sábado, setembro 30, 2017

Fachin-Eunício-Cármen: cheiro de arranjo - REINALDO AZEVEDO

REDE TV/UOL

Fachin-Eunício-Cármen: cheiro de arranjo. Senado tem de votar caso Aécio na 3ª ou de fechar

Os delinquentes paisanos têm de saber que não se trata de JULGAR se o senador é culpado ou inocente — não antes do devido processo legal. O que está em pauta é se a Constituição será cumprida ou rasgada

Há um cheiro de armação no ar. Eunício de Oliveira (PMDB-CE), que preside o Senado, vai dizer se a Casa se mantém sobre dois pés ou se verga a cerviz e fica sobre quatro apoios. Os ministros do Supremo Edson Fachin (por que não?) e Cármen Lúcia podem ser personagens de outra patuscada. Explico. Antes, algumas considerações.

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) se tornou o novo alvo da tropa de choque dos setores da imprensa que transformaram a deposição de Michel Temer numa questão de honra. Para tanto, tiveram de abraçar, endossar e justificar todas as desonras de Rodrigo Janot e do Ministério Público Federal. É nojento! Temer não vai cair. Acho que nem o outro Rodrigo, o Maia, logrará tal intento ainda que conceda mais 30 entrevistas ao jornal “Valor Econômico”, ao “Jornal Nacional”, à GloboNews, ao Extra, à CBN… Ainda que, numa próxima empreitada, seja comparado a Churchill ou a Schopenhauer, não creio que consiga.

Ocorre que o exército está lá. Quem sabe flertando com os inflamados do Exército, né? Ou vamos ignorar o papel golpista da imprensa em 1964? A frustração da turma, do exército em minúscula, é grande. A tropa precisa de uma marca na coronha. Temer não caiu. E agora? Bem, então que Aécio seja fulminado, ainda que numa operação flagrantemente inconstitucional e ilegal, estrelada pelo trio do barulho do Supremo.

Aí ficamos sabendo, pelas lentes desses luminares, que esse papo de questão jurídica é mera manobra dos que querem barrar a Lava Jato (olhem o mantra de volta aí…). Jornalistas supostamente especializados em política — alguns incapazes de fazer o “O” com o copo porque não leram nada, não estudaram nada, não sabem nada, a não ser ouvir e espalhar fofoca — já não se constrangem de defender abertamente que o STF, na prática, casse o mandato de quem nem ainda é réu.

É um vexame histórico. Linha editorial não pode se confundir com delinquência intelectual. De súbito, temos um monte de generais Mourões disfarçados de jornalistas.

Agora ao ponto
Eunício deu um a primeira titubeada quando não pôs para votar imediatamente se a Casa acatava ou não as sanções ilegais impostas a Aécio. Transferiu a votação para a próxima terça. Os delinquentes paisanos têm de saber que não se trata de JULGAR se o senador é culpado ou inocente — não antes do devido processo legal. O que está em pauta é se a Constituição será cumprida ou rasgada, ainda que em “nome do bem”. Como foi em 1964, diga-se. Quem sabia bem disso era o outro Mourão…

Eis que Edson Fachin, o primeiro a impor a Aécio sanções ilegais, estava sentado sobre uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) supostamente pronta para ser votada havia dois meses. Vinha ainda lá do tempo em que Teori Zavascki, também rasgando a lei, afastou Eduardo Cunha do mandato e do comando da Câmara. Ah, sim, todos achamos que Cunha cometeu crimes: como nós vimos, a Casa cassou o seu mandato, não? Zavascki ter violando a Constituição é que foi um mau passo.

Aliados do então deputado entraram com essa ADI. E o galo vinha sendo cozinhado desde então. Eis que Fachin — aquele que, violando o princípio do juiz natural, foi escolhido por Rodrigo Janot para ser relator do caso JBS, que nada tem a ver com petróleo —, nesta sexta, em meio ao tsunami gerado pelo caso Aécio, libera seu texto para votação. E Cármen, que tricotou com Eunício, marcou a sessão para o dia 11.

Pressão
Aconteceu o óbvio. O exército com minúscula, a tropa de choque daqueles setores da imprensa em busca de algum troféu, pressiona para que o Senado não decida nada na terça. Que espere, então, o julgamento do dia 11.

Dadas as mais recentes revelações sobre a delação de Joesley e companhia, espero que os senhores senadores não incorram num ato asqueroso de covardia. O Legislativo não é um Poder derivado do Judiciário. A resposta a uma simples pergunta indica se tem ou não a prerrogativa de fazer a votação: e se não houvesse a tal ADI? Faria o quê?

Atenção! Na minha conta, é maior o número de ministros que teriam um voto responsável do que o contrário. Vale dizer: acho que a maioria dirá que a respectiva Casa Legislativa tem, sim, de endossar a sanção para que possa ser aplicada. Se Eunício se acovardar — se é que já não se acovardou, vamos ver —, imaginem a pressão sobre os ministros do Supremo, exceção feita, claro, a quatro deles: Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber. Afinal, esses já disseram a que vieram nessa matéria. Presume-se que Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Alexandre Moraes pensem o contrário. E então terá início a disputa pelo coração de Celso de Mello e de Carmen Lúcia, que pode ser, mais uma vez, o voto de desempate — já que, presidente, é a última a se pronunciar.

Ontem à noite cheguei a me divertir ao ouvir os porta-vozes do general Mourão a dizer que a armação estaria na tentativa de salvar Aécio, não na absurda aplicação da pena de cassação a um senador cuja denúncia nem sequer foi ainda aceita.

Sabem quem é o herói secreto dessa gente? Aquele cara que disse assim:
“Agora eu vou para Nova York. Vou amanhecer em Nova York. Eu vou ficar aqui, você tá louca? Soltar uma bomba dessas e ficar aqui fazendo o quê?”

Entre a lei e o golpismo vigarista, esses setores da imprensa escolheram o golpismo vigarista porque acreditam ser um atalho para a lei.

Creonte, rei de Tebas, e as eleições de 2018 - BOLÍVAR LAMOUNIER

ESTADÃO - 30/09

Sem uma ampla coalizão de centro, convém nos prepararmos para longo período de sofrimento


“Não se pode prejulgar um homem, decidir de sua alma e do que sente, enquanto ele não mostrar quem é, ditando leis”
Creonte, na Antígona de Sófocles


A fala de Creonte evidencia bem a distância que nos separa das monarquias da Antiguidade. O que o fez convocar os varões da cidade ao palácio foi a insistência da nobre Antígona em dar sepultura a seu irmão Polinice. Creonte rechaçava com firmeza a pretensão de Antígona, dado que a seu ver Polinices se tornara um inimigo da cidade, um traidor. Decretara o estrito cumprimento da tradição, determinando que Polinice não seria sepultado. Ficaria fora dos muros da cidade, ao relento, exposto à sanha de animais e aves predadoras.

No mundo atual – e neste triste momento brasileiro-, a dimensão dos problemas é milhões de vezes maior que o tormento que se abateu sobre Tebas. Começando pelo conjunto, o que temos é uma economia ainda desorganizada, incapaz de prover adequadamente os bens, serviços e empregos de que nós, 206 milhões de brasileiros, necessitamos para viver. Um Estado ainda incapaz de educar nossas crianças, de ligar metade dos domicílios à rede pública de saneamento, de eliminar a corrupção que lhe devora as entranhas e de reprimir de forma decisiva o narcotráfico, que caminha a passos largos para se incrustar em dezenas ou centenas de favelas. Uma mineradora mata um de nossos melhores rios e fica tudo por isso mesmo. A sexta economia do mundo não tem uma sequer entre as cem melhores universidades do planeta.

Nas antigas monarquias, como observei, o soberano detinha a prerrogativa de ser avaliado depois, não antes de “editar as leis” que considerava necessárias. No mundo atual, a avaliação é ex ante, não ex post, e não diz respeito a leis, mas a programas vagamente formulados, informações rarefeitas e gesticulações demagógicas, sem esquecer as famigeradas artes do marketing. O soberano, em nosso caso, é um eleitorado que já beira os 150 milhões, com carências educacionais notórias, mas cuja responsabilidade por nossas desgraças é pequena, pois a ação concreta de governar não cabe a ele, e sim às elites, cujo comportamento recente tem sido obsceno.

Que esperar de 2018? Uma eleição esfarelada, sem um candidato “natural”, uma liderança com estatura suficiente para diluir o ambiente raivoso e “contra todos” que ora predomina e apontar uma estrada mais larga para os próximos anos? Um segundo turno polarizado, com os suspeitos de sempre cumprindo os enredos de sempre, um se fazendo passar por “esquerda” e o outro por “direita”, ambos incapazes de perceber a perda de significado desses termos no mundo atual? Não nos iludamos, por enquanto, o que se delineia é a clássica tragicomédia latino-americana.

A questão em jogo, evidentemente, é se seremos ou não capazes de formar um governo capaz de atrair grandes investimentos e estruturar um novo ciclo de crescimento. A grande incógnita é se Lula poderá ou não concorrer, mas será elástica, como sempre, a oferta de populistas irresponsáveis, dispostos a dizer qualquer coisa. Alguns desses chegam mesmo a acreditar que representam o “bem”, um compromisso com o desenvolvimento e com políticas sociais sensatas. Acreditam que os grandes investimentos de que necessitamos virão de um jeito ou de outro, nem que seja pela bela cor de nossos olhos. Não compreendem que nenhum megainvestidor, pessoa física ou jurídica, é tatu a ponto de colocar seus recursos num país que não lhe oferece garantias sérias.

Uma novidade, como sabemos, é João Doria, mas é difícil crer que ele se disponha a deixar a Prefeitura antes da metade do mandato para disputar a vez com o governador Geraldo Alckmin. Este tem experiência e potencial, mas depende vitalmente de uma transformação do clima político. Não tem perfil de radical. Poderá ser um candidato adequado se as camadas médias se desvestirem da presente atitude raivosa, antipolítica, e demandarem um programa consistente, com proposições efetivas para a retomada do crescimento. Sobre Marina Silva (que possivelmente terá Joaquim Barbosa como vice) não tenho grandes expectativas. Confesso certo ceticismo quanto à sua capacidade de empolgar o eleitorado.

Outra novidade é o deputado Jair Bolsonaro. Até o momento, o que me foi dado depreender é que combinará proposições econômicas na velha linha intervencionista, a mesma a que Dilma Rousseff recorreu para levar o País ao desastre, com o discurso da segurança pública – “lei e ordem”, na conhecida expressão norte-americana. Que esse discurso ressoa, não há dúvida. A segurança é uma das preocupações dos cidadãos e aqueles que subestimavam a proporção atingida pelo narcotráfico pôde apreciar ao vivo e em cores os tiroteios na Rocinha. Mas ressonância não necessariamente se traduz em votos. Para que isso ocorra a sociedade precisa acreditar que a tendência ascendente da violência pode ser revertida num prazo relativamente curto e que esse candidato em particular – aqui falo de Bolsonaro – seja capaz de operar tal milagre. Acreditar nisso é mais difícil que acreditar em duendes e no saci-pererê.

Ou seja, fórmulas para retardar ou afugentar investimentos nós temos em abundância. Se não formos capazes de desarmar os espíritos e construir uma grande coalizão de centro, convém nos prepararmos para um longo período de sofrimento. Crescendo alguma coisa entre 2% e 3% ao ano, levaremos mais de 20 anos para atingir a renda por habitante dos países mais pobres da Europa. Nessa hipótese, em duas décadas não teremos um só Polinices, mas milhões deles, servindo de pasto para hienas e abutres.

*Cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria e membro das academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências, é autor do livro ‘Liberais e antiliberais: a luta ideológica do nosso tempo’ (Companhia das Letras, 2016)

A nova carta de Palocci - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 30/09

Trata-se de um dos mais contundentes documentos políticos de nossa história recente


Ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil dos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff, respectivamente, Antonio Palocci não é um delator qualquer. Muito mais do que um mero observador privilegiado dos 13 anos de lulopetismo, o ex-prefeito de Ribeirão Preto é nada menos do que um de seus mais engenhosos artífices.

Seria um arriscado exercício de imaginação afirmar que sem Antonio Palocci o Partido dos Trabalhadores (PT) não teria chegado ao poder em 2002, quando Lula da Silva assumiu a Presidência da República após três derrotas eleitorais consecutivas. Entretanto, sua liderança na coordenação do programa de governo petista muito contribuiu para dar confiança e previsibilidade a uma candidatura tida como aventureira e inconsequente antes de suas intervenções.

Por meio da famosa Carta ao Povo Brasileiro, concebida por Antonio Palocci, Lula da Silva assumiu o compromisso de, uma vez na Presidência da República, respeitar os pilares macroeconômicos erguidos a duras penas durante os mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Lula da Silva, enfim, foi eleito e Antonio Palocci assumiu o Ministério da Fazenda, passando a ser a figura central na interlocução entre o governo e o chamado setor produtivo. Sob a gestão de Palocci, a economia do País navegou em mares tranquilos.

Na posição de ministro da Fazenda, Palocci viu aumentar significativamente o seu poder e influência em outras áreas do governo, caminhando naturalmente para ser o candidato à sucessão de Lula da Silva não fosse uma carreira criminosa que logo seria descortinada diante dos olhos da Nação.

Se com a notória Carta ao Povo Brasileiro Palocci ajudou a fundar a era lulopetista, em sua mais recente missiva o ex-ministro afunda de vez a propalada mística política de Lula da Silva, além de expor as vísceras do partido do qual é um dos fundadores e que, agora, se resume a uma mera rede de vassalagem ao suserano de São Bernardo.

No documento de pouco mais de três páginas, escrito na cadeia e dirigido à presidente do PT, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), o ex-todo-poderoso petista dá detalhes de sua participação nos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff e expõe, de forma clara e articulada, os subterrâneos das negociatas que deram origem a um verdadeiro plano para tomada do Estado brasileiro para fins pessoais e partidários.

Profundo conhecedor do ethos petista, Palocci, com a autoridade que poucos na legenda têm, questiona se o PT é “um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?”. Bem, a julgar pela reação da destinatária da carta, um partido político o PT não é mais.

Em entrevista publicada no jornal Valor na quinta-feira passada, a presidente do PT deixa claro que o bom destino do País é o que menos importa para seu partido hoje.

Por meio de uma narrativa que muito se aproxima do fanatismo religioso, Gleisi Hoffmann deixa claro que para o partido que preside nada mais importa do que a defesa inarredável da inocência de Lula da Silva, não obstante a condenação já sofrida pelo ex-presidente na Justiça, a primeira em sete processos a que responde.

Quando não se ocupa de defender a candidatura de Lula na eleição de 2018, Gleisi Hoffmann presta-se a tentar desqualificar, pateticamente, as alegações de Antonio Palocci, como se proviessem de algum estranho, e não de uma figura central do partido, alguém que teria sido ungido por Lula para sua sucessão não fossem os “ilícitos” do ex-ministro, como ele chama seu passeio pelo Código Penal.

Para terem valor jurídico, é evidente que as alegações de Antonio Palocci contidas em sua carta de desfiliação do PT – uma extensão do depoimento espontâneo que o ex-ministro prestou ao juiz Sérgio Moro – deverão vir acompanhadas por provas do que lá vai escrito. Entretanto, trata-se, desde já, de um dos mais contundentes documentos políticos de nossa história recente.

Partilha ou concessão? - SUELY CALDAS

ESTADÃO - 30/09

O regime no pré-sal não mudou, uma polêmica que tem tudo para prosperar neste momento de retomada


No momento em que o leilão desta semana parece sinalizar o fim da apatia e a retomada do interesse de grandes empresas pelo petróleo brasileiro, vale refletir sobre duas datas marcantes da nossa história recente: em agosto, a lei que acabou com o monopólio da Petrobrás completou 20 anos e, em dezembro, 7 anos a lei que instituiu o regime de partilha na exploração de óleo nas promissoras áreas do pré-sal.

Que a Petrobrás não dava mais conta de explorar sozinha ficou evidente, desde a década de 1970, com as descobertas gigantes em águas profundas da Bacia de Campos. Tudo era grande demais para uma única empresa, mas só em 1997, no governo FHC, houve o reconhecimento em lei. Então dezenas de empresas se instalaram no País, gerando um boom de novos investimentos, empregos, renda e riqueza com a multiplicação de projetos de exploração. Foi quando a produção de óleo e gás saltou de 900 mil barris/dia, em 1997, para 2,5 milhões na média deste ano, e os empregos no setor triplicaram.

Que existia óleo abaixo da camada da rocha de sal, em águas ainda mais profundas, já se sabia desde os anos 1980, mas só em 2007 foi possível dimensionar potencial e área e dispor de tecnologia para extrair o óleo. Depois de muita incerteza, finalmente o ex-presidente Lula sancionou a lei que instituiu o regime de partilha nas áreas do pré-sal, pelo qual o petróleo extraído é dividido entre a União (75%) e o consórcio investidor (25%), obrigou a Petrobrás a ser a única operadora dos poços e a participar com um mínimo de 30% do investimento.

Deu tudo errado, e frustrou-se a tentativa de devolver o monopólio à Petrobrás - que, aliás, não o queria de volta. Estrangulada pelo congelamento do preço dos combustíveis, assaltada pelos políticos, usada a torto e a direito pelos governos do PT e contraindo dívidas impagáveis, a estatal perdeu fôlego financeiro para investir no pré-sal e ainda ser a única operadora. Com isso, um único leilão foi efetuado, em 2013, no Campo de Libra, sem disputa e arrematado por um único consórcio formado pela Petrobrás, a Total francesa, a Shell holandesa e duas chinesas. E foi só. Pararam os leilões e a economia brasileira mergulhou na recessão.

Com o País e sua presidente desacreditados e a Petrobrás desmoralizada com a Operação Lava Jato, os investidores fugiram do Brasil e o petróleo do pré-sal continuou sepultado no fundo do mar, impedindo os brasileiros de usufruírem de sua riqueza. Em novembro de 2016 a lei mudou, a Petrobrás ficou livre das amarras, os leilões foram retomados (há mais oito rodadas marcadas até 2019) e os investidores voltaram, entre eles a Exxon, maior petrolífera do mundo, que havia desistido do Brasil. A lei mudou, mas o regime de partilha no pré-sal não, desencadeando uma polêmica que tem tudo para prosperar neste momento de retomada.

O fim da partilha e sua substituição pelo regime de concessão (a União, detentora do monopólio, é indenizada com carga tributária elevada) ganharam um defensor em Décio Oddone, diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Na partilha, a União se apropria de 75% do óleo extraído e a empresa ou o consórcio ficam com 25%. Antes desse rateio, porém, são deduzidos todos os custos de exploração e produção declarados pela empresa. É aí, argumenta Oddone, que a indústria busca vantagens ao inflar as despesas com penduricalhos supérfluos e dispensáveis.

“O regime de partilha foi o maior erro que cometemos no Brasil. Nele o investidor agrega despesas sem nenhum critério, só para elevar o custo e entregar um volume menor de petróleo à União. Não é à toa que partiu da indústria a preferência pela partilha em países da África”, denuncia Oddone.

Ele reconhece que a área do pré-sal requer tratamento diferenciado porque o risco de não encontrar petróleo é mínimo. Mas argumenta que a União vai faturar “bem mais” com a elevação da alíquota do tributo Participação Especial. “É muito mais transparente, eficiente, reduz o custo e aumenta a produtividade.”

Por enquanto, a partilha vigora, mas Oddone se diz disposto a lançar e sustentar o debate.

Guerra de Poderes compõe o cenário de anarquia desejado pelos pregadores da ruptura - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 30/09

O grau de influência de Hamilton Mourão sobre os quartéis é tema controverso, mas o general que sonha com um golpe tem uma tropa. São apenas três soldados, que não usam uniforme. Valem, contudo, por várias divisões blindadas. Seus nomes: Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber.

Quando determinou o afastamento de Aécio Neves do mandato e medidas cautelares restritivas de liberdade contra o senador, o trio decidiu cassar as prerrogativas do Congresso. O "caos", motivo sugerido por Mourão para sua intervenção militar, nasce do choque entre Poderes fora do marco da Constituição.

O STF flerta, há tempos, com o "caos". A prisão do senador Delcídio do Amaral, em novembro de 2015, deu-se no limite da lei, pois foi avalizada pelo Senado. Depois, a maiorias dos juízes do Supremo entregou-se à anarquia.

A "suspensão temporária" do mandato de Eduardo Cunha, em maio de 2016, foi um exercício de direito criativo: a invenção de uma figura jurídica destinada a circundar a lei que reserva aos parlamentares a prerrogativa de cassar parlamentares. A sentença, qualificada como uma "excepcionalidade" pelo relator Teori Zavascki, serviu de precedente para a liminar de Marco Aurélio de afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado, em dezembro passado.

O "caso Renan" manchou duas vezes a reputação do STF, pela emissão da liminar ilegal e, na sequência, por um intercâmbio de bastidores que conduziu ao recuo da Corte e à retirada de Calheiros da linha sucessória, outra pena emanada da caverna do direito criativo. O episódio desenrolou-se como confronto mafioso de Poderes, pontuado pelas ameaças do senador de votar leis de supressão de privilégios corporativos do Judiciário.

O Supremo existe para proteger-nos da "excepcionalidade". Nosso STF, porém, como evidencia o "caso Aécio", viciou-se na exceção. Os juízes não têm a prerrogativa de suspender mandatos e, não podendo decretar soberanamente a prisão preventiva de parlamentares, não podem, igualmente, impor-lhes medidas restritivas de liberdade.

A lei é geral: vale para Aécio, Calheiros, Cunha, o diabo e a avó do diabo, o PMDB, o PSDB ou o PT. O trio de juízes opera ao arrepio da ordem legal –como registrou um Calheiros que, para defender a própria pele, organiza a reação parlamentar à cassação branca de Aécio. "Caos": a soma de um STF que ignora a Constituição com um Congresso que, mesmo desprezado, tem agora a oportunidade para desmoralizar juízes sem juízo.

Mourão, ponta emersa de uma embrionária articulação golpista de raízes civis, transita na geografia do "caos". Os constituintes de 1988, lembrou Jorge Zaverucha (Folha, 27.set ), contaminaram a ordem democrática com um pingo de ambiguidade, redigindo o artigo 142 de modo a propiciar dupla leitura. O artigo estabelece que as Forças Armadas "destinam-se", entre outras funções, à "garantia da lei e da ordem".

Na interpretação literal, sustentada pelo fio implícito da adesão filosófica aos princípios da democracia, a hipótese de intervenção militar depende de iniciativa do Executivo. Mas, na tradução livre, de inspiração autoritária, a missão de garantia da ordem é um dever absoluto, um "destino" não sujeito a limitações. É disso que fala Mourão, quando alega curvar-se à Constituição.

Na Europa, imigração e terrorismo alimentam os discursos da ascendente direita nacionalista. Por aqui, a corrupção e o crime organizado desempenham papéis similares, nutrindo uma "nova direita" que cultua a "idade de ouro" da ditadura militar. A guerra de Poderes que já não reconhecem fronteiras legais desenvolve-se sobre essa paisagem, compondo o cenário de anarquia desejado pelos pregadores da ruptura. Os magistrados talvez imaginem que afastam a sombra de Mourão ao violar a lei para combater a corrupção. Enganam-se: fora da lei, existe apenas a força.

Perigo para as instituições - JOÃO DOMINGOS

ESTADÃO - 30/09

Polarização da sociedade e falta de confiança nos Poderes da República alimentam a crise


É bastante provável que Senado e Supremo Tribunal Federal (STF) se entendam e que a ameaça de crise institucional que hoje paira sobre o País por causa da suspensão das atividades legislativas do senador Aécio Neves e da determinação para que se recolha ao lar à noite fique apenas na ameaça. Porque os presidentes do Senado, Eunício Oliveira, e do STF, Cármen Lúcia, dois conciliadores por vocação, pelo jeito conseguiram estancar a sangria que parecia inevitável.

Numa sessão marcada às pressas por Cármen Lúcia para o dia 11, o STF poderá decidir que as medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, como a que determinou a Aécio que fique em casa no período noturno, sejam comunicadas à Câmara ou ao Senado em 24 horas, caso tomadas contra deputado ou senador. Caberá então à Casa do Congresso à qual pertence o parlamentar decidir se autoriza ou não a aplicação da pena. Tal exigência é feita pela Constituição nos casos que envolvem a prisão em flagrante de deputado ou senador.

Desse modo, caso decida por revogar a medida aplicada contra Aécio Neves pela Primeira Turma do STF, o Senado não poderá ser acusado de desobedecer a uma decisão judicial.

Essas decisões que podem evitar o impasse resultam do entendimento político entre os presidentes de dois Poderes da República, que sabem da capacidade de destruição de uma crise institucional.

Quanto às causas da crise, essas não têm boa vontade de chefes de Poder que consiga resolvê-las de uma hora para a outra, porque elas resultam de uma soma de fatores do cotidiano do País: a polarização da sociedade, a crise política sem fim e a falta de confiança nos Poderes da República. Juntem-se a tudo isso a falta de líderes capazes de pôr ordem na bagunça, um governo com a pior taxa de aprovação de todos os tempos, um Congresso desacreditado pelo fisiologismo e pelas denúncias de corrupção, discursos contrários à atuação do Ministério Público, da Polícia Federal e da Justiça, como os feitos à exaustão pelo PT, pelo ex-presidente Lula e pelo senador Renan Calheiros, um certo engajamento político dos ministros do STF e a desesperança da população. Taí o caldeirão do diabo pronto para cozinhar a poção do impasse.

No auge da crise, alguns dirigentes partidários chegaram a dizer que o Senado tinha todo o direito de revogar uma decisão do Supremo, como as aplicadas em Aécio, porque o STF se mete em fazer interpretações tais das leis que elas acabam por se tornar outras leis.

Não se pode dizer que estão certos os que fizeram a defesa de tal reação. Ora, se um muda seu papel por causa do que o outro faz, o desrespeito à Constituição virá imediatamente. Assim, rasgam-se os princípios adotados pela democracia brasileira, inspirados na teoria da separação e independência entre os Poderes, do francês Montesquieu, e cada um vai fazer o que quer.

Para o cientista político Fábio Wanderley Reis, o STF se tornou hipersensível à opinião pública e assumiu um ativismo político, fazendo interpretações de leis sem resguardo constitucional. O clímax, na opinião dele, ocorreu durante o voto do ministro Fux pela condenação de Aécio. Para o cientista político, o ministro fez chacota com o senador ao dizer que Aécio não teve a grandeza de se afastar do Senado: “Já que ele não teve esse gesto de grandeza, nós vamos auxiliá-lo exatamente a que ele se porte tal como ele deveria se portar. Pedir não só para sair da presidência do PSDB, mas sair do Senado Federal para poder comprovar à sociedade a sua ausência de toda e qualquer culpa nesse episódio”, afirmou Fux ao votar. A pessoa do réu é sagrada. Não pode ser alvo de zombarias, diz Wanderley Reis.

Intransigência com a Constituição - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 30/09

Conforme passa o tempo, fica mais evidente o disparate que foi a suspensão das funções parlamentares do senador Aécio Neves

Conforme passa o tempo, torna-se cada vez mais evidente a afronta à Constituição causada pela decisão da 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu das funções parlamentares o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e impôs-lhe restrições de liberdade e de direitos políticos. Em vez de os dias aplainarem a surpresa, eles propiciam mais elementos sobre o disparate que foi a decisão de terça-feira. Urge, portanto, revertê-la o mais rápido possível, para eliminar um sério obstáculo à harmonia e ao equilíbrio entre os Poderes.

O Supremo, no entanto, parece que não se deu conta da gravidade e da urgência do caso. A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, marcou para o dia 11 de outubro o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) a respeito do afastamento de parlamentares. Não viria mal um pouco mais de prioridade com temas tão fundamentais para o funcionamento da democracia.

Em artigo publicado no Estado – Uma decisão surpreendente (29/9/2017) –, Carlos Velloso, ministro aposentado e ex-presidente do STF, analisa como a 1.ª Turma da Suprema Corte conseguiu produzir esse resultado tão surpreendente, ao julgar um recurso interposto pela Procuradoria-Geral da República (PGR). “No tocante ao pedido de prisão, todos os integrantes da turma ficaram de acordo com os votos dos ministros Marco Aurélio e Alexandre de Moraes”, que haviam reconhecido que, “conforme expresso na Constituição, ‘desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável’, caso em que ‘os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão’ (artigo 52, § 2.º)”.

“Em seguida – diz Carlos Velloso –, vieram os votos divergentes quanto às medidas alternativas, capitaneados pelos ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. Surpreendente. É que, se não ocorrem os motivos da prisão, nem ela seria cabível, é evidente que também ausentes os motivos ou fundamento para a imposição de medidas alternativas. A decisão é, portanto, no mínimo, contraditória. E mais: sem que houvesse denúncia, regularmente recebida pelo Supremo Tribunal, ao senador foi imposto o afastamento do mandato.”

A 1.ª Turma do STF ignorou uma garantia constitucional fundamental para o bom funcionamento da democracia. “Somente a Casa a que pertence o parlamentar pode afastar um de seus membros. Investido este no mandato, pelo voto popular, expressão maior da cidadania, somente quem da mesma forma está investido poderia afastá-lo. O parlamentar encarna a democracia representativa que praticamos”, lembra Carlos Velloso, para arrematar: “A medida consistente na suspensão do mandato, da forma como adotada, representa um desrespeito ao voto popular e ao Poder Legislativo, constituindo ofensa ao princípio da separação dos Poderes (artigo 2.º da Carta Magna), traço caracterizador do presidencialismo, a que a Constituição confere status de cláusula pétrea (artigo 60, § 4.º, III)”.

Como se vê, os três ministros da 1.ª Turma que formaram maioria para afastar do exercício do mandato o senador Aécio Neves conferiram a si mesmos um poder que a Constituição não lhes dá. Não compete ao STF afastar parlamentar do exercício do seu mandato, ainda mais quando este não foi sequer denunciado. Tem-se o absurdo caso de uma condenação sem processo penal proferida por juízes que não possuem esse poder.

É muito estranha a decisão da 1.ª Turma, pois desrespeita profundamente a Constituição. Ainda por cima, os três ministros que apoiaram o afastamento do senador Aécio Neves dizem que tomaram essa medida em respeito aos valores e princípios constitucionais. Ora, tais valores e princípios não autorizam a afronta acintosa às palavras cristalinas da Constituição. O nome disso é arbítrio, o perigoso arbítrio de se achar acima da lei.

O caso deve ser revisto com absoluta urgência pelo STF, já que é ele o guardião da Constituição. Eventuais omissões ou atrasos na retificação do equívoco da 1.ª Turma significariam um desleixo incompatível com a sua alta missão institucional. Os tempos exigem uma valente intransigência com o bom Direito. O País está cansado de malfeitos.