segunda-feira, dezembro 28, 2020

Quem crê em conspirações acha que é Einstein, mas não come ninguém - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 28/12

Parque temático com veganos e antivacinas seria ilustrativo da nossa irracionalidade



Hoje, eu queria desejar um feliz Ano-Novo. Mas não para todo mundo. Apenas para algumas tribos delirantes: veganos, gente que acredita em teorias conspiratórias e seus primos irmãos, os antivacinas.
Um parque temático que incluísse essas atrações seria ilustrativo da nossa irracionalidade. Nunca subestime a estupidez humana, pois ela pode ser mortal.

Em breve, o mundo será vegano. Como consequência, podemos imaginar como será o mundo, já que veganos, em geral, são pessoas antissociais, autoritárias e incapazes de qualquer compromisso além do de amar as rúculas, as alfaces e as frutas que caem livremente das árvores.

Sei, conheço a taxonomia dessas obsessões alimentícias, o último exemplo é dos “frutarians”, gente que considera pessoas que tiram frutas das árvores, ou as cozinham, verdadeiros homicidas.

A comida virou um surto. Nunca confie em pessoas puras. A pureza é antissocial.

Mas lamento dizer que nada há de novo em obsessões alimentares. Aliás, elas sempre foram comuns entre fanáticos religiosos, como é aqui o caso. Um traço desse mundo deverá ser a incapacidade de assumir compromissos que durem mais tempo do que um Tik Tok. Longos discursos sobre a pureza da alimentação acompanhados de muita aplicação na Bolsa.

Veganos não são humanistas, logo não apreciam muito as pessoas. Se dependesse deles, ninguém mais teria filhos e animais não cruzariam (que horror é o sexo! Galos são tóxicos para com as galinhas!). Enfim, o mundo seria feito de comunidades assexuadas contemplando o vazio por falta de nutrientes.

Queria desejar um feliz Ano-Novo para os que creem em teorias conspiratórias, primos irmãos dos antivacinas.

Impressiona como pessoas sem qualquer conhecimento médico e científico falam desenvoltamente acerca de temas complexos como exames para testar Covid, medicamentos para Covid, grandes teorias que reúnem o governo chinês, as farmacêuticas e a intenção de criar um vírus para obrigar você a tomar vacinas. Isso quando não metem chips chineses no meio, que seriam injetados em uma vacina fingida.

Vale salientar que há médicos e gente com formação universitária em meio a essa tribo. Alguns chegam ao cúmulo de afirmar que algumas vacinas mudarão o nosso DNA para sempre.

A pergunta que não quer calar é: afinal de contas, para que isso tudo? Outra derivada dessa: essa gente não teve infância? Na infância tudo bem você acreditar em coisas absurdas, na idade adulta fazê-lo é signo de dano cognitivo e afetivo grave.

Esse tipo de gente me lembra aquele comentário do astronauta Buzz Aldrin, o segundo homem a pisar na Lua na Apolo 11, acerca dos que afirmam que o homem nunca foi à Lua.

Pessoas que, do pequeno apartamento de quarto e sala delas, mergulhadas em sua irrelevância, acham que são as únicas que sacaram tudo e que o resto da humanidade é que é idiota quando, na realidade, são elas as idiotas. Ele disse mais ou menos isso. Posso ter feito uso de certa liberdade poética.

O cerne da mente de quem crê em conspirações é criar um universo em que se é o gênio que sacou tudo. Trata-se de gente ressentida que se acha um Einstein não devidamente reconhecido. Cara que não come ninguém.

No caso específico da Covid, é gente que queria ser médica, mas nunca conseguiria entrar numa faculdade de medicina de respeito. Muito menos passar no exame de residência.

E os antivacinas? Ah, os antivacinas! Gente fofa em geral, que só quer o nosso bem. Quero desejar um feliz Ano-Novo com muito corona brincando nos parques, nas escolas e nos espaços em que eles circulam. Principalmente aqueles que são de classe média alta, acreditam nos astros e em arquétipos. Sairíamos bem mais rápido da pandemia se o mundo fosse todo deles, não?

É claro que as redes sociais alimentam esse tipo de mente. Tanto veganos quanto mentes que creem em conspirações intergalácticas e antivacinas têm nas redes sociais seu parquinho de diversões. Trocam mensagens “científicas” sobre descobertas que gente normal e comum nunca chegará a saber. Fico feliz em saber que eles velam por nossa sã ignorância.

Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.