quinta-feira, abril 03, 2014

Destruindo o Estado brasileiro - EVERARDO MACIEL

O ESTADÃO - 03/04


Constitui singular paradoxo a crescente destruição do Estado brasileiro nos governos de partidos de tendências, ao menos no discurso, estatizantes.

A mídia oferece, dia após dia, abundantes exemplos de má gestão, incúria contumaz, desqualificação técnica nas decisões. É notório o fracasso das políticas públicas de segurança pública, educação, saúde, mobilidade urbana etc.

A razia realizada na Petrobras e Eletrobras produziu uma catástrofe, com expressiva perda de valor de mercado, endividamento elevado e recorrentes prejuízos. O dano é de tal magnitude que se anunciado, em passado recente, seria tido como alucinação.

No Banco do Brasil e na Caixa Econômica há uma contínua e crescente perda de qualidade nos serviços prestados, sem falar na temerária política de crédito do BNDES.

Esse estranho desapreço pelo Estado explica, também, as práticas de fisiologismo e de aparelhamento, sua variedade radical. Os ministérios passam a ser um múltiplo do número de partidos que integram a denominada "base aliada", aos quais se somam as "tendências" e as bancadas, em cada uma das casas congressuais, dos partidos.

As "indicações", contudo, não se limitam aos ministérios. Alcançam, além disso, as diretorias das autarquias, fundações, agências reguladoras e estatais, o que gera um caldo de cultura próprio para o florescimento de todas as modalidades de corrupção.

Para os conselhos de administração das estatais são designadas autoridades de elevado coturno como forma apenas de elevar seus vencimentos, fraudando descaradamente o conceito de teto de remuneração dos servidores públicos.

Esse processo é de tal sorte exuberante que, em Brasília, a demanda dos órgãos públicos ultrapassou os limites fixados no plano urbanístico para projetar-se sobre os espaços antes destinados à atividade privada, assumindo proporções mastodônticas.

Receio que nenhuma pessoa bem informada, salvo os responsáveis pelas atividades de protocolo, conheça, simultaneamente, os nomes dos ministérios e de seus respectivos titulares.

Para justificar esse estado de coisas se recorre à cínica tese da governabilidade, deduzida do chamado presidencialismo de coalização, que frequentemente se converte em colisão por motivos poucos virtuosos.

Como reação primitiva à promiscuidade na provisão das funções públicas de confiança, exsurge o corporativismo, que tanto quanto o fisiologismo e o aparelhamento é uma forma nociva de indevida apropriação do Estado.

A aversão à meritocracia se estende ao Judiciário. É particularmente ultrajante a trajetória de humilhações a que se submetem magistrados, membros do Ministério Público e advogados que almejam assento nos tribunais. São obrigados a recrutar, quase sempre sem o mínimo pendor para a tarefa, apoio de políticos e dos membros dos tribunais para exercer aquilo que deveria decorrer tão somente de sua qualificação jurídica e moral. No limite, esse perverso ritual tende a comprometer a imparcialidade dos julgamentos.

Nesse quadro patológico, tem destaque o desprestígio do princípio constitucional da eficiência. Não há avaliações, minimamente consistentes, dos servidores ou dos serviços públicos. Não se buscam soluções para os problemas com base em critérios de eficiência, que sequer existem. A cada deficiência se responde, toscamente, com expansão do efetivo de pessoal, sem nenhuma preocupação com suas repercussões sobre o equilíbrio fiscal.

Ainda no âmbito da eficiência, é lamentável a banalização das greves no serviço público. Tornou-se comum o que deveria ser um recurso extremo, revelando a supremacia do interesse corporativo sobre o coletivo, tendo o povo como vítima indefesa. Sem lei, por negligência dos Poderes Executivo e Legislativo, as greves hoje são limitadas, precariamente, por uma decisão do STF.

Esse Estado inchado e ineficiente, que flerta com o abismo, decorre, principalmente, da voracidade intervencionista combinada com uma visão centrada na perpetuação do poder.

Sua reconstrução é tarefa para estadistas.

Nada de mais - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 03/04

Pasadena acabou saindo por US$ 1,3 bilhão, e parece que só a presidente Dilma, no governo, diz que foi um mau negócio


Churchill, quando primeiro-ministro na época da guerra, dizia que era mais fácil comprar um submarino do que um pacote de chá para o lanche do gabinete. Claro, ninguém sabe quanto custa um navio, muito menos um de guerra. Se o almirante diz... Mas se lhe apresentam um orçamento de 300 reais por uma caixa de café, você desconfia: é de ouro essa embalagem?

Bom, quanto custa uma refinaria de petróleo em Pasadena, nos Estados Unidos? Assim, na lata, ninguém sabe, nem mesmo a presidente Dilma, uma especialista em energia. Logo, quando decidiram pela compra, em 2006, os conselheiros da Petrobras só poderiam se fiar no relatório dos técnicos e consultores.

Mas, convenhamos, dá para desconfiar na base do puro bom senso. Esqueça a refinaria. Pense assim: se alguém lhe oferece por 300 milhões metade de uma coisa que acabou de comprar por 40, você tem que achar estranho, muito estranho. E, logo, exigir muito mais argumentos — documentos da própria companhia e mais estudos de terceiros.

A presidente Dilma pode dizer que concordou com a compra da Pasadena, quando presidia o conselho da Petrobras, com base em estudos apresentados pela diretoria. E também pode reclamar porque, diz ela, não lhe mostraram todas as cláusulas do negócio.

Mas parece que ela e outros conselheiros caíram na história de Churchill. Trezentos e tantos milhões de dólares por meia refinaria, mas prontinha, nos EUA? É parece bom, vamos lá.

Os diretores executivos da Petrobras contestam a presidente Dilma e dizem que todos os documentos estavam à disposição do Conselho de Administração — ou seja, só não viu quem não quis.

Faz sentido, a menos que se prove que os então diretores deliberadamente esconderam dados. Mas aí, uma vez descoberto isso, era o caso de se fazer um escândalo, demitir todo mundo. O que não aconteceu.

Mas a Pasadena acabou saindo por US$ 1,3 bilhão — e parece que só a presidente Dilma, no governo, diz que foi um mau negócio. Quase todos os demais membros da administração e do PT não estranharam nada, continuam dizendo que foi um bom acerto e que estava tudo bem explicadinho na hora da compra.

Não tem nada demais, só ficou mais cara, acontece.

Dizem que a presidente é autoritária. Mandona, contam alguns assessores. Mas neste caso, está todo mundo contradizendo o que ela diz. E fica por isso mesmo.

Parece que esse pessoal não é de estranhar. Por exemplo; quando a diretoria da Petrobras, a mando de Lula, anunciou a construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, acharam normal o custo previsto de US$ 2 bilhões, e em associação com a PDVSA de Chávez, que já estava mal das pernas.

Reparem: a Abreu e Lima foi anunciada em 2005. A meia-Pasadena foi comprada em 2006, devendo estar sendo negociada antes disso. De todo modo, pelo menos em 2006, era possível estranhar: como uma refinaria pode custar mais de US$ 2 bilhões no Brasil , se tinha uma nos EUA por 40 milhões, no negócio original?

Ok, são refinarias diferentes, uma velha, outra nova, mas, gente, convenhamos: um dos dois preços tem de estar errado. E a Pasadena foi comprada e vendida no mercado livre.

Depois, na construção, a Abreu e Lima foi atrasando e ficando mais cara. Já está em US$ 18 bilhões. Nove vezes! O máximo de estranhamento, dentro do governo, foi o comentário da presidente atual da Petrobras, Graça Foster: foi um erro a não ser repetido.

E toca a obra. Acontece, não tem nada de mais.

Também parece normal o que acontece com as outras três refinarias: a Comperj, em construção no Rio e também atrasada e muito mais cara do que o projetado; a do Maranhão, que já teve obras de terraplenagem por mais de R$ 1 bilhão e ainda não tem projeto final detalhado; e a do Ceará, no papel e com uma planta inicial considerada inviável pela atual diretoria da Petrobras.

Qual o problema? São obras difíceis, não é como construir, digamos, uma transposição do Rio São Francisco? Nada de mais, pessoal.

Vá de jatinho

Você quer passar férias de verão em João Pessoa. Bobeou, não comprou as passagens e, quando vai ver, estão muito caras. Então, você pensa: vou alugar um jatinho.

Passa um e-mail para um amigo que é do ramo e ele arranja um avião na hora.

Se o solicitante é um deputado federal do PT, André Vargas, vice-presidente da Câmara, e se o amigo é um doleiro que, agora, está preso, qual o problema?

Uma agência de turismo diz que pagou R$ 100 mil pelo aluguel do jatinho. O deputado diz que pagou a gasolina.

Ficou baratinho, não é mesmo?

Dilma, a Bolsa e boatos sobre rumores - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 03/04

Maluquice no mercado vira do avesso com boatos sobre rumores da queda de Dilma em pesquisas

HÁ DOIS MESES, os donos do dinheiro grosso faziam arruaça na praça financeira mundial, no Brasil em particular. As ações da Petrobras passavam pelo picador de papel. Em meados de março, a Bovespa sangrava vermelho escuro, em baixa de 13% no ano. Ontem, a Bolsa voltou ao azul.

A maluquice tem mão dupla.

Com exceção de uma baixa, aliás temporária, nas taxas de juros de longo prazo nos Estados Unidos, não aconteceu nada de muito relevante ou inesperado na finança e na economia mundiais.

Na finança e na economia brasileiras tampouco ocorreu mudança de nota. O fato de o Banco Central indicar que a campanha de aumento da taxa de juros será esticada, como o fez outra vez ontem, não tem nada a ver com a maluquice festeira da Bolsa, pelo contrário.

O cenário básico, deteriorado, ainda é o mesmo. As taxas de juros longas por aqui ainda dobram as do início do ano passado, ou quase por aí. A economia vai crescer tanto quanto no ano passado ou menos. As perspectivas para inflação e juros de curto prazo (Selic) pioraram, garantia extra de que 2015 será outro ano de lerdeza econômica. De resto, a Petrobras parece uma empresa ainda mais avariada do que faz um bimestre.

Por enquanto, a explicação sobre os movimentos do mercado por aqui são, por exemplo, banalidades costumeiras, nem por isso equivocadas, como dizer que o preço dos ativos brasileiros, ações em particular, estava em nível de liquidação.

No mais, continua aquele rumor sobre boatos (sic) políticos estarem influenciando a Bolsa, aqueles que temos ouvido desde 20 de março: estaria crescendo a probabilidade de Dilma Rousseff perder a eleição ou até mesmo a candidatura (para Lula).

A especulação de ontem baseava-se outra vez na expectativa de que a candidata Dilma Rousseff e seu governo vão aparecer mal na foto da pesquisa Datafolha que será publicada no sábado, pesquisa que, no entanto, ainda está em andamento. O que dava impulso ao boato "no mercado" era a explicação antecipada que o próprio governo vinha vazando a respeito de um possível resultado ruim no Datafolha.

Isto é, segundo o boato governista, as pesquisas que vinham dando vantagem grande a Dilma Rousseff estariam defasadas, não tendo captado a "campanha" recente contra o governo (inflação mais alta, rolos na Petrobras, CPI etc.). O próprio governo já teria captado, em suas pesquisas, o desgaste presidencial. Logo, o possível tombo de Dilma no Datafolha evidenciaria esse período de "dificuldades temporárias" para o governo.

A possibilidade incrementada de derrota de Dilma implicaria a vitória de um candidato "pró-mercado", segue o argumento baseado no rumor. No mínimo, o tombo nas pesquisas e a enxurrada de más notícias para seu governo poderiam colocar a presidente contra a parede, obrigando-a a implementar desde agora mudanças em sua política econômica.

Sim, tudo parece especulação desvairada, mas a culpa não é do colunista. Pode bem ser que alguns outros motivos estejam influenciando o preço das ações (e estão), mas povos dos mercados e seus porta-vozes têm enfatizado essa versão dos fatos e fatores da reviravolta na Bolsa.

O saldo sumiu - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 03/04

Em pouco mais de dois anos, sumiram US$ 30 bilhões do saldo comercial brasileiro. A queda foi expressiva e rápida: de novembro de 2011 a março de 2014, redução de US$ 31,4 bilhões para US$ 1,6 bi, no acumulado em 12 meses. A corrente de comércio está estagnada há três anos. O preço do minério de ferro cai 16% este ano, e o déficit do setor industrial alcança US$ 106 bilhões.

Durante toda a década passada, o comércio exterior viveu um período de boas notícias. O Brasil precisava se esforçar pouco, porque os preços das commodities estavam subindo no mercado internacional e engordavam as nossas exportações. Com a mesma quantidade de produtos agrícolas e minerais exportados, como soja e minério de ferro, entravam mais dólares no país, apenas por uma questão de preço.

Agora, o quadro virou. De acordo com o Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco, a cotação do minério de ferro recuou 16% este ano. O banco estima que a média em 2014 seja de US$ 110 por tonelada, contra US$ 135 do ano passado. Cada 10% de recuo no preço significa uma perda de US$ 3 bilhões no saldo. O minério de ferro chegou a ser cotado a US$ 187, em 2011. Este ano, no primeiro trimestre, a exportação do produto subiu apenas 1%.

O preço da soja está com alta de 9,4% este ano e o Brasil tem produzido mais. Por isso, a receita com exportação aumentou 84% no primeiro trimestre. Mas, olhando para um período mais longo, o preço está distante do seu pico histórico, atingido em 2012, de US$ 622 a tonelada. Este ano, está sendo negociado na faixa de US$ 496. Ou seja, o melhor momento ficou para traz nos nossos dois principais produtos.

Por outro lado, caíram 24% as vendas de automóveis; 20%, as de autopeças; e 13,5%, as exportações de aviões. Tudo somado, houve retração de 2,5% nas exportações no primeiro trimestre em relação ao mesmo período de 2013, mesmo com a recuperação dos EUA e a superação do pior momento da crise na Europa. Nossos problemas agora estão na crise cambial da Argentina e na desaceleração da China.

O rombo de US$ 106 bi do setor de manufaturados não para de crescer. Em 2008, por exemplo, foi de US$ 39 bilhões. Isso mostra que o real mais fraco não resolveu as questões da indústria. O Brasil continua sendo um país com baixa competitividade, em grande parte pelo custo da infraestrutura precária, que encarece o preço dos fretes e atrasa o embarque de produtos. Para se ter uma ideia, houve redução de 10% na exportação de manufaturados no primeiro trimestre.

Por outro lado, as importações dispararam, principalmente por causa da compra de combustíveis. O país tem importado petróleo, gasolina, gás natural, óleo diesel. Produtos que a Petrobras não tem sido capaz de produzir no volume necessário para suprir o mercado interno.

A redução do saldo da balança eleva nosso déficit em conta corrente. A estagnação da corrente de comércio não ajuda no crescimento do PIB.

O que se diz e se contradiz - CELSO MING

O ESTADO DE S. PAULO - 03/04

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, não entende que haja algo de errado com a escalada dos preços. Para ele, a inflação está baixa e se manterá baixa, como afirmou ontem, em Brasília: "A maioria dos preços está equilibrada e sob controle".

Não é o que pensa o Banco Central. No seu último Relatório de Inflação, aponta para "os níveis elevados de inflação, como o observado nos últimos 12 meses". Mantega, ao contrário, parece satisfeito porque, nos últimos 11 anos, a inflação não passou dos 6,5% ao ano, o teto da meta. É pouco.

A inflação achata o poder de compra do trabalhador e disso ninguém discorda. Mas Mantega não reconhece duas fontes de inflação dentro do governo. A mais importante é a redução insuficiente das despesas públicas. O contra-ataque está excessivamente dependente da política monetária (política de juros) comandada pelo Banco Central. Ou seja, a política fiscal não ajuda. Não dá para concordar com ele quando afirma que o governo "sempre teve grande cuidado com a inflação". Não teve e não tem.

Ele também não reconhece que os preços administrados (25% da cesta do custo de vida) vêm sendo represados artificialmente pelo governo. Nem que esse represamento produz distorções. E que produz inflação, na medida em que provoca remarcações defensivas pelos agentes econômicos - como, também, denunciou o Banco Central no seu Relatório.

Na mesma entrevista dada ontem, Mantega garantiu que o Conselho de Administração da Petrobrás estava correto quando aprovou a compra da Refinaria de Pasadena (Texas, Estados Unidos), em 2006. Nesse ponto, contraria a presidente Dilma que,no dia 19 de março, afirmou em nota oficial que o Resumo Executivo elaborado pelo diretor da Área Internacional, que serviu de base para a aprovação da compra da refinaria, era "técnica e juridicamente falho". A presidente Dilma, que na ocasião presidia o Conselho de Administração da Petrobrás, afirmou, também no dia 19 de março, que, se as cláusulas Marlim e Put Option, integrantes do contrato, fossem conhecidas, "seguramente, não seriam aprovadas pelo Conselho".

No dia seguinte à divulgação desse documento presidencial, o então diretor da Área Internacional, Nestor Cerveró, foi demitido sumariamente da função de diretor financeiro que ocupava na BR Distribuidora.

Mas as coisas aí continuam mal paradas. Cerveró afirma que nenhuma informação foi omitida e que os membros do Conselho tiveram acesso prévio a todos os documentos da compra.

Se a presidente Dilma enganou-se, digamos assim, na nota oficial, até agora não corrigiu seu engano e não desmentiu nem Cerveró nem Mantega, que afirmam o contrário do que ela afirmara. E se não havia nada de errado na decisão do Conselho de Administração em 2006,por que, então, Cerveró foi demitido por isso oito anos depois?

E há a questão de fundo. A Refinaria de Pasadena foi adquirida um ano antes de fevereiro de 2006, quando a Petrobrás entrou no negócio, pela belga Astra, por US$ 42,5 milhões. Meses depois, foi repassada para a Petrobrás pelo total de US$ 1,18 bilhão. Para a presidente Dilma, essa foi uma operação lesiva à Petrobrás. Ou não foi, como está dizendo Mantega?


Até quando inflação acima de 4,5%? - SOLANGE SROUR CHACHAMOVITZ

VALOR ECONÔMICO - 03/04

Quem acredita que podemos desrepresar os preços controlados aos poucos deveria olhar a composição do IPCA

A pergunta do título deste artigo não poderia ser diferente. O contínuo represamento de preços, como de combustíveis, energia elétrica e ônibus urbano, já nos condenou a uma taxa de inflação superior ao centro da meta nos próximos anos. A questão é até quando. A resposta não depende apenas da estratégia do próximo governo em promover os reajustes desses preços, escalonados ou não, depende essencialmente da vontade política de se fazer cumprir o centro da meta de inflação estabelecida pelo CMN.

Desde 2008 o Brasil convive com uma inflação média de 5,73%. Nessa conta está incluído o ano de 2009, ano da crise, quando a inflação no mundo despencou e no Brasil ficou um pouco abaixo do centro da meta, em 4,3%. Se considerarmos o período 2010-2013, a inflação média é de 6,04%. A média não é uma estatística distorciva, pois nesses quatros anos o IPCA ficou bem próximo de 6% em cada ano. Para 2014, o mercado projeta um valor bem próximo ao topo da meta, 6,5%. Pode-se então conjecturar que esta seja a nossa inflação basal ?

O conceito de inflação basal, ou qualquer outra denominação que se utilize para a existência de um nível mínimo de inflação com a qual o Brasil está condenado a viver, envolve o pressuposto de que, mesmo após mais de uma década adotando o regime de metas de inflação, não fomos capazes de diminuir a inércia e a indexação inflacionária. Soa estranho acreditar que o Brasil tenha sérios problemas estruturais de oferta que não nos permitem conviver com uma inflação parecida com a dos demais emergentes. A tese da inflação estrutural é uma tese da década de 50/60 e pode ser confrontada com a nossa própria experiência de estabilização após a adoção do câmbio flutuante. Trouxemos a inflação de 12,5% em 2002 para 3,14% em 2006. Em 2007 ficamos um pouco abaixo do centro da meta, mesmo com alimentos subindo mais de 10%.

Quando a política monetária tem como objetivo a estabilidade de preços, o centro da meta pode não ser alcançado com exatidão devido a choques adversos ao longo do tempo, mas a inflação não se estabiliza em um patamar bem mais alto do que o centro por tantos anos. Hoje muitos duvidam da eficácia da política monetária, pois o Banco Central já elevou a Selic em mais de 375 pontos e a inflação não só continua resiliente como as expectativas para os próximos anos são mais altas do que no início do ciclo. Há muitos fatores que atrapalham a convergência da inflação: choque de alimentos, política fiscal mais frouxa, choque cambial, mas não podemos subestimar o fato de que o atual ciclo não foi iniciado com o objetivo de trazer a demanda agregada para um nível mais próximo da oferta.

O discurso das autoridades monetárias era de que o Banco Central ao subir os juros estaria trazendo uma melhora na confiança dos agentes econômicos e consequentemente um aumento da oferta agregada. De fato o baixo crescimento é um problema sério, mas a política monetária pouco pode fazer para resolver essa questão a não ser baixar a inflação. A política monetária deveria ser guiada apenas pelo objetivo de minimizar o desvio da inflação em relação ao centro da meta e o desvio do desemprego em relação ao seu nível não inflacionário. Já faz algum tempo que temos como objetivo colocar o desemprego no seu mais baixo patamar possível com a restrição do IPCA não estourar o teto da meta.

Se continuarmos tentando estabilizar a inflação em um patamar próximo a 6%, corremos o risco de acabarmos em um processo inflacionário grave. Isso porque desde 2010 a inflação só não tem ficado acima de 6% por conta de desonerações e preços represados. Enquanto a média do IPCA desde 2010 está em 6 %, três grupos estão com uma inflação bem acima da média: alimentação em 9%, despesas pessoais em 8,6% e educação em 7,5%. Dois grupos estão com inflação perto de 6%: vestuário e saúde. Quatro grupos estão com inflação abaixo da média: artigos de residência, com 2,9%; transportes, com 3%; comunicação, com 1,2% e habitação, com 5,45%. Tais grupos foram favorecidos com reduções tributárias até hoje vigentes e com represamento de preços administrados. Isso significa que quando formos instados a fazermos um superávit primário maior e restaurar o caixa da Petrobras, tais grupos pressionarão bem o IPCA e dificilmente conseguiremos manter a inflação perto de 6%.

Os que acreditam que podemos desrepresar os preços controlados aos poucos, mantendo o objetivo de deixar a inflação mais próxima o possível do seu nível basal, deveriam olhar com cuidado a composição do IPCA. A inflação não está estabilizada em 6%. A inflação subjacente é cerca de 150 pontos acima desse valor. Como só uma parte dos agentes econômicos está ciente da herança inflacionária que iremos receber é bem provável que no início do processo de desrepresamento assistiremos a uma verdadeira desancoragem das expectativas de inflação.

Será nesse momento que o Banco Central terá que agir resgatando não só o centro da meta como referência, mas também o prazo para o seu alcance. Seu trabalho será tão melhor sucedido quanto maior apoio tiver do governo. Assim como a taxa de juros precisa ser ajustada para trazer a inflação para patamares mais baixos, os demais preços precisam refletir as condições de oferta e demanda dos mais diversos setores. Sem esses dois pressupostos, vamos conviver com uma inflação bem acima de 4,5% nos próximos anos e colocamos em risco o próprio processo de estabilização conquistado com muita luta, após vários planos econômicos mal sucedidos.

O rebaixamento da nota do Brasil pela S&P - ROBERTO MACEDO

O Estado de S. Paulo - 03/04

O rebaixamento da nota de crédito do Brasil pela agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) não surpreendeu a maioria dos analistas econômicos. De levantar sobrancelhas foi a reação de membros do governo federal e de um de seus consultores. Sem se aterem aos fatos que levaram ao rebaixamento, procuraram denegrir a imagem da S&P. É tática típica de petistas, a de atacar quem critica o que fazem.

Segundo o ministro Gilberto Carvalho, a "mesma agência que não conseguiu prever a crise que se abateu sobre os EUA e o mundo em 2008 agora tratou de rebaixar o Brasil. (...) Não dá para a gente se abater pela simples consideração de uma empresa que mal conhece o País e já errou tanto no mundo. No caso da crise americana, (...) essa empresa não conseguiu enxergar o risco que ali, sim, havia para o investidor".

De fato a S&P saiu-se mal naquela crise. Mas pesquisando na internet vi que ela foi fundada em 1860(!), que seu status corporativo atual data de 1941 e que em 2009 faturou a expressiva soma de US$ 2,6 bilhões. O site da empresa diz que tem escritórios em 23 países, e sei que há um no Brasil há tempos, não se podendo afirmar que o desconhece.

E mais: ter errado no passado não quer dizer que erra sempre. Se essa fosse a norma, não teria esse faturamento e poderia ter até quebrado. Ela existe, é grande, influente e o governo terá de suportá-la, queira ou não. Tanto assim é que seus representantes foram recebidos recentemente pelo ministro da Fazenda quando procuravam mais informações sobre as finanças do País.

Já o ministro Paulo Bernardo, usualmente ponderado, afirmou que "nem o mercado está levando a sério" (...) o rebaixamento, ignorando que esse mercado se antecipou a ele, conforme disseram analistas que nele atuam. E o ministro alertou para a coincidência entre a decisão da S&P e renovadas críticas ao governo pelo senador Aécio Neves, pré-candidato à Presidência da República. Ora, esse alerta até contribui para elevar o status político desse senador, pois indica que há gente do governo preocupada com ele.

Outra reação surpreendente foi a do também comedido economista Luiz Gonzaga Belluzzo, que o noticiário aponta como consultor informal do governo federal: "Que significado isso tem? É coisa de estelionatários". A definição jurídica de estelionato não se aplica, mas mesmo tomando a afirmação metaforicamente, com o rebaixamento sendo coisa de trapaceiros ou enganadores, ela não se sustenta objetivamente. Belluzzo também usou o argumento do erro da S&P na citada crise. E enfatizou que a avaliação não fazia justiça às condições do superávit primário e da dívida pública do País.

Na mesma linha, o Ministério da Fazenda criticou a decisão como inconsistente e contraditória. Tomando-se inconsistente como sinônimo de incoerente, os dois adjetivos são essencialmente a mesma coisa. Mas inconsistência também significa falta de densidade, e não vejo nem esta nem incoerência na decisão da S&P.

Ela se sustenta, entre outros aspectos, nas conhecidas dificuldades do governo em mostrar melhores resultados, ainda que frágeis, no seu superávit primário, mais recentemente em face das perdas que a política governamental trouxe ao setor elétrico, que exigirão grandes recursos para serem cobertas. A questão fiscal é a central. Entre outras, há também o enfraquecimento das contas externas e o baixo crescimento da economia. Este, além de demonstrar que a política econômica não vem dando bons resultados, prejudica os números da avaliação, pois vários indicadores, como o superávit primário e a dívida pública, são tomados como proporção do produto interno bruto (PIB). Se este fosse maior, eles seriam melhores.

Em retrospecto, há até aspectos da decisão que favoreceram o governo, e que ele não reconheceu devidamente. A S&P rebaixou a nota brasileira em apenas um degrau. Mais um e o País perderia o chamado grau de investimento. Numa das implicações, isso afastaria investidores institucionais que seguem a regra de só aplicar recursos em países com esse grau. A decisão da S&P deveria ser vista como advertência, pois se o governo não se arrumar a perda desse grau pode vir na próxima avaliação.

E o anúncio do rebaixamento veio bem antes das eleições. Se bem próximo delas, o dano teria sido maior, porque a notícia poderia ganhar maior repercussão em face do clima eleitoral. Ademais, o comportamento do mercado financeiro na sequência do anúncio não revelou maior impacto. Conforme já assinalado, esse mercado já havia "precificado" a perspectiva do rebaixamento por causa de questões objetivas como as apontadas acima e de outras de seu conhecimento, como a tal "contabilidade criativa" a que o governo tem recorrido para disfarçar maus resultados na área fiscal. Tal contabilidade é também destrutiva da credibilidade que os agentes econômicos depositam no governo.

Há quem veja essa queda de credibilidade demonstrada mais recentemente de forma peculiar, pois a Bovespa andou reagindo positivamente a cada boato ou fato de que o prestígio da presidente Dilma Rousseff vem caindo entre a população. Mas nesta altura do processo eleitoral isso não deve ser tomado a sério, porque o mercado é propenso a especulações que visam o lucro. A oposição não se deve iludir com esses movimentos. Mesmo com o rebaixamento e outros tropeços, a presidente Dilma permanece favorita. Esta é questão a enfrentar realisticamente, ao contrário do que fez o governo ao encarar a decisão da S&P.

Voltando às críticas à mesma agência, quando ela atribuiu o grau de investimento ao País, em abril de 2008, ninguém do governo se lembrou dos equívocos da S&P ligados à crise, que vieram à tona já em 2007. Na ocasião o Brasil mereceu o grau, mas se não quiser perdê-lo o governo faria melhor se refletisse sobre seus próprios erros.

2015 já começou - CARLOS LOPES, GUILHERME MAIA E ROBERTO PADOVANI

O GLOBO - 03/04

Após anos de forte crescimento do consumo, a renda das famílias está comprometida com dívidas, há escassez de mão de obra e infraestrutura opera perto do limite


Após um período de forte crescimento, o governo vem promovendo ajustes na política econômica. O ciclo de alta de taxa de juros, a maior preocupação em comunicar as estratégias fiscais e os ajustes no programa de concessão são exemplos da reorientação de política.

Mas mal começou o ano e a maior instabilidade nos mercados internacionais limitou ainda mais as alternativas de política, fazendo com que parte das correções que esperávamos apenas para 2015 fosse antecipada já para este ano.

O ajuste não é má notícia. Mesmo que o preço a pagar seja um menor crescimento no curto prazo, como um PIB mais próximo a 1,5% em 2014, ajustes bem conduzidos podem construir um ambiente melhor a partir do próximo ano. Com um ambiente global mais saudável, a recuperação gradual da confiança e menores custos de produção podem permitir investimentos mais elevados e recuperação da competitividade da economia.

Apesar de um ambiente global de maior crescimento, o ano teve inicio com novas turbulências. De acordo com o FMI, a economia global irá se expandir 3,6% este ano e 4% em 2015, após crescer 2,9% em 2013. Este cenário favorável, no entanto, tem sido acompanhado por um rebalanceamento do crescimento, com as economias desenvolvidas apresentando um melhor desempenho que os mercados emergentes. A recuperação das economias desenvolvidas reforça a expectativa de normalização dos juros internacionais, menor liquidez e, portanto, menor demanda por ativos de risco. Neste caso, os investidores se tornam mais seletivos, fazendo com que menores fluxos de capitais pressionem câmbio e juros, desacelerando as economias emergentes.

Mesmo sendo relativamente fechada, a economia brasileira não tem sido poupada. Os esforços recentes feitos pelo governo para melhorar a qualidade e a comunicação de suas políticas não têm sido suficientes para fazer frente à maior seletividade dos investidores. O risco percebido em relação ao país aumentou e permanece acima dos níveis de seus pares da América Latina. Esta menor atratividade pode ser explicada, fundamentalmente, por um ambiente de baixo crescimento, aumento do risco fiscal e inflação elevada.

Do ponto de vista do crescimento, há amplo consenso de que o desempenho recente reflete esgotamentos cíclicos e estruturais. Após anos de forte crescimento do consumo, a renda das famílias está comprometida com o pagamento de dívidas, há escassez de mão de obra e a infraestrutura opera próxima ao limite. Com uma taxa de poupança doméstica em níveis historicamente baixos, o déficit em conta corrente voltou a ser uma preocupação. Estes fatores limitaram, e continuam limitando, o crescimento econômico.

A desaceleração econômica corrente, por sua vez, elevou o risco fiscal: a política de desonerações tributárias e a expansão das despesas acima do ritmo da economia não tiveram o mérito de simplificar o sistema de impostos e estimular o crescimento, que se manteve baixo e dificulta a recuperação das receitas do governo. Conjunturalmente, há os gastos gerados pelas dificuldades atuais no setor elétrico. As indicações das agências de classificação de risco refletem a percepção dos investidores de que os riscos têm se ampliado.

A inflação não mostrou alívio, apesar do desaquecimento. A piora das contas fiscais e externas elevou a vulnerabilidade da economia e contribuiu para reduzir os ingressos de capitais, depreciando a moeda. Além disso, a tendência de alta nos preços de energia e o fato de o mercado de trabalho seguir apertado, sustentando uma tendência de alta dos preços, reforçam os desafios para conduzir as expectativas de inflação em direção ao centro da meta. Como resultado, a inflação ao consumidor permanece próxima ao limite superior da meta e acima da média observada em países latino-americanos considerados seguros para investimento.

Com amplos desafios fiscais e inflacionários, a margem de manobra para a gestão econômica se reduziu. O Banco Central tem sido levado a continuar aumentando a taxa de juros e, da mesma forma, a possibilidade de piora no risco soberano é um incentivo para a reorientação da política fiscal, inclusive com cortes em investimentos públicos.

O ambiente econômico global e doméstico, portanto, reduziu as alternativas de política e implicou uma mudança mais rápida no viés das políticas fiscal e monetária, justificando o pessimismo quanto ao crescimento no curto prazo. O lado bom é que inflação mais baixa, estabilidade de dívida e câmbio flutuante, em conjunto com menores pressões no mercado de trabalho e condições mais favoráveis de infraestrutura, podem conduzir a maior crescimento econômico no médio prazo.

Era uma história que imaginávamos contar apenas a partir de 2015.

Mil e uma inutilidades - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 03/04

Para que serve uma comissão parlamentar de inquérito? Em tese, para que deputados e senadores investiguem um fato determinado com poderes próprios das autoridades judiciais. É o que diz o artigo 58 da Constituição.

Na prática, porém, hoje as CPIs servem a vários objetivos, nenhum deles relacionado à função propriamente dita de investigar. As comissões funcionam como palanques, chamarizes de holofotes, fábricas de manchetes, instrumentos de chantagem, objetos de negociações, ferramentas para troca de constrangimentos; com elas podem-se armar as maiores confusões confiando numa conta final de soma zero.

Mas resultam em desgaste para o Congresso como um todo e para o governo em particular, que faz toda espécie de movimentos vexatórios para evitar a instalação de uma comissão parlamentar de inquérito, com receio de que elas cumpram sua missão constitucional de trazer à luz fatos de aparência sombria.

Governos, todos eles, têm horror a CPIs. Em geral conseguem manejar a maioria para evitar sua instalação. É do jogo. Fora da regra é a manipulação escancarada de requerimentos como o que o Palácio do Planalto orientou sua base a apresentar para investigar casos que supostamente atingiriam os candidatos de oposição à Presidência da República.

Assim surgiu a ideia de uma CPI sobre o cartel dos trens do Metrô de São Paulo e os negócios relativos ao Porto de Suape, em Pernambuco, tendo como endereço Aécio Neves e Eduardo Campos. Se a proposta fosse para valer, tudo bem. A questão é que não é. Trata-se apenas de um estratagema para levar à rejeição da CPI da Petrobras.

Quer dizer, ao governo federal pouco importa se os casos do metrô e do porto merecem ser investigados. Basta que a Petrobras não seja objeto de atenção no campo político. Atenção com potencial de repercussão eleitoral negativa, bem entendido. Em matéria de uso político da empresa o governo do PT é o último a poder acusar os adversários, pois dessa matéria-prima muito se valeu e dela está roendo até o caroço.

De culpas. No momento em que aceitaram abrir sindicâncias para apurar ocorrência de torturas e mortes em estabelecimentos militares em diversas capitais do país, as Forças Armadas assumiram também o compromisso de não fugir da verdade histórica, já devidamente documentada e testemunhada. Pelo menos é o que está posto se não pretenderem se desmoralizar apresentando, ao fim dos trabalhos, relatórios que deem a essas investigações o caráter de simulação e acobertamento.

No caso de um resultado consistente, os militares pela primeira vez poderão admitir a responsabilidade da instituição pela violência extrema, nesses anos todos atribuída a excessos de agentes que teriam agido à revelia dos comandantes. Seria um passo importante na pacificação dos espíritos.

Um simbolismo que em nada afetaria a Lei de Anistia, cuja revogação não se dá por um mero ato de vontade, é de difícil execução. Precisaria necessariamente passar pelo Congresso hoje formado por pessoas e forças inteiramente alheias aos termos do pacto que abriu o caminho para retomada da democracia. O respeito àquele contrato firmado mediante as circunstâncias da época (final da década de 70) completa-se como um ato perfeito se todas as partes adotarem a baliza da verdade.

Não fecha. O vice-presidente da Câmara, André Vargas, primeiro disse que viajou de Londrina a João Pessoa no avião do doleiro Alberto Youssef, investigado pela Polícia Federal, porque os voos comerciais estavam muito caros. Depois afirmou ter se oferecido para pagar a despesa com o combustível estimada em R$ 20 mil. Uma das duas (ou ambas) versões é falsa: naquele trecho a passagem mais cara – “top”, comprada de última hora – sai a R$ 2.313.

Minoria ameaçada - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 03/04

A oposição levará ao Supremo tribunal Federal (STF) a decisão do presidente do Senado, Renan Calheiros, de, na prática, acatar a manobra situacionista e aceitar a realização de uma CPI da Petrobras enxertada de questões regionais que procuram atingir os dois principais candidatos oposicionistas à Presidência da República: uma investigação sobre o Porto de Suape, em Pernambuco, e as denúncias de cartelização no metrô paulista nos governos tucanos desde Mario Covas.

Ao enviar à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado o assunto, admitindo que uma CPI possa ser ampliada antes mesmo de ser instalada, Renan Calheiros está dando uma interpretação bizarra, que ele chamou de singela , à jurisprudência do STF, que já decidiu pela possibilidade de ampliação do temário de comissões parlamentares, mas dentro do mesmo escopo.

Como disse o senador Aécio Neves no debate de ontem do Senado, a partir dessa interpretação não haverá nunca mais CPIs em funcionamento, pois toda maioria poderá enxertar temas desconexos com o objetivo de inviabilizar a investigação do tema central.

O que está em discussão é a possibilidade de uma minoria parlamentar atuar na fiscalização dos governos. A senadora Ana Amélia, do PP do Rio Grande do Sul, chamou a atenção para o perigo de o Congresso ser manipulado pela maioria a ponto de inviabilizar a atuação da oposição, mas mantendo a aparência de uma instituição democrática.

Ela se referiu ao depoimento da deputada venezuelana cassada Maria Corina, que deu um depoimento no Senado sobre a opressão que a oposição sofre na Venezuela por parte da maioria chavista, retirando a capacidade de ação da minoria.

A CPI como instrumento da minoria e, portanto, fundamental à democracia, tem sido ressaltado em diversos momentos no Supremo. O ministro Celso de Mello, em determinado voto, disse que a prerrogativa de investigar da minoria, já deferida, não poderia ser comprometida pelo bloco majoritário. Não se pode deslocar para o Plenário a decisão final da instalação da CPI, já que é poder constitucional das minorias o de fiscalizar, investigar e responsabilizar, a quem quer que seja, por atos administrativos .

Também o ex-procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, definiu a intenção do legislador com relação às CPIs: (...) tenta-se impedir que investigações parlamentares fiquem sujeitas aos caprichos da maioria, geralmente desinteressada em apurar certos fatos que possam colocar em risco a reputação e os interesses que representa .

O consultor legislativo do Senado, Marcos Santi, afirma: No ato de criação de CPI, com a leitura e a publicação do requerimento, ou mesmo após a consumação dessas fases, as correntes parlamentares que a ela se opõem muitas vezes tentam inviabilizar o inquérito parlamentar . Ele diz que entre as diversas maneiras de se tentar inviabilizar uma CPI, a análise da constitucionalidade do requerimento é das mais comuns e se caracteriza como um obstáculo adicional a ser superado para se viabilizar o inquérito parlamentar .

Esse confronto expõe, segundo ele, o que é denominado ´tensão entre o direito das minorias´, que, em tese, deveria estar assegurado com o preenchimento dos requisitos de criação da CPI, ´e os interesses da maioria´. O ministro Celso de Mello se refere com frequência em seus votos ao direito das minorias parlamentares de fiscalizar, de investigar e de promover o pertinente inquérito parlamentar , norma de garantia instituída pelo § 3º do art. 58 da Constituição da República.

A oposição, apoiada por senadores e deputados da base aliada, conseguiu também a formação de uma CPI mista para investigar a Petrobras, o que obrigará os governistas a novas manobras regimentais, com o auxílio da presidência do Senado, para barrar a investigação.

Provavelmente, a batalha regimental está perdida para a oposição devido à adesão de parcela ponderável do PMDB às manobras comandadas pelo Palácio do Planalto para impedir a investigação da Petrobras. Mas a luta política dará munição à oposição na campanha eleitoral.

Democracia relativa - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 03/04

BRASÍLIA - A democracia avança no Brasil, lenta e gradualmente, e anda para trás na Venezuela, célere e gravemente.

No Brasil, mesmo com enorme atraso em relação à Argentina, ao Uruguai, ao Chile..., a Comissão da Verdade tem exposto fatos e depoimentos impressionantes e as Forças Armadas, que jamais admitiram a tortura, criam comissões de sindicâncias para investigar essa prática em instalações militares. Decisão inédita e de grande significado.

Com a sua índole pacífica e no seu próprio ritmo, o Brasil vai aos poucos tornando oficial aquilo que todos já sabíamos por livros, entrevistas, alguns documentos. É, efetivamente, um reencontro com a sua história.

Mais cedo ou mais tarde, haverá a revisão da Lei da Anistia, que, compactuada entre os dois lados, impede até hoje processos, condenações e penas para agentes que torturaram, mataram e ocultaram cadáveres de opositores que, desarmados, estavam sob a custódia do Estado.

Mas não será tão já e a voz de comando partiu da presidente da República e comandante em chefe das Forças Armadas, Dilma Rousseff, ao defender os "pactos políticos" -leia-se a Lei da Anistia. Carregando, ela mesma, as marcas da tortura e das prisões, Dilma está, sabiamente, monitorando a oportunidade.

É de se supor que a revisão da Lei da Anistia virá, mas quando os responsáveis hierárquicos ou diretos pela tortura já estiverem em sua maioria mortos. Será uma manifestação simbólica, uma satisfação à história despojada de objetivo prático.

E a Venezuela? Jornais fecham por falta de papel, políticos são sumariamente cassados, manifestantes são presos, o número de mortos só cresce e a guerra extrapola fronteiras, com Maduro falando aos "povos" e a oposição cobrando os governos.

"Quantos mais assassinados para que os democratas do hemisfério escutem nossa voz?", indagou a deputada cassada Maria Corina, ontem, em Brasília. Quem vai responder?

O legado de Minas para o Brasil - ANTONIO ANASTASIA

CORREIO BRAZILIENSE - 03/04

Despedida não é coisa fácil. Mas essa hora é gratificante quando deixamos um legado, fruto do dever cumprido com ética e probidade. É assim que me sinto ao entregar o governo de Minas ao meu sucessor. Trabalharei agora a fim de que a rica experiência que desenvolvemos nos últimos anos no estado - hoje referência nacional e internacional em boa governança- contribua para a construção de um país mais eficiente e mais próspero.

Durante estes quatro anos - três anos e três meses do segundo mandato e nove meses do primeiro -, tive 20 milhões de parceiros. É ao povo de Minas, pela confiança traduzida, até o final, em altos índices de aprovação, que devo primeiramente agradecer. Quem acompanha minha trajetória sabe que sou, antes de tudo, um servidor público - professor de direito administrativo dedicado à gestão pública.

Não sou político de origem tradicional, mas técnico que apostou no poder transformador da política. Sempre acreditei que a máquina pública deveria se modernizar para oferecer às pessoas o máximo retorno social pelos tributos pagos.

Há mais de 20 anos, quando iniciava minha vida profissional, tive a sorte de encontrar um ambiente político - o PSDB - convergente com minhas ideias. Em 2003, com a vitória de Aécio Neves em Minas, começamos então a implantar o choque de gestão. Nosso legado, em uma década ininterrupta de inovações no gerenciamento do estado de Minas Gerais, conjuga eficiência de serviços públicos com modernização econômica e prioridade para a educação.

Fomos, por exemplo, o primeiro estado a colocar crianças com 6 anos de idade na escola e hoje colhemos os frutos desse pioneirismo, como a liderança nos rankings do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica e da Olimpíada de Matemática das Escolas Públicas. É essa visão, já testada no presente, que levaremos para o programa de governo do senador Aécio, futuro candidato à Presidência da República.

Choque de gestão nada mais é do que um processo de aprimoramento da máquina pública para enfrentar os gargalos que entravam o desenvolvimento. Graças a esse inovador modelo de administração pública, saímos de um deficit de R$ 2,4 bilhões para o deficit zero em 2004. Recuperamos a capacidade de investimento do estado e, com a profissionalização da máquina pública, passamos a cumprir metas socioeconômicas prioritárias para o bem-estar dos cidadãos - que opinam sobre essas escolhas.

Os bons resultados - medidos pelo governo federal, por instituições reconhecidas e organismos internacionais - logo se consolidariam. Na última década, Minas conquistou um patamar de IDH alto, a melhor educação básica, a mais alta expectativa de vida e o melhor desempenho do SUS no Sudeste, taxa de desemprego inferior à nacional, maior participação no PIB e melhor renda. Como já atingimos sete dos oito Objetivos do Milênio, repactuamos com a ONU, de forma inédita, metas sociais mais elevadas para 2015.

A criminalidade ainda nos desafia - como ocorre nos demais estados -, mas não esmorecemos: inauguramos, em parceria com a iniciativa privada, o complexo prisional mais moderno do país. E seguimos campeões em investimentos em segurança pública, incremento que se deu também em saúde, educação e infraestrutura.

Adotando o inovador Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) da ONU - que mede privações além da renda -, criamos o Programa Travessia e diminuímos fortemente a pobreza. Nenhum dos 853 municípios mineiros ostenta mais IDH muito baixo - eram 213 em 2000. Os com IDH baixo são 73, contra 425 anteriormente. Os demais 92% têm IDH médio, alto e muito alto.

Nossa capacidade de planejar tornou-se fator de estabilidade e segurança para o mercado. Conquistamos o "grau de investimento" concedido por agências internacionais de risco, fruto da boa gestão das contas públicas e de uma economia ativa e cada vez mais diversificada. Nada disso ocorreria, entretanto, sem um duro e contínuo trabalho coletivo - da minha equipe e de todo o funcionalismo, aos quais sou muito grato. Uma jornada que já vai além das montanhas de Minas e renova a esperança no futuro do país.´

Bom Senso F.C. - SÍLVIO RIBAS

CORREIO BRAZILIENSE - 03/04
No meio de várias insanidades econômicas e políticas que dominam o atual momento do país, emerge um fato tão inusitado quanto inspirador. O contundente apelo por racionalidade feito por um grupo de profissionais da maior paixão nacional, o futebol, bem que serviria de exemplo para outras áreas da vida brasileira. Cansados de conviver com os abusos praticados dentro e fora do campo pelos clubes e dirigentes, com prejuízos a profissionais e torcedores, os craques que lideram o Bom Senso F.C. deixaram a omissão de lado e partiram para o ataque, listando propostas concretas. Seu movimento pede calendário decente de jogos, equilíbrio financeiro do sistema e respeito ao público pagante. Simples assim.
Quem nos dera que políticos, gestores públicos, juízes e líderes empresariais repetissem a iniciativa dos jogadores e se mobilizassem em favor de bandeiras óbvias, agitadas por milhões de compatriotas há décadas. Se a democracia nos dá liberdade de expressão e de organização, por que não pleitear a correção de rumos em coisas evidentemente erradas? As manifestações que tomaram as ruas em 2013 foram catarse de demandas reprimidas, difusas e misturadas. Ela foi válida para mostrar que a sociedade não é complacente com os malfeitos e com a letargia do Estado em dar respostas às carências mais imediatas do cidadão. Mas chegou a hora de esse brado retumbante se focar na razoabilidade.

Vamos logo aos exemplos. Seria razoável libertar criminosos de baixíssima periculosidade, dando a eles penas alternativas, e manter por mais tempo na cadeia assassinos e corruptos irrecuperáveis. Seria gesto minimamente responsável o governo pedir à população que economize água e energia elétrica para atravessar o período de estresse hidrológico, o maior em 80 anos, deixando de gastar dezenas de bilhões de reais em termelétricas de geração poluente. Seria redentor se caciques partidários defendessem profundo corte de gastos parlamentares, incluindo o número de deputados e senadores.

Embora seja tarde, o bom senso ainda nos manda perguntar quais as justificativas para autorizar 12 cidades sedes da Copa do Mundo, que começa em pouco mais de dois meses e com estádios ainda hoje em obras. Seria o ideal cerca da metade. Marcaria gol de placa a presidente Dilma Rousseff se reconhecesse que decisões equivocadas podem ocorrer quando se abandonam a serenidade e os critérios justos e racionais.

O torturador e o ladrão - EUGÊNIO BUCCI

O ESTADO DE S. PAULO - 03/04
Oxalá, daqui a 50 anos, a mentalidade brasileira também não tolere a corrupção como método

As costeletas adensadas do delegado Sérgio Paranhos Fleury deslocavam o centro de gravidade nos contornos daquele semblante obscuro. A região acima da testa se dissolvia na sombra, em fade out, enquanto os maxilares se fixavam como chumbo na base do rosto, daí descendo sobre os ombros. Eram ombros em declive, no formato de uma seta. Ou melhor, de uma gota. O homem era uma gota gigantesca, descerebrada, uma gota de metal e vísceras. Nas fotos em preto e branco vemos seus olhos, ora amortecidos, ora mortíferos, refletindo não a alma, mas as vísceras. Fleury dedicou a vida, com muito suor e notável determinação, a perseguir, torturar e matar cidadãos indefesos. Imortalizou-se como o ícone maior da tortura no Brasil.

Que tenha sido também ladrão nas horas vagas não é o de menos. Nestes tempos em que a memória do golpe de 1964 ocupa o noticiário, há uma leitura obrigatória, que narra em detalhes um episódio em que o delegado tomou para si o que não lhe pertencia. O nome do livro é Minha Vida de Terrorista (São Paulo: Prumo, 2013), de Carlos Knapp.

Eis aqui um resumo do episódio. Nos anos 1960, Knapp era uma estrela ascendente da publicidade paulistana, dono da célebre Oficina de Propaganda. Usufruía os luxos e confortos que o dinheiro pode comprar, num endereço elegante nos Jardins. Tinha um jipão e uma Mercedes. Não era guerrilheiro, não deu tiro em ninguém, mas conhecia e admirava o pessoal da luta armada, a quem prestava pequenos favores, por assim dizer. Integrava a chamada "rede de apoio" da guerrilha. No início de junho de 1969, após ter socorrido um militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) ferido num assalto, caiu na mira da repressão. Em questão de semanas estava instalado num quarto em Montevidéu, com uma carteira de identidade falsa, à espera de um passaporte, também falso, que o levaria à Europa. Tinha consigo umas pecas de roupa. Quanto ao mais, deixara tudo o que tinha no Brasil: os filhos, os livros, seus papéis,os amigos,o
saldo bancário, o clube Harmonia (onde jogava tênis na hora do almoço) e os dois carangos bem ao gosto da Jovem Guarda. Cada coisa tomou um rumo improvável, cada qual à sua maneira. A Mercedes virou butim nas mãos de Fleury, que a roubou como quem se serve de amendoim durante a espera num restaurante.

Bem-humorado, Knapp conta que foi a única pessoa na face da Terra a lamentar a morte do notório torturador: gostaria de ter movido contra ele um processo por apropriação indébita, o que nunca foi possível. Não falta humor à narrativa de Minha Vida de Terrorista, embora a história seja traumática. Assim como não perde a ironia para se lembrar da morte de Fleury (que o homem morreu afogado no dia i.° de maio de 1979, aos 46 anos, ao lado de sua lancha novinha, em Ilhabela),o autor sabe rir de seus próprios desencontros e das trapalhadas de algumas das ações da ALN. O relato sobre os dias em que Carlos Marighella se hospedou em sua casa, na Rua Sofia, é feito com graça e delicadeza. O líder máximo da guerrilha, já declarado o "inimigo público número 1", gostava de sair à rua e para se disfarçar cobria a calva com uma peruca avermelhada, que chamava mais atenção do que uma melancia no pescoço.

Lá pelas tantas, começou a insistir com o dono da casa para que pusessem em prática um plano ultrarrevolucionário: assaltar os ricos que jogavam baralho no clube Harmonia. Carlos Knapp só conseguiu demover seu hóspede dessa ideia quando o convenceu de que os frequentadores da jogatina eram todos falidos. Meses depois, quando Fleury comandou a emboscada que matou Marighella em São Paulo, no dia 4 de novembro de 1969, Knapp estava no exílio, tentando reagrupar os cacos que haviam sobrado de seu destino. Marighella foi um assaltante sem nunca ter sido ladrão. Fleury foi ladrão sem ter nunca sido assaltante. E ele, Knapp, queria encontrar emprego, trabalhar, reaver seus filhos e ganhar a vida honestamente. Não queria nada com a ditadura. Queria distância dos torturadores. E dos ladrões.

Hoje, aos 85 anos, morador de uma pequena casa de campo não muito longe de São Paulo, no convívio dos filhos, o autor de Minha Vida de Terrorista sela o reencontro em paz com a sua biografia - uma linha reta, apesar de tantos descaminhos. Carlos Knapp foi (e é) gauche na vida, isso sim. Jamais se dobrou moralmente à lógica de um regime que torturou e matou compatriotas honestos. Do mesmo modo, não saiu por aí batendo palmas para aqueles que, do alto de um posto de autoridade, aproveitam para se apossar do alheio.

O Brasil vive um momento impressionante de balanço histórico e de reflexão sobre os princípios e os meios da política. Embora tardiamente, a mentalidade média vai aprendendo que a tortura não vale, é inaceitável (ainda que presos comuns sofram com ela diariamente, até hoje; ainda que uma multidão de Amarildos lote túmulos anônimos). A cultura política ainda não assimilou, contudo, que subtrair dinheiro público ou bens privados - sob a alegação de usá-lo em "benefício da boa causa" - constitui um crime igualmente torpe, igualmente inaceitável.

Ali pelos idos de 1968,1969, alguns abastados diziam que a tortura era abjeta, mas necessária para salvar o Brasil do risco da tirania comunista. Hoje são incontáveis os que dizem que os dinheiros "não contabilizados" constituem um incremento indispensável se quisermos mesmo "mudar o Brasil". Estão aí, para todos os lados, em todos os partidos, os escândalos financeiros comprometendo gente que se julga predestinada ao panteão dos heróis da Pátria. Acham que o dinheiro da corrupção é troco, assim como era troco o automóvel de um exilado.

Oxalá, daqui a 50 anos, a mentalidade brasileira se livre dessa chaga que é tolerar a corrupção como método, assim como se vai livrando, só hoje, da vergonha extrema de ter abençoado a tortura.

Mobilidade na rodovia - ANTÔNIO CARLOS BOECHAT

O GLOBO - 03/04

Estradas não estão preparadas para demanda


Obras de caráter social e urbano, com impacto no dia a dia da população, estão na mira da presidente Dilma Rousseff, que prepara a terceira etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 3) para ser executada já em 2015, tendo como ponto central a melhoria da mobilidade urbana em grandes e médias cidades.

A mobilidade urbana, que, na verdade, deve ser pensada como humana, vai ao encontro do conjunto de propostas incluídas no Projeto 2022, lançado em 2012 pelo Sistema Firjan para alavancar, sobretudo, os setores de infraestrutura e logística.

Em virtude de investimentos governamentais já previstos ou em andamento em determinadas regiões do país, várias cidades, sobretudo as de menor porte, terão o fluxo rodoviário drasticamente impactado. É o caso dos municípios que compõem o Noroeste Fluminense. A região é o corredor de ligação natural entre o Centro-Oeste do país e os litorais Norte Fluminense e Sul do Espírito Santo, regiões que terão esse fluxo naturalmente ampliado com a operação de investimentos na área portuária. No entanto, assim como acontece no resto do país, nossas rodovias não estão preparadas para atender a essa demanda adicional.

Para se ter ideia, hoje os caminhões chegam a transportar cargas 750% mais pesadas que no passado. O volume de veículos também aumentou assustadoramente: foram fabricados nos últimos dez anos mais caminhões que nos últimos cem anos. No entanto, isso não foi acompanhado por condições adequadas de infraestrutura. Nossas rodovias continuam as mesmas, com pistas simples, suportando de forma precária a tonelagem, a potência e a frenagem dos veículos modernos.

Por isso, entre as propostas compiladas no projeto estão a duplicação e a pavimentação de importantes rodovias que cortam nossos municípios, permitindo a melhoria da qualidade operacional, diminuição do tempo de viagem e elevação do nível de segurança do corredor natural. Desafogar o trânsito de cargas pesadas dos centros de nossas cidades é outro grande desafio ao se pensar em crescimento ordenado. Assim, o Projeto 2022 também inclui criação de arcos que interligam, em pontos estratégicos, importantes rodovias federais e estaduais, o que contribui ainda para o melhor escoamento da produção regional e o aumento de áreas comercialmente interessantes face ao novo fluxo.

Em nível nacional, a essência do Projeto 2022 defende que o crescimento de pequenas cidades ocorra de maneira ordenada e planejada, de forma a preservar a qualidade de vida, que é o maior diferencial do interior. As ações para o desenvolvimento do interior devem ser pensadas com agilidade simultânea aos investimentos em grandes e médias cidades, e não como consequência disso. Enquanto as cidades inseridas no projeto governamental já sofrem com os impactos do crescimento desordenado, e por isso demandam adequações para contornar seus problemas de mobilidade, é fundamental pontuar a necessidade de preservar e lapidar as potencialidades do interior enquanto ainda há tempo.

Censura escancarada - JAIR BOLSONARO

FOLHA DE SP - 03/04
Chegará o momento em que um novo 31 de março não será suficiente para impedir o Brasil de ser lançado nos braços do comunismo
Que pavor um só homem causa à esquerda brasileira a ponto de lhe cassar a palavra da tribuna da Câmara dos Deputados, a não ser o temor à verdade?
O discurso que me acabou sendo proibido na terça-feira abordaria fatos como o ocorrido em março de 1963, na sede do Sindicato dos Operários Navais, em Niterói (RJ), por ocasião do Congresso Continental de Solidariedade a Cuba, patrocinado pelo Partido Comunista Brasileiro, onde Luís Carlos Prestes proferiu: "Gostaria que o Brasil fosse a primeira nação sul-americana a seguir o exemplo da pátria de Fidel Castro".

Com as mulheres nas ruas, a imprensa, a Igreja Católica, os governadores de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro clamando pelo fim da corrupção generalizada, da desordem social e da radicalização ideológica e pela preservação das instituições democráticas, o Congresso, por aclamação, declarou vago o cargo de presidente da República, ou seja, cassou João Goulart.

Em 9 de abril de 1964, este mesmo Congresso, com votos de Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Juscelino Kubitschek, Afonso Arinos, num total de 361 deputados e senadores, elegeu Castello Branco presidente da República.

A alegação de quase 400 mortos e desaparecidos --em sua maioria, sequestradores, terroristas, assaltantes de banco, ladrões de armas-- seria um preço muito pequeno para que, hoje, nosso povo não vivesse nas condições dos cubanos. Não tivesse Fidel Castro treinado e financiado a luta armada no Brasil, certamente, no início dos anos 70, o poder teria sido passado aos civis.

O comandante do Exército cubano ofereceu ao anistiado Carlos Eugênio Paz cem homens armados até os dentes para a guerrilha do Araguaia. Confesso que, como militar, preferia enfrentá-los na selva a conviver nas cidades com a sombra de 10 mil agentes cubanos, "desarmados" e travestidos de médicos.

Que moral tem um governo para falar em tortura quando esconde qualquer investigação sobre o sequestro, tortura e execução do prefeito Celso Daniel, justiçado pelos próprios companheiros; quando cria uma Comissão da Verdade cujos integrantes são indicados por alguém como a presidente, que, à frente de grupos terroristas como VPR, Colina e VAR-Palmares, sujou suas mãos de sangue de inocentes como o tenente Alberto Mendes Júnior, executado a pauladas nas matas do vale do Ribeira, e o recruta do Exército Mário Kozel Filho, morto por carro bomba no QG do então Segundo Exército? A esquerda continua posando de vítima na busca de compaixão, votos e poder.

Hoje, currículos escolares doutrinam 30 milhões de alunos do ensino fundamental com ideologias de países que nunca admitiram liberdade em seu solo. Com textos e gravuras, livros condenam o capitalismo, o livre mercado e a propriedade privada, exaltando o socialismo como remédio para todos os males.

Por Projeto de Lei, querem punir pais com pena de afastamento do lar por uma simples palmada no filho malcriado. A PEC (proposta de emenda constitucional) 57A/1999 aplica um duro golpe no direito à propriedade privada ao punir com expropriação de imóvel rural ou urbano aquele considerado autor de prática de trabalho escravo, aí incluído o análogo à escravidão.

Como Lênin disse que "compraria da burguesia a corda para enforcá-la", afirmo que o PT vem comprando no Congresso os votos para fechá-lo e em grande parte da mídia matérias para silenciá-la.

Chegará o momento em que um novo 31 de março ou uma nova Operação Condor não serão suficientes para impedir o Brasil e a América Latina de serem lançados nos braços do comunismo. Que o diga o Foro de São Paulo congregado pelo PT, pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e pelo que há de pior na América Latina. 

A presidente desmentida - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 03/02
Seja lá o que resulte da disputa entre a base aliada do governo e a oposição no Senado sobre a CPI que, de uma fornia ou de outra, terá como peça de resistência a cada vez mais suspeita compra da Refinaria de Pasadena, pela qual a Petrobrás pagou uma fortuna e mais alguma coisa, a abertura do inquérito parlamentar tornou-se ontem definitivamente imperativa. O fato novo que nenhuma esperteza será capaz de escamotear mediante as mesmas espertezas a que o PT e a ala leal do PMDB recorreram nos últimos dias - com a aprovação da presidente Dilma Rousseff e a cumplicidade do titular do Senado Renan Calheiros - foi a incandescente revelação do advogado Edson Ribeiro.
Patrono do ex-diretor da área internacional da petroleira, Nestor Cerveró - demitido há 13 dias do cargo de diretor financeiro da BR Distribuidora, que passou a ocupar seis anos depois do escândalo de Pasadena -, Ribeiro mergulhou a presidente no que é sem dúvida a sua pior enrascada desde que ascendeu ao Planalto.

Na semana atrasada, como se recorda, informada de que o Estado tinha apurado que a compra de metade da refinaria a preço extravagante havia sido autorizada em fevereiro de 2006 por decisão unânime do Conselho de Administração da Petrobrás, que ela chefiava na condição de ministra da Casa Civil no governo Lula, Dilma se saiu com uma explicação literalmente extraordinária que a deixou em confronto com a atual dirigente da empresa, sua até então amiga Graça Foster, e o antecessor José Sérgio Gabrielli.

Separadamente eles foram se explicar ao Congresso no ano passado e imaginavam ter administrado as reações ao malfadado negócio, trazido a público em 2012 pelo Broadcast, o serviço em tempo real da Agência Estado. Ainda assim, o caso entrou na mira do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro, por suspeita de superfaturamento e evasão de divisas. Em 17 de março, numa nota de próprio punho ao Estado, a presidente declarou que o seu voto favorável à época se baseou em um mero resumo executivo, "técnica e juridicamente falho", dos termos da transação por se consumar. O texto de um par de páginas omitiu duas cláusulas descaradamente favoráveis à empresa belga Astra Oil, em vias de se tomar parceira da Petrobrás. Se as conhecesse, alegou Dilma, "seguramente" teria se oposto à assinatura do respectivo contrato.

O texto cujas lacunas foram usadas para preencher a autodefesa da presidente foi preparado por Cerveró, como lhe competia como responsável pelas atividades da estatal no exterior. Ele teve a ajuda, como se viria a saber, do colega que então dirigia o setor de Refino e Abastecimento da empresa, Paulo Roberto Costa. Dias depois da estarrecedora confissão da presidente, Costa foi preso pela Polícia Federal sob a acusação de ter ligações com o conhecido operador do mercado clandestino de câmbio Alberto Yousseff, chefe de uma extensa rede de lavagem de dinheiro. Costa, que saiu da Petrobrás depois que Graça o tirou do cargo, continuou buscando grandes negócios amparado pelas amizades e interesses que manteve na petroleira.

Enquanto novos aspectos da história de Pasadena continuavam a alimentar o noticiário, já agora dominado pelas artimanhas do governo para impedir ou desfigurar a instalação da CPI pedida pela oposição, o advogado de Cerveró tratou de fazer jus aos seus honorários. Na terça-feira, Ribeiro circulou pelas duas Casas do Congresso, o TCU e a Polícia Federal - que também apura a esbómia da refinaria -, distribuindo cartas em que seu cliente se diz pronto a prestar os esclarecimentos que lhe venham a ser cobrados. No dia seguinte, com profissional senso de oportunidade, lançou a sua bomba. Desmentindo a presidente, afirmou que ela e os demais conselheiros da Petrobrás à época receberam a íntegra da proposta do contrato com a Astra Oil 15 dias antes da fatídica reunião em que foi aprovada.

"Os conselheiros tiveram tempo hábil para examinar o contrato. Se não o fizeram, foram no mínimo levianos ou praticaram gestão temerária", disse Ribeiro à Folha de S.Paiüo. Resta saber, se o desmentido ficar comprovado, como Dilma se sairá dessa. Se é que conseguirá sair.

O mérito como critério - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 03/04

O país precisa encarar uma reforma da gestão pública, na qual os servidores sejam admitidos com base em normas impessoais e valorizados por merecimento.


Em artigo publicado na edição desta semana da revista Veja, o ex-ministro Mailson da Nóbrega sugere que já é hora de o país profissionalizar o serviço público, criando métodos competitivos para a escolha de dirigentes de órgãos governamentais e de empresas estatais. Tal providência, argumenta o economista, aumentaria a eficiência da administração, reduziria o potencial de corrupção e ajudaria a moralizar a vergonhosa negociação de cargos por alianças políticas, que se verifica a cada eleição no país. Eis aí uma bandeira que deveria ser empunhada por candidatos e partidos realmente comprometidos com os interesses da nação. Só um compromisso firme com a valorização do mérito como critério único no serviço público poderia levar a uma necessária reforma da gestão pública.
Os últimos ocupantes do Palácio do Planalto, incluindo a presidente Dilma Rousseff, comprometeram-se desde o início de sua gestão em reduzir o número de servidores indicados por critérios políticos. O total de cargos de confiança, porém, só tem crescido a cada ano, tanto no âmbito da União quanto no dos Estados e da maioria dos municípios. Só em âmbito federal, mais de 20 mil seriam preenchidos hoje por indicação política, lembra o ex-ministro. Na Inglaterra, pioneira na profissionalização do setor público, o total não passaria hoje de cem cargos, incluindo ministros. Ao reduzir o número, a Inglaterra conseguiu debelar os níveis de corrupção e ainda assegurou maior eficiência nos serviços prestados pelo poder público.
No Brasil, os efeitos mais visíveis de uma tradição patrimonialista vão desde distorções sérias no funcionamento da máquina governamental aos casos de corrupção. Atividades como as exercidas por instituições como o Banco Central, por exemplo, no qual há pouco uso de cargos de confiança, são consideradas exemplares. Já os efeitos sobre estatais mais disputadas politicamente, como é o caso da Petrobras, são desastrosos. O resultado final dos desmandos é um custo político e econômico que acaba sendo arcado por todos os brasileiros, potencializado pela péssima qualidade, de maneira geral, dos serviços prestados.
Uma das dificuldades de reverter o quadro é que, aos poucos, a sociedade se conformou em aceitar essa situação como normal e inevitável, quando não é. Em consequência, o comando do setor público se mantém nas mãos de políticos interessados em reforçar a renda familiar, a de amigos e correligionários, prejudicando o conjunto dos servidores admitidos por concurso e, de maneira geral, dispostos a fazer o melhor. Por isso, como adverte o ex-ministro, o país precisa encarar de imediato uma reforma da gestão pública, na qual os servidores sejam admitidos com base em normas impessoais e valorizados por merecimento.

A omissão de Calheiros - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 03/04

Presidente do Senado jogou a decisão sobre as CPIs da Petrobras para a Comissão de Constituição e Justiça, onde a base aliada tem maioria esmagadora



Em nosso editorial de ontem, manifestamos a esperança de que Renan Calheiros, presidente do Senado, tivesse uma atitude nobre em relação aos requerimentos e questões de ordem que pretendiam criar e sepultar duas Comissões Parlamentares de Inquérito: uma, de iniciativa da oposição, para investigar quatro denúncias envolvendo a Petrobras; outra, do governo, que juntava ao caso da estatal petrolífera o suposto cartel ferroviário em São Paulo e no Distrito Federal, o Porto de Suape, em Pernambuco, e a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) – alvos escolhidos a dedo para atingir os futuros adversários de Dilma Rousseff na eleição presidencial de outubro. Calheiros, no entanto, fiel a seu histórico, não mostrou a correção que dele se esperava: rejeitou as duas questões de ordem e remeteu à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado a decisão final sobre a instalação das CPIs.

No caso da comissão proposta pela oposição, está mais que clara a necessidade de aprofundar a investigação sobre os diversos escândalos em que a Petrobras vem se metendo recentemente, incluindo o prejuízo bilionário na compra da refinaria de Pasadena e as denúncias de propinas pagas por uma empresa holandesa a funcionários da estatal. O argumento de que a investigação é inconveniente por se tratar de ano eleitoral, defendido por setores do PT, não se sustenta, como já reforçamos anteriormente, por implicar que existiria uma “carta branca” para isentar malfeitos de apuração a cada dois anos. Mas a questão de ordem da senadora paranaense Gleisi Hoffmann argumentava que os quatro fatos que a oposição gostaria de investigar seriam “desconexos” – como se não fosse suficiente o fato de todos eles demonstrarem as falhas evidentes na gestão da empresa. Calheiros rejeitou o pedido de Gleisi – foi sua única ação acertada ontem.

Mostrando pouca ou nenhuma coerência com sua argumentação no caso da CPI da oposição, o PT apresentou outro requerimento – aí, sim, pedindo que uma única comissão investigasse denúncias totalmente independentes entre si. Foi a vez de o tucano paulista Aloysio Nunes Ferreira contestar o pedido governista, alegando que o Regimento Interno do Senado, em seu artigo 146, afirma que “Não se admitirá comissão parlamentar de inquérito sobre matérias pertinentes: (...) III – aos Estados”. Essa questão de ordem também foi rejeitada pelo presidente do Senado, sob a alegação de que “na medida em que projetos dessa natureza [Suape e metrô] são financiados por operação de crédito aprovadas pelo Senado, tais matérias podem, sim, ser investigadas pelo Senado”.

Ao transferir para a CCJ a decisão sobre as CPIs, Calheiros faz o jogo do governo, pois a comissão é dominada pela base aliada – apenas seis dos 28 integrantes são oposicionistas. Não é muito difícil imaginar o resultado que possa surgir na CCJ, que se reúne na semana que vem. Por isso, a esperança que sobra à oposição é emplacar a CPI mista, com senadores e deputados. O pedido foi protocolado ontem, com o número necessário de assinaturas de parlamentares, e Calheiros marcou para o dia 15 uma sessão conjunta das duas casas, em que ocorrerá a leitura do requerimento. Esse parece ser o melhor caminho para que as investigações, tão necessárias para que a população brasileira possa conhecer as dimensões exatas do descalabro em que se transformou a administração da Petrobras, efetivamente ocorram.

Contribuinte é que pagará pela imprudência na energia - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 03/04

O governo quis angariar dividendos políticos com uma redução das tarifas em 2013, quando já havia sério risco de encarecimento no custo de geração de eletricidade



O Brasil construiu nos últimos quinze anos um considerável parque térmico para energia elétrica. Complementado pelas usinas eólicas, esse parque tem evitado que o país racione eletricidade nos anos de pouca chuva nas regiões onde se localizam as bacias de rios, formadoras dos principais reservatórios de água.

A matriz de energia elétrica brasileira é predominante hidráulica e cada vez mais dependente do regime de chuvas, pois as novas hidrelétricas foram construídas a fio d’água, ou seja, sem reservatórios de acumulação.

Parte das usinas térmicas foi construída com objetivo preventivo, emergencial. Somente devem ser usadas em situações críticas, porque queimam diesel, óleo combustível ou gás natural importados. Além de poluentes, são combustíveis caros.

Por ter uma matriz predominantemente hídrica, com regimes de chuvas distintas entre as várias regiões do país, o sistema elétrico brasileiro opera de maneira interligado, muitas vezes transferindo, por longas linhas de transmissão, grandes cargas de eletricidade. Se por um lado esse sistema assegura o fornecimento, por outro também tende a encarecer a energia.

Essa malha de fornecimento é formada por diversas companhias. Nem toda energia consumida é previamente contratada a um preço determinado. Uma parcela é negociada livremente a preços que dependem da energia armazenada nos reservatórios e da utilização, ou não, das usinas térmicas mais caras.

Em 2013, as usinas térmicas foram usadas intensamente. Mesmo assim, o governo Dilma Rousseff tentou angariar alguns dividendos políticos com uma redução de tarifas. Fez o anúncio, de maneira oportunista, como se estivesse repassando aos consumidores os ganhos originados de um processo de eficácia gerencial, a partir da renovação de concessão de hidrelétricas até então sob responsabilidade de companhias estatais. Nada mais falacioso.

Já naquela ocasião o governo preferiu ignorar o risco de uma possível escassez de energia devido ao baixo volume de água armazenado nos reservatórios.

No primeiro trimestre deste ano o governo decidiu correr o risco mais uma vez, enquanto a situação se tornava mais crítica por falta de chuvas na época e nos lugares certos.

O resultado, já indisfarçável, é que a conta pesará diretamente no bolso do consumidor, sobretudo a partir do ano que vem. Até lá, conta chegará pela via indireta: o Tesouro terá de desembolsar alguns bilhões para cobrir o encarecimento da energia.

As finanças públicas já estão meio debilitadas e o governo se comprometeu, para reconquistar o crédito que vinha perdendo velozmente no mercado, a alcançar um superávit primário mais expressivo em 2014. Assim, para fechar as contas decidiu agora aumentar impostos sobre bens de consumo.

De um modo ou de outro, o consumidor-contribuinte é que arcará com a imprudência e imprevidência do governo no segmento de energia elétrica.

Expropriação na Venezuela - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 03/04
Em mais um inequívoco passo para a destruição das mais elementares relações econômicas na Venezuela, o governo de Nicolás Maduro deu o exíguo prazo de 60 dias úteis para que proprietários de imóveis residenciais alugados há mais de 20 anos os vendam a seus inquilinos, por um preço estabelecido segundo obscuros critérios do governo, e não os de mercado. Aqueles que se recusarem ou não cumprirem o prazo terão de pagar multas pesadas e poderão ter o imóvel expropriado.
Essa violência, mais uma no já longo histórico de arbítrio do chavismo, é consequência da regulamentação de uma disposição transitória da Lei de Regularização e Controle dos Arrendamentos de Moradias - um monstrengo aprovado em 2011, ainda sob o governo de Hugo Chávez, que atentou contra os direitos dos proprietários de imóveis residenciais. O falecido caudilho tentava resolver na marra, como era de seu feitio, o crônico déficit habitacional da Venezuela. Não foi suficiente construir a toque de caixa milhares de casas de péssimo acabamento para dá-las aos pobres em troca de sua fidelidade eleitoral; tomou-se necessário avançar sobre os bens privados.

Agora, por força da canetada de Maduro, passou a valer no país a estranha figura da "venda obrigatória" como forma de expropriação. Em qualquer democracia digna desse nome, em que vige o Estado de Direito, ninguém pode ser obrigado a desfazer-se de sua propriedade, a não ser em casos excepcionais, sempre no interesse público e em troca de correta compensação financeira. A Constituição da Venezuela - que Chávez vivia a brandir para dizer que sua truculência estava sempre amparada pela lei - garante o direito de propriedade e estabelece que a expropriação só pode se dar se houver utilidade pública e "mediante sentença firme e pagamento oportuno de justa indenização".

Até onde se sabe, apesar da barafunda de leis de exceção costumeiramente impostas pelo regime chavista, tal proteção constitucional continua válida. Assim, a nova medida do governo Maduro reitera que, na Venezuela, a Constituição, assim como a democracia, é de fachada. Imóveis residenciais alugados há ao menos 20 anos terão de ser vendidos aos inquilinos simplesmente porque, conforme os chavistas interpretam a Constituição, o direito à moradia "é uma obrigação compartilhada entre os cidadãos e o Estado em todos os seus âmbitos". Ou seja, os proprietários de imóveis são, queiram ou não, "sócios" do Estado no esforço de fazer com que todos na Venezuela tenham sua casa.

A legislação ora regulamentada declara de interesse público "toda matéria relacionada com o arrendamento de imóveis destinados à habitação". O aluguel de um apartamento, que deve- ria ser um arranjo privado, torna-se uma questão "estratégica" de Estado, conforme está dito na lei.

Os inquilinos não podem ser despejados em nenhuma hipótese e eles são, por definição, os compradores preferenciais do imóvel. Se esses inquilinos não puderem ou não quiserem adquirir o imóvel, os proprietários não podem procurar outro comprador - eles são obrigados a vender para o governo, que estabelece o preço. Ainda não se conhecem os critérios para fixar esse 'Ajusto valor", porque o governo, às voltas com o descontrole da economia, não estabeleceu o custo do metro quadrado para fins de desapropriação. Mas já se sabe que esse custo não levará em conta nem a inflação, na casa dos 50% anuais, nem as leis da oferta e da procura.

Nesses termos, é óbvio que os proprietários nada podem fazer a não ser aceitar qualquer valor que lhe for oferecido, certamente muito distante do que se pratica no mercado.

Desse modo, não é apenas a lei que Maduro está atropelando. É o bom senso. Em vez de criar condições para que o déficit habitacional diminua, a legislação estimula os proprietários a não alugar seus imóveis, pois a perda é garantida. Mas, num país em que os consumidores são obrigados a deixar suas digitais nos supermercados para que não possam voltar à fila e comprar mais do que o autorizado pelo governo, exigir racionalidade é perda de tempo.

Clima de insegurança - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 03/04
IPCC divulga relatório mais comedido sobre impactos do aquecimento global; mesmo com incerteza, países precisam planejar adaptação
Uma seca como a que assola a Grande São Paulo -além do Nordeste, da Austrália e da Califórnia- e esvazia seus reservatórios é precisamente o tipo de fenômeno climático extremo previsto entre os impactos do aquecimento global.
Embora seja prematuro estabelecer uma relação de causa e efeito entre isso e aquilo, parece certo que a mensagem sobre riscos da mudança do clima encontra terreno mais fértil na proximidade de tais eventos. Nesse sentido, veio em momento oportuno o novo relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima) divulgado domingo, no Japão.

Trata-se da segunda parte do AR5, o quinto relatório de avaliação do painel criado em 1988 pela ONU e pela Organização Meteorológica Mundial (o anterior, AR4, saiu em 2007). A primeira parte, anunciada em setembro, concentrara-se nos aspectos científicos da mudança climática; a atual focaliza os impactos socioeconômicos.

O novo volume do AR5 assinala um número maior de efeitos adversos em várias partes do mundo, muitos já em curso. Nota-se, porém, um rebaixamento geral dos níveis de certeza atribuídos às asserções e previsões do IPCC.

Isso se deve ao fato de o órgão ter adotado critérios mais exigentes para incluir projeções no relatório. O IPCC, afinal, sofreu considerável erosão de prestígio quando se verificou que em 2007 assimilara previsões alarmistas, sem base científica robusta, sobre o desaparecimento de geleiras do Himalaia.

Pelos novos padrões do painel, o grau de certeza atribuído a suas afirmações depende, entre outros fatores, do número de estudos científicos publicados que as corroboram. Isso fez aumentar, talvez artificialmente, a incerteza associada às consequências em países de menor renda, pois há muito menos pesquisas em andamento neles do que nas nações mais ricas.

Um exemplo que afeta o Brasil: no AR5 se atribui um nível de confiança menor ao risco de "savanização" da floresta amazônica, ou seja, de que o aquecimento global promova sua substituição paulatina por matas mais semelhantes ao cerrado (um tipo de savana).

Decerto esse rebaixamento não é motivo para cruzar os braços. Ninguém espera por sinais inequívocos de que um desastre vá ocorrer para contratar um seguro.

O AR5 ainda prediz coisas preocupantes, ainda que um pouco mais incertas, como um aumento da média de temperatura na América do Sul de 1,7°C a 6,7°C até o ano 2100 e uma redução de 22% das chuvas no Nordeste. O país precisa de mais iniciativas de adaptação, como desenvolver cultivares agrícolas mais resistentes à seca.

O mundo ainda não se pôs de acordo quanto a políticas conjuntas para reduzir as emissões de gases que realimentam o efeito estufa -e talvez nunca venha a fazê-lo.

Individualmente, contudo, os governos têm obrigação de preparar-se para os riscos que a mudança climática possa acarretar para a segurança alimentar e hídrica de suas populações.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Não fui eleito presidente do Senado para fazer favores com a lei”
Senador Renan Calheiros (PMDB-AL), escapando da decisão de criar CPI da Petrobras


SERRA APOSTA NO ‘VOLTA, LULA’ PARA SUBSTITUIR AÉCIO

Preterido no PSDB para se candidatar novamente à Presidência da República este ano, o ex-governador José Serra (SP) aposta na volta do ex-presidente Lula para tomar o lugar do desafeto Aécio Neves (MG) na disputa. De acordo com amigos do ex-governador, um eventual retorno de Lula colocaria em risco o domínio de Aécio sobre o governo de Minas, o que o faria recuar da briga nacional contra o PT.

DEIXA A VIDA ME LEVAR

Após participar de ato sobre 50 anos do golpe de 64, Serra filosofou: “Não defino meu destino político, é o destino que define o que farei”.

À ESPREITA

A queda de Dilma e o congelamento de Aécio nas pesquisas dão fôlego a Serra, que não comenta (nem ajuda) a campanha do mineiro.

SONHO DE VERÃO

O sonho de Serra esbarra em pesquisas internas do PSDB, mostrando que Aécio Neves voltou a recuperar terreno, na disputa presidencial.

SEM PERDÃO

Projeto da líder do PCdoB, Jandira Feghali (RJ), revê a Lei da Anistia e manda prender assassinos, torturadores, sequestradores e terroristas.

GOVERNO PRESENTEIA AÉREAS COM R$ 150 MILHÕES

Continua forte o lobby das empresas áreas no governo federal: a mais recente jogada para beneficiá-las condena à morte as agências de viagens. O governo passou a comprar passagens diretamente às empresas, ignorando as agências de viagem, contratadas por licitação. A despesa é igual, R$ 1,5 bilhão anuais, mas as companhias já não pagam a comissão de 10% das agências, no valor de R$ 150 milhões.

OTÁRIOS SOMOS NÓS

Por contrato, agências ganhavam desconto (repassado ao governo) por volume de passagens emitidas. Agora, o governo paga tarifa cheia.

TUDO FINGIMENTO

O poder das aéreas parece forte no Ministério do Planejamento, onde burocratas obtusos fingem “economia” e acabam cedendo ao lobby.

#NINGUÉM MERECE

O deputado Marco Feliciano (PSC-RJ) apoia a onda “não mereço ser estuprada”. “O estupro é uma barbaridade, uma perversão”, afirmou.

CONTA OUTRA...

O deputado André Vargas (PT-PR) jamais passaria por um detector de mentiras. A última dele é dizer que não sabia que a Polícia Federal investigava Alberto Youssef, doleiro condenado no caso do mensalão e acusado de lavar dinheiro sujo de traficantes. E de políticos corruptos.

NAS NUVENS

Na “concessão” do aeroporto do Galeão à Odebrecht, no Rio, Dilma disse que o avião é “o meio de transporte do povo brasileiro”. Jatinhos de doleiros e de empreiteiras continuam restritos às autoridades.

DE @TOMJOBIM PARA @DILMABR

“Prezada senhora, pode usar O Samba do Avião (“minha alma canta”) como canção de exilados, mas fiz a música nos EUA em 1962, com saudades do Brasil. Ah, e continuo não gostando de politicagem”.

REBELDES COM CAUSA

Membros do “blocão”, os líderes Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Bernardo Santana (PR-MG), Jovair Arantes (PTB-GO) e André Moura (PSC-SE) não colocaram os pés na reunião da base aliada ontem, na Câmara.

MADRASTA RUIM

Escalado para representar o PR na reunião, Lincoln Portela (MG) fez questão de deixar claro que o relacionamento do governo Dilma com a base aliada continua de mal a pior: “Ela tem sido uma madrasta ruim”.

CARAS DE PAU

Servidores da Universidade de Brasília, que adoram emendar férias com greve (já ficaram 6 meses em casa), ameaçam parar outra vez. Querem reduzir a jornada para 30 horas e o fim do ponto eletrônico, imune a fraudes. Faltou exigir óleo de peroba de graça para todos.

LOROTA ESTUDANTIL

A silenciada UNE diz só haver recebido R$ 44,6 milhões do governo Lula (refeitas as contas, foram R$ 57 milhões), e garante que sua sede ficará pronta em 2015. Por algum milagre da engenharia, certamente.

BOICOTE

Deputados se recusaram a comparecer a jantar com Michel Temer, terça, na casa do vice-governador do DF, Tadeu Filippelli. E o PMDB reagiu: marcou reunião de trabalho para quarta (9), no mesmo local.

PENSANDO BEM...

...se melhorar, piora a situação do vice-presidente da Câmara dos Deputados, André Vargas (PT-PR).


PODER SEM PUDOR

CAPACETE, SÓ AUTÊNTICO

A visita ao Brasil do presidente do Vietnã, Tran Duc Luong, em 2004, teve significado especial para o então ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, que visitara aquele país em 2003. De lá, trouxe uma ótima recordação: certo dia, quis comprar uma réplica do capacete usado pelos vietnamitas na guerra que venceram contra os Estados Unidos. Mas o guia não deixou, emocionando Aldo com a oferta:

- O senhor merece um capacete autêntico. Lutei na guerra como oficial do exército e faço questão de oferecer-lhe o meu...