sábado, fevereiro 04, 2012

Até as pedras sabem - RUTH DE AQUINO


REVISTA ÉPOCA

O voto do STF não basta para moralizar a Justiça, mas atende ao anseio da população por transparência



RUTH DE AQUINO  é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)
O bom-senso venceu. Apenas por um voto: 6 a 5. O Supremo Tribunal Federal correspondeu ao anseio geral pela transparência. Temia-se uma decisão que pudesse favorecer juízes acusados de desvio de conduta. A questão parecia simples, mas era capciosa. Pode o Conselho Nacional de Justiça abrir investigação contra juízes suspeitos de corrupção, abuso de poder, fraude, mau uso de verba pública? Ou só as corregedorias estaduais podem iniciar o processo?
A estrela da votação foi o ministro Gilmar Mendes. A sociedade já divergiu dele em vários momentos. Mendes foi contra a aplicação da Ficha Limpa na última eleição. Mas seu argumento contra a impunidade na quinta-feira foi o mais pé no chão. “Até as pedras sabem que as corregedorias não funcionam quando se cuida de investigar os próprios pares. Jornalistas e jornaleiros dizem isso toda hora”, afirmou Mendes. É uma declaração sensata que reforça a independência do CNJ.
Essa é uma briga que vai deixar feridos. O presidente do STF, Cezar Peluso, tinha feito na véspera um brado retumbante. Peluso parecia um arauto do fim do mundo com seu alerta contra o suicídio da nação. Para ele, “o processo de degradação do Judiciário” seria “um caminho nefasto” que “aniquilaria a segurança jurídica” e “significaria um retorno à massa informe da barbárie”.
É muita palavra longa, pesada e barroca. Dá manchete de jornal, mas não convence milhões de brasileiros. Peluso negou qualquer crise no Judiciário e afirmou que o Poder é “transparente, controlado e tem o dever de enfrentar pressões do autoritarismo”.
Até as pedras sabem que era um discurso contra o poder do CNJ e da corregedora e ministra Eliana Calmon. Ela dissera algo explosivo, mas de senso tão comum que se ouve até em roda de samba: existem “bandidos escondidos atrás da toga” e há manobras para esvaziar investigações independentes e livrá-los de processo. Não é um ataque pessoal nem suicida. Há bandidos vestidos de tudo que é jeito no Brasil. Piora quando eles se acham acima do bem e do mal. Por que não haveria os bandidos de capa preta e canudo universitário, com domínio das letras e das leis?
Pelo rebuliço que provocou, Eliana virou símbolo de moralização para a plebe. E persona non grata para associações de magistrados e juízes. Abriu-se uma investigação contra ela. Foi acusada de quebra ilegal de sigilo de juízes e servidores. Na última terça-feira, foi arquivado o pedido de investigação contra Eliana. E a OAB, com 300 na plateia, pediu a preservação dos poderes do CNJ.
O STF votou outra questão contra o corporativismo: todas as sessões do CNJ serão abertas. A Associação dos Magistrados (AMB) queria manter a portas fechadas os julgamentos de juízes. “Esse tipo de processo era das catacumbas. Isso é próprio de ditadura, não é próprio de democracia”, disse Carmen Lúcia, ministra do STF.
Até as pedras sabem quem correu para apoiar Peluso, em vão. Primeiro, sua turma no STF: Marco Aurélio Mello e Luiz Fux, que votam sempre em uníssono. E, fora do Judiciário, o vice-presidente, Michel Temer, o presidente da Câmara, Marco Maia, e o presidente do Senado, José Sarney. Todos eles sempre acharam que devem ser julgados por seus pares. Há um pânico da “subversão” que cobra moralidade, legalidade e fim de mordomias nos Três Poderes.Até as pedras sabem que o voto do STF não basta para moralizar o Judiciário. O Tribunal de Justiça de São Paulo começa a julgar nesta semana 29 magistrados que receberam pagamentos polpudos, às vezes superiores até a R$ 1 milhão, sem registro nos contracheques.
Sarney disse que “ataques e contestações ao STF visam ao enfraquecimento da autoridade”. O presidente vitalício do Senado anda de mal com o Brasil. Sente-se injustiçado. Acha que o país não prestigia os velhos homens públicos como ele, que dedicaram a vida à política e sempre estiveram de bem com quem manda.
Até as pedras sabem que não é normal um governo perder em seu primeiro ano sete ministros acusados de irregularidades, favorecimentos, desvios de verba, incompetência e abuso de poder. Todos herdados do ex-presidente Lula. O último, Mário Negromonte, das Cidades, se dizia “mais firme do que as pirâmides do Egito”, mas ele não devia estar acompanhando o noticiário nas ruas e nos estádios do Egito. Caiu, ruiu, desabou. Até as pedras sabem, hoje, que esses ministros só podiam estar blindados por Lula – até cair no colo menos maternal de Dilma.
Não é uma caça às bruxas, mas uma faxina ética. Eficiência e imparcialidade nos julgamentos de juízes, ministros e congressistas, todos servidores públicos, não têm como degradar o Poder. Servem para legitimar o Poder. Até as pedras sabem disso.

Elas contam para todo mundo? - IVAN MARTINS

REVISTA ÉPOCA

Os homens morrem de medo da língua afiada das mulheres




IVAN MARTINS É editor-executivo de ÉPOCA (Foto: ÉPOCA)
O ano é 1983. O local é um condomínio de classe média no bairro do Itaim, em São Paulo. Dois garotos, um de 13 e outro de 14 anos, conversam com uma garota pouco mais velha, de 17. Ela é a rebelde mal afamada mais desejada do prédio, desbocada a ponto de permitir qualquer conversa. Eles, meio sem jeito, tentam convencê-la a fazer com eles o que ela não esconde fazer com rapazes mais velhos. Depois de escutar a proposta com um sorriso malicioso, ela responde, sem hesitação: “Claro, eu subo no apartamento com vocês, agora mesmo. Mas, se vocês não conseguirem, eu vou contar para todo mundo”! Os garotos preferiram continuar virgens.
O ano é 1962. O local é um apartamento em Ipanema. Um jovem Tom Jobim de 35 anos toca piano numa festinha da bossa nova e uma loira francesa que estava de passagem pelo Rio se encanta com ele. O nome dela é Brigitte Bardot, a mulher mais desejada do planeta. Ela se acerca do piano e vai ficando, a festa esvazia aos poucos e, num dado momento, o último amigo sai para que Tom e a beldade fiquem sozinhos. Meia hora depois, para surpresa do amigo, Tom aparece no bar habitual. O sujeito, incrédulo, pergunta por que Tom não ficou lá, uma vez que era óbvio que a mulher queria transar com ele. Diz a lenda que o maestro teria respondido: “Eu também queria, mas, é complicado. Está tarde, eu já bebi demais, se não desse certo ela iria falar pra todo mundo. Preferi vir aqui, tomar um uísque com o amigo”.
A primeira história eu ouvi de um conhecido na mesa de um bar. A de Tom Jobim me foi contada por outro amigo, que a leu em algum lugar. As duas dizem exatamente a mesma coisa: os homens morrem de medo de que as mulheres exponham a intimidade deles. Têm razão em sentir-se assim? Depende.
Quando se conversa com as mulheres sobre essas coisas, emerge uma certeza muito nítida: assim como os homens, elas conversam entre si, mas com um grau de franqueza maior. Enquanto os homens se preocupam em contar vantagens, escondendo, escrupulosamente, qualquer motivo de vergonha, tudo indica que os relatos femininos são mais honestos e, aparentemente, mais detalhados. Os homens resumem o fim de semana numa queixa heróica que exalta o seu próprio desempenho: “Quatro vezes por dia é de matar”... As mulheres, pelo que me contaram, vão mais fundo. Detalhes sentimentais, sensoriais e mesmo anatômicos podem ser divididos. Se a transa for boa, as amigas vão ter muita informação. Se for ruim, também. Assim, da maneira mais óbvia, vão se construindo reputações sexuais. Fulano é bom, sicrano não é. Esse cenário justifica inteiramente os temores masculinos.
Nos dois casos, porém, os sentimentos envolvidos pesam muito. Um homem apaixonado fica mesquinho e não divide nada com os amigos. Há mais zelo em proteger “a reputação” da moça, assim como a intenção (muitas vezes secreta para o próprio sujeito) de não despertar interesse dos outros homens por ela. Quando é apenas farra, os homens contam mais, para o bem e para o mal.  
Claro, isso é também uma questão de temperamento, ou de caráter, como se dizia antigamente. Há homens falastrões e homens discretos. Existem mulheres maldosas e mulheres mais generosas. Com que tipo de pessoa você está lidando? Talvez fosse bom descobrir antes de levar para a cama o bonitão ou a gostosona que trabalha com você.As mulheres parecem funcionar de um jeito parecido. Se gostam do cara, protegem. O sexo foi um fiasco, mas, como ele é bacana, nem todo mundo vai ficar sabendo. Se ela achar que o marmanjo agiu como escroto, é diferente: vai encontrar uma maneira de divulgar o vexame para um número maior de pessoas, inclusive os outros homens. Já vi isso acontecer.
A rigor, não há nada de surpreendente nisso tudo. A gente intui que as coisas que ocorrem na intimidade podem (ou vão) se tornar públicas de alguma forma. Por isso os homens têm medo e, em várias ocasiões, hesitam, mesmo quando as portas estão escancaradas. Nem sempre as mulheres entendem a importância desse temor na psicologia masculina – o temor de falhar e, ainda pior, o temor de que todo mundo fique sabendo.
As mulheres que entendem isso têm uma arma poderosa nas mãos. Uma amiga grã-fina me contou que certa vez, na Europa, precisou dividir a cama de hotel com um playboy árabe conhecido pela fama de garanhão. Como ela não tinha para onde ir, e o cara tentava se aproveitar da situação, ela fez uma ameaça simples: “Se você tentar encostar um dedo em mim, amanhã eu vou dizer a todos os seus amigos que eu quis dar para você, mas você não conseguiu”... O Omar Sharif virou de lado e a deixou em paz.
Não são apenas os adolescentes virgens ou os potentados muçulmanos que têm medo das línguas afiadas. Acontece com boa parte dos homens – ainda que eles sejam diferentes entre si. Certos caras são muito seguros a respeito do taco deles, ou apenas ligam menos para a possibilidade de um fiasco. Esses vão em todas as bolas. Os menos seguros, ou apenas mais preocupados com o que vão achar deles, escolhem as parceiras com mais cautela. Se elas parecerem ameaçadoras, são descartadas. Isso explica por que garotas atiradas ou hostis nem sempre conseguem o que querem: elas colocam a sexualidade masculina na parede e muitos homens não ficam confortáveis nessa posição. Uma abordagem menos agressiva muitas vezes funciona melhor.
No fundo, não há qualquer novidade nisso. Somos bichos sociais. Falar, contar, fofocar, dividir é parte da compulsão que nos faz humanos. É improvável que conseguíssemos ser reservados a respeito de sexo, um assunto de tamanha importância na nossa vida. Logo, não conte integralmente com a discrição das suas parceiras. É improvável que elas não falem sobre a sua intimidade. Se você não é o Romário ou o Ziraldo, cedo ou tarde elas terão um fiasco a narrar. E daí? Lide com a situação com menos drama e mais humor. Isso pode até contar pontos a seu favor... com ela, e com quem mais souber do ocorrido.

Acabou em samba - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 04/02/12


A confirmação pelo STF do poder do CNJ de investigar e punir juízes será comemorada com uma roda de samba, hoje, às 17h, no Azeitona, no Leblon.

É uma ação daquele movimento que criou o concurso “Algemas de Ouro”, vencido brilhantemente por Sarney.

Se dirigir, não beba...
Por falar em Justiça, o STJ deve decidir semana que vem sobre a validade de perícia clínica feita por médicos de plantão nas blitzes da Lei Seca, sem necessidade de bafômetro, para caracterizar o crime de direção perigosa.

Se passar, a novidade pegaria bebuns que se recusam a soprar no aparelho.

Outra do Judiciário...
Frei David dos Santos, o grande batalhador das cotas para negros no país, tenta que o Judiciário examine a possibilidade de instituir o sistema para o ingresso nas escolas de magistratura.

Varig Log
Os trabalhadores da Varig Log foram impedidos ontem de entrar para trabalhar no Rio, em São Paulo, Salvador e Recife.

Receberam um papel assinado pela presidente da empresa, a brasileira naturalizada Lup Ohira, irmã do chinês Lap Chan, determinando que fiquem em casa, pois não “não há trabalho, temporariamente, para fazer”.

Vieira em Paris
A Rádio Corredor do Itamaraty diz que o embaixador Mauro Vieira vai para Paris, na vaga hoje ocupada pelo colega José Maurício Bustani.

Paes do cavaco
Na inauguração da nova quadra da Portela, hoje, em Madureira, será cantado o samba inédito “Um novo lar”, uma parceria de Sandro Riva com... Eduardo Paes.

Ele mesmo, o prefeito do Rio, que é portelense.

Sandro Lima
COMO DIZ O leitor Sandro Lima, autor desta foto, certas plantas são como relógios que indicam algum período especial, como a chegada da primavera ou, no caso, o carnaval. Veja este exemplar de chuva-de-ouro, árvore nativa do Brasil, que parece se paramentar para a folia em plena Rua Visconde de Pirajá, em Ipanema. Que Deus a proteja e a nós não desampare

Vitória das trevas
Foi ruim a reação no Planalto com a decisão de Havana de negar o visto à blogueira cubana Yaoni Sanchez.

O que se diz em Brasília é que a chancelaria cubana havia prometido conceder o visto.

Boca nervosa
Raul Castro, no encontro com Dilma, perguntou o que a presidente tinha achado de seu irmão Fidel.

A resposta da brasileira: “Adorei a conversa.” Raul insistiu: “E ele te deixou falar?”

É que...
Como se sabe, Fidel fala sem parar, sem parar, sem parar...

Aliás...
As críticas de Dilma aos EUA, em Cuba, teriam o dedo do assessor de Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, conhecido no Itamaraty por seu viés antiamericano.
Piano no morro
Clara Sverner, a grande pianista, vai fazer um concerto no ponto mais alto do Morro da Mineira, no Rio, dia 11. O piano ficará sob uma... caixa d’água.

É a primeira edição do Santa Música Faz!, do governo do estado, que prevê eventos musicais em 11 favelas. A tal caixa d’água era divisa de territórios de facções inimigas até a pacificação.

Parafuso ensopado
O desembargador Gilberto Silveira Guarino, da 18ª Câmara Cível do Rio, condenou o restaurante Conemix, na Barra, a pagar R$2 mil a Allex Fernandes.

Ele quebrou o aparelho dos dentes ao morder uma porca de parafuso que estava no prato.

Caracu pra Sandy
O Imprensa Que Eu Gamo, bloco dos coleguinhas do Rio, sai hoje em Laranjeiras com um samba, digamos, safadinho.

Trechinho: “Quem te viu, quem te vê/Caracu pra Sandy dá prazer.”

Calma, gente
Quinta, na festa de Iemanjá no Hotel Zank, em Salvador, promovida por Lícia Fábio, houve um bafafá entre Maria Gadú, grande cantora de sua geração, e uma amiga.

Retratos da vida
O humorista Charles Henrique, do “Pânico na TV”, da Rede TV!, fazia um lanche, quarta, no Centro do Rio, quando recebeu um pedido de foto. O artista, conhecido por saber data e elenco das novelas mais antigas, saiu-se com esta:

— Claro. Para agradecer, você podia me emprestar R$5 para eu voltar para casa. Tô zerado...

O jornalismo e a política no cinema - LEONARDO CAVALCANTI

CORREIO BRAZILIENSE - 04/02/12
Há certa inocência no filme Os homens que não amavam as mulheres. Uma inocência romântica de que o jornalismo vence no final. E isso vale cada minuto da película: a chance de o espectador acreditar que uma reportagem poderá mudar algo e revelar negociatas e malfeitos até então escondidos do público.

O filme, como se sabe, é uma adaptação de três livros de Stieg Larsson, jornalista e ativista político sueco. Em 2004, ao entregar à editora a trilogia chamada Millennium, Larsson sofreu ataque cardíaco e morreu. As vendas dos três volumes, com média de 500 páginas cada, já ultrapassam os R$ 50 milhões. Continuam em alta ainda mais com o lançamento do filme, em cartaz desde a semana passada no Brasil.

Tanto o livro como o filme começam com um erro. O personagem principal, o repórter Mikael Blomkvist, foi condenado a três meses de prisão por difamar um megaempresário. A reportagem equivocada abala não só a credibilidade de Mikael mas também da pequena e combativa revista onde ele trabalha.

Mikael acha a condenação injusta, mas assume o equívoco, larga a revista e aceita uma oferta para investigar a suposta morte de uma menina, ocorrida quatro décadas antes. Não se trata apenas de um livro de mistérios. Larsson fala sobre corrupção, tecnologia e jornalismo. Ele pensa jornal como poucos.

Não deve ter sido fácil adaptar a trilogia para o cinema. Antes da versão com Daniel Craig (o atual James Bond), os suecos tentaram levar, em 2009, os livros para as telas. O impacto não é o mesmo da nova versão. Até porque tratar de jornalismo numa película não é uma das atividades mais simples. Mesmo nesta última tentativa muita coisa, é evidente, ficou de fora.

Um exemplo é a crítica de Larsson a repórteres de economia, com os quais o autor tem broncas sérias: “Jamais ocorreria a um jornalista político transformar em ícone um chefe de partido, e Mikael tinha dificuldade em entender por que tantos repórteres econômicos, dos mais importantes veículos do país, estavam prontos a elevar medíocres arrivistas à categoria de vedetes do sowbiz”, diz no livro. O recado é claro: desconfiem sempre das fontes. Só assim será possível fazer boas reportagens.

Detenho-me sobre Larsson e cito livro e filme — que possivelmente você, leitor, já tenha lido e visto — para tratar de investigações jornalísticas, algo difícil e caro de fazer. Mas em que os jornais brasileiros, incluindo este Correio, investem. Nos últimos 12 meses, há mais do que exemplos disso. Há quedas de ministros envolvidos em escândalos revelados por jornais e revistas. O último, Mário Negromonte, das Cidades.

Por mais que o agora ex-ministro tente demonstrar que caiu por uma mera falta de sustentação política, os fatos mostram que o desgaste começou depois de reportagens mostrando privilégios à base eleitoral de Negromonte na Bahia. Principalmente na cidade de Glória, onde a mulher dele é prefeita.

Reportagem deste Correio publicada em 28 de agosto do ano passado revelou por exemplo que, além de receber emendas de Negromonte quando ele era deputado federal, a prefeitura contratou empresa de fachada para construir um posto de saúde. Depois de cinco longos meses, o jornalismo venceu. Se acreditar em tal trabalho é ser inocente ou romântico, melhor. De mais a mais, o romantismo da imprensa precisa permanecer, principalmente quando o substituto de Negromonte vem da própria bancada.

Outra coisa

Hoje é o dia do Suvaco da Asa, o bloco responsável por mostrar que, se Brasília não tem carnaval, pelo menos um sábado animado de prévia momesca é possível ver na capital da República. A festa, ali no Cruzeiro, começa cedo, às 10h, com o Suvaquinho, para as crianças. Depois, é a vez dos suvaqueiros profissionais. Aproveite e brinque na paz.

Expectativa - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 04/02/12


O clima no governo é tenso diante do leilão que vai privatizar três grandes aeroportos na segunda-feira. Embora desmobilizados, os sindicatos do setor eram contra, e, no governo, há segmentos que torcem o nariz para a decisão. Essa opção foi adotada para acalmar a classe média, aturdida pelo caos aéreo, e para acelerar investimentos tendo em vista a Copa e as Olimpíadas. No Planalto circula a blague: "Este é um país que privatiza aeroportos e apoia o regime socialista de Cuba."

Trabalho decente
O governo prepara uma solenidade no Palácio do Planalto, neste mês, com a presença da presidente Dilma, para lançar o pacto do setor da construção civil com as centrais sindicais. O intuito é tentar garantir condições de trabalho decente em grandes obras. O acordo foi intermediado pelo ministro Gilberto Carvalho (Secretaria Geral) após conflitos nas obras das usinas de Jirau e Santo Antônio em 2010. O modelo é o mesmo do compromisso nacional para aperfeiçoar as condições de trabalho na exploração da cana-de-açúcar, que conta com auditorias independentes. A adesão é voluntária, e grandes empreiteiras, como Odebrecht e Camargo Corrêa, já se comprometeram a assinar.

COM A CORDA TODA. 
O vice-presidente Michel Temer e o ministro Mendes Ribeiro (Agricultura) riram muito com o governador Sérgio Cabral (RJ) ontem, em almoço no Palácio do Jaburu. Descontraído, Cabral fez imitações, descritas como memoráveis, do jeito de falar do ministro Aloizio Mercadante (Educação) e do ex-presidente Lula. Temer e Cabral acertaram a realização de uma reunião de governadores do PMDB em março.

Perfil
Novo líder do PT no Senado, Walter Pinheiro (BA) não é tão alinhado com o Palácio do Planalto quanto seu antecessor, senador Humberto Costa (PE). Sua atuação no primeiro ano de mandato foi marcada pela independência.

Possesso
O ministro Moreira Franco (Assuntos Estratégicos) reage à fala do líder do PMDB, Henrique Alves, na reunião com o PP: "É por atitudes e declarações desse tipo que a candidatura dele à presidência da Câmara está fazendo água."

Decifrando José Serra
É crescente o número de petistas e tucanos que estão convencidos de que o ex-governador José Serra será candidato à prefeitura de São Paulo pelo PSDB. A avaliação que fazem é que Serra ficará fora do jogo no futuro se limitar sua ação política às intervenções no Twitter. Mas, se ele vencer a corrida pela prefeitura este ano, passaria a ter poder de fogo para tentar voltar a enfrentar a presidente Dilma na sucessão de 2014.

Climão
Apesar do apoio do ex-presidente Lula e do Planalto para ficar na vice-presidência do Senado, Marta Suplicy (PT-SP) saiu do episódio isolada na bancada. Ela irritou seus aliados ao defender o rodízio nas presidências de Comissões.

Batata quente
A Fazenda diz que o PTB foi responsável pela sustentação de Luiz Felipe Denucci na presidência da Casa da Moeda. Mas os trabalhistas afirmam que os padrinhos foram o senador Francisco Dornelles (PP-RJ) e o ex-ministro Delfim Netto.

A PRIORIDADE da vice-presidente da Câmara, Rose de Freitas (PMDB-ES), é instalar a comissão mista sobre a violência da mulher no Brasil. Um caso que será investigado é o do assassinato da procuradora Ana Alice Moreira, em Belo Horizonte.

O EX-DEPUTADO Moroni Torgan avisou ao presidente do DEM, José Agripino, que vai voltar de Portugal para concorrer à prefeitura de Fortaleza (CE).

A EXECUTIVA Nacional do PSDB analisa na próxima semana relatório do secretário-geral, Rodrigo de Castro (MG), sobre as eleições municipais do Rio. O deputado Otavio Leite (RJ) está exultante.

Ver com nossos próprios olhos - KÁTIA ABREU


FOLHA DE SP - 04/02/12
Sob qualquer ponto de vista, após a globalização, o mundo tornou-se um lugar mais justo e menos desigual


Os tempos recentes vêm sendo marcados por grandes deslocamentos. Nações, até pouco tempo relativamente pobres e não muito relevantes, estão assumindo posições dominantes, igualando ou suplantando países que compunham o centro do mundo há alguns séculos.

Na economia e na política, o mundo descentralizou-se totalmente, mas as ideias e as percepções que circulam com mais poder de atração ainda são geradas, quase que exclusivamente, nos antigos centros -os Estados Unidos e a Europa ocidental.

As elites pensantes das sociedades emergentes acabam repetindo essas ideias e percepções sem muito espírito crítico. Dois pensamentos bastante difundidos chamam particularmente a minha atenção.

O primeiro é a noção de que o mundo se aproxima rapidamente do limite de sua capacidade de crescimento econômico e o aumento do consumo pelas populações dos países emergentes pressionará insustentavelmente os recursos naturais.

Há uma forte ironia política nesse argumento, pois é predominantemente sustentado por grupos que se denominam progressistas e estão à esquerda do espectro político.

As antigas esquerdas sempre denunciaram a marginalização das grandes populações do mundo não desenvolvido e pregavam com ardor a incorporação desses contingentes a maiores e melhores padrões de consumo.

Quando essas populações, enfim, por razões mais da economia do que da política, aproximam-se desses níveis desejados de consumo, a nova esquerda liga os alarmes do apocalipse.

Para além da ironia, essas previsões de desastre contêm falhas. Eu concordo que, se o nível de tecnologia se mantiver inteiramente estagnado e se todos os 7 bilhões de habitantes do mundo chegarem a ter o mesmo padrão de consumo das famílias norte-americanas e alemãs, os recursos da terra poderão ser insuficientes.

Mas essa é uma hipótese improvável. O atual padrão tecnológico certamente será alterado pela inovação. Novas fontes de energia, novos materiais e mesmo novas formas de vida urbana serão desenvolvidos por incentivos de mercado ou ação governamental.

Se algum recurso se tornar relativamente escasso, sua demanda será amortecida por uma alta de preços, salvo se os governos interferirem com subsídios. Com preços mais altos, a demanda por esse recurso se deslocará para outros, criando novos equilíbrios. O raciocínio se aplica até mesmo à água, pois a correta precificação de sua escassez na produção de bens (não no consumo doméstico) desestimulará seu uso intensivo e abrirá portas para alternativas.

Também é simplista projetar os níveis e as estruturas de consumo praticados hoje nas sociedades ricas do Ocidente para outras sociedades com história, valores e cultura muito diferentes e que terão poder aquisitivo para imitar esse padrão de consumo no futuro.

Por fim, pode parecer absurdo agora, mas não é uma extravagância imaginar que uma redistribuição das rendas num mundo globalizado possa resultar numa diminuição do consumo exagerado nas sociedades norte-americana e europeia. É cedo, portanto, para falar com tanta certeza de um limite próximo para o desenvolvimento no mundo.

Outra percepção merece reflexão. Cientistas sociais e jornalistas estão agora a dizer, sem contestação, que a globalização está aumentando a desigualdade social. Isso parece ser verdade nos Estados Unidos e na Europa.

Mas, se abstrairmos as fronteiras nacionais dos países ricos, vamos observar exatamente o contrário, pois a globalização elevou a renda de centenas de milhões de seres humanos na China, na Índia, no Brasil, na Indonésia e em quase toda parte.

Sob qualquer ponto de vista, após a globalização, o mundo tornou-se um lugar muito mais justo e menos desigual em termos de humanidade.

Por isso, digo sempre: vamos ver as coisas com outros olhos, nossos próprios olhos.

Dilma e o Supremo liberal - FERNANDO RODRIGUES


FOLHA DE SP - 04/02/12
Um exercício apaixonante de adivinhação é tentar imaginar o comportamento do Supremo Tribunal Federal no futuro. Será mais liberal? Mais conservador? Ninguém sabe. É impossível prever como serão os novos ministros indicados daqui para a frente.

Ainda assim há sinais de ares liberalizantes no STF. A decisão desta semana de autorizar o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) a investigar juízes é só um prenúncio do que poderá acontecer.

O placar de 6 a 5 anteontem foi apertado, mas consistente. O sexto voto e sobre o qual havia dúvida era o de Rosa Weber, a ministra recém-nomeada. Teria sido natural em sua estreia solicitar um pedido de vista do processo. Ela preferiu decidir de uma vez. Não é pouca coisa.

A presidente Dilma Rousseff já indicou dois ministros para o STF até agora, Rosa Weber e Luiz Fux -este último votou contra a liberação dos poderes do CNJ. Só que Fux construiu a sua nomeação ainda durante o governo Lula. É, em certa medida, outra herança lulista na administração dilmista.

Neste ano, dois ministros se aposentam por completar 70 anos. O conservador Cezar Peluso e talvez o mais liberal de todos, Ayres Britto. A julgar pela escolha de Rosa Weber, é difícil imaginar Dilma nomeando para o STF juízes de perfil corporativista como Peluso.

Se optar por um viés liberal nas nomeações, a presidente fará uma reforma do Judiciário na prática. Como se sabe, só o STF e mais ninguém, por decisão própria, pode propor uma nova lei que acabe com certas anomalias na magistratura -férias de dois meses por ano, para citar a mais conhecida.

FHC e Lula tiveram outras prioridades. O tucano abriu espaço para a primeira mulher no STF. Lula nomeou o primeiro negro. Dilma pode dar um passo a mais escolhendo quem fará do Supremo a casa da modernização do Judiciário.

Superlotação - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 04/02/12

O consenso entre os especialistas é que o mundo chegará a ter uma população, por volta de 2050, de até 10,5 bilhões de pessoas. Uma previsão mais radical das Nações Unidas chega a elevar esse número para 16 bilhões de pessoas no final do século.

uma marca importante quando, em outubro de 2011, chegou a uma população de mais de 7 bilhões de pessoas.

Além do número em si, a questão é que quase todo esse crescimento vai ocorrer em países que são frágeis política e economicamente, e também em termos de meio ambiente.

A distribuição geográfica das populações está mudando rapidamente. Neste mesmo ano em que o mundo pode chegar a mais de 10 bilhões de pessoas, a Índia passará a China como a nação mais populosa.

A Nigéria será a quinta em população, Japão e Rússia não estarão mais entre as dez maiores populações mundiais, mas os Estados Unidos continuarão no grupo dos dez países mais populosos.

Para que os governantes produzam dividendos, e não desastres a partir desse crescimento mundial, é preciso implementar políticas integradas, foi o que um grupo de políticos e especialistas em população sugeriu em um dos painéis do Fórum de Davos.

Uma política para atender ao aumento da população tem que unir educação, criação de empregos, saúde e investimentos em recursos humanos.

A Coreia do Sul, durante o período de 1965 a 1980, demonstrou a eficácia dessas políticas integradas aliada a investimentos em infraestrutura física e a mercados abertos.

Dar poder para os jovens é fundamental para lidar com o crescimento da população.

Uma política educacional pode dar condições às jovens de escolher sobre sua fertilidade, aumenta a produtividade, e dá à mulher opções além da maternidade.

Estudos demonstram que a média de idade nos casamentos aumenta quando o nível educacional é mais elevado.

Uma política interligada faz com que os casais tenham acesso a informações sobre planejamento familiar e contracepção.

Bangladesh seria um exemplo de país que fez um grande progresso na educação feminina e tem conseguido taxas de nascimento declinantes.

Uma consequência do aumento da população mundial em 50% será a necessidade de a produção de comida dobrar.

Existem tecnologias para aumentar a produtividade das fazendas, mas outros problemas, como infraestrutura de armazenamento e corrupção, devem ser levados em conta, ressaltaram os especialistas.

Por outro lado, nações em desenvolvimento com um grande crescimento populacional podem ganhar, dependendo da idade média.

A Índia vai ter uma população de 685 milhões de pessoas em idade de trabalho por volta de 2015. Para se aproveitar desta vantagem competitiva, está fazendo um programa especial para a educação, tendo que treinar 4 milhões de professores primários.

Muitas das maiores pressões, como água, energia e segurança alimentar, vêm juntas com o desafio do crescimento populacional.

As desigualdades na distribuição de renda no mundo globalizado, exacerbadas pela entrada no mundo do consumo de milhões de pessoas que saíram da pobreza na última década nas diversas partes do mundo emergente, também foi tema de debates em Davos, com a certeza de que se não for possível reduzir essa diferença, estaremos criando um ambiente favorável a conflitos.

Se por um lado a ascensão social foi um fenômeno mundial registrado antes da crise de 2008, o aumento do consumo por novas populações traz problemas na cadeia de distribuição de alimentos, e as mudanças climáticas são um dos temas principais quando se discute essa reorganização.

Sobre esse assunto, o geógrafo Jared Diamond, professor na Universidade da Califórnia, Los Angeles, autor dos livros "Colapso e "Armas, germes e aço", há muito tempo tem refletido e já escreveu diversos trabalhos sobre o tema.

Quando o mundo tinha ainda 6,5 bilhões de pessoas, ele fez uma conta, e eu registrei na coluna, medindo a diferença de estilo de vida entre o Primeiro Mundo e os países emergentes.

Chegou à conclusão de que o índice médio de consumo de recursos naturais como óleo e metais, o desperdício de materiais como o plástico, e a produção de efeito estufa, são cerca de 32 vezes maior nos Estados Unidos, na Europa Ocidental, no Japão e na Austrália do que no mundo em desenvolvimento.

Mais do que o número de habitantes do planeta, Diamond adverte que o que importa é o total do consumo do mundo.

A China, com seu 1,3 bilhão de habitantes, está entre os países que melhoraram o nível de vida de sua população, embora ainda tenha um padrão de consumo 11 vezes abaixo dos Estados Unidos.

Pelos cálculos do geógrafo Jared Diamond, bastaria que somente a China conseguisse atingir o nível de consumo dos países desenvolvidos, sem que nenhum outro país alterasse seus padrões de consumo, nem aumentasse sua população, e mesmo que a imigração cessasse, para que o consumo mundial dobrasse.

E se todo o mundo em desenvolvimento conseguisse atingir os índices de consumo do Primeiro Mundo, seria como se o mundo passasse a ter 72 bilhões de habitantes.

Diamond diz que, em vez de pensar que o aumento de consumo seria um problema, teríamos que pensar que a ambição de atingir padrões do primeiro mundo é natural.

E, como o mundo não tem condições de manter o mesmo padrão de consumo para todos os seus habitantes, a solução seria reduzi-lo para que todos pudessem ter um consumo razoável, evitando os desperdícios.

Esse sentimento solidário seria uma saída para uma crise que se avizinha. Mas dificilmente a Humanidade atingirá este nível.

Crepúsculo dos piratas - RUY CASTRO


FOLHA DE SP - 04/02/12
RIO DE JANEIRO - A fim de confirmar uma teoria, pedi a minha funcionária Marcia que pesquisasse pela cidade em busca da versão pirata do filme "As Aventuras de Agamenon, o Repórter", em cartaz nas telas e ainda não lançado em DVD. Marcia deu um giro pelos camelôs mais respeitados de Madureira e, dos domínios da Portela e do Império Serrano aos entornos do Mercadão, ouviu deles que a cópia pirata existia, mas estava esgotada. Até que, já perto da linha do trem, achou um "Agamenon". Preço: R$ 3.
Naturalmente, este foi só um exercício acadêmico porque, se quisesse, eu poderia ter pedido à minha neta Olivia, de quatro anos, que "baixasse" o filme para mim na internet -o que ela faria enquanto botava sua boneca para dormir. E que, aproveitando o embalo, "baixasse" também os concorrentes ao próximo Oscar, já legendados, dublados, em Dolby, surround e 3D. Tudo, claro, grátis.
Na verdade, já não há o menor motivo para passear pelos camelôs e assuntar o que há de novo em DVDs, assim como muitos já deixaram de fazer com CDs. Para que perder tempo comprando uma cópia pirata idêntica ao original do último disco do Chico ou do Caetano, se é possível "baixar" de graça somente as faixas que interessam ou tocam no rádio? E por que esse fetiche pelo objeto se os encartes dos discos, hoje, nem texto têm?
"Baixar" filmes e discos sem pagar já é uma prática tão corriqueira que, um dia, até os incompetentes para a tecnologia mais elementar, como eu, a dominarão. Quando isto acontecer, temo que uma vasta categoria profissional -a dos camelôs especializados em pirataria- caia no desemprego ou, pior, no crime.
Juntar-se-ão aos produtores de cinema, compositores e cantores, que continuarão a fazer filmes e discos - só que por amor à arte, já que não terão como viver deles.

Quem tem medo de Stoppard? - SILVIANO SANTIAGO


O ESTADÃO - 04/02/12

Em pesquisa original sobre a obra crítica de Antonio Candido, Célia Pedrosa desentranhou da revista Clima (n.º 3, 1941) um manifesto literário em que o futuro mestre defende o "grouchismo". De maneira risonha e irreverente, Candido teoriza a partir dos filmes dos Irmãos Marx, então em voga, e das estripulias de Groucho. Tempos sombrios requerem a seriedade de propósitos; no entanto, a alegria anárquica do script vaudevilesco e a inventividade comportamental dos Marx balizam uma visão crítica de mundo, derrisória e feliz. Antonio Candido escreve em 1941: "Nosso tempo está cheio de credos novos. Entre os seus inumeráveis pregadores, entretanto, poucos têm a profundidade e a inspiração de Groucho Marx". Justifica: "Ele compreendeu melhor do que ninguém, que a crítica ao preconceito, assim como o estabelecimento de uma nova base para a conduta, não podem estar presos à justificação doutrinária – retórica, maçante e ineficiente".

Primeiro da santíssima trindade, Groucho vem associado a dois outros heróis do século, Lenin e Freud. Candido comenta: "Wladimir Ilyich é o destruidor que espera tudo ruir para experimentar uma nova solução. O professor Freud é mais grouchiano, pois propõe ao mesmo tempo em que depõe; mas é um grouchismo interior, com repercussões lentas e incertas na conduta imediata". Groucho tinha compreendido, continua Candido, que "não deve haver fases distintas na transformação; que não se deve destruir para construir em seguida. O mesmo ritmo deve compreender no seu embalo a destruição e a reconstrução". Célia Pedrosa observa que as ideias expostas em O Grouchismo encaram determinados modelos dogmáticos de análise literária e, pelo viés da iconoclastia, tornam sérias "as formas irreverentemente inovadoras de crítica ao pensamento institucionalizado". Candido não poderia ter imaginado que na década de 1970, quando novos credos e inumeráveis pregadores tinham nascido na abundância econômica, surgiria na Inglaterra um dramaturgo de origem checa, Tom Stoppard, que levaria até as últimas consequências o grouchismo. Para escrever Pastiches (1974), hoje incluída no volume Rock’n’Roll e Outras Peças (Companhia das Letras, 2011), Stoppard recorre à liberdade de baralhar autores & livros, a que tem direito o ensaísta literário, para – com recursos dramáticos tomados ao vaudeville e à comédia dita de pastelão – dar sentido a obra caprichosa do acaso. Em 1917, três exilados famosos sobrevivem soltos em Zurique. O romancista irlandês James Joyce, o dadaísta romeno Tristan Tzara e o político russo Lenin. (Tzara substitui Groucho; Joyce, Freud, e Lenin é Lenin.) "Zurique durante a guerra", diz um personagem, "era ímã para refugiados, exilados, espiões, anarquistas, artistas e radicais de todos os tipos".

Stoppard convida Tzara, Joyce e Lenin, distantes um do outro pela imprevisibilidade do mundo em guerra, a se encontrarem no palco e a trocarem falas e farpas. Canções, dança, paródias, pastiches, citações, alusões, trocadilhos e indiretas mantêm aceso o espectador e lhe despertam o riso. A comicidade oscila entre o requinte e a insolência, entre o pseudodidático e o surreal, e a visão histórica proposta por Stoppard se afirma por entre as brechas abertas por grandes ideias eruditas e versos ao gosto do populacho. Em homenagem a Candido, leia-se esta fala retirada da peça: "Eu sempre achei que a ironia entre as camadas inferiores é o primeiro sinal de uma consciência social que começa a despertar".

Stoppard concretiza o traço de união entre os três gênios pela figura de Henry Carr, funcionário medíocre do consulado inglês. Na época, trabalha como ator em peça de Oscar Wilde, encenada por Joyce, e se envolve – travestindo-se de irmão de Tzara – com o serviço de espionagem britânico. A peça precipita encontros e desencontros imaginários e verossímeis, que serão dramatizados da perspectiva errática das lembranças de Carr. Em cena memorável, Gwendolen e Cecily, secretárias respectivamente de Lenin e de Joyce, retomam de forma hilária o esquete Mr. Gallagher e Mr. Shean que, desde 1921, faz parte da rotina dos espetáculos de vaudeville e se torna mundialmente famoso no filme A Vida É um Teatro (Ziegfield Girl, 1941).

A graça do pastiche não fica apenas por conta das alegres secretárias. O princípio de composição da peça é dado de modo metafórico por Tzara e pelo jogo poético surrealista conhecido por "cadavre exquis". Na cena de abertura, o dadaísta recorta com tesoura palavras de uma folha de papel, joga-as dentro dum chapéu e as baralha. Em seguida, retira osso a osso de lá e, com o "cadáver suculento", compõe versos de sentido aleatório e absurdo. Sentido original – se houver – estaria segredado pela folha esfrangalhada. Mais tarde, na peça, Tzara "aperfeiçoará" com a tesoura um soneto de Shakespeare. Diz ele, em resumo: "Na verdade, tudo é Acaso".

Joyce, em contraste, vale-se de "limericks" (poema humorístico ou de teor chulo) nos momentos em que descansa do trabalho de pensar o romance que irá "sair de referências à Odisseia de Homero e ao Guia das Ruas de Dublin em 1904". Outro contraste: acompanhado da esposa, Lenin envereda pela redação de um catatau sobre o imperialismo ("o capitalismo sem luvas", no dizer de Carr) e será surpreendido em meio à peça pela notícia da revolução soviética. O conflito entre as ideias e ideais de Joyce e de Lenin sobre política e estética se desenvolve no segundo ato da peça (o primeiro é dominado por Tzara). Em carta ao editor Lunatcharsky, Lenin escreveria (lembra sua esposa): "Você não tem vergonha de publicar cinco mil cópias do novo livro de Maiakovski? É uma bobagem, uma estupidez, uma tremenda estupidez afetada". Comenta Carr, o espião britânico: "Não havia nada errado com Lenin, fora a política".

Joel Santana! Gol de Pepsi! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 04/02/12

O problema de praia de nudismo é o bilau. Se for grande, todo mundo olha. Pequeno, olham mais ainda

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Manchete do Sensacionalista: "Iemanjá devolve barquinhos e pede cruzeiro no Caribe".
E essa: "Praia de nudismo na Paraíba vai virar resort". O problema de praia de nudismo é o tamanho do bilau. Se o bilau for grande, todo mundo olha. Se for pequeno, olham mais ainda. Rarará!
E esse classificado em Campestre (MG): "Procuro homem para trabalho em sítio. Trabalho fácil: cortar o capim e dar pro cavalo todo dia". Fácil pro cavalo! Rarará!
Taí uma boa prova pra "Fazenda 5": cortar o capim e dar pro cavalo TODO DIA!
E adorei a charge do Samuca: sabe como a Dilma vai escolher ministro? Com cão farejador! E os ministros vão todos trabalhar com a bunda pra cima. Esperando o pontapé! Rarará! Aliás, diz que a Dilma vai roubar o slogan da BandNews FM: em 20 minutos tudo pode mudar!
E o Joel Santana no Flamengo? Diz que a Patrícia Amorim chegou num bar e pediu: "Tem Coca-Cola?". "Não, mas temos o Joel da Pepsi, serve?" "Serve, vai esse mesmo." LESSIONA-SE INGRÊIS NO FRAMENGO! Gol de Pepsi! Não sei que língua eles vão falar! Ele podia falar a língua do "P". Ponaldinho Paúcho!
E adorei quando o Joel Santana foi demitido em inglês: "You're fired!". "O quê? Eu tô pegando fogo?"
E o Vanderburgo Luxerlei? Ops, Vanderlei Luxemburro. Com a cara do Waldick Soriano e terno de pastor da Universal. O site Futirinhas lançou o filme "Todo Mundo Odeia o Luxa". "Breve em algum time perto de você. Torça pra não ser o seu."
E diz que a única qualidade do Luxemburro é que ele sempre implica com alguém! Implicou com o Ronaldinho porque ele foi flagrado com mulher na concentração. E o Ronaldinho disse que errou de andar. Sim, errou de andar: em vez de andar com o time, foi andar com a mulherada. Rarará!
O melhor técnico do mundo é aquele que dorme no banco. E deixa os jogadores jogarem em paz!
E como disse um amigo: "Achava que dinheiro trazia felicidade. Depois de 'Mulheres Ricas', eu acho que dinheiro causa demência"! Rarará! É mole? É mole, mas sobe!
E olha o e-mail que recebi: "Simão, sou tão azarado que marquei encontro com uma mulher inflável e ela furou". E olha a placa numa padaria: "Favor colocar a mão no saco para pegar no pão". Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar meu colírio alucinógeno!

Dando chance para o azar - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 04/02/12


Com o desfecho da novela protagonizada por Mário Negromonte, do PP, entre os partidos que participam do condomínio do governo só falta agora o PSB - e não é por falta de candidato - ter um ministro demitido em consequência de denúncias de irregularidades. Na quarta-feira passada, depois de receber Negromonte por 15 minutos, a presidente Dilma Rousseff aceitou o seu "pedido de demissão". Ela já havia decidido que o ministro não ficaria, fazendo o comunicado de praxe à direção do PP e ao governador baiano Jacques Wagner, padrinho de Negromonte. Parece, no entanto, que Dilma está disposta a dar chance para o azar: sobre o substituto já nomeado, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), perfeito exemplar de uma oligarquia nordestina, pesam suspeitas de favorecimento político a familiares, por meio de programas do Ministério que está assumindo. No Palácio do Planalto, gato escaldado não tem medo de água fria.

Toda a encenação em torno da substituição de Negromonte - a mais enrolada dentre todas as que, em 13 meses, resultaram na demissão de sete ministros por denúncias de irregularidades - evidencia mais uma vez o dilema e a consequente hesitação de Dilma, sempre que precisa se livrar de colaboradores indesejados. A demissão de Negromonte era previsível desde o fim do ano passado, quando a pasta das Cidades foi objeto de denúncias de graves irregularidades relativas a obras para a Copa do Mundo, em Cuiabá, e de relações promíscuas com lobistas. Além disso, Dilma já vinha confidenciando, a muitos interlocutores, que considerava Negromonte um mau gestor. Depois disso, mandou demitir o chefe de gabinete e o chefe da Assessoria Parlamentar do ministro. Na segunda-feira passada, em Salvador, antes de viajar para o Caribe, a presidente deixou claro que a fritura do ministro teria o seu desfecho tão longo retornasse a Brasília.

Um processo tão tortuoso permite supor que, descartada a hipótese de que Dilma tenha prazer em prolongar a agonia dos condenados à guilhotina, o processo de tomada de decisões que envolvem interesses políticos de aliados não deixa à vontade uma chefe de governo tida e havida como enérgica e decidida. O que leva ao paradoxo de ela, na verdade, tornar-se refém, em vez de comandante, da tão enaltecida aliança hegemônica arquitetada pelo lulopetismo. É claro que qualquer aliança política se apoia numa complexa e delicada dinâmica de acordos em torno de interesses pontuais. Mas tudo leva a crer que, sem a incontrastável autoridade política de Lula, o Palácio do Planalto enfrenta sérias dificuldades para equilibrar esses acordos, inclusive para votar matérias do seu interesse no Congresso.

Esse enredo ajuda a compreender, por exemplo, a razão pela qual os ministros Fernando Bezerra, do PSB, e Fernando Pimentel, do PT, apesar de tão enrolados em denúncias e evidências de malfeitos quanto seus colegas que foram defenestrados, permanecem impávidos à frente de suas pastas. Do ponto de vista do governo, o PSB de Bezerra, presidido pelo governador de Pernambuco, Eduardo Campos, é peça-chave no xadrez eleitoral que começa a ser jogado este ano para desaguar no pleito presidencial de 2014. O mesmo se poderia dizer a respeito do PMDB, que já teve dois ministros demitidos. Mas Michel Temer e seu enorme partido são "do ramo" e estão habituados a assimilar com tranquilidade golpes que a eles não fazem mossa, mas pegariam muito mal para a imagem do PSB, que pretende se apresentar como uma nova e imaculada opção para o eleitor.

No caso de Fernando Pimentel, importante líder petista mineiro, acusado de vacilos do mesmo gênero daqueles que custaram o cargo a Antonio Palocci, devem estar contando a favor de sua permanência à frente do Ministério do Desenvolvimento os interesses do PT em Minas Gerais, um Estado de enorme importância eleitoral.

De qualquer modo, da mesma forma que não houve a tal reforma ministerial, nada garante que a temporada de faxina - expressão que a presidente detesta - no primeiro escalão tenha terminado.

'SHAKESPINHO' - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 04/02/12


Angelo Brandini estreia hoje, no teatro Eva Herz, "O Bobo do Rei", um "Rei Lear", de Shakespeare, para crianças. No dia 11, volta "O Príncipe da Dinamarca" ("Hamlet").

ACORDE DISSONANTE
O PT de SP está apoiando uma manifestação de ambulantes contra Gilberto Kassab. O protesto está marcado para o dia 15. E ocorre no momento em que o prefeito tenta acordo com Lula para indicar o vice do candidato petista Fernando Haddad à sucessão municipal.

RELÓGIO
A ideia é levar 400 ambulantes que são portadores de deficiência e outros seiscentos que são sexagenários para liderarem protesto na frente da prefeitura, onde Kassab despacha. Eles acusam a administração de perseguição ao cassar licenças por motivos fúteis como o atraso na instalação das barracas, que deve ocorrer diariamente às 8h.

RELÓGIO 2
"O PT apoia essa manifestação e eu estarei lá, é claro", diz o vereador José Américo (PT-SP), que coordenará a comunicação da campanha de Haddad. Ele esclarece que a prefeitura abriu negociação com os ambulantes, da qual está participando.

MODÉSTIA
Em e-mail enviado à imprensa, a assessoria de Lula cita museus "comparáveis" e que servirão de "referência" ao projeto Memorial da Democracia, concebido pelo instituto do ex-presidente. Entre eles estão os museus do Holocausto de Jerusalém, Washington e Berlim, e o Museu do Apartheid, na África do Sul.

EM CASA
Seu Jorge vai alegrar o picadinho da Daslu, na próxima terça.

Deve cantar seu hit "Burguesinha" na abertura da nova loja da grife, no shopping Cidade Jardim, em SP, além de canções de seu novo CD, "Músicas para Churrasco".

À FRANCESA
Já tem data a abertura da primeira loja da grife francesa Lanvin no Brasil: dia 4 de abril. A butique funcionará no novo shopping JK Iguatemi, em SP.

SALA DE ESTAR
A estação Faria Lima da linha amarela do metrô de SP ganhará uma exposição em seu saguão. Chamada de "O Descanso da Sala", exibirá objetos em metal em forma de cadeiras.

CATIVA-ME
A editora LeYa comprou os direitos de uso do personagem Pequeno Príncipe, de Antoine Saint-Exupéry, em títulos infantojuvenis pelos próximos três anos.

O livro de Exupéry, que lançou o personagem, continua no catálogo da Agir.

DESPERTADOR
O Sebrae vai distribuir 7.000 pijamas listrados no acampamento da Campus Party, evento de tecnologia que começa nesta segunda-feira em São Paulo.

A ação, na madrugada do dia 7, vai divulgar um espaço destinado a apoiar o empreendedorismo digital.

MUNDO ARTESÃO
Adélia Borges, ex-diretora do Museu da Casa Brasileira, lançou o livro "Design + Artesanato: o Caminho Brasileiro", anteontem, no espaço Casa, em Pinheiros. A consultora de moda Gloria Kalil, o empresário Waldick Jatobá e a galerista Renata Mellão pegaram seus autógrafos.

ESQUENTA
As atrizes Ellen Roche e Cynthia Falabella participaram do lançamento do camarote de Carnaval Bar Brahma, na quarta, no centro.

CURTO-CIRCUITO

A galeria Mendes Wood abre hoje as mostras "Fresta" e "Futuro do Pretérito".

Pedro Cappeletti e Macela Tiboni abrem exposição hoje, na galeria Central.

A Feijoada 2012 do Hotel Tivoli Mofarrej acontece hoje, em volta da piscina.

A Unibes (União Brasileiro-Israelita do Bem-Estar Social) faz bazar beneficente amanhã.

Carlos Casagrande organiza até amanhã encontro internacional de cirurgia plástica, em Florianópolis.

com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

Olhos dos cidadãos - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 04/02/12
Nesta semana houve um momento glorioso para a democracia brasileira. A decisão do Supremo Tribunal Federal de que o Conselho Nacional de Justiça tem a integridade de seus poderes confirma o princípio da igualdade perante a lei, do controle externo do Judiciário, da transparência dos julgamentos. O que degrada a Justiça é o desvio de alguns magistrados e o risco de que erros sejam varridos para debaixo da toga.

O debate foi intenso, a sociedade participou, e o resultado consagrou o princípio democrático de que o órgão federal de correição tem poderes de punir o mau comportamento dos juízes, mesmo os que estiverem protegidos pelo corporativismo local.

A imprensa deu amplo destaque aos argumentos dos dois lados; os poderes respeitaram o direito de o Judiciário tomar a sua decisão sobre como se organizar; a sociedade aguardou o momento do julgamento no Supremo, mesmo com tanta gente discordando da liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello.

Com a liminar, o CNJ atravessou todo o longo recesso do Judiciário tendo seus poderes limitados por um único ministro até que o plenário fosse ouvido. Na abertura dos trabalhos do órgão maior, o seu presidente, ministro Cezar Peluso, afirmou que é suicida a sociedade que tenta retirar poderes do Judiciário. Isso é fato. Apresentou o número de processos que deram entrada nas várias instâncias, para sustentar que a sociedade brasileira confia na Justiça. Sim, a sociedade confia. Isso é diferente de reduzir os poderes do CNJ ou de considerar que o Judiciário não possa ser criticado, fiscalizado, investigado, julgado de forma transparente aos olhos dos cidadãos.

As proteções que cercam a magistratura são do cargo em si e não das pessoas dos juízes, da mesma forma que a imunidade dos deputados e senadores é dos mandatos e não de suas pessoas. As prerrogativas são institucionais e não individuais. Crimes que juízes e parlamentares por ventura cometam devem ser investigados e punidos como os de qualquer cidadão. O que a lei lhes dá é a proteção para que julguem e legislem com liberdade e independência, mas não é para que se sobreponham às leis do país.

O Brasil tem feito um bom trabalho na superação das suas mazelas, ainda que diante de nós existam montanhas que parecem às vezes quase intransponíveis. Como jovem democracia, estamos aprendendo, errando e corrigindo os excessos. A luta contra a ditadura foi vigorosa e vitoriosa. Deixou mortos, traumas e essa dificuldade que permanece de olhar o passado com coragem e sinceridade. A superação da desordem inflacionária foi uma obra coletiva de envergadura que mobilizou as famílias e deixou marcas e fortes lembranças em gerações de brasileiros. Certos vícios e equívocos de política econômica, que podem realimentar o mal, não foram, todavia, eliminados. A vastidão da pobreza começa a ser reduzida, injetando dinamismo na economia e esperança de que o país abra oportunidades maiores para quem esteve excluído.

Foram difíceis as tarefas executadas, mas tudo permanece incompleto. É um país que se constrói por partes. Agora, o maior desafio que está diante da sociedade brasileira é o combate à corrupção. A imensidão da tarefa desconcerta e desanima. Uma das etapas desta luta é aumentar o controle e a transparência de todos os três poderes, impor o princípio da prestação de contas aos órgãos do executivo, legislativo e judiciário e erradicar o cacoete de pessoas que, pelos cargos que exercem, se julgam acima das leis.

Quando a ministra Eliana Calmon fez sua forte declaração sobre bandidos de toga, isso ofendeu muita gente do seu próprio poder, mas ajudou a tocar numa ferida que precisava ser exposta à luz. A toga não pode ser esconderijo para maus feitos; é manto que protege o exercício da magistratura e não os desvios pessoais dos indivíduos que exercem o poder. Sem essa distinção, o Brasil ficaria mais perto de uma sociedade de castas. E isso é estranho à democracia.

O que temos aprendido nesses 27 anos é que a democracia é de lenta construção. Talvez até seja uma tarefa interminável, em que novos passos contratem mais avanços. Ela se aperfeiçoa e progride, exigindo novos aperfeiçoamentos. O que houve nesta semana foi mais um passo. Decisivo e difícil. Ele dividiu o Poder Judiciário e isso está expresso no placar do Supremo Tribunal Federal, de seis a cinco. Os que perderam recolham-se sabendo que não há demérito nessa derrota. Defenderam seus pontos de vista com maior ou menor lógica, mas foram minoritários.

Triste era o país em que ministros do Supremo e juízes foram cassados por divergir do poder autoritário. Feio foi o momento em que as tropas fecharam o Congresso para impor uma reforma do Judiciário. Mas tudo isso felizmente ficou para trás.

O que houve agora não deixa derrotados e engrandece a Justiça. Fortalece-se o princípio de que não deve haver impunidade concedida pelo nível que se ocupa na escala social. Todos estamos submetidos às mesmas proteções e punições previstas no devido processo legal.

De quem é a culpa? - SÉRGIO TELLES


O Estado de S.Paulo - 04/02/12


A psicanálise dominou o estabelecimento psiquiátrico norte-americano até os anos 70. Por motivos variados, a partir dos anos 80 os protocolos da neurociência e do cognitivismo tomaram-lhe a dianteira, impondo uma visão divergente sobre o funcionamento mental normal e patológico.

A contínua disputa entre as duas correntes fica especialmente aguda quando se trata do autismo, como vemos agora na polêmica que se desenvolve na França em torno do documentário realizado por Sophie Robert, Le Mur - La Psychanalyse a l'Eupreuve de l'Autisme. O filme não foi ainda lançado no circuito comercial, mas pode ser visto no YouTube, legendado em inglês.

Le Mur está estruturado em torno de entrevistas com pediatras e psicanalistas (lacanianos), que tentam explicar as hipóteses teóricas sobre o autismo. A isso é contraposto o cotidiano de uma família de quatro filhos com diversos distúrbios, dois deles com autismo. Segundo a mãe, o mais velho foi tratado com métodos baseados na psicanálise, obtendo resultados precários. O outro, que recebeu treinamento cognitivo, apresentou grande melhora. Isso é o suficiente para Sophie Robert se queixar do "atraso" da França ao tratar o autismo como uma "psicose", ou seja, uma doença mental, quando de fato seria uma doença neurológica, do cérebro. E isso se deveria - a seu ver - ao fato de serem ali ainda usados métodos "ultrapassados" como a psicanálise, ao invés dos novos treinamentos cognitivos. Vale dizer que na França, ao contrário dos Estados Unidos, persiste a hegemonia da visão psicanalítica nos procedimentos psiquiátricos e psicoterápicos.

Le Mur se posiciona abertamente contra a psicanálise. Não fica claro se a postura dos analistas entrevistados se deve a um radicalismo que lhes é próprio ou se decorre da maneira pela qual as entrevistas foram conduzidas. Eles não falam dos prováveis comprometimentos genéticos e neuroquímicos que apontam para a possibilidade da existência de vários tipos de autismo e se restringem à explicação psicanalítica, cuja complexidade na apreensão da realidade psíquica e sua lógica regida pelo inconsciente a diretora não faz o menor esforço para tornar mais compreensível para o grande público. Pelo contrário, mostra os psicanalistas como portadores de uma fala louca, defendendo ideias bizarras e distantes do senso comum, levando-os ao ridículo e ao descrédito. Não surpreende que alguns dos psicanalistas entrevistados sentiram-se traídos em sua boa-fé e entraram com uma ação tentando impedir a exibição do filme, alegando que suas participações foram distorcidas na montagem.

A forma como as entrevistas foram mostradas faz com que os analistas pareçam assumir uma atitude acusatória e culpabilizante das mães com filhos autistas. Essa é uma questão antiga e delicada.

Por volta de 1950, Leo Kanner, pioneiro no estudo de autistas, cunhou a expressão "mães geladeiras" (refrigerator mothers), aplicando-a àquelas mulheres que se mantinham frias e distantes de seus bebês recém-nascidos, não lhes proporcionando o ambiente caloroso e amoroso necessários para que estabelecessem adequadamente seus primeiros vínculos afetivos, o que os levaria ao autismo. Tal formulação da questão gerou reações negativas por parte dos interessados. De qualquer forma, com variações mais ou menos extensas, autores como Bruno Bettelheim, Melanie Klein, Winnicott, Margareth Mahler Alice Miller, Frances Tustin e Lacan (como mostra O Muro) consideram o relacionamento mãe-bebê como decisivo na constituição do psiquismo e, consequentemente, na gênese de diversos distúrbios psíquicos.

Como vimos acima, essa teoria foi banida dos Estados Unidos a partir dos anos 80, substituída pela explicação somato-genética, que exclui qualquer menção à relação mãe-bebê. Alguns, como o psiquiatra Peter Breggin, dizem que essa mudança de enfoque não se deve a razões científicas e sim às fortes pressões políticas exercidas pelas associações de pais de autistas, que não toleravam mais a culpabilização que julgavam ver na compreensão teórica psicanalítica.

É compreensível que lamentáveis mal-entendidos tenham gerado esse sentimento nos pais. É frequente se ouvir que a psicanálise põe a culpa de tudo nas mães. Em sendo assim, é claro que a abordagem cognitiva-neurocientífica, que afirma serem os sintomas decorrentes do balanceamento geneticamente determinado dos neurotransmissores cerebrais, ou seja, algo que nada tem a ver com os relacionamentos familiares, pareça-lhes muito mais aceitável.

O fato de a psicanálise apontar para a extraordinária importância dos primeiros anos de vida da criança e das relações primárias com os pais, situando aí os momentos decisivos de sua constituição psíquica e as oportunidades para o aparecimento de inibições, fixações ou regressões no desenvolvimento, não exclui a importância da genética e dos neurotransmissores nem significa culpabilizar a mãe pelas dificuldades que o filho venha a apresentar no futuro.

Em primeiro lugar, porque não compete à psicanálise julgar ou culpar, e sim analisar. Se o relacionamento com um filho não é satisfatório, isso não decorre da maldosa deliberação voluntária e consciente da mãe e sim da possível emergência de seus conteúdos reprimidos inconscientes, que necessitam de acolhimento e cuidados.

Em segundo lugar, porque por mais decisiva que seja a relação do bebê com a mãe, não se pode esquecer a figura do pai e dos demais familiares atuais e antepassados. Trabalhos analíticos mais recentes mostram a importância dos velhos segredos e vergonhas familiares que são transmitidos de forma inarticulada e não simbolizada para as gerações subsequentes, produzindo sintomas. Ou seja, é muito amplo o leque de influências sobre a criança.

Não se trata, pois, de culpar a mãe, o pai ou a família e sim de entender a complexidade da visão psicanalítica no que diz respeito à constituição do sujeito e a possibilidade de ajuda que ela oferece àqueles que apresentem dificuldades no decorrer deste processo, sejam eles pais ou filhos.

Nota. Vi na internet a versão original de Le Mur no início desta semana. Não sei se já foi modificado, pois a Justiça francesa deu ganho de causa aos psicanalistas, obrigando Sophie Robert a retirar do documentário as entrevistas que eles haviam dado e a lhes pagar uma quantia compensatória por danos à imagem e reputação (19 mil). A diretora recorreu da decisão.