segunda-feira, junho 20, 2016

'Quando ousaste foste homem!' - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 20/06

Quem disse essa frase que está no título acima? Se você conhece a obra do autor em questão, já sabe quem disse essa famosa frase. Ela foi dita num contexto de uma peça em que a personagem feminina, uma das mais famosas da literatura clássica, fala para seu marido, que naquele momento se encontra reticente em levar adiante o plano que apresentara a ela momentos antes.

Essa frase carrega em si uma concepção de homem (gênero) que sempre foi muito comum em nosso imaginário: aquele, como diz nossa famosa personagem, que tem coragem de seguir seu desejo e suas ambições.

Essa mulher diz essa frase porque seu marido recuou num projeto específico, que faria dele rei. Mas qual concepção de homem é esta? Trata-se da concepção segundo a qual um homem é medido pela ousadia e coragem acima de qualquer limite moral.

O filósofo Adam Smith, no século 18, temia que o avanço da sociedade comercial (o que alguns chamam de sociedade de mercado, outros de capitalismo) destruísse as chamadas virtudes guerreiras do homem, fazendo dele um "contador de dinheiro" sem ambição nenhuma além de acumular riquezas materiais por meio dos negócios.

Interessante observar que muitos estudiosos da pré-história levantam hipótese semelhante quando da nossa passagem da condição de caçador coletor para a de agricultor, preso à terra, sem poder "ser ousado", sempre escravo da colheita a vir. Na condição de agricultor, o homem tornara-se temeroso dos riscos de perder todo o cultivo sob a ameaça de invasores. A perda da mobilidade em nome do "patrimônio" teria feito o agricultor mais covarde do que o caçador coletor.

No mundo contemporâneo, o processo de acovardamento do homem é crescente. Mas isso é apenas consequência da civilização enquanto tal, no seu modo crescente de domesticação dos afetos e dos humores.

De volta à nossa personagem feminina. Sua frase magnífica cobra de seu marido que volte à ousadia que demonstrara quando de sua ideia "genial" de matar o rei Duncan da Escócia, a fim de tomar seu trono. Já sabe de qual mulher estou falando?

Seu marido, guerreiro reconhecido como virtuoso pelo próprio rei (estamos na Idade Média), se pergunta, afinal, por que ele não poderia ser rei, uma vez que era absolutamente acima da média em comparação aos outros homens à sua volta.

Momentos depois, quando o rei Duncan se encontra na casa do casal em questão, o marido de nossa famosa personagem, em conversa com ela, demonstra dúvidas com relação ao plano inicial de matar o rei e tomar seu trono. Demonstra ter medo das consequências do seu ato.

Sim, estamos falando do casal Macbeth, da peça homônima de Shakespeare. A frase em questão é dita pela Lady Macbeth diante das dúvidas de seu marido quanto a levar a cabo o assassinato do rei.

A frase "quando ousaste foste homem" representou para a fortuna crítica o reconhecimento dessa mulher como a maior vilã da literatura ocidental, talvez equiparada a Medeia, na tragédia homônima, com a diferença que Medeia, ao assassinar seus filhos com Jasão, tinha pelo menos a desculpa do ciúme e do desespero diante do fato de ser trocada pela princesa, mais jovem e mais bela, que ela também matará. O ódio de Medeia é de alguma forma compreensível.

A fala de Lady Macbeth não teria a mesma justificativa. Ela, em vez de apoiar seu marido em suas dúvidas morais, se desespera diante da aparente covardia dele.

Ao dizer que ele era mais homem quando ousava, Lady Macbeth falava da mais atávica das expectativas de uma mulher para com seu homem. Claro que, diante da monstruosidade que seu marido realizará, ela se arrependerá do que disse.

Nunca achei a Lady Macbeth um monstro. Sempre vi nela apenas uma expectativa feminina para com a masculinidade, expectativa esta já há muito inexistente.

O mundo contemporâneo jamais produzirá uma Lady Macbeth. Não haverá mais quaisquer expectativas quanto à masculinidade. O conceito caducará. Restará apenas o estuprador, o frouxinho e o menino bonzinho. O futuro próximo nos legará uma vida pequena, farta de cacarecos e cheia de tédio.


Nós que amávamos o golpe - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA


DAQUI A 50 ANOS, ESTUDARÃO COMO UM BANDO USOU BANDEIRAS SOCIAIS PARA ROUBAR SEM PERDER A TERNURA

O álbum de figurinhas com os personagens que ficarão na história por defender Dilma Rousseff e seu mandato delinqüente está crescendo. Fora as consciências que agem como pessoa jurídica - com ou sem recibo há o exército de mandrakes da bondade. São figuras tristes que penduraram sua reputação em meia dúzia de clichês ideológicos e vivem esta trágica missão: adaptar seu caráter a um slogan. Não pensem que é fácil.

Daqui a 50 anos, o Brasil de 2016 será estudado desta forma: uma avassaladora operação policial e judicial desmascarou um bando que estava usando as bandeiras sociais e humanitárias para roubar o país sem perder a ternura. O estudante de 2066 custará a crer que, depois de flagrada a quadrilha, os mandrakes da bondade continuaram a defendê-la bravamente - num esforço épico para salvar seus slogans. Tudo, menos rasgar a fantasia.

Esta coluna criticou, em sua edição passada, a postura de parte da imprensa internacional na cobertura do impeachment de Dilma Rousseff. E citou o jornal americano The New York Times como um dos veículos que vêm adotando a tese de que há um golpe de Estado no Brasil. Afirmar que a democracia brasileira está em risco por conta de uma manobra política ilegítima é muito grave. É o tipo da afirmação que requer demonstração cabal - se o autor pretende ser levado a sério.

Não há demonstração cabal - nem pálida - sustentando essa tese gravíssima. Vá ao Google, caro leitor, e tente encontrar qualquer matéria publicada na imprensa internacional que explique por que a ordem institucional no Brasil estaria sendo violentada. Você não encontrará. A base científica é sempre a mesma: o choro dos que não querem largar o osso. Eles dizem que o crime fiscal de Dilma Rousseff não foi nada de mais.

A alguns milhares de quilômetros de distância - em Nova York, por exemplo - o desfalque de Dilma não deve doer nada mesmo. A não ser nos americanos lesados pelas negociatas na Petrobras. Mas esses não escrevem editoriais.

Discutir como os crimes de responsabilidade estão demonstrados no pedido de impeachment, e até apresentar as lamúrias petistas sobre supostas falhas jurídicas no processo, estaria dentro do exercício jornalístico. Mas bancar a tese do golpe num processo conduzido absolutamente dentro das regras, com todos os ritos cumpridos e avalizados pelo Supremo Tribunal Federal (de maioria petista), é uma leviandade.

Esta coluna fez então uma ironia - referindo-se à famigerada imprensa de aluguel bancada pelo governo Dilma - perguntando se o NYT, por seu posicionamento espantoso, também estaria no bolso do PT. É sabido que os mandrakes da bondade detestam a liberdade e sonham com um mundo que caiba em suas cartilhas. São os talebans envergonhados. Mas, até onde se saiba, a ironia ainda não foi revogada. E qualquer leitor semialfabetizado saberá que um dos maiores jornais do mundo não cabe no bolso de um partido de picaretas tropicais.

Mas eis que o correspondente do New York Times no Brasil, Simon Romero, decide enviar a referida coluna a sua rede de contatos, acusando este signatário de sugerir que o NYT foi subornado pelo PT. Claro que Romero entendeu a ironia - qualquer estagiário entenderia-, mas preferiu oferecê-la a sua claque como uma acusação séria (e, portanto, bizarra). Não deixa de ser coerente com a postura do jornal que representa.

Perseguir a covardia é perda de tempo. Ela já é, em si, a punição ao covarde. O sujeito que opera com meias verdades e corteja mal-entendidos para parecer virtuoso já tem um problemão para resolver. E isso demora.

A coluna fazia também um convite aos irresponsáveis que dizem ao mundo ser Dilma Rousseff a resistência democrática (morra de rir, estudante de 2066): que se mandassem para a bucólica Venezuela, para narrar a resistência democrática do sanguinário Nicolás Maduro. Adivinhe, caro leitor, o que a claque do companheiro Romero gritou para este colunista? Acertou: xenófobo!

Sem querer estragar a brincadeira progressista da criançada, segue novo adendo ao dicionário taleban: quem quiser fazer proselitismo de político canastrão, vá à luta do seu chavista de estimação - e ceda gentilmente o lugar a quem queira fazer jornalismo. Ainda há muitos desses pelo mundo afora.

Os cinco ases - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA

O toque de humor, ou rasgo de franqueza, foi dar ao trust o nome de Tartufo


O CATATAU de 377 páginas que contém a delação premiada do ex-senador e ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, divulgado na semana passada pelo Supremo Tribunal Federal, revela o bas-fond da política brasileira como poucas vezes se viu num documento oficial. São citados 24 políticos, de oito partidos. Até para o presidente interino Michel Temer sobra uma rebarba, e grave, com a denúncia de que interferiu junto a Sérgio Machado em favor de contribuição ao candidato à prefeitura de São Paulo Gabriel Chalita, em 2012. Mas o protagonismo cabe ao quinteto formado pelos senadores Renan Calheiros, Romero Jucá, Edison Lobão e Jader Barbalho e pelo ex-senador (e ex-presidente da República) José Sarney. Entre tantos nomes citados, tende-se a misturá-los e igualá-los. É um erro. As estrelas incontestes são esses cinco, todos do PMDB. Depois do que se lê no depoimento de Machado, o fato de continuarem exercendo influência, quatro deles ainda em altas funções, rebaixa e desqualifica a política brasileira para nível ainda mais baixo e desqualificado do que aquele em que já se encontrava.

A Operação Lava-Jato tem oferecido memoráveis lições sobre como funciona o poder no Brasil. O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, o primeiro dos delatores, ensinou que doações de empresas a políticos não são doações - "são empréstimos, a ser pagos com altos juros". Sérgio Machado agora esclarece três pontos que já se adivinhavam, mas nunca tinham vindo de fonte tão autorizada, assim resumidos nos autos: "1) Políticos indicam pessoas para cargos em empresas estatais e órgãos públicos e querem o maior volume possível de recursos ilícitos, tanto para campanhas eleitorais quanto para outras finalidades; 2) Empresas querem contratos e projetos e, neles, as maiores vantagens possíveis, inclusive por meio de aditivos contratuais; e 3) Gestores de empresas estatais têm duas necessidades, uma a de bem administrar a empresa e outra a de arrecadar propina para os políticos que os indicaram".

Sérgio Machado foi indicado para a Transpetro, em 2003, sob o alto patrocínio do poderoso quinteto, com destaque para Renan, primus interpares. No ano anterior ao término de seu mandato no Senado, ele arriscara uma candidatura ao governo do Ceará e perdera. Era da turma, era de confiança, e estava desempregado. Machado, cuja função seria encaminhar os "por fora" recebidos das fornecedoras da Transpetro aos políticos, não os decepcionou. Renan levou, ao longo dos doze anos em que seu afilhado comandou a estatal, 32 milhões de reais, Lobão 24 milhões, Jucá 21, Sarney 18,5 e Jader, pobrezinho, 3 milhões.

Jader "pressionava muito por propinas", delata Machado, mas, segundo transparece no depoimento, tinha vida muito enrolada. Numa ocasião, pediu que os parceiros arcassem com uma dívida de 300 000 reais que tinha com um advogado. Renan, Lobão e Machado entraram com 100 000 cada um. Mais adiante, exigiu que Machado arcasse com uma dívida que contraíra com o banco BVA. Machado não encontrou jeito de fazê-lo, e a relação entre os dois se deteriorou.

Lobão, entre os cinco, figura como o que ia mais direto ao ponto. Ao assumir o Ministério de Minas e Energia, em 2008, disse a Machado que agora, tendo a Transpetro sob sua jurisdição, ganhara direito à maior bolada. Desde o ano anterior (e até 2014), quatro dos integrantes do quinteto (Jader excluído) recebiam boladas mensais. Renan recebia 300 000, Jucá 200 000. Lobão pediu 500 000. Machado não teve como chegar a essa quantia, e o acerto ficou nos mesmos 300 000 de Renan.

Os mensalões eram entregues em espécie, e a operação de entrega revela o ambiente mafioso entre nossos personagens. Tanto o entregador do dinheiro quanto o recebedor agiam sob codinome. Um papel com o codi-nome do entregador, o local e a hora da entrega era fornecido por Machado ao político, pessoalmente, em Brasília, a cada mês ou cada dois meses. Machado fazia tudo direitinho, como exigiam os patrocinadores, mas não esquecia de si próprio. Sua parte nas propinas era depositada num trust na Suíça, que, em 2012, somava quase 73 milhões de reais. O toque de humor, ou rasgo de franqueza, foi dar ao trust o nome de Tartufo, o personagem de Molière que encarna o mais célebre hipócrita da literatura universal. Hipocrisia cabe, mas é pouco. Espelha apenas um dos atributos do grupo, talvez o mais inofensivo.

Na angústia da espera - J. R. GUZZO

REVISTA EXAME

Poucas vezes o Brasil viveu, como neste primeiro semestre de 2016, um período de tanta incerteza quanto à situação real de seu governo, com as inevitáveis consequências que isso traz para a economia e para a estabilidade material dos brasileiros. Quem governa? Ou melhor, há governo?

O que se tem no momento, e por um período de tempo ainda mal definido, é umpresidente interino e uma presidente afastada. Há um tiroteio diário, sem trégua, contra o primeiro, e uma angústia geral diante da campanha feita pela segunda e por seu sistema de apoio para influir no rumo das decisões.

A Câmara dos Deputados tem um presidente que procura o tempo todo não comparecer ao trabalho; não se sabe direito se ele preside mesmo alguma coisa. O presidente do Senado é alvo de sabe Deus quantas denúncias e, ultimamente, de uma ofensiva por parte do procurador-geral da República — junto com dois dos mais importantes personagens do partido ao qual pertence o chefe de Estado interino, um deles ex-presidente do Brasil.

O Supremo Tribunal Federal está envolvido em questões políticas de primeiríssimo grau, para a solução das quais nenhum de seus 11 ministros foi eleito. Há, sem dúvida, um governo montado em Brasília, e seu núcleo mais decisivo, a equipe econômica, é de qualidade incomparavelmente superior a tudo que havia na área até o afastamento da presidente em maio — mas não existe segurança suficiente sobre sua permanência definitiva.

Políticos, às dúzias, estão ameaçados por algum tipo de desgraça súbita por causa da corrupção em massa praticada ao longo dos últimos dois governos; ou pertencem ao partido ora afastado do poder, ou foram seus sócios na administração do país. A Operação Lava-Jato continua produzindo efeitos diretos na vida pública, e não vai parar.

É uma situação de anarquia? Não se pode dizer tanto, mas não há as certezas indispensáveis em relação ao exercício da autoridade, à eficácia das decisões do governo, ao cumprimento da lei e a grande parte de tudo aquilo que fornece a previsibilidade básica sem a qual a economia simplesmente não funciona — aliás, nem a economia nem o resto.

Obviamente, o chão está se movendo; o grande problema é que ninguém sabe para onde. Como poderia ser diferente, quando não se sabe nem mesmo quem vai para a cadeia ou fica solto entre as figuras públicas mais notáveis do Brasil? Não há chão que possa ficar firme desse jeito.

O resultado prático dessa desordem generalizada é que o consumo trava. Oinvestimento para. O planejamento, das pessoas ou das empresas, é colocado em modo de “espera”. A arrecadação emagrece. O emprego não melhora em nada. O câmbio fica balançando. Quem pode decidir não decide; quem não pode tem apenas a perspectiva de tentar se segurar onde está.

O mundo exterior não se mexe em relação ao Brasil. Parece se desenhar, em pesquisas, uma vaga retomada de confiança no futuro, mas tudo ainda é muito difuso, incipiente e incerto para ver alguma coisa com mais clareza.

Diante disso tudo, parece que a única pergunta cuja resposta realmente interessa no presente momento seja a seguinte: quando a presidente afastada vai mesmo embora, de uma vez por todas?

A ideia de que possa ficar, é claro, só poderá ser definitivamente enterrada quando um mínimo de 54 senadores decidirem pelo impeachment; trata-se de algo tão intragavelmente complicado, pelas dificuldades de ordem prática que isso colocaria para o país ser gerido com um mínimo de lógica, que é melhor só falar do assunto se a reencarnação da presidente acontecer.

Até lá, o Brasil terá de viver esse apocalipse de São João anunciado todos os dias. Só o fim do processo, e nada mais, permitirá que haja um governo de verdade; só aí começará o novo jogo, agora para valer. Tudo muda, porque após pelo menos um ano de acefalia, o país voltará, enfim, a ser governado — e começará a viver com as escolhas reais que serão feitas para enfrentar as calamidades do presente. Será possível ver, então, para onde estaremos realmente indo.


A política morreu. Viva a política! - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA

Mesmo ameaçada por investigados e réus, a Lava Jato parece estar acima de governos e siglas



Não imaginei que viveria para ver um procurador-geral da República pedir a prisão de José Sarney e Renan Calheiros. Espero viver para ver um pedido oficial de prisão de Lula e Dilma Rousseff – e do restante da camarilha. Espero ver a refundação da República sobre bases moralmente compatíveis com a verdadeira Política, com P maiúsculo.

A delação explosiva do ex-presidente da Transpetro (subsidiária da Petrobras) e ex-senador tucano Sérgio Machado envolve 25 políticos de seis partidos: PT, PSDB, PP, DEM, PCdoB e PMDB. Traz minúcias de datas, nomes, codinomes, lugares, pedidos de propina em dinheiro vivo e até mesadas de R$ 300 mil ao presidente do Senado, Renan Calheiros.

Os detalhes provocaram na nação um misto de estupor, nojo e alívio. Alívio por perceber que a Lava Jato, mesmo ameaçada pelos investigados e réus, parece estar acima de governos e siglas. Quantas vezes os militantes petistas clamaram que a investigação seria asfixiada se Dilma fosse afastada. E agora? Tanto o impeachment quanto as semanas que se seguiram provam que ninguém está fora do alcance da lei. E isso é inédito no Brasil.

O estupor vem da dimensão pantagruélica dessa engrenagem podre. “Pantagruélica” quer dizer mais do que gigantesca – um adjetivo que normalmente acompanha “ambição” ou “gula”. O cidadão se pergunta: por que homens e mulheres eleitos e ricos, que já ganham supersalários e mordomias inaceitáveis, se sujeitam a tanta sujeira? O que essa dinheirama toda, que precisa ser escondida, traz de benefício real a uma pessoa ou a uma família de políticos? O que o roubo de dinheiro público, num país com tantas carências, com tantos pobres e analfabetos, traz de sossego à consciência?

Não basta aos acusados reagir como Dilma e Lula sempre reagiram, chamando as delações de “levianas, irresponsáveis e criminosas”. Assim fez o presidente interino, Michel Temer, acusado de pedir doação para a campanha de seu pupilo Gabriel Chalita à prefeitura de São Paulo em 2012. Uma imoralidade até branda, diante do manancial de propinas que, segundo Sérgio Machado, engordou, ao longo de anos, a cúpula do PMDB, muitas vezes a pedido do PT.

Depois de uma década escrevendo para ÉPOCA sobre malfeitos de nossa classe política, poderia não estar surpresa. Mas estou. Deputados, senadores, prefeitos, governadores e presidentes deveriam rir das denúncias de farras com passagens aéreas, reformas milionárias, 15 salários no Legislativo, jetons, milhares de apadrinhamentos em cargos comissionados. Coisas ridículas diante das fortunas passadas por baixo do pano, dos milhões ou bilhões que empreiteiras “doaram” a políticos.

Em abril, escrevi que o grande jogo de traições do PMDB impediria o impeachment. Estava errada, felizmente. Era claro, porém, que Renan Calheiros não queria o afastamento precoce de Dilma. Apostava no statu quo. Renan criticou Temer da mesma forma que, agora, o cobre de elogios. Afilhado de Sarney, Renan sempre foi olhado como uma raposa política. Sarney, o padrinho de todos, foi chamado por Lula, em 1986, de “grileiro do Maranhão” e, em 1987, de “o maior ladrão da Nova República”. Depois, Lula beijou sua mão e impediu seu afastamento.

“A política morreu”, disse em abril, para estudantes de economia, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso. Foi pouco depois de o PMDB de Temer romper com o governo Dilma. “Nós temos um sistema político que não tem o mínimo de legitimidade democrática. (...) Deu uma centralidade imensa ao dinheiro e à necessidade de financiamento. E se tornou um espaço de corrupção generalizada. (...) Quando o jornal exibia que o PMDB desembarcou do governo e mostrava as pessoas que se erguiam as mãos, eu disse: meu Deus do céu! Essa é nossa alternativa de poder. (...) Não tem para onde correr.”

As pessoas que “se erguiam as mãos” eram o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, hoje prestes a ser cassado, após ser traído pela nega e pelo caboclo, e o então vice-presidente do PMDB Romero Jucá, réu na Lava Jato e afastado do ministério interino. Com o do Turismo, Henrique Alves, já são três os ministros de Temer afastados em cinco semanas. Por enquanto.

Reli o artigo “Sobre política e jardinagem”, do mineiro Rubem Alves, nascido em Boa Esperança, psicanalista, educador, escritor e teólogo. Ele morreu em 2014, em Campinas. No artigo, de 2000, faz um apelo aos jovens: “De todas as vocações, a política é a mais nobre... De todas as profissões, a profissão política é a mais vil (...) Nosso futuro depende dessa luta entre políticos por vocação e políticos por profissão. O triste é que muitos que sentem o chamado da política não têm coragem de atendê-lo, por medo da vergonha de serem confundidos com gigolôs”. Viva a Política por vocação. Essa é a nota de esperança.


Nem de brincadeira - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 20/06

Um grupo de deputados discutia o que vai sobrar depois das delações da Lava Jato, quando um deles soltou uma proposta: votar um projeto anistiando todos os políticos que receberam doações legais vindas de grana de propina.

Diante da incredulidade dos presentes na viabilidade da ideia, que seria motivo de críticas gerais, ele disse que haveria uma contrapartida. Todos os beneficiados teriam que abandonar a carreira política.

Reflexo do clima de pânico geral que domina a política, o "sacrifício" em troca da anistia teve aprovação unânime entre os presentes da reunião –o pessoal anda topando tudo para fugir das garras da Lava Jato.

Um participante do encontro diz que a ideia, por enquanto, é apenas uma ideia, lançada quase em tom de brincadeira. Diz ele, porém, ter certeza que hoje contaria com o apoio de mais de 90% do Congresso.

Sinceramente, não duvido. Afinal, as próximas delações, de Odebrecht e OAS, prometem provocar um cenário de terra arrasada na política brasileira. Pelo andar da carruagem da Lava Jato, quase nenhuma reputação ficará intacta.

A ideia da anistia surge, de forma discreta, porque muitos candidatos alegam que não sabiam que sua doação legal teve origem em propina. Em alguns casos, pode ser fato. Mas como separar o joio do trigo?

Não custa lembrar, contudo, o que disse o delator Sérgio Machado. Segundo ele, todos sabiam, em maior ou menor grau, que as doações vinham de contratos de empreiteiras com a Transpetro. Ou seja, ninguém é totalmente inocente.

Por sinal, a delação de Machado mostra por que políticos disputam nomeações para direção de estatais. Nada a ver com projetos de interesse do país. Tudo a ver com esquema para angariar recursos de campanha e, pior, até para o próprio bolso.

O mais inacreditável é que, em tempos de Lava Jato, esta turma segue brigando por cargos. Não por acaso os escândalos se repetem.


Gasta muito e gasta mal - PAULO GUEDES

O GLOBO - 20/06

As investigações da Lava-Jato e a guilhotina midiática só vão perder o ímpeto com o fim da impunidade e a reforma política


Acorrupção sistêmica é hoje fato estabelecido. A classe política está sob suspeita. As principais lideranças petistas e peemedebistas estão às voltas com a Justiça. O presidente interino, Michel Temer, não consegue sequer montar um ministério acima de qualquer suspeita. As investigações da Lava-Jato prosseguem com enorme apoio da opinião pública esclarecida. Aonde vai levar tudo isso? A um aperfeiçoamento

institucional de uma democracia emergente. Quando vão perder o ímpeto essas investigações e a guilhotina midiática? Quando uma reforma política acenar com um futuro diferente, e as condenações das principais lideranças do Antigo Regime saciarem a opinião pública. Apenas o fim da impunidade e a mudança desse degenerado regime político decretariam o fim da Lava-Jato.

A verdade é que se revelou à luz do dia uma fabulosa engrenagem para a coordenação de tráfico de influência e desvio de recursos públicos. Maus empresários, funcionários públicos corruptos e políticos inescrupulosos aperfeiçoaram essa engrenagem de administração centralizada para o financiamento das campanhas políticas, a compra de sustentação parlamentar e a apropriação indébita de recursos públicos. Grupos de interesses privados financiam políticos corruptos, que por sua vez nomeiam funcionários públicos corruptos para postoschave dessa engrenagem, que devolvem então aos corruptores privados recursos públicos suficientes para compensar seus “investimentos” na captura de influência política. O programa econômico que preparei em 1989, para uma campanha presidencial nas primeiras eleições diretas após a redemocratização, previa programa de privatização para resgate integral da dívida interna. A participação do governo nas empresas estatais teria sido suficiente para zerar a dívida pública federal interna. Quantos Prounis e Bolsas-Famílias poderíamos estar hoje financiando com os R$ 500 bilhões pagos anualmente como juros da dívida? Pior, o descontrole de gastos públicos, de um lado, e a meta de inflação, de outro, produziram juros astronômicos que nos levaram ao endividamento interno em bola de neve. O governo federal gasta muito, rouba muito e gasta mal, enquanto faltam recursos para saúde, segurança, saneamento e educação em estados e municípios falidos.


O celular e o futuro da Justiça - JOAQUIM FALCÃO

O GLOBO - 20/06

‘Fotografe o bilhete de avião e me mande pelo celular. Estou lhe mandando procuração eletrônica por e-mail’, diz advogado a passageiro de voo atrasado


Um jovem advogado de Pernambuco, Rafael Cavalcanti, teve em dois anos mais de mil casos na Justiça. Não tem escritório. Não tem secretária. Não tem biblioteca, mas tem um celular. E basta. Quando conversávamos, recebeu uma ligação. Era de passageiros na fila de um avião atrasado há mais de quatro horas. Consumidores à procura de seus direitos. Tudo se passou em cinco minutos.

“Fotografe o bilhete de avião e me mande pelo celular. Estou lhe mandando uma procuração eletrônica por e-mail. Preencha, e me envie de volta. Receberei no meu celular. Nos vemos no dia audiência, no Fórum, aviso”.

O advogado entra então com petição eletrônica. É caso comum de violação de direitos de massa. Aliás, questões de direito do consumidor são as que mais crescem no Judiciário como um todo e no Supremo. Ao lado de conflitos envolvendo concessionárias do poder público.

A companhia aérea é notificada, e a audiência, marcada eletronicamente. Normalmente, o advogado da companhia liga para o jovem advogado e propõe um acordo. Em 70% dos casos, o acordo é fechado antes mesmo da audiência.

O advogado tem humor. “Sorte mesmo é o voo atrasar, e no exterior o cartão de crédito ser recusado. O que acontece com milhares de brasileiros. Tire a foto pelo celular da maquineta negando o cartão. E me mande. Pronto. Se a operadora do cartão não se explicar em 48 horas, provavelmente a companhia aérea vai indenizar pelo menos o valor da passagem, e a operadora fornecerá recursos para hospedagem. Vai conhecer Nova York de graça!”.

O que era um direito desrespeitado passou a ser uma indenização paga.

É este o futuro do Judiciário na época do processo eletrônico, de jovens advogados hábeis no manejo da tecnologia e de jovens cidadãos mais hábeis ainda em novos processos tecnológicos de resolução de conflitos. Este é o caminho.

Estas outras formas de exercer a advocacia como prevenção de judicialização de conflitos serão analisadas em breve, na I Jornada de Mediação Arbitragem e Meios alternativos de Resolução de Conflitos, comandada pelo ministro Luiz Alberto Salomão, no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. Todos à procura de soluções inovadoras para uma melhor Justiça.


Joaquim Falcão é professor da FGV Direito Rio

A volta por cima - ROBERTO LUIS TROSTER

O ESTADO DE S. PAULO - 20/06

A incerteza sobre os rumos da economia angustia cidadãos de Norte a Sul do País. É uma agravante adicional da crise que embaça a sua superação. Há alguns sinais positivos e ações corretas, assim como espaço para aprimoramentos, alguns sugeridos a seguir.

A proposta deste artigo é a fixação de quatro conjuntos de metas que orientariam as ações dos gestores e sinalizariam à sociedade o que esperar. Se adotadas, reduziriam a intranquilidade existente e apressariam a recuperação da economia.

A primeira sugestão é colocar a relação dívida bruta/Produto Interno Bruto (PIB) como o indicador chave. É a melhor medida da solvência do Estado e a mais usada internacionalmente. Sua evolução é determinada por quatro componentes inter-relacionados: as despesas e os juros que a fazem aumentar e as receitas do governo e o crescimento do País que a fazem diminuir.

O foco da atenção da equipe econômica está no teto para os gastos públicos nos próximos anos, por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). É importante, mas é apenas uma parte do problema. Não atenta para as outras. Além de quanto se gasta, deve-se também analisar a dinâmica de arrecadação do governo, a expansão do PIB e o custo de rolar a dívida pública.

Os juros são o fator mais oneroso na evolução do endividamento. Os gastos são várias vezes superiores ao déficit primário. No ano passado, foram mais de R$ 500 bilhões, o equivalente a 8,5% do PIB ou a 16 vezes o que seria arrecadado com a CPMF! É o que mais pesa na evolução da dívida bruta/PIB, e apresenta oportunidades para ajustes. Esse custo poderia ser reduzido com adequações na indexação, nos tabelamentos, na tributação da intermediação financeira e nos descasamentos do balanço do setor público.

O crescimento do PIB, além de depender de uma perspectiva de solvência do Estado e da estabilidade de preços, objeto de atenções iniciais da equipe econômica, é também resultado de uma melhoria das perspectivas de longo prazo com uma agenda de desenvolvimento sustentável, que poderia ser estruturada.

A segunda proposta é a elaboração de indicadores em todos os níveis de governo de gastos por função, quanto é a despesa em cada Estado e município por aluno em educação, em saúde por habitante e assim por diante. Esses números seriam complementados com indicadores de desempenho de cada unidade da Federação, para tratar de forma sistemática a eficiência do setor estatal.

Ilustrando, a cidade de Piripiri no Piauí informaria quantos reais foram despendidos por aluno no ano e que resultado teve em média nas avaliações de desempenho de estudantes. Os gastos e as performances acadêmicas poderiam ser comparados com os números obtidos em outros municípios e apontar a eficiência de cada um em educação, neste exemplo.

A aplicação de indicadores de desempenho, Benchmarks, é usada extensivamente no setor privado e pode ser aplicada nos diferentes níveis de governo. Já há experiências de sucesso no Brasil.

Se adotadas como metas, teriam um efeito positivo na qualidade e na efetividade dos serviços do governo em saúde, segurança, educação, justiça e infraestrutura. Permitiriam corrigir distorções, reduzir desperdícios, apontar melhores práticas e incentivar inovações na gestão dos recursos públicos.

A terceira proposta é a de metas de margens de juros (spreads). É a diferença entre a taxa de captação e de empréstimos de bancos. É uma das mais altas do mundo. Na média, dependendo da metodologia supera 100% ao ano e, alguns produtos, 300% ao ano. Note-se que o custo do crédito no Brasil não tem quase relação com os juros básicos fixados pelo Copom. Ou seja, baixar a Selic não significa necessariamente crédito mais barato.

A rolagem da dívida privada custa mais para a sociedade do que a da pública e a fonte para pagamentos é a mesma, ou seja, recursos da sociedade. A inadimplência está paralisando o setor produtivo; segundo a Serasa, 4,42 milhões de empresas de um total de 8,13 milhões têm contas em atraso. É um valor sem paralelos no mundo. Mesmo assim, quase nada é feito para corrigir as distorções da intermediação financeira.

É possível avançar rapidamente nesse quesito fazendo mudanças na tributação, condições institucionais, transparência e gestão do sistema. Ilustrando esse ponto, há dez bancos que operam aqui e no Chile com rentabilidade similar, só que com margens cinco vezes menores lá.

A quarta proposta é a de corrupção zero. É um problema crônico e crítico que tem de ser superado para que o Brasil possa se desenvolver.

Um elemento que adicionaria credibilidade à atual condução da economia está associado à transparência. Há espaços para melhorias nas informações elaboradas pelo governo, destacando os cálculos da dívida bruta e os indicadores de crédito. Pode-se avançar rapidamente nesse quesito com ganhos positivos de imagem.

Para alcançar as metas acima, a equipe tem executores competentes, como Ilan, Mansueto, Parente, Rabello e Silvia, que estão entre os melhores do País nas suas novas funções, conferindo confiabilidade à condução da economia.

Apesar da indefinição da duração do atual governo, que pode ser de semanas ou de anos, ele pode deixar um legado considerável, se atuar rapidamente. É possível encurtar a crise e acelerar a recuperação.

O quadro econômico e político é propício para alterações de rota. A sociedade mostra-se ávida por mudanças, a inflação está caindo, o balanço de pagamentos está equilibrado, vive-se um processo de recomposição de estoques, há mão de obra e recursos disponíveis e as condições no resto do mundo são favoráveis ao Brasil.

Adaptando a letra da música do título do artigo: um país de moral não fica no chão. Reconhece a queda e não desanima. Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima. É isso.

O atual governo pode deixar um legado considerável, se atuar rapidamente, acelerando a recuperação econômica


*DOUTOR EM ECONOMIA, CONSULTOR E PALESTRANTE, FOI ECONOMISTACHEFE DA FEBRABAN E PROFESSOR DA USP E DA PUC-SP

As rachaduras do Mercosul - RODRIGO BOTERO MONTOYA

O GLOBO - 20/06

A incorporação da Venezuela pela porta de trás se converteu em uma dor de cabeça para seus sócios


O Mercosul, o esquema de integração econômica que criaram Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, ao qual se somou a Venezuela, está longe de ser um experimento bem-sucedido. Sua trajetória esteve marcada por sobressaltos, desavenças e retrocessos. Em parte, isso se deve a falhas iniciais de desenho institucional; em parte, às assimetrias entre seus sócios; e em parte, ao excesso de protecionismo. Durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, no Brasil, e de Néstor e Cristina Kirchner, na Argentina, os objetivos estritamente comerciais foram obscurecidos por convergências ideológicas e posturas antiocidentais, que se acentuaram com a entrada da Venezuela ao grupo em 2012. Num momento de euforia bolivariana, chegou-se a propor a inclusão de Cuba no Mercosul.

A aversão a acordos comerciais com os países industrializados levou os presidentes Néstor Kirchner, da Argentina; Lula, do Brasil; e Hugo Chávez, da Venezuela, a rechaçar a proposta americana de criar a Alca, uma área de livre comércio hemisférica, na Cúpula das Américas de 2005, em Mar del Plata. Com a exceção do Equador, todos os países do Litoral Pacífico latino-americano assinaram acordos de livre comércio com os Estados Unidos.

O erro inicial do desenho consistiu na insistência em estabelecer um mercado comum, em vez de uma área de livre comércio. A adoção de uma tarifa externa comum alta implicou optar pelo desvio do comércio em direção ao resto do mundo. Também conduziu à troca recíproca de ineficiências nos setores industriais e tratamento desigual dos sócios menos desenvolvidos do grupo, ao ficarem obrigados a comprar manufaturas no Mercosul a preços superiores aos internacionais.

Outro inconveniente do desenho do Mercosul foi a proibição de assinar acordos individuais de livre comércio com países de fora. Esta restrição implicou um sério prejuízo para Paraguai e Uruguai, países com mercados nacionais pequenos, aos quais era conveniente ter economias abertas para participar ativamente no comércio mundial. Os altos e baixos econômicos de Argentina e Brasil, bem como o protecionismo atávico, foram obstáculos à liberalização do comércio inter-regional, o qual tem estado sujeito a licenças prévias e a restrições administrativas de distinta ordem.

A incorporação da Venezuela pela porta de trás se converteu em uma dor de cabeça para seus sócios. O colapso de sua economia impede à Venezuela ter um comportamento normal no comércio internacional. Além disso, a associação com um governo pouco apresentável é um fardo diplomático. O desvio para a condição de Estado pária do regime venezuelano tornaria inevitável a invocação da cláusula democrática do acordo constitutivo do Mercosul.

O presidente Mauricio Macri pediu que a Argentina seja aceita como país observador na Aliança do Pacífico. Propõe-se a comparecer em 30 de junho da reunião de presidentes do grupo em Santiago do Chile. Esta aproximação pode ser o primeiro passo rumo à transformação do Mercosul em uma área de livre comércio em escala latino-americana.


Rodrigo Botero Montoya é economista e foi ministro da Fazenda da Colômbia

Pesquisa científica: luxo ou necessidade? - JOSE GOLDEMBERG

O ESTADÃO - 20/06

As discussões sobre a prioridade de investimentos em ciência e tecnologia estão na ordem do dia não só no Brasil, como em outros países do mundo. Por essa razão, a fusão do Ministério das Comunicações com o de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), sob o comando de Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo, provocou reações de cientistas e instituições que os representam, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências.

Parte dessas reações tem um caráter corporativo, e elas devem ser tratadas como tal. Há corporações em todos os setores da sociedade brasileira e todas elas disputam a atenção do governo federal, acesso a verbas e até privilégios. Por conseguinte, o que é preciso esclarecer, em primeiro lugar, é se investimentos em ciência e tecnologia em países em desenvolvimento como o Brasil são um luxo ou uma necessidade.

Nos países coloniais dos séculos 19 e 20, não fazia sentido investir em ciência a não ser por razões culturais, como se fez com salas de concertos e óperas. As necessidades locais eram atendidas importando produtos industrializados dos países da Europa, dos Estados Unidos e do Japão. As grandes empresas multinacionais foram os veículos que desempenharam esse papel.

À medida, porém, que as colônias começaram a crescer economicamente, depender apenas de importações deixou de ser viável por razões políticas, econômicas e técnicas.

Os movimentos de descolonização e libertação nacional se tornaram irreversíveis após a 2.ª Guerra Mundial (1939-1945), criando a necessidade de industrialização não só para gerar empregos.

Do ponto de vista técnico, havia a necessidade de adaptar as tecnologias às condições locais, o que envolvia muito mais que sua “tropicalização”. Para isso, foi indispensável criar uma elite local que entendesse a ciência e a tecnologia modernas - desenvolvidas nos países industrializados - e que pudesse escolher as melhores tecnologias adaptadas às condições locais.

Daí a necessidade de investimentos em educação, ciência e tecnologia, como fez a Coreia do Sul, que, partindo de uma base puramente agrícola e atrasada em 1950, se tornou um grande exportador de produtos industrializados.

O Brasil também fez progressos, apesar de não ter conseguido repetir o sucesso da Coreia do Sul. A industrialização do Brasil que ocorreu após a 2.ª Guerra Mundial trouxe para o País um parque industrial abrangente e moderno, que permitiu torná-lo competitivo em várias áreas, como, por exemplo, a de papel e celulose. Pesquisa científica e tecnologia locais permitiram também o desenvolvimento do etanol da cana-de-açúcar, cuja produtividade é excepcional por causa do clima local. Na área da saúde, grandes progressos foram feitos.

O que conta mesmo são os recursos destinados ao desenvolvimento científico e tecnológico, que envolvem grandes somas. É necessário investir uma fração significativa do Produto Interno Bruto (PIB). Nos países da União Europeia, aplica-se atualmente em média 1,84% do PIB, e a meta a atingir é de 3% do PIB.

Já a Coreia do Sul investe hoje mais de 4% do PIB (cerca de US$ 50 bilhões por ano). Logo abaixo vêm Israel e Japão. Os Estados Unidos investem menos (em torno de 2,5%), mas seu PIB é tão alto que essa fração corresponde a quase US$ 500 bilhões, o que explica sua liderança incontestável na área.

É por essa razão que o governo da França - que havia decidido reduzir seus investimentos em ciência e tecnologia, em razão da difícil situação econômica do país - desistiu desses cortes, reconhecendo que essa área é prioritária em comparação com outras, que podem ter seus investimentos adiados.

Sucede que o Brasil investe apenas em torno de 1,2% do seu PIB em desenvolvimento científico e tecnológico, US$ 19 bilhões por ano. É aproximadamente o mesmo que outros países emergentes, em alguns casos até mais, como Índia (0,8%), Indonésia (0,2%), México (0,4%) e Argentina (0,6%). Mas é muito pouco, se comparado ao que é investido nos países líderes no mundo, como Estados Unidos e os da Europa, e menos do que alguns nossos colegas do Brics, como China (1,9%) e Rússia (1,5%).

O apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico não é feito necessariamente por ministérios. Nos Estados Unidos, cujo estabelecimento científico-tecnológico é o mais robusto do mundo, não existe Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. O apoio às atividades nesta área é feito pela Fundação Nacional de Ciências, pelo Departamento de Energia e outros (departamento é o nome dado aos ministérios naquele país), além de inúmeras fundações privadas. No Japão, é o Ministério da Indústria o principal financiador de atividades de ciência e tecnologia.

Não é, pois, a existência de um órgão burocrático exclusivo para a ciência e tecnologia, como o MCTI do governo federal, que garante apoio às atividades desta área. Mesmo no Brasil, essas atividades já foram exercidas adequadamente por uma Secretaria Especial de Ciência e Tecnologia, no governo do presidente Collor, em 1990, a qual foi particularmente eficaz na abertura ao acesso de computadores e à área de informática em geral.

Aumentar os dispêndios no Brasil não é fácil, a não ser que o PIB cresça. O que não pode acontecer é interromper ou reduzir os recursos que se destinam à ciência e tecnologia, porque são investimentos que só dão resultados no longo prazo, como os investimentos em educação.

É por essa razão que eles precisam ser preservados mesmo em tempos de crise. Discutir se eles serão canalizados via um Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação ou outro formato burocrático não é o problema central.

* É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO E PRESIDENTE DA FAPESP

A conta da irresponsabilidade - MARCELO AGNER

CORREIO BRAZILIENSE - 20/06

O Rio de Janeiro sempre foi uma vitrine do Brasil. Não à toa, foi escolhido para o projeto maior do populismo que assaltou o país nos últimos anos. A Cidade Maravilhosa era o cartão-postal ideal para se espalhar ao mundo os avanços conquistados pelo "país do futuro e da igualdade social". Não se poupou em propaganda: a Copa do Mundo no Maracanã e as Olimpíadas sob as bênçãos do Cristo Redentor eram os trunfos de uma nação candidata a integrante do Primeiro Mundo. Mas algo deu muito errado. E não foi culpa do povo carioca.

O estado e a cidade símbolos da propaganda de um Brasil grande amargam hoje uma situação de penúria. A 47 dias do início dos Jogos Olímpicos, não há recursos para pagamento dos funcionários públicos, para a gestão da saúde, para quitar as dívidas com fornecedores e para garantir a assistência básica aos cidadãos. A decretação de calamidade pública das finanças é o triste coroamento de um projeto irresponsável, corrupto e incompetente que arrastou governos federal, estaduais e municipais.

Hoje, o presidente em exercício Michel Temer receberá governadores para, provavelmente, discutir a situação quase falimentar da maioria das unidades da federação. Uma ajuda necessária para o Rio de Janeiro será anunciada, evitando um vexame e um fracasso das Olimpíadas, com repercussões mundiais. Mas, nesse encontro, também será descortinada a triste realidade das contas públicas do país.

Mais uma vez, o Rio servirá de vitrine. Desta vez, no entanto, ao invés de um país exuberante e progressista, exibirá a perversa face de políticos irresponsáveis que lançaram o país na aventura de promover dois eventos de dimensões mundiais em apenas dois anos, com tremendas despesas aos cofres públicos.

Na esteira do Rio de Janeiro, outros governadores vão apresentar ao presidente a trágica situação de seus estados. Um reflexo de anos de desperdício do dinheiro dos cidadãos, com o inchaço da máquina pública e com gastos sem limites, nem controle. Isso sem falar da corrupção. E não é coincidência que a penúria das nossas unidades federativas ocorra simultaneamente ao afastamento da presidente por gritantes irregularidades na condução dos recursos públicos, ora investigadas pelo Senado. Há irresponsabilidade em todos os níveis.

O alerta vindo do Rio precisa ser entendido por nossos políticos. O Brasil atravessa hoje sua mais grave crise, com poucas perspectivas de saídas a curto prazo. Respeitar o contribuinte, administrando com zelo e honestidade o dinheiro pago pelos impostos, é o mínimo que se espera dos homens eleitos com nosso voto. Precisamos cobrar deles gestões profissionais e planejadas, seja qual for a ideologia ou o partido a que pertençam. Não há mais espaço para aventureiros e populistas.


O voto leviano - NELSON PAES LEME

O GLOBO - 20/06

Raramente alguém lembra em quem votou nas últimas eleições. Seria o mandato público menos importante do que o mandato privado, a procuração?


Os gravíssimos episódios do afastamento do presidente da Câmara pelo STF e o pedido de prisão deste e de três dos principais senadores brasileiros, sendo dois deles o atual presidente do Senado e um ex-presidente do Senado, do Congresso e da República — ainda que negado este último liminarmente pelo mesmo STF — dão-nos a medida vergonhosa da indigência moral de significativa parcela de nossos representantes no Parlamento. Isto pelo singelo fato de todos esses parlamentares terem sido eleitos por seus pares. E quem colocou esses pares (e ímpares) no poder? Nós, os eleitores. Não adianta tentar exportar a culpa. A democracia representativa é a evolução da democracia direta. Pode (e deve) ser combinada com esta, como previsto em nossa atual Constituição, através do referendo, do plebiscito e da iniciativa popular. E lá estão em nossa Carta esses dispositivos constitucionais exatamente para contrabalançar a representação, quando o povo se dá conta de que seus representantes não funcionam ou funcionam mal.


Infelizmente, não mais dispomos do “mandato imperativo”, instituído por José Bonifácio em 1822, na Independência, uma espécie do recall americano. Mesmo assim, ainda hoje, eleitos pelo voto direto e secreto, quando esses mesmos representantes são incapazes de atender adequadamente às demandas da sociedade, o povo pode se manifestar. O que não se divulga — fundamental destacar — é o fato de que, mesmo um projeto de lei de iniciativa popular, ainda que carregando o peso expressivo de milhões de assinaturas, precisa ser referendado pelos representantes eleitos, suas excelências hoje investigadas. E que referendos e plebiscitos dependem sempre também do apoio final desses mesmos parlamentares para que o povo efetivamente se manifeste.

Nas democracias, procura-se ao máximo a participação colegiada. Daí a importância dos plenários, das maiorias simples e qualificadas, na proporção da importância dos temas a serem votados. Quando, porém, essas decisões são frutos de sórdidas barganhas e conchavos de baixo teor moral, detecta-se a patologia na representação, e o povo reage, na sua condição de coletividade mais densa, fonte original de todo o poder constitucional que é. Falam as ruas indignadas. Mas são imensos os obstáculos para sua manifestação constitucional objetiva. Vide o ritual torturante do impeachment. Surge daí a importância transcendental do chamado “voto consciente”, esse canhestro pleonasmo, pois todo voto deveria ser, por natureza, consciente.

O voto é uma procuração (um mandato) com poderes quase ilimitados outorgados ao representante para lidar com bilhões, trilhões de reais e resolver problemas cruciais da vida coletiva, como saúde, educação, segurança, mobilidade urbana, saneamento, infraestrutura, finanças públicas e economia popular. Ninguém nomeia um procurador privado sem ter a mais absoluta confiança no outorgado dessa procuração. Mas quando chega a hora decisiva de nomear esse outorgado mandatário público, agimos todos de modo inconsequente, irresponsável e leviano. Raramente alguém se lembra em quem votou nas últimas eleições... Seria o mandato público menos importante do que o mandato privado, a procuração?

Ao contrário, a coisa pública a todos pertence. São valores coletivos. Do interesse público, da res publica. Mas nossos mandatários outorgados não se comportam como procuradores fiéis, republicanos. Ao assumirem seus mandatos já começam a se comportar de modo perdulário. Gabinetes faustosamente recheados de assessores dispensáveis, auxílio-moradia, cotas de passagens aéreas, reembolsos nem sempre razoáveis, carros oficiais de última geração etc. Um mundo fantasioso, muito distante das agruras vividas diariamente por seus outorgantes representados que se aglomeram nos transportes públicos de baixa qualidade, nas filas e corredores dos hospitais superlotados e falidos. Quanto mais inculto e deseducado o país, maiores e mais vergonhosas essas benesses com o suado dinheiro dos contribuintes.

Surge então, nos parlamentos, um sólido espírito de corporação que fala mais alto do que o espírito público. Raríssimos são os que se insurgem publicamente e denunciam essa vergonha corporativa. É esse mesmo espírito de corporação — em oposição ao espírito público — que propicia os ignominiosos “blocos parlamentares", esses “centrões” inideológicos e sordidamente pragmáticos, terreno fértil do vergonhoso presidencialismo de cooptação e favores, gerador do estado de calamidade política e econômica em que nos encontramos. As multidões explicitamente nas ruas condenam essa postura. Mas entra governo, sai governo, e o voto leviano se sucede. A obediência reverente a essa lógica perversa pelo governo que acaba de assumir não deixa dúvidas de que esse modelo está apodrecido. As acrobacias que faz para não desagradar a essa corporação legislativa espúria — da qual depende vitalmente para aprovar suas mínimas propostas de correção de rumos do nosso descalabro político e econômico — são peças de uma tragicomédia permanente. E aí, estabelece-se a grande e irrespondível contradição: só podemos mudar isso pelo voto. Dentro de apenas poucos meses, teremos eleições para prefeitos e vereadores. Alguém aí já tem um bom candidato?

Nelson Paes Leme é cientista político

Contra a impunidade - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 20/06

Causam preocupação as pressões para que o Supremo reveja a decisão de fevereiro


Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o réu condenado em segunda instância deve começar a cumprir pena de prisão em seguida à decisão colegiada. Até então, o entendimento da Corte era de que, mesmo condenado, ele poderia continuar livre até que se esgotassem todos os recursos interpostos em instâncias superiores (o Superior Tribunal de Justiça e o próprio STF). Ou seja, com a sentença transitada em julgado, alegadamente em obediência ao princípio da presunção de inocência.

O Supremo recompôs o entendimento prevalecente até 2009. Era um campo aberto para a inimputabilidade de fato, uma vez que, superada a segunda instância — em geral o limite até onde os tribunais se debruçam no julgamento do mérito de processos criminais —, a interposição de recursos levava à postergação se não infinita da pena, mas muitas vezes ao extremo da prescrição.

Ao proferir o voto na sessão de fevereiro, o ministro Teori Zavascki, relator do caso — o julgamento de recurso em favor de um réu condenado por roubo em São Paulo, cujo habeas corpus pedindo que respondesse ao processo em liberdade fora rejeitado pela Justiça estadual —, definiu bem a que servem as chicanas que se escondem na interposição de seguidas apelações: “Ao invés de se constituir um instrumento de garantia da presunção de não culpabilidade do apenado, [os recursos] acabam representando um mecanismo inibidor da efetividade da jurisdição penal.”

De fato, recursos a cortes superiores costumam levantar questões processuais, contestações jurídicas e outras filigranas que não têm, como decorrência prática, o dom de contestar méritos da acusação, terreno dos tribunais das primeiras instâncias. Além de fechar as portas para chicanas, a decisão do STF ajuda a combater a morosidade de que se acusa a Justiça e, principalmente, a ideia correta de que, por moroso, o Judiciário estimula a impunidade.

Neste último aspecto, por sinal, reside um dos mais positivos efeitos da posição do STF. O país vive uma nova realidade no funcionamento do seu sistema jurídico com a Lava-Jato, a operação que investiga e pune esquemas de corrupção montados na Petrobras e outras estatais, e ampliados pelo lulopetismo. Nela, a possibilidade, tornada concreta com o entendimento da prisão a partir de decisão da segunda instância da Justiça, de as penas começarem a ser cumpridas de imediato tem estimulado as delações premiadas.

Sem as delações, e sem a agilização das penas, a Lava-Jato seria ferida de morte. Por isso, são preocupantes as articulações para que o STF reveja a decisão de fevereiro. A OAB e o Partido Ecológico Nacional (PEN) impetraram junto à Corte ações de declaração de inconstitucionalidade contra esse princípio. (Também no Congresso há movimentos nesse sentido, com projetos que visam a reverter o sistema jurídico ao antigo status.) O Supremo ainda vai julgar as Adins — deveria fazê-lo esta semana, mas o assunto saiu de pauta. É crucial que os ministros não recuem.


Vigilância responsável - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 20/06

Começam a sair as primeiras sondagens de opinião sobre o novo governo federal. Tendo em vista que não foram tranquilas as primeiras semanas de Michel Temer na Presidência da República - com Lava Jato, demissões, volta do Ministério da Cultura, etc. -, há natural ansiedade para saber como o novo inquilino do Palácio do Planalto está se saindo na voz das ruas. Não se deve esquecer que, se o processo de impeachment é naturalmente repleto de expectativas, o caso de Dilma Rousseff é ainda mais significativo, pois não se trata apenas de um juízo sobre sua conduta. São suas ações que estão em análise pelo Senado, mas elas estão ali sobre um pano de fundo mais amplo - os 13 anos de lulopetismo no governo. A aspiração da população é que o PT seja apeado do poder.

Nesse cenário, é mais que natural que se espere muito do governo de Michel Temer. Não se espera apenas, por exemplo, que o novo governo não infrinja a Lei de Responsabilidade Fiscal. A expectativa da população é por um novo modo de governar - mais transparente e menos corrupto, mais eficiente e menos aparelhado -, capaz de recolocar o País nos trilhos do desenvolvimento.

Tais expectativas são muito positivas. Certamente elas ajudam a avivar a responsabilidade não apenas do presidente interino, mas de toda sua equipe. Qualquer omissão, deslize ou aparência de ineficiência suscita pronta reação da população. Esse fenômeno é especialmente acentuado nos tempos atuais, em que a comunicação é instantânea.

Mas há que ter cuidado com o que se espera. É bom exigir urgência, mas deve-se ter presente que as enormes dificuldades que o País atravessa não serão resolvidas do dia para a noite. Afinal, foram 13 anos de PT no governo. Treze anos de uso da máquina pública em prol de um projeto de poder que dividiu a Nação. Não há desmonte instantâneo possível para essa máquina. Se é certo que as mudanças exigem firmeza, não menos certa é a necessidade de tempo para que elas ocorram.

A aspiração por uma mudança imediata pode ser contraproducente, a começar por impedir que se olhe a situação do País e do governo com um mínimo de realismo. Sejam muitos ou poucos os erros de Temer no exercício da presidência, não há qualquer dúvida de que o País deu um passo de gigante ao afastar Dilma Rousseff do cargo, possibilitando que o Senado julgue as acusações que recaem sobre ela. Seja qual for o resultado imediato alcançado pelo governo interino, o apeamento da tigrada petista do poder é um enorme avanço institucional. Com o afastamento de Dilma Rousseff da Presidência da República, as instituições políticas voltaram a ser oxigenadas, depois de serem asfixiadas pelo modo petista de impor, à revelia da lei e dos bons costumes, suas vontades ao Estado e à sociedade. Diante de todo esse recente progresso, alcançado há apenas um mês, seria de requintada perversidade deixar o País voltar à situação de antes.

Deveria Michel Temer não ter recuado e mantido a Cultura sob a pasta da Educação? Deveria demitir tal ou qual ministro envolto em suspeitas de corrupção? Ou talvez nem tê-lo nomeado? É certo que a cada dia surgirão novos questionamentos sobre as decisões do presidente interino. Em boa medida, serão questionamentos provenientes da expressiva parcela da população que apoiou o afastamento de Dilma Rousseff e, se bem encaminhados, poderão ajudar decisivamente a melhorar a qualidade das decisões de Michel Temer e de sua equipe. Seria descabido, pois pouco afeito ao ambiente de liberdade próprio de uma democracia, fazer censuras a essas críticas. E temos feito não poucas críticas ao presidente em exercício, nestas páginas, sempre lembrando que a vigilância do poder é sempre um enorme bem que se faz ao próprio poder.

Um açodamento pela mudança pode, no entanto, matar a própria mudança, ainda frágil. O País merece esse cuidado de não perder a capacidade de distinguir as abissais diferenças entre o atual governo e a temporada de Lula e sua tigrada - da qual Dilma foi não mais que o epílogo.


Repactuar sem punir a sociedade - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 20/06

Hoje, o presidente interino, Michel Temer, se reunirá com governadores. Na pauta, a renegociação da dívida de estados e municípios, que soma cerca de R$ 500 bilhões. O encontro foi precipitado com a decretação de estado de calamidade no Rio de Janeiro, na sexta-feira, pelo governador interino, Francisco Dornelles. Sede das Olimpíadas e Paraolimpíadas 2016, a Cidade Maravilhosa não tem recursos para honrar os compromissos decorrentes das competições que começam em 5 de agosto.

Há meses, o governo fluminense não consegue pagar em dia e integralmente os salários do funcionalismo, aposentados e pensionistas. Unidades de saúde foram fechadas ou têm negado atendimento aos cidadãos. A Polícia Civil restringiu o uso de combustível. O Instituto Médico Legal recusa corpos na unidade principal. A situação é de calamidade na maioria dos serviços sob responsabilidade do poder público.

A retomada das negociações ocorre a 7 dias do fim do prazo de dois meses fixado pelo Supremo Tribunal Federal, em 27 de abril, para que governos federal e estaduais chegassem a uma solução para o impasse, que levou à judicialização do débito. Na Corte, há 15 pedidos de estados e um da prefeitura de Bauru (SP) para que seja revisto o cálculo das dívidas, considerando a aplicação de juros simples e não compostos, como hoje é cobrado. Com a alteração do indicador de correção, como querem os governadores, a dívida dos estados seria reduzida em mais de 90%, e passaria dos atuais R$ 427,4 bilhões para R$ 42 bilhões - perda inaceitável pela União.

A equipe econômica passada rechaçou a proposta, sob o argumento de que o governo federal paga juros sobre juros nos contratos de crédito. Avaliava que atender às exigências dos estados seria decisão equivocada e perigosa, com risco de criar incerteza jurídica no país, mergulhado em crise econômica sem precedentes e com baixa credibilidade entre os protagonistas do mercado.

O impasse é mais uma das graves consequências da ineficiência e da corrupção que, há anos, corroem as contas públicas. A gastança desmesurada, com o aval da União aos que não tinham lastro para honrar os compromissos, se transformou numa enorme bolha que estourou. Por trás, os inconfessáveis interesses agora expostos à nação por meio da Operação Lava-Jato. Hoje, a asfixia é nacional. "O desperdício na administração pública é tão grave quanto a corrupção", ressaltou o professor da Universidade de Brasília e especialista em contas públicas José Matias-Pereira, ao editor e colunista Vicente Nunes, do Correio.

Dificilmente, a conta impactará no bolso dos governantes que levaram o país ao estado de calamidade em que se encontra. Mas é inaceitável que os contribuintes sejam punidos por meio de mais impostos, considerando os precários e ineficientes serviços públicos que lhes são oferecidos. A sociedade brasileira não tem dúvida de que a combinação perversa de incompetência e desvios de recursos públicos foram a força motriz para o descontrole das contas públicas.

Repactuar a forma de quitação dos débitos é medida urgente para tirar as unidades da Federação da insolvência e lhes devolver capacidade de investir na recuperação de setores essenciais à vida dos cidadãos, como saúde, educação, segurança, mobilidade e outros. Porém, é fundamental que as autoridades econômicas e chefes de Executivo levem em conta que o contribuinte não suporta mais ser espoliado pela incompetência e irresponsabilidade dos predadores do setor público, menos ainda reformas que levem à perda de direitos e conquistas.

Entendimento difícil - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 20/06

A devastação das finanças dos governos federal e estaduais decorrente das aventuras fiscais praticadas na gestão da presidente afastada Dilma Rousseff chegou a tal ponto que, apesar do iminente encerramento do prazo concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para que se chegue a um acordo sobre o pagamento das dívidas dos Estados com a União, o entendimento ainda parece distante. A crise financeira dos Estados é tamanha que muitos governadores só veem como solução imediata a suspensão do pagamento de sua dívida com a União por pelo menos dois anos. Igualmente afetado por agudos problemas fiscais, que o forçaram a rever para R$ 170,5 bilhões a projeção do déficit primário em 2016, o governo chefiado pelo presidente em exercício Michel Temer tem limites muito estreitos para oferecer algum alívio para os Estados. Esses limites não comportam o benefício pretendido pelos governadores.

A renegociação das dívidas estaduais com a União na segunda metade da década de 1990 evitou o colapso financeiro de muitos governos locais, cujos cofres haviam sido dilapidados por longa gestão temerária do dinheiro dos contribuintes e por operações ruinosas de bancos públicos então controlados pelos Estados. Em contrapartida, os devedores se comprometiam a destinar no mínimo um porcentual fixo de sua receita para o pagamento da dívida, encerrar as atividades dos bancos estaduais, aceitar a proibição de contratação de novas operações de créditos e adotar medidas de austeridade. As dívidas seriam corrigidas pelo Índice Geral de Preços ao Consumidor – Disponibilidade Interna (IGP-DI) da Fundação Getúlio Vargas, mais 6% ou 9%.

A desastrosa política econômica vigente desde o primeiro mandato da presidente afastada – baseada na concessão de benefícios fiscais para empresas e setores escolhidos pelo governo sob a alegação de que esses benefícios estimulariam o crescimento – resultou em crescentes dificuldades fiscais para a União. E, pior, não estimulou o crescimento. Como boa parte dos incentivos fiscais era baseada em tributos que, por lei, a União partilha com os entes federados, por meio dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios, também os governos estaduais e as prefeituras tiveram suas finanças afetadas pelos erros do governo petista.

A recessão decorrente do desastre da política dilmista afetou ainda mais as finanças públicas nos três níveis de governo. Os Estados passaram a enfrentar sérios problemas para honrar seus compromissos – o aumento dos gastos com pessoal em alguns deles agravou as dificuldades financeiras. Sem meios para oferecer alívio aos Estados, o governo petista chegou a estimulá-los a contratar novas dívidas. As dificuldades crescentes levaram os governos estaduais a exigir a mudança das condições do pagamento de suas dívidas com a União, o que resultou na substituição do indexador, que passou a ser a taxa Selic ou o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo do IBGE mais 4%, prevalecendo o menor.

Nem assim, porém, os Estados se consideraram satisfeitos. Alguns recorreram ao STF e obtiveram, liminarmente, o direito de corrigir sua dívida pelo regime de juros simples e não mais pelo de juros compostos, como são corrigidas as dívidas no sistema financeiro privado. A União, obviamente, recorreu da decisão. O STF decidiu então conceder às partes prazo de 60 dias para chegarem ao entendimento. O prazo termina no dia 27.

Embora haja disposição das partes para alcançar um acordo, suas propostas continuam muito distantes. Ao pedido dos Estados de suspensão do pagamento por 24 meses, o governo federal contrapôs a oferta de redução imediata de 100% da parcela mensal, com aumento a cada mês de 5% do valor da prestação, de modo que em 18 meses se restabeleceria o pagamento integral. O governo federal rejeitou a proposta de retroagir a mudança do indexador até o início do contrato, pois isso implicaria grande redução do pagamento devido pelos Estados. As negociações prosseguem.

Uma esmolinha pelo amor de deus

O povo pede passagem - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 20/06

“A Lava-Jato aboliu o purgatório. Restaram o céu e o inferno.” Benito Gama, deputado (PTB-BA)



Diante da Lava-Jato, desafio das elites é se renovar. Uma notícia boa e outra ruim. A boa para os que apoiam a luta permanente contra a corrupção: apesar das pressões, a Lava-Jato está longe de ser concluída, segundo os procuradores federais Deltan Dallagnol e Paulo Roberto Galvão de Carvalho. Seu trabalho se estenderá até o fim do ano ou início do próximo. A notícia ruim para os que almejam uma trégua no combate à corrupção: não haverá trégua.

O EMPRESÁRIO Marcelo Odebrecht completou, ontem, um ano de prisão. Anteontem, completou três anos a passeata que inaugurou em São Paulo o ciclo das manifestações populares de junho de 2013 em todo o país. Nas ruas da capital paulista, milhares de pessoas atacaram a sede da prefeitura, saquearam lojas, quebraram vitrines de bancos e foram reprimidas com violência pela Polícia Militar.

JUNHO DE 2013 deixou os governantes perplexos com a natureza de um movimento espontâneo e refratário à participação dos partidos políticos. A princípio, o que uniu os manifestantes foi a cobrança por preços mais baratos nos transportes coletivos. Depois, tudo ou quase tudo: Educação melhor, Saúde melhor, mais segurança, menos corrupção e a derrota de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limitava o poder de investigação do Ministério Público.

CONHECIDA COMO PEC da Mordaça, ela havia sido enviada ao Congresso pela presidente Dilma. Foi a primeira vítima de junho de 2013: a Câmara dos Deputados a rejeitou por 430 votos a 9. Se aprovada, dificilmente, hoje, haveria Lava-Jato. E, sem ela, Odebrecht estaria solto; com ou sem pedaladas, talvez Dilma presidisse o país, e Lula desfrutasse em paz do conforto do sítio de Atibaia reformado de graça por construtoras amigas dele.

DESCONFIE SEMPRE que ouvir alguma autoridade elogiar a Lava-Jato para, em seguida, insinuar o seu fim — se não já, quem sabe em breve, talvez daqui a pouco, de preferência logo, sem prejuízo para o país, é claro, porque você, eu, todos nós temos nojo à corrupção. Lorota! Com prejuízo para o país, sim. Com prejuízo para as investigações. E com menos prejuízos para os que roubaram e deixaram que roubassem.

ROUBARAM TANTO que chego a me apiedar dos acusados de terem embolsado pequenas quantias. Foi o caso do funcionário da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos filmado recebendo R$ 3 mil nos primórdios do escândalo do mensalão. Roubaram tanto e, às vezes, com tamanho requinte que no país da jabuticaba inventaram outra jabuticaba: a doação legal aos partidos, registrada na Justiça, de propina abatida do lucro sujo de empresas.

ESTOU POUCO me lixando — e imagino que você também — para quem foi condenado ou venha a ser por ter desrespeitado as leis. Primeiramente, não me interessa por qual nome atenda. Muito menos o cargo que ocupe — de carregador de mala até o presidente da República. A presidente eleita foi afastada e o vice assumiu. Nem o guarda da esquina se assustou. Pode ter celebrado. Se o vice caísse, dar-se-ia posse ao seu sucessor e bola para frente.

SEM ESSA de que somos um país com complexo de vira-lata. Estamos condenados ao sucesso apesar do egoísmo e do profundo conservadorismo de nossas elites. Ou elas se renovam ou serão atropeladas pelos que, à esquerda e à direita, ocuparam as ruas em junho de 2013, e desde então. E que amanhã ocuparão o aparelho do Estado com novas ideias.

SÓ NÃO enxerga isso quem é cego ou não quer ver.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

INVESTIGADA, IDELI MANTÉM SUA BOQUINHA NA OEA

Ex-ministra da presidente afastada Dilma Rousseff, a petista Ideli Salvatti continua vivendo a vida boa longe do Brasil: ela e o marido vivem um exílio dourado nos Estados Unidos. Ela na Organização dos Estados Americanos (OEA) e ele na Junta Interamericana de Defesa (JID), cujas sedes ficam em Washington. Ideli e o marido se mudaram para lá há mais de um ano, após a reeleição e antes do impeachment.

NADA MAL
Jefferson Figueiredo, marido de Ideli e músico de formação, ganha US$7,4 mil (cerca de R$ 25.300) por mês, desde abril de 2015.

QUE CRISE?
Ideli foi nomeada para uma embromação chamada “Acesso a Direitos e Equidade” da OEA. Ela ganha US$11 mil (R$37,900) mensais.

SEM SAUDADES
No governo Dilma, Ideli Salvati foi ministra da Pesca, das Relações Institucionais e até dos Direitos Humanos. Saiu-se mal nos três cargos.

ME ERRA
O Itamaraty saiu de fininho, disse que nada tem a ver com a nomeação da ex-ministra petista ou do seu marido: “O tema não é afeto ao MRE”.

PARA 73%, POLÍTICOS BRASILEIROS SÓ FAZEM PIORAR
Em meio a pior crise econômica, moral e ética que o Brasil já enfrentou na História, um levantamento nacional do instituto Paraná Pesquisa constatou que 73,1% dos entrevistados consideram que o nível dos políticos brasileiros vem piorando a cada ano. Apenas desprezíveis 4,9% acreditam em melhoria de qualidade e do nível dos políticos do Brasil, nos últimos anos. A margem de erro da pesquisa é de 2%.

TUDO COMO SEMPRE
São 20,4% aqueles que dizem que o nível dos políticos brasileiros não sofreu qualquer alteração, nos últimos anos.

CERTEZA EM ALTA
Só não souberam responder sobre os níveis dos políticos brasileiros 1,6% dos entrevistados. É a menor taxa de incerteza da pesquisa.

DADOS DA PESQUISA
O Paraná Pesquisa entrevistou 2.044 eleitores, em 162 municípios de 24 estados brasileiros, entre 11 e 14 de junho.

JOGANDO A TOALHA
Após jogar xadrez do celular, durante a comissão do impeachment, e citar o “jurista Tomas Turbando”, José Eduardo Cardozo, defensor de Dilma, desistiu de levá-la para depor. Sinal de quem entrega os pontos.

PROFUNDA DECEPÇÃO
Líder da bancada pró-impeachment, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) não se conforma com a indicação de Antônio Patriota, ex-ministro de Dilma, à embaixada em Roma: “Ele foi conivente com todos os equívocos da política externa brasileira dos últimos anos”, disse ele.

O APANHADOR
Apontado pelo delator Sérgio Machado como o apanhador de dinheiro para Edison Lobão, ex-ministro de Dilma e seu pai, Márcio Lobão é o principal executivo da Brasil Seguros, subsidiária do Banco do Brasil.

EM MAUS LENÇÓIS
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) exortou: “Precisamos ter facas nos dentes para enfrentar o golpe!” Ela deveria estar mais preocupada com a revelação de que foi beneficiada pelo roubo na Transpetro.

CREDIBILIDADE
O senador Waldemir Moka (PMDB-MS) observa que testemunhas de acusação, no impeachment, são auditores do TCU concursados, apartidários. Já as de defesa são petistas, ex-assessores de Dilma.

PEDALADAS, NÃO MAIS
A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) passou vexame e acabou tomando uma aula de regimento, ao tentar encerrar sessão da comissão do impeachment. “Pedaladas”, só na finada era Dilma.

CULTO À PERSONALIDADE
O deputado Mauro Mariani (PMDB-SC) diz que seu projeto proibindo foto oficial de autoridades nas repartições gera economia e será o fim do “culto à personalidade”. A ideia foi implantada em Santa Catarina no governo do falecido Luiz Henrique.

NÃO VAI COLAR
O tal plebiscito com vistas a novas eleições, proposto por Dilma para driblar a destituição definitiva, não tem a simpatia do PT e nem dos chefes dos “mortadelas”: MST e CUT não apoiam a saída.

PENSANDO BEM…
…no Rio, a calamidade foi decretada, enquanto com Dilma a calamidade foi gerada por seus decretos ilegais.