domingo, setembro 16, 2012

Os segredos do mensalão - REVISTA VEJA



O empresário Marcos Valério, apontado como o operador do esquema, diz que, em troca do seu silêncio, recebeu garantias do PT de uma punição branda. Condenado pelo STF por vários crimes, cujas penas podem chegar a 100 anos de prisão, ele revela que o ex-presidente Lula sabia de tudo e que o caixa para subornar políticos foi muito maior: 350 milhões de reais

Rodrigo Rangel


Faltavam catorze minutos para as 7 da manhã da últi­ma quarta-feira quando o empresário Marcos Valé­rio, o pivô financeiro do mensalâo, parou seu carro em frente a uma escola, em Belo Hori­zonte. Alvo das mais pesadas condena­ções no julgamento que está em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), ele tem cumprido religiosamente a tarefa de levar o filho todos os dias ao colégio. Desce do carro, acompanha o. menino até o portão e se despede com um beijo no rosto. Chega mais cedo para evitar ser visto pelos outros pais e alunos e vai embora depressa, cabisbaixo. “O PT me transformou em bandido”, desabafa. Va­lério sabe que essa rotina em-breve será interrompida. Ele é o único dos 37 réus do mensalão que não tem um átimo de dúvida sobre seu futuro. Na semana pas­sada, o publicitário foi condenado por lavagem de dinheiro, crime que acarreta pena mínima de três anos de prisão. Computadas as punições pelos crimes de corrupção ativa e peculato, já decidi­das, mais evasão de divisas e formação de quadrilha, ainda por julgar, a senten­ça de Marcos Valério pode passar de 100 anos de reclusão. Mesmo com todas as atenuantes da lei penal brasileira, não é improvável que ele termine seus dias na cadeia. Valério tem culpa no cartório, mas fica evidente que ele está carre­gando sobre os ombros uma carga penal que, por justiça, deveria estar mais bem distribuída entre patentes bem mais al­tas na hierarquia do mensalão. É isso que mais martiriza a alma de Valério neste momento, uma dor que ele tènta amenizar lembrando, sempre que pode, que seu silêncio sobre os responsáveis maiores acima dele está lhe custando muito caro.

Apontado como o responsável pela engenharia financeira que possibilitou ao PT montar o maior esquema de cor­rupção da história, Valério enfrenta um dilema. Nos últimos dias, ele confiden­ciou a pessoas próximas detalhes do pacto que havia firmado com o partido. Para proteger os figurões, conta que as­sumiu a responsabilidade por crimes que não praticou sozinho e manteve em segredo histórias comprometedoras que testemunhou quando era o “predi­leto” do poder. Em troca do silêncio, recebeu garantias. Primeiro, de impunidade. Depois, quando o esquema te­ve suas entranhas expostas pela Procuradoria-Geral da República, de penas mais brandas. Valério guarda segredos tão estarrecedores sobre o mensalão que não consegue mais reter só para si — mesmo que agora, desiludido com a falsa promessa de ajuda dos poderosos ) que ele ajudou, tenha um crescente te­mor de que eles possam se vingar dele de forma ainda mais cruel. Os segre­dos de Valério, se revelados, põem o ex-presidente Lula no epicentro do escândalo do mensalão. Sim, no comando das operações. Sim, Lula, que, fiel a seu estilo, fez de tudo para não se contagiar com a podridão à sua volta, mesmo que isso significasse a morte moral e política de companheiros dile­tos. Valério teme, e fala a pessoas próximas, que se contar tudo o que sabe estará assinando a pior de todas as sen­tenças — a de sua morte: “Vão me matar. Tenho de agradecer por estar vivo até hoje”.

Sua mulher, Renilda Santiago, já tentou o suicídio três vezes. Há duas ' semanas, ela telefonou a uma amiga para dizer que iria a um reduto do trá­fico encravado na região central de Be­lo Horizonte comprar uma arma. Avi­sou que havia decidido dar um tiro na cabeça. Renilda está mergulhada em crise aguda de depressão. Os dois fi­lhos do casal vivem dramas à parte. Meses atrás, o menino, de 11 anos, tentou fazer um teste de admissão em uma escola mais perto de casa, mas a diretora nem deixou o garoto começar a prova. A direção da escola não queria entre seus alunos o filho de Marcos Va­lério. A filha mais velha, de 21 anos, passou por constrangimentos cruéis. Em um debate na faculdade de psico­logia, o assunto escolhido pelos cole­gas foi justamente o comportamento do pai dela. Humilhada, ela saiu da sa­la. Chega a ser assustador, mesmo que previsível, que as pessoas esqueçam a mais consagrada prática cristã, civili­zada e jurídica — a de que os filhos não devem pagar pelos erros dos pais. Marcos Valério sofre de síndrome do pânico e praticamente não prega os olhos à noite. Sobre o PT e seus anti­gos parceiros ele vem dizendo: “Eu detesto esse pessoal. Esse povo acabou com a minha vida, me fez de um tama­nho que eu não sou. O PT me fez de escudo, me usou como um boy de lu­xo. Mas eles se ferraram porque agora vai todo mundo para o ralo”. O medo ainda constrange Marcos Valério a li­mitar suas revelações a pessoas próxi­mas. Até quando?

MENSALAO

“O caixa do PT foi de 350 milhões de reais”

A acusação do Ministério Públi­co Federal sustenta que o men­salão foi abastecido com 55 milhões de reais tomados por empréstimo por Marcos Valério junto aos bancos Rural e BMG, que se soma­ram a 74 milhões desviados da Visanet, fundo abastecido com dinheiro público e controlado pelo Banco do Brasil. Se­gundo Marcos Valério, esse valor é su­bestimado. Ele conta que o caixa real do mensalão era o triplo do descoberto pela polícia e denunciado pelo MP. Valério diz que pelas arcas do esquema passaram pelo menos 350 milhões de reais. “Da SMP&B vão achar só os 55 milhões, mas o caixa era muito maior. O caixa do PT foi de 350 milhões de reais, com dinheiro de outras empresas que nada tinham a ver com a SMP&B nem com a DNA”, afirma o empresário. Esse caixa paralelo, conta ele, era abastecido com dinheiro oriundo de operações tão heterodoxas quanto os empréstimos fic­tícios tomados por suas empresas para pagar políticos aliados do PT. Havia doações diretas diante da perspectiva de obter facilidades no governo. “Muitas empresas davam via empréstimos, ou­tras não.” O fiador dessas operações, ga­rante Valério, era o próprio presidente da República.

Lula teria se empenhado pessoal­mente na coleta de dinheiro para a en­grenagem clandestina, cujos contri­buintes tinham algum interesse no go­verno federal. Tudo corria por fora, sem registros formais, sem deixar ne­nhum rastro. Muitos empresários, rela­ta Marcos Valério, se reuniam com o presidente, combinavam a contribuição e em seguida despejavam dinheiro no cofre secreto petista. O controle dessa contabilidade cabia ao então tesoureiro do partido, Delúbio Soares, que é réu no processo do mensalão e começa a ser julgado nos próximos dias pelos crimes de formação de quadrilha e cor­rupção ativa. O papel de Delúbio era, além de ajudar na administração da captação, definir o nome dos políticos que deveriam receber os pagamentos determinados pela cúpula do PT, com o aval do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, acusado no processo como o chefe da quadrilha do mensalão: “Dir­ceu era o braço direito do Lula, um bra­ço que comandava”. Valério diz que, graças a sua proximidade com a cúpula petista no auge do esquema, em 2003 e 2004, teve acesso à contabilidade real. Ele conta que a entrada e a saída de re­cursos foram registradas minuciosa­mente em um livro guardado a sete chaves por Delúbio. Pelo seu relato, o restante do dinheiro desse fundão teve destino semelhante ao dos 55 milhões de reais obtidos por meio dos emprésti­mos fraudulentos tomados pela DNA e pela SMP&B. Foram usados para re­munerar correligionários e aliados. Os valores calculados por Valério deli­neiam um caixa clandestino sem para­lelo na política. Ele fala em valores dez vezes maiores que a arrecadação decla­rada da campanha de Lula nas eleições presidenciais de 2002.

O PRESIDENTE

“Lula era o chefe”

A ira de Marcos Valério desafia a defesa clássica do ex-presidente Lula de que não sabia do mensalao e nada teve a ver com o esquema arquitetado em seu pri­meiro mandato. Com a segurança de quem transitava com desenvoltura pelos .gabinetes oficiais, inclusive os palacia­nos, e era considerado um parceiro pre­ferencial pela cúpula petista, Valério afirma que Lula “comandava tudo”. Em sua própria defesa, diz que como ope­rador dos pagamentos não passava de um “boy de luxo” de uma estrutura que tinha o então presidente no topo da ca­deia de comando. “Lula era o chefe”, repete Valério às pessoas mais próxi­mas. A afirmação se choca com todas as versões apresentadas por Lula desde que o esquema foi descoberto, em 2005. Primeiro, escudou-se no argumento de que tudo não passou do uso de dinheiro “não contabilizado” que havia sobrado das campanhas políticas, prática supra­partidária e recorrente na política brasi­leira — não por acaso tem: sido essa a estratégia de defesa dos mensaleiros no STF. Num segundo momento, Lula se disse traído e pediu desculpas à nação em rede de televisão.

A rota de fuga de Lula evoluiu mais tarde para a negação completa, com a tese nefelibata de que o mensalâo nunca existiu, tendo sido apenas uma armação das elites para abreviar seu mandato. A narrativa de Valério coloca Lula não apenas como sabedor do que se passava, mas no comando da operação. Valério não esconde que se encontrou com Lula diversas vezes no Palácio do Planalto. Ele faz outra revelação: “Do Zé ao Lula era só descer a escada. Isso se faz sem marcar. Ele dizia vamos lá embaixo, vamos”. O Zé é o ex-ministro José Dirceu, cujo gabinete ficava no 4o andar do Pa­lácio do Planalto, um andar acima do gabinete presidencial. A frase famosa e enigmática de José Dirceu no auge do escândalo — “Tudo que eu faço é do conhecimento de Lula” — ganha con­tornos materiais depois das revelações de Valério sobre os encontros em palá­cio. Marcos Valério reafirma que Dirceu não pode nem deve ser absolvido pelo Supremo Tribunal, mas faz uma som­bria ressalva. “Não podem condenar apenas os mequetrefes. Só não sobrou para o Lula porque eu, o Delúbio e o Zé não falamos”, disse na semana passada, em Belo Horizonte. Indagado, o ex- presidente não respondeu.

PACTO

“Meu contato era o Okamotto"

Há menos de dois meses, VEJA revelou a existência de encon­tros secretos entre Marcos Va­lério e Paulo Okamotto, petista estrelado que desempenha a tarefa de assessor financeiro, ou tesoureiro, de Lula. Procurado para explicar por que se reunia com o principal operador do mensalão, Okamotto disse que os en­contros serviam apenas para discutir política. Não, não era bem assim. Mar­cos Valério tinha um pacto com o PT, e Paulo Okamotto era o fiador desse pac­to. “Eu não falo com todo mundo no PT. O meu contato com o PT era o Paulo Okamotto”, disse Valério em uma conversa re­servada dias atrás. É o próprio Valério quem explica a mis­são de Okamotto: “O papel dele era tentar me acalmar”.

O empresário conta que co­nheceu o Japonês, como o petista é chamado, no ápice do escândalo. Valério diz que, na véspera de seu primeiro de­poimento à CPI que investi­gava o mensalão, Okamotto o procurou. “A conversa foi na casa de uma funcionária minha. Era para dizer o que eu não devia falar na CPI”, re­lembra. O pedido era óbvio.

Okamotto queria evitar que Valério implicasse Lula no escândalo. Deu certo durante muito tempo. Em troca do silêncio de Valério, o PT, por intermédio de Okamotto, prometia di­nheiro e proteção. A relação se tomaria duradoura, mas nunca foi pacífica. Em momentos de dificuldade, Okamotto era sempre procurado. Quando Valério foi preso pela primeira vez, sua mulher viajou a São Paulo com a filha para fa­lar com Okamotto. Renilda Santiago queria que o assessor de Lula desse um jeito de tirar seu marido da cadeia. Disse que ele estava preso injustamente e que o PT precisava resolver a situação. A reação de Okamotto causa revolta em Valério até hoje. “Ele deu um safanão na minha esposa. Ela foi correndo para o banheiro, chorando.” O empresário jura que nunca recebeu nada do PT. Já a promessa de proteção, segundo Valério, girava em tomo de um esforço que o partido faria para retardar o julgamento do mensalão no Supremo e, em último caso, tentar amenizar a sua pena. “Pro­meteram não exatamente absolver, mas diziam: ‘Vamos segurar, vamos isso, vamos aquilo’... Amenizar”, conta. Por muito tempo, Marcos Valério acreditou que daria certo. Procurado, Okamotto não se pronunciou.

PODER

“O Delúbio dormia no Alvorada”

Dos tempos em que gozava da intimidade do poder em Brasí­lia, Marcos Valério diz guardar muitas lembranças. Algumas revelam a desenvoltura com que perso­nagens centrais do mensalão transita­vam no coração do govemo Lula antes da eclosão do maior escândalo de cor­rupção da história política do país. Va­lério lembra das vezes em que Delúbio Soares, seu interlocutor frequente até a descoberta do esquema, participava de animados encontros à noite no Palácio da Alvorada, que não raro servia de pernoite para o ex-tesoureiro petista. “O Delúbio dormia no Alvorada. Ele e a mulher dele iam jogar baralho com Lula à noite. Alguma vez isso ficou re­gistrado lá dentro? Quando você quer encontrar (alguém), você encontra, e sem registro.” O operador do mensalão deixa transparecer que ele próprio foi a uma dessas reuniões noturnas no Alvo­rada. Sobre sua aproximação com o PT, Valério conta que, diferentemente do que os petistas dizem há sete anos, ele conheceu Delúbio durante a campanha de 2002. Quem apresentou a ele o petista foi Cristiano Paz, seu ex-sócio, que intermediava uma doação à campanha de Lula. A primeira conversa foi em Belo Horizonte, dentro de um car­ro, a caminho do Aeroporto da Pampu- lha. Nessa ocasião, conta, Delúbio lhe pediu ajuda. “Ele precisava de uma em­presa para servir de espelho para pegar um dinheiro.” A parceria deu certo e desaguou no mensalão. Hoje, os dois estão no banco dos réus. Valério se sen­te injustiçado. Especialmente na parte da acusação que diz respeito ao desvio de recursos públicos do Banco do Bra­sil. Ele jura que esse dinheiro não caiu no caixa da corrupção. “No processo tem todas as notas fiscais que compro­vam que esse dinheiro foi gasto com publicidade. Não estou falando que não mereço um tapa na orelha. Não é isso. Concordo em ser condenado por aquilo que eu fiz.”

EMPRÉSTIMO

“O banco ia emprestar dinheiro para uma agência quebrada?”

Os ministros do STF já conside­raram fraudulentos os empréstimos concedidos pelo Banco Rural às agências de publici­dade que abasteceram o mensalão. Para Valério, a decisão do Rural de liberar o dinheiro — com garantias fajutas e José Genoino e Delúbio Soares como fiado­res — não foi um favor a ele, mas ao governo Lula, “Você acha que chegou lá o Marcos Valério com duas agências quebradas e pediu: ‘Me empresta aí 30 milhões de reais pra eu dar pro PT’? O que um dono de banco ia responder?” Valério se lembra sempre de José Augusto Dumont, então presidente do Ru­ral. “O Zé Augusto, que não era bobo, falou assim: ‘Pra você eu não empres­to’ . Eu respondi: ‘Vai lá e conversa com o Delúbio’. ” A partir daí a solução foi encaminhada. Os empréstimos, diz Va­lério, não existiriam sem o aval de Lula e Dirceu. “Se você é um banqueiro, vo­cê nega um pedido do presidente da República?” Foram essas mesmas creden­ciais palacianas, segundo ele, que lhe abriram as portas no Banco Central pa­ra interceder pela suspensão da liquida­ção extrajudicial do Banco Mercantil de Pernambuco, que interessava ao Rural. Valério foi destacado para cuidar do as­sunto em Brasília. Uma tarefa executa­da com todas as facilidades e privilé­gios. “Valério chegou lá no Banco Central e foi atendido. Você acha que o Banco Central receberia um imbecil qualquer, dono de uma agência de publicidade quebrada?”

“NOJENTO E VEXATÓRIO"

Ex-superintendente do Banco Rural em Brasília, Lucas da Silva Roque foi um dos principais colaboradores nas investigações da Polícia Federal destinadas a desbaratar a quadrilha do mensalão. Foi ele quem revelou onde estavam os recibos que mostraram quais políticos receberam dinheiro para votar com o governo Lula no Congresso. Nesta entrevista, Roque conta que pagou um preço al­to por agir de forma correta e relata um plano ambicioso urdido pela cúpula da instituição financeira em parceria com José Dirceu. Eles queriam montar um banco popular, do qual Rural e BMG seriam sócios, para conceder empréstimos consignados aos aposentados. Um negócio companheiro e bilionário.

Por que o senhor decidiu ajudar a polícia? Não tinha nada a temer. Não entrei no jogo deles, não sou bandido. Fui mandado para a agência do Rural em Brasília para moralizá-la, porque ali estava uma bagunça. O que estava acontecendo no banco era acintoso, no­jento e vexatório. O delegado disse que queria todos os documentos. Apontei onde estavam as caixas. Àquela altura, já estava tudo encaminhado para fazer sumir as provas, mandando-as de Brasí­lia para Minas Gerais. Mostrei onde es­tavam os documentos e falei para o de­legado que procurasse papéis também numa construtora, que servia de almo- xarifado do banco.

Como a diretoria reagiu à sua cola­boração com a PF? Fui atacado de tudo quanto é jeito. Me colocaram em um porão que não era uma agência bancária, depois em uma loja de shop­ping que foi fechada por ser irregular. Pior, mandaram me avisar que eu esta­va proibido de aparecer na diretoria do banco. Isso foi em outubro de 2005. Virei a Geni. Fui demitido em agosto de 2010. Eu, minha esposa e meus filhos fomos achincalhados na rua como mensaleiros.Tive sérios problemas de saúde, perdi meu casamento.

O senhor tinha relação de proximi­dade com Marcos Valério. Ele disse a algumas pessoas que teve um en­contro com Lula na Granja do Torto. Vários encontros. É verdade? Sim, ele deixava para viajar para Belo Hori­zonte no sábado à noite para passar lá.
Levado por quem? Delúbio Soares, Silvinho Pereira e José Dirceu.

Quais eram os planos da cúpula do Banco Rural e dos petistas? Eles ti­nham um projeto de montar um banco popular com a CUT. Juntariam o Banco Rural, o BMG, a CUT. Era um projeto com capital de 1 bilhão de reais.
Quem capitaneava esse projeto?

Eram os bandidos do mensalão. Como o PT não tinha cultura bancária, o Rural e o BMG seriam sócios. Um banco pri­vado com a participação da CUT, que direcionaria todos os beneficiários do INSS para tomar dinheiro em emprésti­mos consignados nessa instituição po­pular. Quando o mensalão estourou, o projeto foi abortado.

"Lula era o chefe" - CARTA AO LEITOR

REVISTA VEJA 

Seis semanas depois de iniciado o julgamen­to pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o escândalo do mensalão, que Lula e o PT tentaram dissimular como sendo uma “farsa da oposição” ou “invenção da imprensa golpista”, mostrou-se de uma realidade absoluta e incontes­tável. As primeiras condenações à prisão já foram lavradas pelos ministros do tribunal e outras ainda virão até o veredicto final, o que deve ocorrer em meados de novembro. O Brasil e os brasileiros, portanto, já ganharam o ano com a demonstração de maturidade e independência da Justiça e com a certeza de que a nação conta com uma imprensa livre, corajosa e obcecada pela busca da verdade, cujo trabalho desencavou o escândalo e o mante­ve vivo com constantes revelações até que os cul­pados fossem confrontados com seu destino pe­rante o tribunal.

VEJA se orgulha de ter desempenhado um pa­pel fundamental em mais esse processo de depura­ção da vida política nacional. Foram os repórteres da revista que captaram os primeiros sinais da doença que tomava conta de Brasília ao publica­rem o vídeo em que um diretor dos Correios em­bolsava uma propina em dinheiro vivo. A partir daí, VEJA foi puxando o fio da meada até constatar que, ao que tudo indicava, a podridão havia su­bido a rampa do Palácio do Planalto e se instalado nas imediações e até no próprio gabinete presiden­cial. Em sua edição de 13 de julho de 2005, VEJA colocou na capa os resultados de uma pesquisa nacional de opinião pública dando cònta de que para 45% dos entrevistados o então presidente Lula na­da sabia do mensalão, enquanto para 39% ele sa­bia mas não se tenvolvera diretamente na operação e para 16% Lula sabia e tivera participação direta nas malfeitorias. Depois, a revista revelou que em pelo menos cinco situações Lula fora alertado so­bre o que se passava a sua volta. Em outra reporta­gem de capa, VEJA trouxe a primeira forte evi­dência de que os 16% ouvidos na pesquisa esta­vam certos: Lula sabia e se envolvera. Os repórte­res da revista informavam que o pivô financeiro do escândalo, o publicitário mineiro Marcos Valério, estava a ponto de procurar a Justiça e contar tudo sobre o envolvimento de Lula em troca do alívio da pena pelo mecanismo da delação premiada. “Vocês vão se ferrar. Avisa ao barbudo que tenho bala contra ele”, disse Valério a João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados e hoje réu já condenado no processo do mensalão pelo STF. VEJA relatou a bem-sucedida operação do PT pa­ra acalmar Valério, oferecendo-lhe proteção.

Uma reportagem exclusiva desta edição do editor Rodrigo Rangel, da sucursal de Brasília, feita com base em revelações de Marcos Valério a parentes, amigos e associados, reabre de forma incontornável a questão da participação do ex-presidente no mensalão. “Lula era o chefe”, vem repetindo Valério com mais frequência e amargura agora que já foi condenado pelo STF, podendo, no fim do julgamento, ver sua pena che­gar a mais de 100 anos de reclusão. Valério não quis dar entrevista sobre as acusações diretas do envolvimento de Lula que ele vem fazendo. Mas não desmentiu nada.

A pátria de toga - EUGÊNIO BUCCI

REVISTA ÉPOCA 


Desde que os ministros do Supremo Tribunal Federal caí­ram nas graças dos holofotes, este país anda diferente. Tem um ânimo diferente. Mais que famosos, os jurisconsultos do STF ganharam ares de celebridades, de pop stars. A plateia já os conhece bem: um é poeta e budista, o outro tem dores na coluna e pavio curto, há aquele que, premido pelos prazos processuais, não corta mais o cabelo, e há também o tal que inventa neologismos jurídicos (“gestão tenebrosa”). Hoje, um brasileiro médio, que não tem a menor ideia do nome do vice-prefeito de sua cidade, é capaz de reconhecer na rua um ministro do Supremo. Nunca um julgamento da nossa mais alta corte foi seguido com tanto apetite, de forma tão eletrizante. Estamos mergulhados num frisson judicante, em clima de reality show. O país anda de fato diferente.

Há quem não goste, claro. O deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP) declarou há poucos dias, sem citar nomes, que “um ou outro” ministro do STF vem adotando um comportamento por demais “midiático”. Em tese, o parlamentar petista até que teria razão. Juiz de direito não é para ficar por aí se exibindo em colunas sociais. No caso específico, porém, devemos abrir uma exceção às normas rígidas da etiqueta dos tribunais e admitir que, embora não seja ortodoxo, é bom, ou melhor, é ótimo que os ministros do Supremo estejam o tempo todo ao alcance dos olhos da nação. Apesar do efei­to colateral - esse estrelismo um tanto fora de termos -, a visibilidade lhes cai bem: a sociedade entende melhor o julgamento do mensalão à medida que conhece a personalidade dos juizes.

É bem verdade que o clima de badalação às vezes incomo­da. Suas excelências, de tão festejadas, começaram a angariar admiradores, aos milhões. Mais um pouco, os ministros mais populares correm o risco de ver inaugurar fãs clubes em seus nomes. O Supremo é visto com mais simpatia, com mais leveza, o que vem reabilitando a imagem do Poder Judiciário, que andava combalida.

Você mesmo, se prestar atenção, vai verificar por sua própria conta. O país é outro. Antes, existiam apenas duas torcidas organizadas: a que quer mandar todos os réus do mensalão para a cadeia e aquela que diz que foi “só” caixa dois e, portanto, ninguém precisa ser condenado. Agora, surge uma nova força. Ganha corpo uma terceira legião de torce­dores, que aposta que os ministros, absolvendo uns e conde­nando outros, convencerão o Brasil de que foi feita justiça.

Essa crença nos ministros do Supremo, embora tenha uma cara de tietagem, está rejuvenescendo a face do país. O Judiciário é visto como um pronto-socorro da democracia ferida. Nasce aí essa torcida difusa que aposta na sabedoria dos ministros. Se, nos campeonatos de futebol, o Brasil assume as feições de uma pátria de chuteiras, agora, à medida que avança o julgamento do mensalão, vamos assumindo o aspecto de uma pátria togada.

Já que estamos nesse meio campo entre as celebridades meritíssimas e suas torcidas, vamos levar um pouco mais longe a comparação entre o STF e o mundo insondável do futebol. É uma analogia perigosa, traiçoeira, mas não há de ser nociva. Ao contrário, ela pode nos ajudar a entender melhor o ânimo que vai se disseminando pelo país.

Imagine que a corrupção no futebol não fosse praticada apenas pelos cartolas, como tem sido. Imagine que os jo­gadores em campo também se dedicas­sem a “gestões tenebrosas”, e no meio da partida. Imagine que, dentro dos 90 minutos regulamentares, o capitão de um time subornasse o goleiro adversá­rio, tirando da sunga um maço de di­nheiro que surrupiou da bilheteria, com o apoio dos dois times. Selado o acordo espúrio, os futebolistas, em vez de jogar bola, passariam a encenar gois fajutos para fraudar o resul­tado e levar um “por fora”.

O que aconteceria? Os torcedores provavelmente senti­riam nojo, mas, antes de desistir de seu amor pelo esporte, talvez depositassem suas esperanças (últimas) no árbitro, cobrando dele uma dignidade superior à dos atletas, uma altivez que desse conta de salvar não o jogo, mas as regras que permitem que exista o jogo.

Claro: num estádio, essa situação seria apenas absurda - ou um teatro do absurdo. No país real, é exatamente isso o que se passa. A torcida a favor das meritíssimas celebridades espera que elas tenham a coragem de punir os culpados e restaurar nossa confiança nas regras do jogo. Os ministros do Supremo, agora promovidos ao estrelato, têm a chan­ce de fazer deste país diferente um país melhor. Não por vaidade, mas por dever.

Fator Carminha - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 16/09

Uma família levou uma senhorinha, daquelas que ficam grudadas na TV, ao mestre Paulo Niemeyer. Havia dúvidas sobre se ela estava enfrentando problemas de memória. O médico resolveu então adotar um método moderno para conferir e perguntou: 

— A senhora sabe quem é Carminha de “Avenida Brasil”? 

Segue...
Como ela não se recordava de quem se tratava, o querido médico achou prudente receitar exames. 

Importando engenheiros 
Uma multinacional do setor de energia, com sede no Rio, vai preencher cerca de 30 vagas de engenheiros com profissionais... portugueses. 

Já foram entrevistados 50 candidatos via Skype. 

Tudo em casa 
Ronaldo adiou por um tempo os planos de vender sua cobertura milionária na Avenida Delfim Moreira, no Leblon. 

O Fenômeno a alugou para a Fifa durante as copas das Confederações, em 2013, e do Mundo, em 2014. 

Questão de gosto 
Jô Soares abomina doces de coco. Ayres Britto detesta jiló, e Eduardo Paes não gosta de... pedras portuguesas na cidade do Rio. 

Não custa lembrar 
Esta Simone Vasconcelos, condenada dias atrás no STF por crime de lavagem de dinheiro no mensalão, envolveu-se numa outra operação esquisita. 

Em 2010, recebeu da Federação das Indústrias de Minas, na época presidida por Robson Andrade, hoje na CNI, quase meio milhão de reais através de uma locadora do marido. 

O DOMINGO É DE... 
...Marjorie Estiano, a talentosa curitibana de 30 anos que voltou à telinha em “Lado a lado”, novela de João Ximenes Braga e Cláudia Lage, na TV Globo. Na trama, a bela interpreta Laura, uma mulher à frente de seu tempo, moderna, que luta pela liberdade feminina e quer muito mais do que casar e ter filhos 

Errou de calor 
O jogador Hulk, terça, dia seguinte à goleada do Brasil contra a China, em Recife, era um dos mais mimados na primeira classe do voo para Lisboa. 

Alguém lembrou que Pernambuco sempre recebe a seleção de maneira “calorosa”. E o fortão respondeu: 

— Eu sei. Nasci ali pertinho de Recife, em Campina Grande. Lá também é muito quente. 

É. Pode ser. 

Salve, Isabelita 
O ator “carioca-argentino” Jorge Omar Iglesias foi convidado por Glória Perez para participar de “Salve, Jorge”, a próxima novela das 21h da TV Globo. 

Ele é a querida Isabelita dos Patins. 

E por falar... 
Caetano Veloso convidou Pretinho da Serrinha para produzir a faixa “Tiranizar”, sua composição com Cezar Mendes. 

A canção já está escalada para “Salve, Jorge”. 

‘Admirável mundo novo’ 
Sabe como os flanelinhas estão cobrando gorjetas na Avenida Jorge Amado, no bairro do Imbuí, Bahia? Com... máquina de cartão de crédito. 

Divórcio eleitoral - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 16/09


Ninguém em sã consciência acredita hoje que o Supremo Tribunal Federal condenou grande parte do núcleo financeiro para aliviar agora na hora de julgar os políticos. E isso vai deixar o eleitor ainda mais distante dos políticos tradicionais na hora de votar


Obrigados a correr atrás do prejuízo em São Paulo, onde José Serra saiu do alto da preferência do paulistano há alguns meses para suar a camisa em busca da vaga num segundo turno, os tucanos paulistas talvez tenham sido os primeiros a perceber a separação entre a classe política e o cidadão comum nesses tempos de julgamento do mensalão, CPI do Cachoeira e por aí vai. Invariavelmente, alguns deles têm feito o seguinte teste quando reúne grupos de eleitores: “Quem acredita em política levanta a mão”. Menos de 10% dos presentes erguem o braço no mesmo instante.

Diante dessa constatação, muitos chegam ao ponto de remeter a situação de São Paulo ao que ocorreu no fim do governo Sarney, quando todos os conhecidos e experientes candidatos a presidente da República foram derrotados pelo jovem governador de Alagoas, Fernando Collor, e pelo “sapo barbudo”, Lula, que só viria a conquistar a presidência 13 anos depois daquela eleição.

Guardadas as devidas proporções, estão aí o “novos”, Celso Russomanno, em São Paulo; e Ratinho Júnior, em Curitiba. Todos vistos como “gente diferente”, “da tevê”, nomes que o eleitor não associa muito à política, logo, não vincula aos sucessivos escândalos que tomam conta do noticiário. E, pelo andar da carruagem, os escândalos estarão cada vez mais na ordem dia, com os políticos entrando na roda do julgamento a partir desta segunda-feira. Afinal, ninguém em sã consciência acredita hoje que o Supremo Tribunal Federal condenou grande parte do núcleo financeiro para aliviar agora na hora de julgar os políticos. E isso vai deixar o eleitor ainda mais distante dos políticos tradicionais na hora de votar.

Para tentar fugir dessa sina, José Serra, por exemplo, decidiu ir para a rua, sair dos eventos fechados. A intenção é olhar nos olhos de cada um dos eleitores a fim de convencê-los de que está mesmo disposto a terminar a sua carreira política como prefeito de São Paulo. Fernando Haddad, por exemplo, vai tentar mostrar que está tão longe dessas confusões quanto a presidente Dilma Rousseff, que, aliás, deverá participar do último comício da campanha paulistana. Eventos que fazem barulho, mas não resgatam o eleitor para a crença no campo da política, poucos foram craques nessa tarefa até hoje.

Memória

Nas últimas eleições, foram poucos os candidatos que levaram a discussão para o campo da política, como fez Mário Covas contra Paulo Maluf, em 1998, na disputa pelo governo de São Paulo. Num debate — que não era tão engessado quanto os de hoje —, Covas fugiu à regra de deitar promessas “na educação…”, “na saúde…” e entrou direto naquilo que nesses tempos de hoje cala fundo ao eleitor: “Maluf, com você quero discutir caráter”. Covas, então, começou a dizer que isso era importante, que seu adversário não estava na campanha das diretas, lembrou aos telespectadores que Maluf apoiara a ditadura militar e que, para escolher um candidato, o eleitor deveria conhecer a história de cada um, de que lado estavam, o que já haviam feito pela vida das pessoas. Covas saiu dali com novo fôlego para conquistar um segundo mandato de governador. Infelizmente, não conseguiu terminar o mandato por causa do câncer descoberto no ano seguinte.

Até aqui, ninguém nesta eleição tem se preocupado em levar o debate para o campo da política e do caráter como fez Covas naquele dia. E quem está em Brasília, distante do calor das campanhas e dedicado a se preocupar com a rodadas seguintes a outubro de 2012, está cada vez mais convencido de que, nessa época em que o eleitor lutou tanto para aprovar a Lei da Ficha Limpa, talvez logo ali na frente seja a hora da discussão do caráter voltar à cena política.

Enquanto isso, na Petrobras…

A empresa adiou pela segunda vez a nomeação de José Carlos Amigo para diretor internacional da Petrobras, deixando a bancada peemedebista de Minas Gerais mais estressada. Para completar, o gerente de Marketing e Comercialização, José Raimundo Pereira, entrou na lista de nomes cotados para a função. Ou seja, se brincar, Amigo ficará a ver navios e a bancada do PMDB de Minas também. Mas essa é outra história.

Ecos do voto do ministro Peluso - TÂNIA RANGEL

O GLOBO - 16/09


Em razão da sua aposentadoria, o ministro Cezar Peluso, especialista em Direito Penal, só votou no primeiro item do mensalão, que analisou a prática de corrupção e peculato por Marcos Valério, seus sócios, João Paulo Cunha e Henrique Pizzolato. Mas seu voto poderá ter crescente influência nas próximas semanas. Mostra disso aconteceu na sessão da última quintafeira, quando suas ideias foram utilizadas pela ministra Rosa Weber.

Peluso entendeu que cabe à defesa o ônus de explicar fatos que fogem da normalidade. Ou seja, ele inverteu o jogo. A prova não é só o que foi produzido pelas partes. É também a consequência dos fatos provados. Assim, se alguém recebe dinheiro em condições clandestinas, por interposta pessoa, com fraude nos registros bancários, é dela o ônus de provar que isso é legal, porque o natural numa situação lícita era a pessoa receber o dinheiro sem fraude ou ocultação.

Além disso, Peluso realçou a norma que dispensa de prova fatos públicos e notórios. A partir disso, pode- se sustentar, por exemplo, que a acusação não precisa provar que o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu exercia o papel de articulador da base parlamentar do governo. Isso era, afinal, uma decorrência inevitável do cargo.

Tome-se ainda a discussão sobre a existência ou não do chamado “ato de ofício”, para fins de caracterização do crime de corrupção. Peluso foi bastante claro. No caso do corrompido (corrupção passiva), quando ele afirma que usou dinheiro para pagar dívidas de campanha, ele não se livra da acusação. Ele confessa o crime. Para Peluso, independentemente do motivo do recebimento, a vantagem é indevida e nenhum parlamentar tem o direito de receber dinheiro de forma oculta.

E no caso do corruptor (corrupção ativa), basta à acusação provar que o ato de ofício era da competência do funcionário público, do parlamentar, por exemplo, e que houve oferecimento de vantagem. No julgamento de José Dirceu, a acusação precisará provar que a articulação política envolveu compra de apoios. E, a defesa, que ele não ofereceu vantagem alguma aos parlamentares.

Nos próximos dias, o julgamento do mensalão chegará ao setor que mais atrai atenções, o setor político. Peluso não vota mais. Suas ideias, no entanto, poderão continuar transitando pelo plenário da nossa Suprema Corte. E podem ser decisivas.

Tânia Rangel é professora da FGV Direito Rio

Quem quer salvar os corruptores? - RUBENS BUENO


FOLHA DE SP - 16/09


Quem acompanha a CPI vê logo a "bancada da Delta". Depois de cassar Demóstenes e desgastar Perillo, como queria Lula, a CPI é morta, salvando corruptores

Por trás da polidez erudita, da pose de bom moço e do protocolo de boas intenções de grande parte dos membros da CPI mista do Cachoeira, esconde-se uma trama indigesta que começou a mostrar sua face na no último dia 4, data em que o presidente da comissão, senador Vital do Rego (PMDB-PB), e o relator, deputado Odair Cunha (PT-MG), anunciaram, após uma reunião de cartas marcadas, a paralisação, por um mês, das reuniões do colegiado.

A decisão é um presente para os participantes do esquema criminoso que envolve a Delta Construção, o bicheiro Carlinhos Cachoeira e políticos dos mais diversos partidos.

Na prática, foi o primeiro passo para enterrar a CPI, deixando de lado uma investigação que poderia revelar os bastidores de negociatas envolvendo propina e financiamento ilegal de campanhas em troca de contratos bilionários entre governos e as maiores construtoras do país.

E por que isso acontece? Em primeiro lugar, está claro que a quadrilha se infiltrou na CPI. Quem acompanha de perto as reuniões da comissão consegue identificar sem muito esforço a chamada "bancada da Delta". Esse grupo, que cresce a cada dia, faz de tudo para restringir as investigações.

Na avaliação deles, a CPI já cumpriu o seu papel, delineado lá atrás pelo ex-presidente Lula para se vingar dos desafetos do mensalão: cassar o senador Demóstenes Torres e desgastar o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB).

Por resistência de alguns membros da CPI, felizmente esse grupo não conseguiu cumprir outros dois objetivos: levar jornalistas ao banco dos réus e enxovalhar o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que conduz as acusações contra o PT no julgamento do mensalão. Mesmo assim, já se dão por satisfeitos.

Levar adiante as investigações da CPI significa ir atrás dos corruptores, os mesmos que desviam dinheiro público e financiam as campanhas eleitorais dos ocupantes do poder. E a "bancada da Delta" não quer isso. Esse medo ficou patente quando o ex-diretor do Dnit, Luiz Antônio Pagot, confessou na CPI que, atendendo a pressão do tesoureiro de campanha da presidente Dilma, deputado José de Filippi (PT-SP), pediu pessoalmente a empreiteiras com contratos com o órgão doações para a petista.

Esse temor se tornou ainda maior, indo além do PT, quando a CPI esbarrou em outro personagem controverso, o empresário Adir Assad. Se quebrar o sigilo bancário de 12 empresas de fachada ligadas a ele, vai caminhar na direção de outras empreiteiras, o que pode revelar que há muitos outros "Cachoeiras" por aí.

As empresas do grupo de Assad, é bom lembrar, receberam mais de R$ 200 milhões da Delta fora do eixo Centro-Oeste, em operações consideradas atípicas pela Coaf. Mas, como já se viu na própria CPI, Assad está blindado. Em depoimento, sequer foi submetido a perguntas.

Como bem lembrou o senador Pedro Simon (PMDB-RS), não é a primeira vez que o Congresso se omite de investigar corruptores.

Em 1993, na CPI do Orçamento, grandes empreiteiras que pagavam propina a políticos para garantir obras com o governo foram poupadas. O relatório final, que acusou 18 parlamentares, só foi aprovado por meio de um acordão que deixou os corruptores de fora. Havia, no entanto, o compromisso de, na sequencia, se instalar a CPI das Empreiteiras, coisa que nunca aconteceu.

A reunião que selou o enterro da CPI do Cachoeira apontou na mesma direção: salvar os corruptores. Alegar que os trabalhos precisavam ser interrompidos para que a CPI não fosse contaminada pelo embate eleitoral é pura desfaçatez. A verdade é que daqui a um mês, quando os trabalhos forem retomados, não haverá mais tempo para quebrar sigilos, aprofundar investigações e punir os corruptores.

Restará a frustração com a farsa armada para impedir que o Congresso cumpra seu papel constitucional de fiscalizar o dinheiro público.

Domínio dos fatos, a tese que complica os mentores do mensalão

O GLOBO - 16/09


Argumento embasou condenações e ajuda a decidir destino de Dirceu

Jailton de Carvalho


BRASÍLIA A teoria do domínio do fato, uma das mais temidas fórmulas de responsabilização criminal em processos com vários réus, serviu de referência a votos de condenação proferidos nos últimos dias pelos ministros Celso de Mello, Rosa Weber e Luiz Fux no julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF). De origem alemã, a tese poderá definir o destino do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. A teoria está na base do pedido de condenação do ex-ministro formulado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, no primeiro dia do julgamento.
Nos últimos dias, O GLOBO conversou sobre o assunto com cinco ministros do STF. Nenhum quis antecipar o voto, mas quatro deles entendem que a teoria, embora pouco difundida no país, está contemplada no direito brasileiro e pode ser aplicada dos casos mais simples aos mais complexos.
- Essa teoria tem, sim, acolhida no direito brasileiro. Inclusive já foi usada em alguns casos. Mas eu nem posso falar muito sobre ela porque os advogados já estão se preparando defesa sobre esse assunto - disse um dos ministros.
tropas de hitler
A teoria do domínio do fato surgiu na Alemanha no final da década de 30 e foi atualizada depois por Claus Roxin na década de 60. Segundo o advogado Nilo Batista, um dos maiores especialistas do país, a teoria foi aperfeiçoada para assegurar a punição dos chefes das tropas de Hitler e dos oficiais envolvidos no assassinato de fugitivos do Muro de Berlim. Pelas leis comuns, só os soldados, que estavam na linha de frente e atiravam contra os fugitivos, eram passíveis de condenação. A teoria do domínio do fato permitiria a responsabilização criminal de coronéis e oficiais que, mesmo não estando no front, tinham o poder de impedir os crimes com uma simples ordem aos soldados de plantão.
Logo depois, a teoria começou a ser usada para punir chefes das máfias italianas e outras organizações criminosas, sob a mesma lógica. Os chefes quase nunca deixam digitais nos crimes cometidos pela base das quadrilhas. Restaria ao Estado, a responsabilização indireta.
No voto, a ministra Rosa Weber sustentou que "nos crimes de guerra punem-se, em geral, os generais estrategistas, que desde seus gabinetes planejam os ataques, e não os simples soldados que os executam". A ministra fazia referência à ideia central da teoria, que prevê a responsabilização criminal do chefe de uma organização, mesmo que ele não apareça na cena do crime. É o que os alemães chamam de "o autor por detrás do autor".
A partir de amanhã, o relator Joaquim Barbosa começa a narrar os crimes atribuídos aos políticos da suposta organização, entre eles José Dirceu, colocando na mesa a discussão sobre autor, mandante e autor por detrás do autor.
Numa entrevista ao GLOBO na sexta-feira, o ministro Marco Aurélio disse que nem considera mais a teoria do domínio do fato uma novidade. Segundo ele, as linhas gerais da teoria estão previstas no artigo 29 do Código Penal. O artigo define como autor todo aquele que, de forma direta ou indireta, participa de um ou contribui para um determinado crime. Ele argumenta, porém, que em qualquer dos dois casos, a condenação depende de um conjunto de provas ou indícios e não de uma mera dedução do juiz:
- Você tem que ter um elemento concreto que revele a participação ou a integração à quadrilha. Ou então a participação considerando o crime, no caso do José Dirceu, de corrupção ativa. De início a fala de um co-réu não serve à condenação. Roberto Jefferson é co-réu, mas é um elemento que não se pode descartar. Você tem que somá-lo a outros para concluir pela culpabilidade ou não.

Necessária e possível - HENRIQUE MEIRELLES


FOLHA DE SP - 16/09


O Brasil cresceu a taxas aceleradas de 2004 a 2010, dobrando a taxa média de crescimento de décadas precedentes. O principal motor disso foi o bônus resultante da estabilização econômica.
O país, que sofria frequentes crises cambiais, fiscais e de hiperinflação, conquistou, no início do século 21, a almejada estabilidade. Ela trouxe sensível redução dos riscos econômicos, como os de crise cambial, fiscal ou inflacionária. E tornou possível confiar no país, planejar e sonhar com um futuro melhor.
Resultado tangível desse processo foi a queda da taxa de juros e o crescimento acelerado do crédito. A taxa de juros real caiu de 14 pontos percentuais acima da inflação em 2003 para menos de 6 pontos em 2010, com inflação na meta. E seguiu caindo. A queda de juros e a maior previsibilidade permitiram dobrar a oferta de crédito, para o equivalente a quase 50% do PIB.
Juro menor e crédito maior foram fatores importantes do forte crescimento, assim como o aumento do horizonte de planejamento para empresas e famílias e a expansão do mercado de capitais com novas fontes de financiamento.
Essa conjunção permitiu outro resultado da estabilização: a queda do desemprego, de mais de 12% em 2003 para abaixo de 6%.
O desemprego elevado no início da estabilização forneceu oferta farta de mão de obra sem pressionar os custos das empresas que buscavam elevar a produção. E a alta do emprego e da renda permitiu criar um mercado doméstico robusto.
Mas esse bônus da estabilidade está se esgotando. O desemprego dificilmente cairá mais, e o crédito tende a desacelerar à medida que limites de endividamento de famílias e empresas são atingidos.
Por isso, a taxa média de crescimento tenderia a diminuir mesmo sem fatores conjunturais como crise na Europa e nos Estados Unidos.
Agora, o Brasil passa do aproveitamento do bônus da estabilidade à fase da produtividade. Para crescer a taxas elevadas, o país precisa aumentar a produtividade com os investimentos em infraestrutura e educação, a reorganização do sistema de trabalho e as desonerações fiscais horizontais. Isso não só é necessário como é possível.
Era difícil investir em produtividade com volatilidade e planejamento curto. Depois, na estabilização, as empresas buscaram basicamente elevar a produção para atender à nova demanda. Agora, consolidada a estabilidade, é possível planejar e investir em produtividade.
Da mesma forma como superamos as grandes crises do passado, ao consolidarmos uma consciência geral do problema, o Brasil terá condições de focar, investir e ganhar produtividade.
É um processo já em curso.

Não disparem, é a Primavera - CLÓVIS ROSSI


FOLHA DE SP 16/09


É um equívoco achar que as ditaduras são mais aptas que democracias para evitar distúrbios

A violência antinorte-americana dos últimos dias, no mundo árabe/muçulmano, está levando a uma sensação disseminada -e não apenas nos EUA- de que a chamada Primavera Árabe desandou em flores pouco agradáveis, hostis mesmo.
Os exemplos abundam, mas, por problemas de espaço, cito só um, talvez a melhor síntese, feita por
Bobby Ghosh, na revista "Time": "A Primavera Árabe substituiu a áspera ordem de ditadores odiados pelo florescimento de democracias neófitas. Mas esses governos -com mandatos fracos, lealdades em constante mutação e forças de segurança débeis- transformaram a região em um lugar mais caótico e instável, mais suscetível do que nunca a provocadores vis que fomentam revoltas violentas, usualmente em nome da fé".
A descrição pode até ser apta, mas embute o risco de que se salte para a conclusão de que ditaduras são inerentemente menos caóticas que a democracia e mais capazes de controlar revoltas violentas.
Democracias e a liberdade a elas ligadas podem, de fato, trazer alguma (ou até muita) instabilidade até que se consolidem. Mas ninguém inventou nada melhor até agora.
Apesar da suspeita em certos meios ocidentais de que a democracia é incompatível com o mundo árabe/muçulmano, a realidade é outra, como diz a revista "The Economist" no texto de capa de sua edição ora nas bancas:
"A Primavera Árabe, mesmo com todas as suas confusões, ainda se move amplamente na direção correta. Na Tunísia, no Egito e na Líbia, tiranos foram substituídos por governos democráticos. Estes são mais hostis a Israel do que alguns dos ditadores o eram, mas, assim como na Turquia, mais simpatia pelos palestinos reflete a opinião popular (como as democracias tendem a fazê-lo)".
Mesmo que a democracia não tivesse as vantagens conhecidas sobre a tirania, ainda restaria o fato de que ditaduras, até as apoiadas descarada e hipocritamente pelo Ocidente, também estimulam a violência quando lhes convém.
É o que comprovou Jitty Clausen, cientista política dinamarquesa, hoje na Brandeis University, ao investigar a reação no Egito aos desenhos publicados na Dinamarca e considerados ofensivos ao profeta Maomé, um incidente similar aos desta semana, ocorrido em 2005, portanto sob a ditadura de Hosni Mubarak.
O ditador fez campanha contra os desenhos, com dois objetivos: demonstrar os males de uma mídia sem freios, o que acabou levando a uma normativa da Liga Árabe restringindo as televisões por satélite, inclusive a Al Jazeera; e demonstrar aos americanos como era perigosa a Irmandade Muçulmana, então clandestina, hoje no poder.
Parece claro que é um passo adiante lidar com um grupo legitimado pelo voto e que condena o vídeo infame, mas repudia a violência como resposta, do que com um ditador hipócrita que atira a pedra e esconde a mão.
Se prosperar a desconfiança em relação à Primavera Árabe, alguém terminará sugerindo que o Ocidente apoie Bashar Assad. Afinal, na Síria não houve manifestações a propósito do vídeo.

Duas décadas de duelo - JOSÉ CASADO


O GLOBO - 16/09


UM JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA

Eles passaram 20 anos se construindo como adversários, uniram-se durante a eleição de Lula, brigaram tanto que perderam o poder e, também, a perspectiva de futuro na política
José Casado

Os convidados ficaram impressionados: além de belas mulheres adornando o ambiente, havia um minipalanque com microfone, holofotes e câmeras prontas para quem quisesse usar. Anunciava-se a harmonia entre a cúpula do PTB e José Dirceu, chefe da Casa Civil. O governo Lula sequer completara 90 dias, e o partido de Roberto Jefferson e José Carlos Martinez cuidava de reafirmar a Dirceu, numa noite de verão em Brasília, a disposição em servir sob seu comando na "base aliada". O ministro recebeu de Martinez um reluzente relógio Rolex: - É a nossa autoridade maior - justificou Jefferson, ao mencionar o valor aparente (R$ 5 mil).
Meses depois, Dirceu telefonou: - Martinez, o Rolex que você me deu de presente é falso!
A história correu do Palácio do Planalto para os plenários da Câmara e do Senado. Houve quem vislumbrasse nela uma profecia: - Como o relógio, o acordo deles e o apoio do PTB também devem ser falsos - ironizou da tribuna o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA). Conhecia os personagens e, como poucos, sabia que uma biografia é feita também pelos adversários que se constrói na política. Não havia risco de dar certo, observando-se o prontuário das relações de Dirceu e Jefferson.
Onze anos antes, Dirceu estava no ataque. Integrava a CPI sobre os negócios de Paulo César Farias, caixa de Fernando Collor na eleição de 1989 quando derrotou Lula.
CHOQUE NO GOVERNO COLLOR
Era junho de 1992, a CPI tinha 20 dias de funcionamento e não coletara uma única prova, mas Dirceu já proclamava: - O presidente é conivente com a corrupção e tráfico de influência, e isso basta para um processo de impeachment.
Ele e Jefferson já haviam trombado na Comissão de Seguridade Social. Dirceu sugerira convocar a mulher do presidente, Rosane Collor, para depor sobre corrupção. Na época, Rosane chefiava um órgão público de assistência social e Dirceu já produzira 180 requerimentos sobre suspeitas de irregularidades.
Jefferson presidia a comissão e explodiu. Gritava ("Não se faz política tentando atingir a família"), enquanto avançava na direção de Dirceu. Foi contido. Semanas depois o derrotou na votação do requerimento para convocar Rosane (por 30 a 3). Descobriram-se inimigos. Collor encontrou o líder de sua "tropa de choque".
Na CPI, o defensor do presidente chegava armado, muitas vezes carregando uma mala preta quadrada em que, suspeitava-se, facilmente caberia uma metralhadora. Escolhia o fundo do plenário, posição incoerente para quem comandava uma "tropa de choque".
-Era meu segredo - ele conta: - No auge daquela confusão, descobri um câncer no testículo direito. Não contei a ninguém, nem à família. Vinha ao Rio fazer radioterapia e voltava a Brasília na manhã seguinte. Sabe o que tinha na mala? Não era metralhadora. Eram fraldões! Sentava no fundo, porque a toda hora tinha de ir ao banheiro, efeito da terapia.
Com 150 quilos de pura ansiedade e agressividade, era chamado de troglodita pelos adversários.
-E era mesmo. Andava balançando, que é como um gordo faz para se defender do impacto no joelho, fumava muito, bebia muito, comia muito e ainda levava uma caixa de chocolates no bolso. E como tinha horror à esquerda que quer acabar com a liberdade individual, a toda hora queria sair na mão com os petistas.
Dirceu anunciava horror à direita, que personificava em Collor no Palácio do Planalto e em Jefferson no Congresso. Também investia no confronto, coordenando ações de Eduardo Suplicy e José Paulo Bisol no Senado, José Genoino e Aloizio Mercadante na Câmara.
Suplicy vocalizou a suspeita de que Jefferson, advogado criminalista, poderia ter recebido um milhão de dólares pela defesa de Collor na CPI. O deputado partiu para cima do senador do PT, boxeador nas horas vagas. Foi interrompido por uma "gravata" de um segurança - inesquecível para ambos. Soltou-se, vislumbrou o terno branco de Bisol na saída do plenário e foi atrás, mas não conseguiu alcançá-lo.
A convivência no tapete verde da Câmara ficou insuportável. - Não desperto isso em ninguém, só nele - repetia Dirceu. Esse enredo de ódio era uma gota na oceânica crise institucional. Ególatras, construíam-se como adversários. Do lado de fora, um governo ruía por corrupção, e o presidente da República buscava a salvação em sessões de magia negra.
"DOSSIÊ ARRAES" DERRUBOU O VICE DE LULA
Ao impeachment seguiu-se a CPI do Orçamento. Desacreditado, Jefferson viu-se outra vez sob suspeita de corrupção, pela voz do senador Bisol, que trocara o PT pelo PSB do ex-governador pernambucano Miguel Arraes. Foram meses de imobilização até o arquivamento da denúncia, aparentemente por interferência de Arraes. Ruminava ressentimento.
Deu o troco no meio da eleição presidencial de 1994. Denunciou Bisol, então candidato do PSB à vice-presidência na chapa de Lula, por suposta corrupção no Rio Grande do Sul. Usou toda a sua habilidade de bom orador, que valoriza as vogais, foge das consoantes e não rosna nas fricativas, em um dos mais rancorosos discursos pronunciados da tribuna do Congresso: - Senhor presidente, vim para contar a história de rabo preso de um senador de rabo solto...
Bisol renunciou à candidatura como vice de Lula, que foi derrotado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB) no primeiro turno.
Quem forneceu os papéis, distribuídos aos jornalistas depois do discurso?
- Foi o doutor Arraes, aquele era o "dossiê Arraes" - ele conta.
BOLERO QUE DEU ORIGEM AO PSOL
Arraes disputava espaço na oposição com Lula. Pela versão de Jefferson, o líder do PSB preferiu fritar o representante do seu partido na aliança com o PT. Arraes se elegeu governador de Pernambuco, tornou-se um dos principais adversários do governo Fernando Henrique, mas não conseguiu se reeleger quatro anos depois.
O tempo arrefeceu a memória das mútuas desfeitas. Oito anos mais tarde, Jefferson e Dirceu se reencontraram. Uniram-se em torno da perspectiva de poder.
Estavam na reta final da eleição de Lula, em 2002, e renovados à sua maneira: Dirceu pela plástica, Jefferson pela perda de 100 quilos com cirurgia no estômago. E, entre eles, o ânimo conciliador de Lula e Martinez.
Começava a montagem da "base aliada": - É um bolero, dois pra lá e dois pra cá - definia Dirceu. Exalava euforia: - A oposição pode vir quente que nós estamos fervendo, o modo petista de governar tem força.
No final de 2003, um grupo de fundadores do PT lançou um manifesto crítico ao "dois pra lá e dois pra cá" de Dirceu. Ele ironizou:
- Se quiserem formar um novo partido. A Convergência Socialista criou o PSTU e, como sabem, hoje é um dos maiores partidos do Brasil.
Um ano depois, em outubro de 2004, enquanto o barítono Jefferson cantava "Eu sei que vou te amar" para Lula, recostado num sofá vermelho, os dissidentes abandonaram o PT e fundaram o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
Pouco tempo depois, o passado bateu à porta de Dirceu e Jefferson. O deputado achou que o chefe da Casa Civil iria tomar-lhe o controle do PTB, via mensalão. Voltou ao confronto.
Menos ansioso nos seus novos 82 quilos, Jefferson resolveu se incriminar para dar credibilidade à denúncia, como Ródion, o personagem de Dostoiévski em "Crime e castigo". - Você lembra da paixão pelo suicídio na ópera "Butterfly"? Pois é, sem tragédia, sem sangue e sem ódio o povo não gosta - argumenta.
O resultado dessas duas décadas de duelo depende agora de uma decisão do Supremo. Eles se arriscaram e podem acabar assistindo à própria "morte" na política.

A possibilidade do multiverso - MARCELO GLEISER

FOLHA DE SP - 16/09


Será o nosso Universo só um entre uma multidão de outros, todos parte de um multiverso eterno?



É bom começar explicando esse título que, sem dúvida, deve parecer estranho aos não especialistas.

A ideia é que nosso Universo (com "U" maiúsculo) é só um entre uma multidão de outros universos, todos parte de um multiverso que pode ter existido por toda a eternidade.

Com isso, o que chamamos de Big Bang seria apenas o evento que marcou o início da nossa narrativa cósmica. Outros universos teriam os seus big bangs e as suas histórias.

Existem vários tipo de multiverso, mas todos têm essa característica em comum, de serem genitores de universos. Por exemplo, algumas teorias sugerem que as leis da natureza podem variar de região a região no multiverso. Nesse caso, diferentes universos poderiam ter diferentes leis da física. No momento, essas teorias são mais metafísicas do que físicas.

Em outras teorias, os diferentes universos têm as mesmas leis, mas as constantes da natureza (a massa e a carga do elétron, a massa do próton, a constante que determina a intensidade da força da gravidade etc.) é que variam.

Esta última hipótese vem da teoria de supercordas, a tentativa de construir uma teoria de todas as forças da natureza (são quatro ao todo), a chamada "Teoria de Tudo".

No momento, não temos qualquer indicação de que o multiverso possa existir. Ou, se existir, se poderemos determinar sua existência. É possível que exista apenas o nosso Universo e ponto final. Porém, se for este o caso, temos o problema de explicar por que esse Universo e não outro. Especialmente se levarmos as previsões da teoria de supercordas a sério e concluirmos que o multiverso é inevitável e que um número enorme de universos existe, cada qual com suas constantes físicas e, portanto, com uma física diferente.

Universos como o nosso são comuns entre eles ou raros? Como determinar isso?
Uma resposta óbvia é que, se nosso Universo não existisse, não estaríamos aqui nos perguntando sobre sua existência. Ele existe e pronto. Mas essa resposta não é muito satisfatória, pois estamos programados para buscar explicações finais, narrativas que justifiquem o começo, o meio e o fim de uma história.

É difícil imaginar algo que não tenha tido um início, como o temos nós e todas as formas de vida. Mais difícil ainda é imaginar que algo possa surgir sem uma causa inicial.

A existência ou não do multiverso, para que seja uma questão científica e não filosófica ou teológica, precisa ser determinada experimentalmente, por alguma observação.

No momento, existem tentativas de fazer isso, estudando o efeito sobre dois universos vizinhos que tivessem sofrido uma colisão no passado. Infelizmente, esses modelos ainda são bem simples, e está faltando muita coisa.

Um dos problemas que a ciência enfrenta com esse debate é a questão do infinito. Se teorias afirmam que o multiverso existiu e existirá para sempre, como comprovar isso? Mesmo com o nosso Universo e seu futuro: para determinar se ele existirá para sempre, precisaríamos de um experimento que durasse também para sempre.

A crise aqui vem da colisão entre conceitos como o infinito e as limitações concretas da passagem do tempo da qual a ciência, enquanto obra humana, prescinde.

Paixão e ódio na política - JOSÉ CASADO


O GLOBO - 16/09



Roberto Jefferson e José Dirceu converteram a luta pelo poder em embate pessoal, expuseram a política brasileira como um mercado e agora serão julgados pelo Supremo


Encheu o peito e a sala:
"...Eu sei que vou chorar
A cada ausência sua eu vou chorar
Mas cada volta sua há de apagar
O que essa ausência sua me causou..."
Ao se aproximar da quadra final, modulou a dramaticidade na voz:
"...Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
À espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida..."
O barítono Roberto Jefferson, presidente do PTB, cantava para Lula, presidente da República, recostado num sofá vermelho. Com sorrisos cúmplices, celebravam a partilha de codornas recheadas - um dos pratos favoritos do presidente -, harmonizadas com Don Laurindo, vinho de Bento Gonçalves (RS).
Estavam ladeados pelos ministros José Dirceu (Casa Civil) e Walfrido Mares Guia (Turismo), fiadores da renovação dessa aliança governista. O pacto tinha lastro no caixa do PT para pagamento de dívidas eleitorais do PTB e, principalmente, nas nomeações de petebistas para áreas-chave dos ministérios, empresas e fundos de pensão estatais. Em contrapartida, o PTB se manteria alinhado ao Palácio do Planalto, estendendo tapete vermelho aos dissidentes da oposição que o ministro Dirceu continuasse a enviar, como parte de seu projeto de construção da "maior base aliada da História republicana". O PT elegera 91 deputados federais. O PTB inchara nos 19 meses seguintes à eleição de Lula: elegeu 26 e projetava chegar a 56 deputados.
UMA NOITE DE PRIMAVERA EM BRASÍLIA
Lula tinha motivos para sorrir enquanto escutava o presidente do PTB trilhando os versos de "Eu sei que vou te amar", de Vinicius de Moraes: outro mundo é possível em Brasília. Jefferson passara duas décadas qualificando petistas como "demônios", a pleno pulmões, na tribuna parlamentar. Agora, integrava-se ao coro, como um solista seduzido pela partitura do poder. À saída do jantar, Lula decidiu tornar aquela quinta-feira, 14 de outubro de 2004, inesquecível para o anfitrião: - Eu daria a ele (Jefferson) um cheque em branco, e dormiria tranquilo -, declarou aos jornalistas, enquanto ajeitava a gravata listrada de cinza, preto e branco.
As lembranças dessa noite primaveril de oito anos atrás empalideceram na memória de Jefferson. Era tudo verdade? - Ninguém mente cantando - defende-se na sala de uma casa na Serra fluminense, no meio do Caminho Novo, atual BR-040, desbravado no século XVII pelo bandeirante Garcia Rodrigues Paes (a empreitada reduziu em duas semanas o tempo de transporte de ouro de Minas para Lisboa, acelerando a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio.) É o seu refúgio, a 1,3 mil quilômetros do Palácio do Planalto.
Senta-se com esforço. A contração de dor no ponto ainda inflamado da coluna vertebral o conduz a uma soma das perdas colaterais na cirurgia recente, para extração de um tumor de 4,9 centímetros no pâncreas.
- Quatro quintos do estômago, o duodeno, um metro e meio de intestino delgado e o apêndice& Me levaram mais ou menos dois quilos de órgãos internos - calcula, com amarga ironia.
Sobre a mesa de centro estão dois livros . Um é "Anticâncer", do neurocientista francês David Servan-Scheiber, morto no ano passado, depois de duas décadas de batalha contra a doença no cérebro. Outro é "Justiça: O que é fazer a coisa certa", do filósofo americano Michael J. Sandel. Nos intervalos, acompanha pela televisão as sessões do Supremo Tribunal Federal.
- Todos vão ser condenados - divaga com a experiência de advogado criminalista acumulada em 33 anos de profissão e duas centenas de júris. Como o deputado que sublimou o mandato ao denunciar o mensalão, sabendo que teria o mandato cassado, parece resignado: - O Supremo desmontou a tese do caixa dois do PT, que tinha no Zé Dirceu seu maior advogado. E ainda vamos ver o processo do caso dos empréstimos consignados do BMG, que ficou separado. Ali tem a assinatura do Lula, atos de ofício, em decreto e em carta aos aposentados, além de oito reuniões do Dirceu com a direção do banco. Tem sofrimento? Tem. Mas é isso aí, estamos vivendo a força plena da democracia.
Por trás do julgamento do mensalão existe uma história de paixão e ódio na política protagonizada por Jefferson e Dirceu - homens que já dedicaram um terço de suas vidas ao cultivo de uma inveterada, absoluta e mútua aversão. Opostos em quase tudo, Jefferson é sanguíneo na proclamação e Dirceu é frio na dissimulação.
- Nunca tive nenhuma divergência com ele - repetia Dirceu, diante do adversário na Câmara, acrescentando: - Com exceção das diferenças políticas, de participação no governo, de vida, de história, ideológicas e programáticas.
Ele nega, repele, rejeita e repudia toda e qualquer acusação, e também não quis fazer comentários para esta reportagem. Num único depoimento antes de ser cassado, insistiu 1.372 vezes na palavra "não". E arrematou: "Vou repetir até o fim da vida: não participei, não autorizei, jamais concordaria com compra de voto ou de compra de parlamentar ou de mensalão".
O fascínio pelo poder levou Dirceu e Jefferson à luta, o personalismo derivou em embate pessoal. Estilhaçaram a aura de decência que a maioria do eleitorado creditara ao PT nas urnas, desde 1980. Expuseram a política brasileira como um mercado, no qual a moeda de troca são cargos nos ministérios, empresas e fundos de pensão estatais - estratégicos pelo potencial de negócios e também pela capacidade de privilegiar aliados e atrapalhar adversários.
- Ele se desentendeu conosco - acusou Dirceu, em público. - Queria capturar vários órgãos com nomeações, e nós não permitimos.
NO STF, A FATIA MENOR DO MENSALÃO
Recém-reeleito na presidência do PTB, pela quarta vez, Jefferson acha natural ("sujeito à crítica moral, mas não ilegal") que os nomeados pelo partido captem recursos de empresas privadas fornecedoras do setor público. "Mas doações voluntárias, por dentro", ressalva.
- O problema é que o PT fez menos de 20% do Congresso e ficou com 80% dos cargos no governo - retruca. Na sua lógica, existe uma linha tênue entre "o dinheiro que faz a política e a política que faz o dinheiro". - Zé Dirceu e o PT usaram o governo, as diretorias de engenharia, compras, tecnologia, publicidade e operações para fazer dinheiro. E trouxeram a novidade do aluguel de bancadas para aprovar o que queriam. Antes apoiava o governo quem queria, hoje perguntam: vai liberar minha emendinha?
Nos próximos dias, o Supremo Tribunal Federal começa a julgar Jefferson, Dirceu e meia dúzia de chefes partidários enrolados no pedaço exposto dessa malha de interesses privados tecida com dinheiro público.
O processo reúne apenas uma parte das transações - a menor fatia do mensalão. Como registraram a CPI dos Correios e a Procuradoria Geral da República, os bancos Rural e BMG repassaram "no mínimo" R$ 55 milhões a 18 empresas e 150 contas bancárias do grupo do publicitário Marcos Valério, que distribuía malas de dinheiro a alguns líderes da "base aliada". Permanecem nebulosas outras transações. Numa delas, evaporaram R$ 238 milhões de cinco fundos de pensão estatais (Real Grandeza, Postalis, Centrus, Funcef e Núcleos).
Perdeu-se no tempo aquela noite de primavera em Brasília quando Jefferson e Lula, sob o olhar de José Dirceu, selaram um pacto na cadência dos versos de "Eu sei que vou te amar". Oito anos depois, o que parecia chama virou incêndio no Supremo. Foi infinito enquanto durou, e reafirmou uma constatação do falecido Tancredo Neves: a política ilude mais que o amor.

Ou tudo ou nada - GAUDÊNCIO TORQUATO


 O Estado de S.Paulo - 16/09


Sob essa assertiva radical, alguns disputantes do pleito municipal tentam uma jogada de mestre no tabuleiro dos programas eleitorais. A intenção dos profissionais que fazem o marketing televisivo é afunilar o discurso, selecionando as propostas de maior impacto (abordagem positiva) avaliadas em pesquisas qualitativas e acendendo fogueiras (abordagem negativa) para queimar a imagem de adversários.

Na eleição paulistana, a maior dos municípios, essa posição se escancara em razão da ferrenha contenda que envolve os candidatos que disputam o ingresso no segundo turno. O pano de fundo que acolhe a peleja é a histórica polarização entre PSDB e PT, o primeiro arregimentando seus exércitos para manter o império tucano no Estado de maior densidade eleitoral do País e o segundo usando o carisma de Lula e o poderio da presidente Dilma para recuperar os domínios políticos e administrativos da metrópole, que já estiveram sob seu comando. Os resultados dessa rixa serão emblemáticos. Terão forte influência sobre os horizontes eleitorais de 2014, na medida em que balizarão os projetos nacionais de poder do petismo e do tucanato. A entrada do ex-presidente Fernando Henrique na guerra, ao lado do governador Alckmin, fazendo frente a Lula e Dilma, corrobora a tentativa recíproca das duas estruturas de acentuar a polarização que, nos últimos anos, tem agitado suas campanhas.

Dito isto, emerge a clássica interrogação: os ícones partidários alavancam a posição de seus candidatos? Os argumentos favoráveis e contrários abrem acalorado debate. As pesquisas indicam que elevado contingente de eleitores tende a confirmar o voto no candidato endossado pelos patrocinadores. Na prática, a hipótese nem sempre se confirma. Do alto de sua popularidade, Lula não conseguiu levar Aloizio Mercadante à vitória para o governo do Estado em 2010, da mesma forma que não conseguira impulsionar Marta Suplicy nas eleições municipais de 2004 e 2008. Cada campanha, sabe-se, desenvolve circunstâncias próprias. Daí a dificuldade de tomá-las como modelo assemelhado.

No caso de São Paulo, porém, cristaliza-se a hipótese de que o eleitorado tome decisão sob o escudo impermeável da autonomia. Não significa que as grandes lideranças deixem de exercer influência. Mas sua força residual serve mais para consolidar posições já assumidas por segmentos de eleitores. Deixando as coisas mais claras: Fernando Henrique, ao pedir voto para José Serra, reforça, nos segmentos por onde circula sua fama, decisões já tomadas por votantes serristas. Lula e Dilma usam o poder de sua imagem bem avaliada para, em primeiro lugar, inserir Fernando Haddad em seu berço e, em segundo lugar, para trazer de volta aos currais petistas "ovelhas desgarradas". Por que podem ser mais eficazes que FHC como cabos eleitorais? Ora, porque são vistos pelas massas como os comandantes de um status quo cujo elemento mais sensível, neste ciclo da vida nacional, é o tamanho do bolso. É ali que se guarda a grana (mesmo curta) para alimentar o estômago. O russo Serge Tchakhotine começa seu estudo de política lembrando que os dois instintos de conservação do individuo são o combativo e o nutritivo. Ou, adaptando o slogan de James Carville, ex-marqueteiro de Clinton, "é o bolso, estúpido".

A segunda polêmica é sobre a desconstrução de adversários. Nos Estados Unidos essa estratégia tem eficácia. Ali se revezam no poder dois grandes partidos. Veja-se a atual campanha. Quem dá o tom maior é a economia. Democratas sustentam que, apesar das dificuldades, a economia estará melhor daqui a quatro anos e republicanos dizem que o modelo Obama está esgotado. Apesar da polarização sobre temas como saúde, imigração, aborto e direitos dos homossexuais (republicanos são conservadores e democratas, liberais), a decisão será dada pelo eixo econômico. Lá o "desfazimento" de perfis obedece ao roteiro de "esfacelamento" do corpo econômico.

Voltemos à nossa realidade. Trazer o mensalão para o menu eleitoral, como fazem FHC e o candidato José Serra, agrega valor à campanha? Pouco provável. E a razão é que a nuvem cinzenta gerada pelo caso, se é sensível às camadas médias, não abala o ânimo das margens periféricas, cuja sensibilidade está conectada às questões de emprego, saúde, segurança, educação, etc. Por outro lado, espraia-se o sentimento de que desvios e ilícitos não são exclusividade de um partido, repartem-se por outros entes. No caso do mensalão, os petistas até respondem com situação parecida que teria ocorrido em Minas Gerais.

No sistema cognitivo das massas, a corrupção está no DNA de nossa política. Algo que se assemelha ao ferro que imprime no gado a marca do proprietário. Está impressa na origem. Por esse jogo de associações, tendem a nivelar partidos e jogar todos os escândalos na lata de lixo da banalização. Argumento idêntico é o que tenta carimbar candidatos com o selo religioso. O princípio constitucional é claro: governo e instituições religiosas devem ser mantidos separados e independentes uns dos outros. Infelizmente, as relações entre cultos e poder político se imbricam, frequentemente, sob uma teia de interesses esparsos e difusos. Daí a busca de apoio religioso pelos candidatos. Mas essa é a prática do mercado político, não sendo exclusiva de um ou outro partido. Aduz-se, da mesma forma, que eventuais ligações de candidatos com igrejas não afetam suas posições no índice de intenção de votos. Apenas reforçam convicções assumidas por eleitores.

Por esse raciocínio, pode-se concluir que águas sujas (desvios, ilícitos) não poluem a imagem de candidatos nem ameaçam sua votação? Depende. Se um candidato em plena campanha for flagrado em atitude aviltante, imoral, ganhando seu ato ampla visibilidade, terá poucas chances de resistir ao abalo. Será consumido pelo fato e suas circunstâncias. Em tempo: os traques que se ouvem, aqui e acolá, não estão nessa escala de riscos.

Abundância e otimismo - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 16/09

SÃO PAULO - Se você leu "Cândido", de Voltaire, e achou o dr. Pangloss um sujeito muito otimista, é porque não abriu "Abundance", de Peter Diamandis e Steven Kotler.

Os autores, um milionário com formação em engenharia espacial, genética e medicina e um jornalista científico, dizem com todas as letras que a humanidade está para entrar numa era de superabundância, na qual tecnologias tornarão itens essenciais tão baratos que todos os habitantes da Terra terão acesso a bens e serviços até há pouco ao alcance apenas dos muito ricos. E tudo isso no horizonte de uma geração.

Nosso primeiro impulso é tachar Diamandis e Kotler de malucos e voltar a maldizer os tempos e os costumes. O problema é que eles apresentam argumentos para apoiar sua tese. O ponto central é que a tecnologia tem crescimento exponencial. Hoje, um guerreiro massai com seu smartphone tem acesso a mais informações do que dispunha o presidente dos EUA apenas 15 anos atrás.

Para a dupla, revoluções semelhantes estão para acontecer no acesso a água, alimentos, energia, educação e saúde. No que é provavelmente o aspecto mais interessante do livro, os autores descrevem dezenas de pesquisas, algumas bem adiantadas, que poderão em breve mudar a face do mundo. São coisas como membranas que dessalinizam a água, carne sintetizada em tubos de ensaio, reatores nucleares portáteis e telefones celulares que realizam exames de sangue em seus donos.

Os autores têm até explicação para o fato de não acreditarmos muito nessas promessas. Como fomos programados para ver o mundo como um lugar ameaçador, nutrimos um inescapável pessimismo global, que não nos deixa perceber as revoluções silenciosas de que participamos.

Talvez sim, talvez não. "Abundance" é definitivamente um livro ousado, e mesmo que lhe apliquemos um deságio cético de, vá lá, 80%, ainda sobram coisas surpreendentes.

A força do Direito Penal - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 16/09


“Direito penal é pesado, um direito forte, por isso é preciso cuidado e transparência ao usá-lo.” Com essa ideia trabalha a subprocuradora-geral da República Raquel Dodge, que preside a Segunda Câmara, a criminal. Ela está às voltas com o combate a crimes que vão das violações de direitos humanos na ditadura ao trabalho escravo, à corrupção e aos crimes financeiros.

Uma conversa com Raquel Dodge é uma viagem pelos males, presentes e passados, do Brasil. A área da 2ª Câmara da Procuradoria Geral da República é espantosamente ampla e para cada tema há uma estratégia.

Para crimes da ditadura, foi criado um Grupo de Trabalho que tem submetido a diferentes juízes, de cada uma das cinco regiões do país, denúncias contra quem praticou crimes permanentes. Os desaparecimentos de adversários políticos no regime militar ocorreram antes da Lei da Anistia de 1979 e não prescrevem porque os corpos não foram encontrados. Já foram ajuizadas algumas ações. Duas foram aceitas no Pará e há dois réus. Outras serão apresentadas, uma delas em São Paulo.

— O Direito Penal é uma ferramenta para a garantia de direitos fundamentais e quando outros ramos do Direito não foram suficientes. O trabalho escravo é violação da lei pelo empregador, questão da Justiça do Trabalho. Mas é uma violação aguda, e um voto recente do ministro Joaquim Barbosa permitiu avanço importante. Em breve será possível ver esses criminosos na prisão — acredita.

Havia um conflito de competência sobre trabalho escravo, se era uma questão da Justiça Estadual ou Federal. O Supremo entendia que só é assunto federal quando interfere na organização geral do trabalho. Os condenados usavam isso a seu favor. Apanhados pela Justiça Federal alegavam que a competência era da
Justiça Estadual. Ou o contrário. A dúvida levava à impunidade. No voto de Joaquim ele concluiu que, se cabe à
União fazer a inspeção do trabalho, a competência de julgar os crimes é federal.

Há problemas que são de várias Câmaras. A solução foi criar um Grupo de Trabalho Intercameral. — Crime contra in-
dígenas reuniu a 2ª, que é a criminal; a 4ª, que é ambiental; e a 6ª, de minorias. Os procuradores vão atuar em questões como a dos índios Awá, no Maranhão, onde houve invasão de terra indígena, extração de madeira para fornos de siderúrgicas. Os Awá são considerados o grupo tribal mais ameaçado do mundo.

Num país com mais de 5.000 municípios, como combater a corrupção? A 2ª Câmara montou estratégia de atuação que em seis meses resultou em mais de 200 ações ao fiscalizar convênios de transferência voluntária para saúde e educação. O MP começou a puxar o fio da meada por um crime documental: o de não prestação de contas:
— É um crime desprezado, as pessoas pensam assim: mas o prefeito apenas não prestou contas. O nosso entendimento é que o que pareceria ser apenas descuido era indício de algo grave. E estamos descobrindo que a maioria não prestou contas porque o dinheiro recebido não foi usado na reforma da creche, no ambulatório, na escola, no que havia sido estabelecido no convênio.

Melhorar o Brasil é tarefa lenta e trabalhosa, mas há sinais de avanço. Há vários Grupos de Trabalho usando formas novas de atuação em 14 áreas prioritárias. Uma delas, a de crimes financeiros. A procuradora acha que o Judiciário está mais receptivo a crimes menos comuns, como o financeiro.

— Nossa preocupação também é em usar a tecnologia para investir em nossa transparência. O Direito Penal tem que ser usado de forma clara e nunca pode ser invocado levianamente, por ser, com disse, um direito forte.

Plano B para aeroportos - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 16/09

O governo tem plano B para apresentar aos empresários estrangeiros que vão operar os aeroportos Galeão e Confins: seguir o modelo da primeira leva de concessões (Viracopos, Guarulhos e Brasília), mas passando o requisito de experiência de cinco milhões para 40 milhões de passageiros/ano. Nesse plano, os estrangeiros passariam a ser majoritários na sociedade.

Medo do carimbo da privatização 

O cenário em que os empresários estrangeiros ficam com 51% da sociedade e a Infraero com 49% é o que desestimulou até agora o governo a lançar o plano B, que estabelece o modelo de outorga dos aeroportos. Há preocupação de que o plano de concessões seja carimbado como privatização, o que teria ocorrido com as estradas, não fosse o anúncio da criação da estatal EPL (Empresa de Planejamento e Logística). O governo aguardará até o fim do mês resposta dos estrangeiros que analisam proposta em que seriam minoritários da Infraero, entrando basicamente com o know-how.

Penso que ela (Geiza Dias) merecia mais pelo que ela fez, até mesmo pelo cargo ocupado na agência 
Marco Aurélio Mello Ministro do STF

Enrolou 

A presidente Dilma está há meses para escolher o novo ministro do STJ: Sammy Barbosa, Sérgio Kukina ou José Sabo. Sofre pressão — o que detesta — do Acre por Sammy, enquanto Kukina é o candidato do governador Beto Richa (PSDB-PR).

Primeiros passos 

O governador Eduardo Campos (PSB-PE) sedimenta silenciosamente o caminho para concorrer a presidente em 2014. Gravou depoimentos para candidatos do partido e aliados em todas as capitais e cidades com mais de 100 mil habitantes. A estratégia é usar a eleição municipal para se tornar conhecido pelo eleitorado fora do Nordeste.

Nem tão geral assim 

Ganha força no governo o fatiamento da Lei Geral de Greve, que irá regulamentar direitos e deveres dos trabalhadores. O objetivo é apresentar projetos de lei separados para cada tema como forma de facilitar a aprovação.

Solução para fraudes 

O Ministério do Trabalho vai dobrar o valor da hora/aula em convênios para qualificação profissional. O pagamento reduzido — de R$ 4,50 — teria motivado irregularidades. Para os novos contratos, o valor será de R$ 10. A intenção do ministério é eliminar o submercado de instituições pouco qualificadas e trazer de volta o Sistema S e as instituições federais.

Torcida contra 

Tucanos de alas rivais ao candidato do partido a prefeito de São Paulo, José Serra, estão sendo sarcásticos. Comentam que, se eleito, terá um enterro de luxo no panorama político nacional. Se perder, será enterrado como indigente.

A PF e os grandes eventos 

A PF terá de formar, em curso de capacitação para segurança de grandes eventos, 50 mil vigilantes, a começar pela Copa das Confederações, em dez meses. Mas a publicação da grade curricular dos cursos está parada pela greve.

SITUAÇÕES COMO ESTA levam o governo a optar pelo Exército no comando das operações dos grandes eventos, pois não ficaria refém dos servidores. 

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 16/09


Sem parar

Governo federal deve taxar importador que não fabrica no país, não recolhe e não recicla pneu, diz Pirelli
"Bene, avanti così", a frase em italiano vem logo para definir as recentes decisões do governo que beneficiaram o setor de pneus.

Em sua primeira entrevista como presidente da Pirelli no país, Paolo Dal Pino, diz que "todos esses esforços, vão na direção certa. O governo foi bem, mas deve seguir adiante assim, não parar".

Além do aumento de alíquota para pneus importados, anunciado no início deste mês, o setor também emplacou na quarta-feira na lista dos 25 segmentos contemplados com a desoneração na folha de pagamento.

Ainda não é possível mensurar o alcance dos benefícios, afirma Dal Pino.

"Estamos contentes, ajudam, mas a medida contra os importados representa um valor inferior a 10% do faturamento", acrescenta o executivo que pede mais.

"Os produtores gastamos R$ 80 milhões para reciclar pneus. Por que o importador não gasta nada?" A seguir, trechos da entrevista.

Houve demora?
O governo atuou bastante rápido e bem. Ajudou os setores da indústria que estavam sofrendo mais. Começamos a pedir mudanças alguns meses atrás, e quando um governo entrega uma medida em seis, nove meses, é rápido.

Decisões do governo
A medida carro-chefe foi baixar juros e chegar ao câmbio de R$ 2. A redução do preço da energia também é muito importante. A Pirelli está quase toda no mercado livre, mas ainda não sabemos se valerá a pena continuar. Nós e o mercado só queremos clareza, saber como será.

A empresa tem vários tamanhos de pneus.

O setor pedira alta da alíquota de importação para 45 medidas de pneus. Apenas dez entraram, cinco de pneus de carro de passeio e cinco de pneus de caminhão, porque o Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio) excluiu as que estão no processo de antidumping.

Há vários casos em que o importado chega com preço 20%, 30% menor. Vai custar 10% a mais, mas continua abaixo do preço porque tem o custo da energia e a mão de obra da China.

O governo também tomou medidas antidumping. Esperamos que seja rápido porque se não, perde efeito. Tem pneu importado com preço inferior ao do custo da borracha do pneu. O Mdic deve emitir preços de referências. Outra medida positiva, a "maré vermelha", de fiscalização nos portos, evita a entrada de pneus ruins no país.

O Reintegra, crédito fiscal de 3% em cima das exportações, que se encerra em dezembro, deveria subir para 5% e não acabar.

Mesmas regras
Os produtores gastamos R$ 80 milhões para recolher pneus, sem contar a pesquisa e desenvolvimento, na qual a Pirelli tem uma parte pesada aqui também. Por que o importador de pneus não gasta nada para reciclar? Deveriam ter 30% desse custo. Seria importante que o governo colocasse uma taxa de reciclagem para os importadores que não têm fábrica aqui. É um custo que eles não têm.

Todas essas iniciativas tomadas não são protecionistas, mas de concorrência sadia. Tem de impedir que um caminhão entre com três pneus bons e um ruim.

Impacto
As medidas não impactam muito neste ano. A desoneração da folha entra em 2013, o corte do preço da energia também. A alta da alíquota de importados deve vigorar a partir do dia 27. A única que já ocorreu foi o Reintegra.

Nota desafinada
A orquestra [governo] vai bem, mas desafinou em uma nota: a alta da alíquota de importação do butadieno [da borracha sintética]. O Brasil só tem um produtor. Mantega, porém, disse algo importante: "monitoraremos os preços". Achamos que quando há concorrência é diferente. Mas no caso do butadieno não há. Compramos borracha natural, mas o Brasil, por incrível que pareça, produz no máximo 30% do que a indústria brasileira precisa. Por que devo pagar uma alíquota de importação em cima de um produto que não encontro?

Interferência do governo
O governo está correto, precisa intervir e evitar uma espiral negativa. Veja o que ocorre na Europa. Agora todo mundo tem pressão para agir. E queremos mais. Se os incentivos para as montadoras acabarem, autopeças e pneus sofrerão. Os segmentos de caminhões, motos e agronegócio já sofrem. Mas o país deve sair bem da crise.

Imagine se Dilma prosseguir com privatizações e obras de infraestrutura...

"Há vários casos em que o pneu importado chega ao Brasil com preço 20%, 30% menor [que o nacional]. Com o aumento da alíquota de importação, vai custar 10% a mais, mas continua abaixo do preço porque tem o custo de energia e a mão de obra da China"

Catarinense autônoma
A fabricante de escapamentos e tubos de aço Tuper investirá R$ 130 milhões para construir sete PCHs (pequenas hidrelétricas) e tornar suas três plantas de São Bento do Sul (SC) autossuficientes em energia.

"Vamos usar metade do que for gerado pelas hidrelétricas. O restante venderemos", diz o presidente da empresa, Frank Bollmann.

"Vemos a energia como um negócio, mas a intenção também é nos tornarmos independentes para não termos problema com um eventual apagão. Ainda que seja pequena a probabilidade de isso ocorrer."

Os equipamentos eletromecânicos das PCHs serão fabricados pela própria Tuper, o que deve baratear o projeto em 20%.

A empresa, que faturou R$ 1 bilhão em 2011, inaugurou na sexta uma unidade de tubos para a indústria do petróleo. A planta recebeu aporte de R$ 198 milhões.