB caindo mais do que 7% em dois anos.

Conclui o marciano — parafraseando Tom Jobim sem o saber — que decididamente o Brasil não é para extraterrestres. Não basta pousar o disco voador em Brasília e dar uma olhada superficial nos números. É preciso ir além deles e entender a história do país.

O Brasil é conhecido por ser um caloteiro em série. Calotes na dívida foram dados de forma direta por Delfim Netto em 1981, Sarney em 1986 e Collor em 1990. Ou mais comumente por via de uma aceleração da inflação. Nisso o Brasil foi um recordista até o Plano Real. Entre dezembro de 1979 e julho de 1994, a inflação acumulada foi superior a treze trilhões por cento, uma das maiores da história mundial.

Apesar desse histórico de sucessivos calotes, o governo conseguiu que os brasileiros continuassem a usar a moeda nacional ao invés do dólar em suas transações financeiras. Para isso, entretanto, teve que pagar uma das mais altas taxas reais de juros do mundo. Como o ônus da dívida pública é pesado, os brasileiros continuam a antecipar que mais dia menos dia o governo optará por provocar um novo surto inflacionário para tentar desvencilhar-se dessa dívida, como o fez tantas vezes antes do Plano Real. Estabelece-se assim no país um equilíbrio precário, em que tanto a taxa de juros real como a expectativa de um calote futuro se mantêm elevadas, mesmo quando a dívida pública líquida e o déficit primário não assustam para os padrões internacionais atuais.

Informado dessa triste história, o marciano entende melhor a razão dos números que inicialmente tanto o confundiram. O analista pode então lhe explicar as desventuras recentes das políticas fiscal e monetária do país.

A partir de 2011, um novo padrão se estabeleceu na economia mundial. A estagnação dos países desenvolvidos ficou patente. A China diminuiu sua taxa de crescimento. O governo de Dilma Rousseff, entretanto, ignorou essa nova realidade. Uma “nova matriz macroeconômica” foi proclamada.

A nova matriz se caracterizou por uma política monetária frouxa, que deixou de perseguir a meta da inflação; por uma expansão de gastos do governo sem cobertura de impostos, disfarçada por manobras contábeis e pedaladas fiscais; por uma piora da qualidade da dívida do Tesouro, camuflada pela ampliação das operações compromissadas do Banco Central; por controles arbitrários dos preços de insumos essenciais (como petróleo, eletricidade e serviços públicos); e pela oferta exagerada de swaps cambiais para tentar evitar a desvalorização do real sem o uso das reservas internacionais.


De certa feita, o então governador Orestes Quércia teria dito: “Quebrei o Banespa, mas elegi meu sucessor”. Dilma Rousseff poderia parafraseá-lo: “Quebrei o país, mas me reelegi para a Presidência” — até dela ser removida pelo processo de impeachment.

Com um novo governo, renasce a esperança da construção de instituições fiscais e monetárias sólidas. Quem sabe na próxima vez que o marciano aterrissar em Brasília poderá encontrar um país com as contas públicas em ordem, pronto para voltar a crescer com estabilidade e equidade.

Edmar Bacha é economista

Texto adaptado do prefácio do livro “Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade”, organizado por Felipe Salto e Mansueto Almeida

O terceiro ato - FERNANDO GABEIRA

ESTADÃO - 23/09

Moro aceitou a denúncia contra Lula. Hora de conhecer os vencedores


A denúncia contra Lula em Curitiba desfechou um psicodrama nacional. Eu a vejo como parte de um drama inconcluso. De qualquer forma, os dois primeiros atos trazem boas indicações para prever o futuro.

Quando Lula foi levado numa condução coercitiva, abriu-se um grande debate não só sobre a escolha da Lava Jato, mas sobre a própria legalidade do procedimento. Entretanto, no âmbito da mesma Lava Jato, mais de uma centena de pessoas foram conduzidas no momento em que os investigadores escolheram. Não houve nenhum protesto de monta ao longo de todas essas operações.

A vantagem de um processo que envolve políticos de peso é que, de certa forma, põe à prova o próprio Estado de Direito. Tudo o que é feito é escrutinado e criticado sem piedade pelas forças atingidas.

Foi assim também com um instrumento mais importante: a delação premiada. Dilma chegou a comparar os delatores da Lava Jato com Joaquim Silvério dos Reis. Como se a Lava Jato fosse a opressão portuguesa e os assaltantes da Petrobrás, os heróis da Inconfidência Mineira.

Sempre que nossa cabeça está a prêmio nos lembramos de Tiradentes. Lula também o fez, no pronunciamento após a denúncia dos procuradores. Não é preciso ser um luminar em História do Brasil para perceber que são situações essencialmente distintas, a Inconfidência Mineira e o petrolão.

O segundo ato do drama foi a apresentação da denúncia. Choveram críticas aos procuradores. Dessa vez, não só dos petistas, mas também de adversários de Lula que consideraram a denúncia um excesso.

De fato nunca houve no Brasil uma denúncia com características tão políticas. Mas tratava-se de uma organização que dirigiu o País por 13 anos. A denúncia situava-se no contexto do petrolão, um escândalo que revelou as entranhas do sistema de financiamento político no Brasil.

Reclamou-se do tom e da politização e daí se chegou à conclusão de que a denúncia seria inepta. Considerando que Sergio Moro não se iria basear nem na entrevista nem no power point, o conceito de inépcia da denúncia dependia, necessariamente, da leitura atenta de suas 150 páginas. E isso certamente ele o faria. Se a denúncia fosse inepta, ele a rejeitaria; se não, iria aceitá-la.

E foi o que Moro fez: aceitou a denúncia. Não está isento de crítica. Mas para demonstrar o contrário, que a denúncia deva ser rejeitada, é preciso percorrer com ele as 150 páginas.

Os dois pontos básicos da denúncia, o triplex e o armazenamento dos presentes presidenciais, foram mostrados com bastantes detalhes, documentos e fotografias. A crítica mais contundente não se prendeu ao objeto da denúncia, mas à sua formulação, em que apresenta Lula como o comandante máximo, o general, o topo da pirâmide.

Isso não foi amplamente demonstrado e a lacuna ficou mais profunda com a sucessão de epítetos. Essa é, no entanto, a apreensão geral do Ministério Público, avaliando o conjunto dos processos, incluídos os de obstrução da Justiça. O próprio Janot já fez um pronunciamento público afirmando que Lula quer tumultuar o processo.

Lula ignorou os documentos apresentados pelos procuradores e se fixou na questão política. Apresentou-se não mais como uma jararaca, e isso é essencial para quem quer disputar a Presidência. Os companheiros já o salvaram nos momentos difíceis. Falcão lembrou de um senador não citado no arco de forças que foi contra o impeachment. Lula disse que as mulheres falavam até de madrugada no WhatsApp. Uma voz feminina o salvou do fundo da sala; os homens, também.

Mas nos momentos em que está, de fato, emocionado, ninguém consegue salvá-lo. Num deles, comparou-se a Jesus Cristo. Não chegou à audácia dos Beatles. Ele estava abaixo de Jesus Cristo, mas acima de todos nós.

Em seguida disse aquele frase sobre os políticos: ninguém é mais honesto do que o político porque em todas as eleições precisa ir às ruas pedir votos. Nessa versão tosca de defesa nos garante que nenhum profissional tem profissão mais honesta que Paulo Maluf, sempre chamado de ladrão, sempre se reelegendo. Os votos absolvem, não os juízes.

A história de chamar os funcionários públicos de analfabetos e sugerir que sua profissão não é tão honesta é um absurdo que deveria levar os defensores a uma reflexão sobre seu líder.

Afinal você não anuncia que está na luta pela Presidência e ofende num só parágrafo todo o funcionalismo público. Ou, então, você não é bom candidato.

Significa apenas que os artifícios e a mística que sustentaram uma fase de sua vida perderam todo o vigor. Lula não era um candidato a presidente, mas alguém bastante abalado na própria autoestima, lembrando, nostalgicamente, uma reunião com os líderes mundiais e acentuando que Fernando Henrique adoraria estar ali. Tudo o que reteve de uma importante reunião global foi uma vitória sobre o Fernando Henrique, como esse vasto mundo estivesse dividido entre PT e PSDB.

Vi na televisão alguém comparar os procuradores ao movimento dos tenentes, o tenentismo. De fato está presente nos dois grupos o mesmo impulso moralizador da política brasileira. Mas os métodos são outros, o que valeu aos tenentes prisão e exílio.

Os procuradores e todos os que participam da Lava Jato trabalham sob o império, da lei, são controlados por instâncias superiores e também por uma forte cultura jurídica, que, de repente, brotou na imprensa brasileira. É um processo saudável, uma discussão necessária. Seria mais bem-sucedida ainda se buscasse alguma maneira de levar esses cuidados a todos os brasileiros às voltas com a Justiça.

O drama ainda não chegou ao terceiro ato: o julgamento. Aos vários julgamentos que envolvem o período. Nele versões e evidências se chocaram sem parar. Hora de conhecer os vencedores.

*Jornalista


Roubaram até nosso século 18 - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 23/09

Lula poderia ter escolhido um fim mais digno.

Olho para o homem que sai vociferando palanques afora melancolia, ressentimento e bravatas e me dou conta do desfecho miserável que terá a personagem inventada pelos sonhos de reparação da esquerda intelectual brasileira.

O retirante pobre, operário de baixa escolaridade e militante sindical que chegou à Presidência da República tinha tudo para ser um exemplo do milagre da democracia. Em vez disso, a sua maior obra, já apontei uma vez nesta coluna, foi ter recuperado a comunhão etimológica entre "política" e "polícia".

De tal maneira fez uso das licenças da democracia para corrompê-la que ninguém se mostra disposto a ouvir nem eventuais restrições procedentes à forma como se dá a merecida persecução penal dos crimes cometidos pelo partido, por seu representante maior e por seus sócios.

Acuado pelos fatos, Lula decidiu reviver a figura do mártir, que, segundo ele mesmo, está sendo perseguido por ter tido a ousadia de tirar os brasileiros do século 18. A fala tem o seu encanto involuntário. O século 18, no Ocidente, costuma ser celebrado como aquele em que o homem redescobriu as Luzes. Em certa medida, o Apedeuta não nos tirou "do" século 18. Ele nos roubou também "o" século 18.

É compreensível que Lula busque tal conforto moral. Ele já não tem mais tempo de se reinventar. Mas não é sem estupefação, embora não me surpreenda, que os, vá lá, ditos "intelectuais de esquerda" se neguem a reconhecer, com o esfacelamento do petismo, o último suspiro da ilusão de que um ente de razão pode, mais do que governar, substituir a sociedade.

Um líder e um partido que estivessem conformados com a democracia nem enxergariam na vitória dos adversários o triunfo de uma conspiração nem numa eventual virada do jogo, se um dia vier, a redenção da verdade e o juízo final. A razão é simples: esse pensamento ou pertence à esfera religiosa, escatológica, ou à cultura revolucionária. E revolução se faz com sangue. Eventualmente, pode-se tentar aniquilar o "inimigo" com mensalão, petrolão e outras corrupções da verdade e da vontade.

Não tivesse se tornado boneco de ventríloquo da esquerda, anunciando velharias cuja exata extensão desconhece, Lula poderia ter sido nosso Lincoln, mas sem desfecho trágico. Em vez disso, tornou-se um zumbi.

DISSONANTE

Escreveu Sergio Moro ao aceitar a denúncia contra Lula: "É durante o trâmite da ação penal que o ex-presidente poderá exercer livremente a sua defesa, assim como será durante ele que caberá à acusação produzir a prova, acima de qualquer dúvida razoável, de suas alegações caso pretenda a condenação. O processo é, portanto, uma oportunidade para ambas as partes".

Sem a última frase, seria apenas uma tautologia. Acrescido o trecho daquele rabicho, aí se está diante de um entendimento torto do que é o direito numa democracia. Caberá sempre ao acusador o ônus da prova. O acusado não tem como produzir prova negativa. Não se trata, pois, de "uma oportunidade para ambas as partes" porque estamos falando de estatutos absolutamente diversos. As palavras fazem sentido, e eu cobro o sentido das palavras. De um petista ou de Moro.

MANTEGA

Prisão e soltura nada têm a ver com Justiça e cumprimento da lei. Chanchada. Força-tarefa e juiz quiseram dar um recado: "Mandamos soltar e prender quando nos der na telha. São todos criminosos". E são. Mas se age como se não houvesse lei. A cereja do bolo é a divulgação do vídeo com Eike Batista. A revelação de um crime serve para lavar uma arbitrariedade. É um mau caminho.


O tamanho da podridão - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 23/09

A prisão do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, ainda que apenas por algumas horas, significa que o escândalo da Petrobrás alcançará mais gente e gente muito mais graúda do que os notórios operadores do PT que hoje amargam a prisão. Já se sabia que o propinoduto que ligou a máquina do Estado aos cofres do PT era o pilar de um método de governo, sendo o ex-presidente Lula o “chefe supremo” do esquema de corrupção, como autoridades já denunciaram. Mas as suspeitas que recaem sobre Mantega, se comprovadas, mostrariam a extensão do contágio por grande parte do primeiro escalão da administração, passando o próprio governo a ser visto como uma organização criminosa.

Mais longevo ministro da Fazenda da história brasileira, Mantega tornou-se, ao lado da presidente cassada Dilma Rousseff, o grande símbolo do jeito petista de governar. Enquanto Dilma, em seu dialeto peculiar, agredia a realidade de sua desastrosa administração com frases desconexas, Mantega, sempre com ar professoral, tratava de insultar a inteligência alheia com dados sem sustentação e retórica vazia para comprovar o acerto da famigerada “nova matriz econômica” – aquela que quase quebrou o Brasil. O ministro da Fazenda era a face mais conhecida da impostura do PT na condução da economia, um obediente executor das fantasias nacional-desenvolvimentistas de Dilma. Nada, porém, indicava que ele tivesse feito uso de seu cargo e de seu poder para fazer algo além de destruir as finanças do País.

Tudo isso mudou ontem. O juiz Sergio Moro aceitou pedido do Ministério Público Federal para que Mantega fosse preso, sob acusação de que o petista, em novembro de 2012, quando era ministro, solicitou ao empresário Eike Batista recursos para o pagamento de dívidas de campanha do PT. A informação foi prestada pelo próprio Eike em depoimento ao Ministério Público em maio passado.

Em 2012, o Grupo OSX, de Eike, integrava um consórcio que havia obtido um contrato de US$ 922 milhões com a Petrobrás para a construção de plataformas. Suspeita-se de que Mantega tenha pedido a propina como compensação por esse contrato. Sem experiência na área, o consórcio contemplado não conseguiu entregar as plataformas.

Em seu depoimento, Eike disse que Mantega solicitou R$ 5 milhões para o PT. O dinheiro, depositado no exterior, foi entregue por meio de falsa prestação de serviços pela empresa de João Santana, o marqueteiro do PT. Para Eike, não estava claro que se tratava de uma contrapartida por seu contrato com a Petrobrás, mas não é preciso grande perspicácia para desconfiar dos reais motivos de Mantega – afinal, como disse Eike, “o ministro da Fazenda me pediu, o que é que você faz?”. Além de ministro da Fazenda, Mantega era presidente do Conselho de Administração da Petrobrás.

Eike e Mantega, segundo o depoimento do empresário, trataram a propina como “doação eleitoral”. Em seu despacho, Moro lembra que não cabe a um ministro de Estado “solicitar doações eleitorais ao partido do governo, ainda mais doações sub-reptícias”, feitas “através de contas secretas mantidas no exterior e com simulação de contratos de prestação de serviço, meio bem mais sofisticado do que o usual mesmo para uma doação eleitoral não contabilizada”.

Para Moro, está clara a “similaridade com o modus operandi verificado no esquema criminoso da Petrobrás”. Eis o que realmente importa a essa altura. São muitas as evidências de que o grande sistema de corrupção implantado pelos petistas pode ter tido entre seus operadores o mais importante ministro de Estado tanto de Lula como de Dilma. Terá sobrado um canto que seja de seus governos que não tenha sido conspurcado?

É claro que os petistas, sem ter como defender o ex-ministro, apelam à já tradicional vitimização, pois Mantega foi detido quando estava num hospital acompanhando a mulher, que se tratava. Ao decidir revogar a prisão – pedida porque, segundo os procuradores, havia risco de destruição de provas –, Moro disse que ele, os policiais e o Ministério Público desconheciam a situação familiar do ex-ministro. Mas Lula, sempre ele, já andou dizendo que a prisão de Mantega prova que “qualquer tese de humanitarismo foi jogada no lixo”. Sobre a grave acusação que pesa sobre o ex-ministro, nem um pio.

Tratamento de choque para o ensino médio - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 23/09
É correta a decisão do governo de baixar a reforma da fase final do ciclo básico por medida provisória, diante da grave estagnação do aprendizado em nível muito baixo


Dentro da crise mais ampla da educação básica, a degradação da sua fase final, o ensino médio, é gritante há tempos. Algo assustador, porque os avanços que têm sido alcançados na parte inicial dos estudos terminam sendo perdidos à medida que o jovem se aproxima do ciclo médio. Os resultados do último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), referente a 2015, confirmaram este cenário e mostraram, para quem ainda tinha alguma dúvida, que o ensino médio, em estado terminal, caminha para a falência absoluta.

Pelo terceiro ano consecutivo, a nota média do ciclo foi de 3,7, muito distante das metas. A estabelecida para 2015, por exemplo, era de 4,3. Há intenso debate sobre a crise do ensino básico e, em especial, o médio. Já era mesmo hora de agir, como fez o governo ao baixar ontem medida provisória com mudanças importantes a vigorar a partir do primeiro semestre do ano que vem, mesmo que exista um projeto de lei de reforma deste ensino, desde 2013, na Câmara. Divergências haverá, mas algo foi feito, dentro de alguma lógica.

Um termômetro desta crise é a evasão de alunos. Dados oficiais indicam que há no país 1,7 milhão de jovens, entre 15 e 17 anos, fora da escola, ou 16% desta faixa etária. É razoável admitir que isso se deve bastante à inadequação da escola aos adolescentes.

Pouco existe nela que atraia o aluno, e assim a tentação de ir logo para o mercado de trabalho — amplificada pelos problemas econômicos e sociais — se torna irresistível. Ou mesmo para nada fazer, engrossar a parcela dos “nem-nem” (nem estuda, nem trabalha).

O currículo mudará de forma radical: em vez de 13 disciplinas inamovíveis a serem estudadas em três anos, haverá, assim que o currículo único ficar pronto, matérias distribuídas por cinco áreas: linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza e ensino técnico. Depois de cursar, no início do ciclo, disciplinas comuns, os jovens optarão sobre o que desejam estudar na fase restante dos três anos. Incluindo o chamado profissionalizante, algo sempre reclamado nos debates acerca de reformas educacionais.

Com isso, deseja-se dar alternativas a quem já começa a pensar em seguir uma profissão. Não deixa de ser, em alguma medida, uma volta aos conceitos do “clássico” (ciência humanas) e do “científico” (exatas) em que se dividia o ensino médio. E que funcionou a contento. Ainda na linha da flexibilização, será permitido ao aluno acumular créditos, como no ensino superior, para facilitar a retomada dos estudos caso os interrompa ou os desacelere por algum motivo. Outra arma contra a evasão.

Ainda levará algum tempo para a digestão das mudanças, mas é positiva não apenas a preocupação em quebrar a rigidez do currículo, como também o aumento da carga horária, rumo ao ensino em tempo integral (sete horas de aulas). Tudo convergindo para a meta de se ter em 2024, neste regime, 25% dos matriculados e não apenas 6% como hoje.

Não é uma reforma fácil — nenhuma é —, até porque há a questão da quantidade e qualificação dos professores. Mas terá de ser iniciada. Sem ela estará de vez comprometida a aspiração de o Brasil ser um país desenvolvido, estágio só alcançado pela elevação do nível educacional de novas gerações. E o tempo para isso está se esgotando.

Lula fala sobre Mantega sem tocar no essencial - JOSIAS DE SOUZA

BLOG DO JOSIAS DE SOUZA - 23/09
Palco de um ex-protagonista caindo em si ou picadeiro de um cômico fora de si. Escolha sua metáfora para as encenações de Lula nos palanques do Nordeste. A descrição mais adequada talvez seja essa: uma sequência de discursos sem nexo de um pajé inocente que, flechado por denúncias e inquéritos, faz lembrar as virgens de Sodoma e Gomorra.

Na noite passada, num comício em Recife, o morubixaba do PT comentou a prisão de seu ex-ministro Guido Mantega. Abstendo-se de mencionar a soltura determinada horas depois pelo juiz Sérgio Moro, Lula disse à plateia de convertidos:

''Hoje, a Polícia Federal foi buscar o Guido no hospital. Entraram na sala de cirurgia, onde a mulher dele, que está com câncer, começava uma cirurgia. Levaram ele e, depois, com a maior desfaçatez, disseram que não sabiam que ela estava doente. Sabiam! Ela não estava dentro de um hospital para se embelezar. É preciso que esse país volte a normalidade. Isso exige que as instituições respeitem as pessoas e a sociedade.''

A cena dos agentes federais invadindo a sala cirúrgca é uma fábula do orador. Na vida real, um delegado tocou o telefone para Mantega. Que se apresentou do lado de fora do hospital. E foi conduzido educadamente para um automóvel comum, sem a logomarca da PF.

O juiz da Lava Jato, os procuradores da força-tarefa de Curitiba e a Polícia Federal informaram que não sabiam da internação da mulher de Mantega. Lula chama todo mundo de mentiroso. Deve saber o que diz, já que é um PhD nessa história de “não sabia”. O repórter jamais se atreveria a discutir com um especialista. Porém…

Lula talvez devesse incluir em suas próxima manifestações meia dúzia de palavras sobre o inusitado que salta da nova fase da Lava Jato: um ministro da Fazenda convertido em coletor de verbas sujas para campanhas do PT.

Quando discursa de improviso e esquece de abordar o essencial, Lula dá sempre a impressão de que procura uma boa explicação desesperadamente —mais ou menos como um cachorro que escondeu o osso e esqueceu onde.


COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

DOENÇA DA MULHER DE MANTEGA NÃO INIBIU FALCATRUA

Se a prisão de Guido Mantega motivou queixas, em razão do estado de saúde da sua mulher, o ex-ministro não se preocupou com isso quando houve os crimes atribuídos a ele. O câncer da psicanalista Eliane Mantega foi diagnosticado dois anos antes de o marido pedir R$ 5 milhões a Eike Batista para pagar dívida de campanha do PT, por meio de contrato superfaturado com a Petrobras. Dinheiro roubado.

DATAS CERTAS

O câncer da mulher de Mantega foi detectado em dezembro de 2011, e o acerto criminoso, revela Eike Batista, ocorreu em novembro de 2013.

ATITUDE ÉTICA

Se a Lava Jato quisesse induzir Guido Mantega à delação premiada, esta seria a hora adequada. Mas a revogação da prisão desmente isso.

DISCRIÇÃO

Ao contrário do que dizem os petistas, os policiais foram bem discretos, na prisão de Mantega. Até usaram veículo sem inscrições da PF.

ASSIM É

Senadores do PT, quase todos investigados, chamaram a prisão de Mantega de “desumanidade”. Mas silenciaram sobre a sua soltura.

MANTEGA SE FAZ DE VÍTIMA, MAS ‘FICHA’ É EXTENSA

O ex-ministro Guido Mantega, preso ontem na Lava Jato, acabou motivando protestos de petistas, que acusaram a Justiça e o Ministério Público Federal de “desumanidade”. Mas graves acusações pesam contra ele. Em 2012, por exemplo, foi acusado de improbidade quando foi avisado e se omitiu de esquema de corrupção na Casa da Moeda. Em maio, foi levado sob vara para depor na Operação Zelotes.

MANTEGA NO CARF

Mantega era ministro quando o esquema de ladroagem no Carf, ligado à Fazenda, suprimiu mais de R$ 20 bilhões dos cofres públicos.

SOB INVESTIGAÇÃO

O ex-ministro Guido Mantega é investigado por sua suposta ligação com a empresa que comprou a extinção de multa milionária no Carf.

VELHO CONHECIDO

Marcelo Odebrecht, preso pela Lava Jato há mais de um ano, também citou Guido Mantega como um dos achacadores dos governos petistas.

MÍDIA BOAZINHA

O PT reclama à toa da “imprensa golpista”: parte significativa da mídia preferiu difundir a versão de prisão “desumana” de acusado de roubar o País, em vez de explicitar as graves acusações que a motivaram.

DESUMANO É ROUBAR O PAÍS

A Transparência Internacional estima que R$ 200 bilhões são roubados todos os anos dos cofres públicos no Brasil. Dinheiro que saciaria a fome de milhões, construiria escolas, hospitais e geraria empregos.

ESTRATÉGIA DE COMUNICAÇÃO

Em 3h25 de conversa, o jornalista Eduardo Oinegue explicou a Michel Temer suas ideias para a área de comunicação do governo, incluindo a designação de porta-voz mulher, talvez diplomata. O presidente vai refletir sobre o assunto, mas ainda prefere Oinegue como porta-voz.

MINISTRO PORTA-VOZ

A tendência do presidente Michel Temer é adotar o plano de comunicação proposto pelo jornalista Eduardo Oinegue, incluindo uma secretaria diretamente subordinada a ele, e não a um ministério.

CONTADOR DE HISTÓRIAS

Ao ser recebido por Michel Temer em Nova York, o vice-presidente americano Joe Biden, do tipo simpaticão, revelou-se divertido contador de histórias sobre política. Arrancou várias gargalhadas de Temer.

GENTILEZA AMERICANA

O serviço secreto americano, que assume a proteção de autoridades visitantes, designou pessoas que falam português para cuidar do presidente Michel Temer. Incluindo motorista e o chefe da segurança.

PONTUALIDADE BRASILEIRA

O Brasil pode se orgulhar de bater os ingleses no jogo deles: 94,8% de pontualidade de voos na Olimpíada e 95,3% na Paralimpíada. A pontualidade nos jogos de Londres foi de 90% e 89%, respectivamente.

SUCESSO OU FRACASSO

Pesquisa da AmCham, a câmara de comércio Brasil-EUA, indica que para 64% dos empresários o êxito do programa de concessões de Michel Temer depende da recuperação da credibilidade. Para 13%, pesa a agilidade nos financiamentos e licenciamentos ambientais.

PERGUNTA NA ESQUINA

Como Guido Mantega e sua turma conseguiram somar R$ 10 milhões em suas contas bancárias, agora bloqueadas pelo juiz Sérgio Moro?


PODER SEM PUDOR

OBRIGADO PELO VOTO

O deputado João Almeida (PSDB-BA) estava num voo Brasília-Salvador, anos atrás, e se impacientou com uma passageira que atacava os políticos.

- A senhora votou em quem para governador?

- No filho de ACM.

- Mas ele morreu! O governador é Paulo Souto.

- Ah, foi nesse mesmo que votei - admitiu a mulher.

- E para deputado federal?

- Foi num homem que meu cunhado pediu.

- João Almeida? - arriscou ele, brincando.

- Esse mesmo. Eu nem lembrava mais...