segunda-feira, agosto 19, 2013

"Em um Mundo Melhor" - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 19/08

A verdade da coragem não é querer vencer, mas perder o medo de perder tudo que se tem


É possível um mundo melhor? Sim e não. Sim, é possível um mundo melhor a começar por melhores remédios, casas, escolas, hospitais, aviões, democracia (ainda acredito nela, apesar de ficar de bode às vezes).

Não, não é possível um mundo melhor porque algumas coisas não mudam, como o caráter humano, suas mentiras e vaidades, sua violência, mesmo que travestida de civilidade, nossas inseguranças, nossa miséria física e mental, nossa hipocrisia. Nossas ambivalências sem cura. Os valores são incomensuráveis. Você até pode achar que na vida vale mais a pena "ser" do que "ter", mas isso pode ser apenas um modo infantil de ver as coisas: não há "ser" sem o "ter" que sustenta tudo.

A famosa frase "que vão os anéis e fiquem os dedos" às vezes mais parece ser bem o contrário, "que vão dedos e fiquem os anéis", porque os diamantes são eternos, e os dedos, não.

Resumindo: mesmo a tecnologia e a ciência, grandes fatores positivos, podem ser elas mesmas terríveis. Não é outro o sentido de se perguntar "como educar depois de Auschwitz?", como se pergunta o filósofo Theodor Adorno. Mesmo a democracia pode virar coisa de "black blocs" ou demagogos que juram confiar na "sabedoria popular". E isso dá bode.

Recentemente revi o filme "Em um Mundo Melhor", de Susanne Bier, de 2010. Trata-se de um filme bastante didático, bom para escolas. Um médico sueco trabalha em algum lugar infeliz da África, enquanto sua família derrete na Dinamarca onde mora.

Seu filho é objeto de bullying (chamam-no de "rato" pelo dentes feios que tem e esvaziam o pneu da sua bicicleta o tempo todo). Ele nunca reage. É tímido e tem medo dos mais fortes. Sabe que se reagisse apanharia mais. Muitas vezes, a essência da coragem é perder o medo de sofrer além do que já se sofre. A verdade da coragem não é querer vencer, mas perder o medo de perder tudo que se tem.

Escolas de crianças são um escândalo. Um depósito de violência de todo tipo. Um lugar especialmente indicado se quisermos duvidar da existência de Deus usando o famoso argumento a partir do mal ("argument from evil", como dizem os filósofos da religião americanos): se Deus existe e é bom e todo-poderoso, como o mundo pode ser mau como obviamente é?

Há todo tipo de resposta para isso, e elas compõem o que em teologia se chama "teodiceia". Qual é o sentido de ser bom na vida? Há garantias de que o bem compensa? Não, não há, nenhuma.

Eu concordo com o filósofo Isaiah Berlin: não há teodiceia possível. Os valores são incomensuráveis entre culturas, pessoas, épocas históricas. Qualquer utopia não passa de um surto infantil projetado sobre o mundo. Não vai mais longe do que uma história de Branca de Neve.

Voltando ao filme. O médico é contra violência física. E vive isso de modo corajoso, não se pode negar. A vida que leva na África é prova de seu caráter. Enfrenta um sujeito que bate na sua cara na Dinamarca, quando está visitando sua mulher e filhos, de modo digno, revelando a estupidez que está por trás do brutamontes idiota.

Ela quer o divórcio porque se sente sozinha, é óbvio, e, aparentemente, além de deixá-la sozinha, ele andou comendo alguém por aí... Santo, mas nem tanto... Você pode salvar o mundo enterrando sua família. Olha aí a incomensurabilidade de que fala Berlin.

Ao final, seu princípio de não violência é testado na África e ele perceberá que para tudo existe um basta, e às vezes a violência é tudo que resta. Os pacifistas são também gente infantil.

Mas onde está esse mundo melhor no filme? A vida em casa degringola. O filho humilhado encontra um amigo que o protege na escola. Um menino corajoso, decidido e violento, que se move no mundo de modo oposto aos princípios do médico.

Na verdade, o menino é um desesperado, solitário, que acaba de perder a mãe de câncer, num processo doloroso que sutilmente o filme parece indicar ter chegado à eutanásia.

O mundo melhor parece ser aquele no qual as pessoas podem errar, pedir perdão e ser perdoadas. Um mundo melhor não é um mundo sem violência ou ambivalência, mas um mundo onde existe o perdão.

Fator Joaquim - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 19/08

O ministro Joaquim Barbosa, temperamento à parte, faz sucesso. Em menos de uma hora, mais de 300 pessoas se inscreveram para assistir, dia 30 agora, na Associação Comercial do Rio, à solenidade de entrega, ao presidente do STF, do Prêmio José Alencar de Ética em Gestão Pública.

Trabalho dobrado
O pessoal da Abin, a agência de inteligência estatal, anda trabalhando em dobro.
Tudo para tentar acompanhar a preparação de eventuais manifestações no 7 de Setembro, em Brasília.

Pai nosso, que estás...
Foi tenso o voo da Avianca que veio de Salvador e pousou no Rio às 20h do sábado. Perto da aterrissagem, houve uma turbulência, e a comissária deu um susto em todo mundo ao avisar no microfone:
— Senhores passageiros, os assentos das cadeiras servem ao pouso na água.

Beijo musical
“O Beijo no Asfalto”, clássico de Nelson Rodrigues, vai ganhar, acredite, uma versão em formato de musical por Claudio Lins.

No mais...
Do sociólogo baiano (nascido em Santo Amaro, terra de Caetano) Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982) no livro “O problema nacional do Brasil”, de 1959:
“Nossa situação política é definida pela crise de representatividade dos quadros partidários e governamentais. Esses quadros estão desligados da atividade prático-concreta do povo”.

Ou seja...
Mais atual, impossível. Tem que ser Friboi 

Apesar da polêmica, o Conar, que regula a ética na propaganda, ainda não foi acionado contra esta propaganda “Tem que ser Friboi”, estrelada por Tony Ramos.

Na quinta, a senadora Kátia Abreu, que é presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, discursou contra a empresa que “faz agressiva campanha de marketing, depreciando concorrentes que comercializam carne com qualidade idêntica à dela”.

Jogo da direita
O PSTU, um dos mais ativos grupos esquerdistas destas manifestações, fez, em seu jornal, críticas aos chamados “Black Blocks”, como são conhecidos estes novos anarquistas.

Diz lá que este tipo de ação do grupo, com depredação de bancos e lojas, “termina por fazer o jogo da direita, justificando a repressão”.

Ao agir como “provocadores da polícia”, os “Black Blocks”, segundo o PSTU, melaram algumas manifestações de rua contra Cabral.

É. Pode ser.

Aliás...
Black Blocks” é o cacete! 

A volta de Beth
Recém recuperada de uma doença que a deixou quase um ano no hospital, Beth Carvalho já tem data marcada para voltar aos palcos.

Será dia 7 de se tembro, no Vivo Rio, apresentando o show “Nosso samba tá na rua”.

Bem-vinda!

Intelectual católico
Hoje, o Centro Dom Vital fará uma homenagem póstuma a seu ex-presidente Luiz Paulo Horta.
O Centro, que reúne a intelectualidade católica, foi fundado em 1922 pelo sergipano Jackson de Figueiredo e chegou a ser presidido por Alceu Amoroso Lima.

Casa no meio
Tem gente achando que as obras da Transolímpica, nova avenida que ligará a Barra da Tijuca a Deodoro, correm o risco de não ficar prontas para as Olimpíadas de 2016.

O que se diz é que dos 1.400 imóveis que deveriam ser desapropriados, apenas dois já estão realmente desembaraçados.

The city
A CNN Internacional estreia hoje a série especial “The City”, que, segundo o canal, “descreve o futuro urbano sustentável de cinco cidades ao longo de cinco dias”. Sexta será a vez do Rio.

Eduardo Paes gravou no Morro da Babilônia e no Parque Madureira.

Cena carioca
Semana passada, o gerente de um hotel do Centro passava pelo Largo da Carioca de manhã cedinho, rumo ao trabalho, quando foi convocado por um pastor para dar um testemunho, na pregação que acontecia ali.
— Irmão, qual o primeiro sentimento que vem à sua cabeça diante do casamento gay?
O convidado segurou o microfone e mandou, convicto:
— Inveja!

Crianças brincando - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 19/08

RIO DE JANEIRO - Uma psicóloga da PM-SP defende que crianças de oito anos podem manusear armas de fogo, "desde que acompanhadas pelos pais". É normal, diz ela, que o filho de um policial tenha curiosidade sobre o instrumento de trabalho de seu pai, "assim como o filho do médico tem sobre o estetoscópio". A recente tragédia em São Paulo, envolvendo o menino Marcelo Pesseghini, 13, suspeito de matar seus pais (ambos, policiais militares), a avó e a tia-avó, e que se matou em seguida, tudo a tiros, não abalou sua convicção.

Vejamos. É normal que o filho de oito anos de um piloto de aviação tenha curiosidade sobre o instrumento de trabalho do pai --o avião. Isso autoriza o piloto a pôr o filho na cadeira do copiloto e "acompanhá-lo" enquanto ele pousa o aparelho levando 300 passageiros? O filho de um madeireiro, apenas por ser quem é, estará autorizado a brincar com uma motosserra? E o filho de um proctologista estará apto a manipular o instrumento de trabalho de seu pai?

O que dizer do filho de um funcionário de laboratório de análises encarregado de certos exames? E o filho de um carteiro, vai brincar com minha correspondência? E o de um bombeiro, vai brincar com fogo? E o de um motorista de ambulância? E os de quem trabalha com material tóxico, explosivo ou radiativo --como satisfazer sua curiosidade por aquelas coisas de que os pais falam com tanta naturalidade ao jantar?

A professora Maria de Lourdes Trassi, da Faculdade de Psicologia da PUC-SP, rebate o argumento da psicóloga da PM, dizendo: "O cirurgião pode até dar o estetoscópio ou a luva [para o filho brincar]. Mas não vai lhe apresentar o bisturi".

Também acho. E há muitas coisas com que o filho de um PM pode brincar --gás de mostarda, bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha--, sem ter de apelar para armas de fogo.

O que as urnas farão com as ruas? - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA

A pergunta, feita por um jovem durante debate na Casa do Saber, no Rio de Janeiro, provocou um silêncio pesado e ensurdecedor, na plateia e na mesa. Ninguém ousaria responder. O medo da radicalização se instalou nas casas, nas famílias, nos locais de trabalho. As ofensas de baixo calão na internet mostram que uma simples divergência de opinião leva pedradas e balas de borracha. O gás lacrimogêneo nubla a lucidez, o spray de pimenta favorece o extremismo. Não se prevê sequer o que acontecerá no próximo dia 7 de setembro. As redes sociais convocam todos os brasileiros para "o grito do gigante" contra a corrupção política.
Um tema válido e nacional, que causa a repulsa de todo cidadão de bem e transcende partidos. "Não existe corrupção do PT, do PSDB ou do PMDB. Existe corrupção. Não há corrupção melhor ou pior. Dos "nossos" ou dos "deles". Não há corrupção do bem. A corrupção é um mal em si e não deve ser politizada", disse o mais novo ministro do Supremo Tribunal Federal, Roberto Barroso. Concordo. Espero que a declaração de Barroso signifique que todos serão punidos. E não que todos serão inocentados, sob o argumento de que "sempre se roubou" no Brasil. Caso contrário, o julgamento dos mensaleiros virará uma chicana.
Barroso poderia acrescentar que os abusos e desvios não se restringem ao Legislativo. Contaminam o Executivo e também o Judiciário, Poder que ele representa. Há mordomias imorais para todo gosto entre os excelentíssimos representantes do povo. Ou Barroso acha válido que a gente pague R$ 101 milhões de auxílio-alimentação retroativo a juízes? Por isso, as ruas se levantaram com tanta indignação. Não porque as pessoas estão felizes e querem mais.
A corrupção mina a democracia e contribui para o padrão quinto-mundista de nossos serviços públicos: saúde, educação e transporte. O que mais tira o meu apetite são as condições dos hospitais públicos. Não tenho estômago para ver uma grávida de 16 anos parindo em frente às grades de um hospital, depois de não ter sido aceita no hospital anterior. Ou para ver idosos sentados em cadeiras ou amontoados em macas por dias, na emergência de hospitais à espera de um leito, tendo sofrido fraturas ou derrames. Ou saber que pacientes esperam um ano para fazer uma endoscopia. Ou olhar as filas imensas de doentes diante dos hospitais. São violações de direitos humanos. Diárias. Esse escândalo me dói mais que as fotos do Congresso Nacional de novo às moscas, com seus plenários vazios e votações em apenas dois dias da semana. O que fazer para forçar esse pessoal a trabalhar? Na quinta-feira, quase 400 congressistas marcaram o "ponto" e se mandaram. Nenhum projeto foi votado. "Se o povo sai das ruas, o Congresso sai dos trilhos", disse o senador Álvaro Dias. Onde estava o presidente do Senado, Renan Calheiros? Liderando uma comitiva para visitar em São Paulo o senador José Sarney, internado no Hospital Sírio-Libanês.
Nenhuma promessa em relação a transporte e corte de despesas foi cumprida. Ah, houve uma providência no Ceará: o governador Cid Gomes contratou um bufê de R$ 3,4 milhões para abastecer a cozinha da residência oficial e seu gabinete de bombinhas de escargot, salmão com caviar, camarões ao sol nascente, crepe de lagosta e sushi tropical, entre outras iguarias. Está no Diário Oficial e em reportagem no jornal O Globo.
Foi por tudo isso que a população apoiou a explosão de protestos em junho. Eram mais pacíficos, mais apartidários, mais familiares, tinham a "cara limpa" de quem nada deve, a emoção da solidariedade, a esperança de um Brasil mais justo. Seria uma pena que o ódio, de lado a lado, ganhasse as ruas, criasse mártires e prejudicasse quem mais precisa. Admiro os "coletivos" de jovens ansiosos para fazer diferença num país que não protestava. Critiquei quando um repórter da Mídia Ninja foi preso. Os vídeos feitos pelos ninjas foram essenciais para recolocar a cobertura e denunciar armações e "vandalismos" dos fardados. Mas, quando mascarados atacam hospitais - como ocorreu em São Paulo, na emergência do Sírio-Libanês - e agridem jornalistas profissionais... isso é coisa de fascista.
Vi uma menina de comunidade carente, na Casa do Saber, dizer, contrariada, que "os 100 mil que estavam nas ruas do Rio não eram os 100 mil que a gente queria, eram pessoas estranhas". Talvez porque fossem de classe média. Cuidado com a intolerância. Os manifestantes de hoje podem ser os ditadores de amanhã. A História está cheia de exemplos de irmandades que começam a lutar a boa luta e depois renegam a livre expressão. Torturam e matam seus próprios irmãos ninjas quando a dissensão se instala.

A altivez não tem dono - SERGIO FAUSTO

FOLHA DE SP - 19/08

É preciso muita viseira ideológica para qualificar a política externa do governo Fernando Henrique Cardoso como "submissa e passiva"


Em sua resposta ao artigo "Palpite infeliz", que publiquei neste espaço há duas semanas, Matias Spektor alertou-me para a disponibilidade de vídeos e textos referentes à conferência 2003-2013: Uma Nova Política Externa, organizada pela Prefeitura de São Bernardo e pela Universidade Federal do ABC, entre outras entidades. Fui ao site do evento para conferir o material.

A visita confirmou a minha expectativa de que o tom e o espírito da conferência haviam sido fundamentalmente de celebração da assim chamada política externa "altiva e ativa", em que pesem a boa qualidade de algumas das contribuições e o objetivo, meritório, de pensar o futuro e propor novas formas de participação da sociedade na formulação da política externa.

Aberto pelo prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, e encerrado pelo ex-presidente Lula, o evento contou com intervenções de ministros, dirigentes partidários e líderes sindicais ligados ao PT. Os especialistas que participaram são todos simpáticos à política externa dos últimos dez anos.

Respeito a biografia e o trabalho de todos os ali presentes. E não teria objeção alguma ao fato de se reunirem para promover e aguçar uma certa visão sobre a política externa brasileira, não fosse a utilização de recursos públicos para esse fim. Isso não é novo nem é bom.

Do que li, vi e ouvi, a sinfonia executada em São Bernardo reiterou, com poucas exceções e sem nenhuma nota realmente dissonante, o slogan autocongratulatório da política externa "altiva e ativa".

O slogan supõe que a política externa que a antecedeu foi "submissa e passiva". É preciso muita viseira ideológica para assim qualificar a política externa do governo Fernando Henrique Cardoso.

Esta buscou inserir o Brasil no sistema internacional e na economia global preservando o mais possível, nas circunstâncias internas e externas de então, o espaço de escolha autônoma do país. Vínhamos de um processo crescente de isolamento e desprestígio internacional nas duas décadas anteriores. Com o Plano Real, criaram-se as condições necessárias, embora insuficientes, para mudar esse quadro.

A assinatura do acordo da dívida externa, em 1994, ainda no governo Itamar Franco, pôs fim a um capítulo aberto em 1982 e agravado em 1987, com a moratória.

Com a aprovação da Lei de Propriedade Intelectual, em 1996, e a assinatura do Tratado de Não Proliferação Nuclear, em 1998, o Brasil aderiu a normas internacionais regulando essas duas cruciais matérias à paz e ao desenvolvimento.

No primeiro caso, ao fazê-lo, não abdicou da prerrogativa de lutar pela quebra de patentes de medicamentos, quando em risco a saúde pública, como ficou demonstrado com êxito na abertura da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio, em 2001.

No segundo, não abriu mão de seu direito a desenvolver um programa nuclear para fins pacíficos. Ao contrário, protegeu-o de suspeitas e pressões externas indevidas.

Ao engajar-se no processo negociador da Alca, o Brasil impediu, já em 1997, que o eventual acordo pudesse ser implementado em fatias, como queriam os EUA, e estabeleceu com clareza, na Cúpula de Quebec, em 2001, quando nos aproximávamos da fase mais substantiva da negociação, as pré-condições para a adesão a um eventual acordo.

Gelson Fonseca, diplomata e um dos nossos melhores pensadores na área de relações internacionais, cunhou as expressões "autonomia pela inserção" e "autonomia pela diversificação" para caracterizar, nas suas diferenças e continuidades, as políticas externas dos governos FHC e Lula, respectivamente.

Uma eventual "nova política externa" poderá resultar do confronto intelectualmente honesto entre essas duas estratégias, devidamente considerados os novos ventos do mundo. Isso, infelizmente, não aconteceu em São Bernardo.

Planos do Brasil para a África - SÉRGIO LEO

VALOR ECONÔMICO - 19/08

Para o governo, é uma prioridade. Entre os empresários, segundo as metas estratégicas definidas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), é a região que mais teve votos na escolha entre os alvos possíveis do Brasil em acordos de livre comércio. Mas as relações comerciais do Brasil com a África não têm refletido esse interesse.
O continente, que, há quatro anos, caminhava para representar quase 6% de todas as vendas brasileiras ao exterior (excetuando o Oriente Médio), ficou, entre janeiro e julho, com uma fatia inferior a 4,5%, que vem encolhendo.
A queda não se dá por falta de dinamismo no continente africano. Segundo previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI), entre as dez economias com maior crescimento entre 2011 e 2015, sete serão africanas. Os EUA preveem crescimento próximo a 6% para as economias da África subsaariana neste e no próximo ano. Esses dados levam o setor privado brasileiro a olhar com interesse cada vez maior para aquelas economias, bastante heterogêneas, com um ambiente de negócios longe de ser dos mais confortáveis.
No governo, à ideologia Sul-Sul, de aproximação com países em desenvolvimento e de estreitamento das relações com a África, juntou-se a preocupação com o avanço chinês no continente vizinho. Pelo menos nos altos escalões em Brasília, é clara a ordem da presidente Dilma Rousseff para ampliar as ações voltadas aos negócios com os países africanos. Nos próximos meses, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deve abrir escritório em Joanesburgo, África do Sul, para iniciar operações em toda a África, de apoio a empresas brasileiras por lá.
Os passos brasileiros são lentos, porém. Os técnicos do BNDES já concluíram que a logística é um dos maiores problemas na África, onde falta conexão de transportes e comunicações entre muitos países vizinhos. Para brasileiros, um obstáculo exige maior urgência: a falta de informação sobre os mercados locais e a situação de potenciais concorrentes. O Banco deve usar boa parte de seus primeiros meses de operação levantando as condições para operação brasileira nesses países. Não são poucas as dificuldades, inclusive no próprio governo brasileiro.
Em setembro, a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) fará um seminário no Rio de Janeiro sobre a África, em uma demonstração do ânimo também entre especialistas do setor. As exportações do Brasil aos africanos ainda são pouco diversificadas, em matéria de destinos e de produtos, como lembra o economista Pedro da Motta Veiga, em artigo para a "Revista Brasileira de Comércio Exterior" (RBCE), da fundação, que começa nesta semana a circular com análises da expansão das empresas brasileiras, da cooperação do Brasil e das perspectivas do país na África.
Entre 2008 e 2010, três países, apenas, concentravam 48% das vendas brasileiras ao continente - de janeiro a julho de 2013, Egito, África do Sul e Angola concentraram 46% -, e as exportações também se concentram, em grande parte (mais de 60%), em açúcar, carnes, cereais, gorduras e óleos animais e vegetais.
É essa forte concentração em poucos produtos, afetados por fatores sazonais, ou pela forte competição asiática, a explicação para a queda de quase 7% nas exportações aos africanos. A África, em contrapartida, foi a região que mais aumentou as vendas ao Brasil neste ano, em quase 18%, principalmente em petróleo, gás, fertilizantes e polímeros plásticos, na comparação com janeiro a julho de 2012 - cerca de 85% das importações brasileiras da África são de petróleo ou derivados.
Motta Veiga aponta o instável e pouco transparente ambiente institucional como um dos principais problemas lembrados pelas empresas brasileiras que atuam naquele continente. O principal instrumento estatal para estimular a aproximação com a África tem sido o financiamento do BNDES.
O governo brasileiro deveria buscar em seus acordos de cooperação mecanismos para mitigar riscos de financiamento e investimento, e aperfeiçoar as práticas e instituições africanas, sugere Motta Veiga, que também lembra, como dificuldade para investimentos brasileiros na África, a falta de mão de obra qualificada.
Essa carência, segundo Deborah Vieitas e Isabel Aboim, do Banco Caixa Geral, autoras de outro artigo publicado na revista da Funcex, poderia até ter um aspecto positivo, se orientasse projetos de cooperação brasileira para formação de mão de obra por meio de empresas brasileiras com atuação naqueles países, com apoio do Sesi e Senai.
Na revista, um artigo da consultora Melissa Cook faz um alerta: os grandes atores globais têm aproveitado a melhoria do ambiente de negócios em alguns países da região para firmar contratos de longo prazo. Quem não agir rápido ficará de fora, o que será um erro para empresas brasileiras necessitadas de ampliar mercado, diz ela.
Países como o Sudão do Sul e a República Democrática do Congo despertam otimismo no setor privado interessado em projetos de infraestrutura, garante a consultora. No BNDES, os defensores da expansão para os países africanos lembram que o continente pode representar uma alternativa para compensar os ciclos econômicos nos mercados desenvolvidos.
Os especialistas em África chamam atenção para os desafios na montagem de instrumentos de financiamento e garantias, mas reconhecem a necessidade de renegociar e sanar antigas dívidas, algumas nascidas na década de 70, se o país quiser ter, de fato, presença no que parece ser um dos mais promissores mercados do mundo.
É uma pena que esse debate se dê de maneira pouco aprofundada no Congresso, capturado pela disputa partidária por questões internas, que pouco têm a ver com a estratégia do país em sua atuação internacional.

Arco do Passado - MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

FOLHA DE SP - 19/08

Haddad cancela obra viária "do futuro" prometida durante campanha; cadê meu nariz de palhaço?


Começa o filme com o mocinho anunciando que sofremos a ameaça de um "grande colapso em futuro próximo". É que nos últimos anos, a Prefeitura de São Paulo tem sido incapaz de resolver os problemas do presente e de pensar soluções para o futuro. Por isso temos "sérios atrasos na saúde, nos transportes, na educação e na habitação".

O mocinho vai falando e os efeitos especiais eletrônicos vão tomando a tela. "É preciso um prefeito que rompa esse imobilismo", diz ele. E como no cinema de ação de roliúde tudo explode no segundo plano, enquanto o herói do futuro caminha incólume em direção à plateia.

Como um personagem de "Matrix", ele faz um gesto com o braço e eis que uma maquete virtual de São Paulo se ilumina em três dimensões diante de nossos olhos. Toda a encenação é pensada para que se chegue ao ápice: a apresentação do sensacional --tchan, tchan, tachan tchan!-- Arco do Futuro!

Mais um gesto de mágico e aparece um mapa eletrônico mostrando que a linha do futuro começa na avenida Cupecê, passa pelas marginais Pinheiros e Tietê, toca Osasco e Guarulhos e vai pela avenida Jacu-Pêssego, até a divisa com Mauá... Para essa linha, explica o mocinho, "vamos atrair empresas, estimular construções e melhorar o sistema viário através de novas vias e aproveitamento das avenidas já existentes".

E o mapinha animado (com direito a prédios que brotam sem parar pela região) vai anunciando as "grandes obras", a começar pelas duas vias de apoio, ao norte e ao sul da Marginal Tietê.

Pena que oito meses depois de tomar posse o prefeito do futuro tenha anunciado que não vai dar para cumprir a promessa. As duas vias de apoio não vão sair do filminho --uma das peças da campanha de Fernando Haddad à Prefeitura de São Paulo. Era só uma versão mais transada do Kassabinho ou do Fura-Fila do Pitta, o poste do aliado Paulo Maluf. Tanto faz. O que importa é ganhar a eleição.

Cadê meu nariz de palhaço?

O prefeito nem mesmo se deu ao trabalho de anunciar pessoalmente a volta ao passado. Foi a secretária municipal de Planejamento quem descascou o abacaxi, em meio à divulgação do Plano de Metas. "As obras são muito caras", explicou Leda Paulani.

Ah é? E ninguém sabia? O candidato não tinha reunido a equipe de técnicos da Legião dos Super-Heróis para estudar o projeto? Eles não sabem fazer contas?

E na esteira deste primeiro estelionato eleitoral, vêm as justificativas tortuosas. A culpa seria do recuo no aumento das tarifas, que sacrificou outras áreas. Bem, então porque recuou? A cidade está na pendura faz tempo. Haddad não sabia?

Mais chinfrim ainda é a versão de que o cancelamento das obras viárias do ex-Arco do Futuro é para privilegiar o investimento no transporte público, em detrimento do automóvel. Quer dizer que essas vias de apoio canceladas não teriam transporte coletivo? No projeto original eram avenidas só para automóveis? Desculpe, mas isso parece conversa mole para M' Boi Mirim dormir.

Sempre se soube, aliás, que o Arco era um lance de marketing eleitoral, uma vez que o Plano Diretor já indicava aquela área como prioridade para aproximar trabalho e habitação. Haddad ainda tem tempo pela frente. Tomara que o use melhor, porque até aqui está se mostrando um prefeito do arco da velha.

A economia brasileira em novo ritmo - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

VALOR ECONÔMICO - 19/08

Os principais números sobre o comportamento da economia brasileira na primeira metade de 2013 já estão disponíveis para a comunidade de analistas. Com isto já é possivel projetar-se o crescimento do PIB neste período com algum rigor. Foi o que fez o Banco Central na última quinta-feira ao divulgar sua estimativa para a variação do PIB mensal - o chamado IBC-Br - do mês de junho. Com o crescimento de 1,1% em relação ao mês de maio na série dessazonalizada, o fechamento para o trimestre abril/junho ficou em 0,9% sobre o trimestre anterior e 4% sobre o mesmo trimestre de 2012.
Alguns números me chamam a atenção e gostaria de apresentá-los ao leitor do Valor.
Embora o indicador mensal do Banco Central para o PIB apresente algumas distorções quando comparado com o PIB oficial do IBGE, quando considerado em prazo mais longo e com o devido tratamento estatístico sua aderência é bastante grande; no gráfico abaixo, onde apresento os dados de uma média móvel trimestral do IBC-Br, uma linha de tendência mostra que retomamos uma trajetória de crescimento a partir da metade do ano passado. Também podemos inferir destes dados que o crescimento econômico retomado depois da ressaca de 2010 se dá a uma velocidade bem mais baixa do que a que prevaleceu no período Lula. Ainda necessitando de mais observações para cravar com certeza um número para esta nova velocidade, minha intuição é que estamos voando a um ritmo de cruzeiro de 2% ao ano.
O segundo trimestre deste ano deverá mostrar uma taxa de crescimento do PIB próximo a 3,4% ao ano, superior à verificada no primeiro trimestre (2,4%). Mas como nos três meses entre julho e setembro o número deverá ser muito fraco, a média para o ano como um todo deverá ser puxada para baixo. Resumo da ópera: estamos crescendo bem menos do que no passado, mas ainda é muito cedo para configurar um quadro de desastre que muitos analistas têm apregoado.
Pouco antes da divulgação do IBC-Br os analistas puderam mergulhar em um dos fenômenos marcantes deste governo Dilma Rousseff, que é a aceleração da inflação e seus efeitos sobre o crescimento do Brasil. No quadro abaixo apresento as taxas nominais e reais de crescimento das vendas no varejo e um índice que mede a relação entre essas duas taxas. Na prática, este índice mede a influência da inflação na queda do consumo das famílias, ou seja, permite separar o valor nominal das vendas do varejo da quantidade real de bens que os consumidores levaram para casa. Esclareço que na medida do PIB realizada pelo IBGE é a quantidade física - ou uma aproximação dela - que entra no cálculo.
Nos doze meses encerrados em janeiro de 2013, tomando como base o comércio restrito - sem considerar a venda de veículos e bens ligados à construção civil - a relação entre os gastos em reais dos consumidores e a quantidade de mercadorias levada para casa foi de 67%. Em outras palavras, a inflação comeu 33% da renda gasta nestes produtos. A mesma relação em junho último foi de 46%, ou seja, a inflação ficou com a maior parte da renda gasta (54%). O quadro fica um pouco melhor quando incorporamos as vendas de veículos e materiais de construção, ou seja, o chamado comércio ampliado. Embora a aceleração da inflação também apareça nesses dados, a parcela dos gastos nominais que ela corrói é menor em relação ao verificado no comércio restrito.
Outra forma de mostrar os efeitos da inflação sobre o consumidor é medir a inflação implícita nas vendas de alguns setores importantes. Desta forma, se isolarmos as vendas do chamado setor de supermercados chegamos a uma inflação anual de mais de 11% em junho. Ela é um pouco menor do que a verificada nos indicadores do mês de maio, quando a inflação acumulada em 12 meses superou a marca dos 12%.
Outra informação interessante para o leitor vem das vendas ao varejo de móveis e eletrodomésticos. Nos anos de 2011 e 2012, a inflação neste segmento do comércio era negativa - deflação - da ordem de menos 4% ao ano. Vivíamos então a época do dólar barato e da isenção do IPI. Hoje, os preços neste setor crescem a uma taxa anual da ordem de 4%, ou seja, um salto de 8 pontos percentuais.
Os dados da inflação medida pelo IPCA também sinalizam nessa direção. O grupo mais abrangente dos bens duráveis (que tem um peso de cerca de 10% no índice) deve contribuir com quase 0,8% para o aumento da inflação entre 2012 e 2013, ao sair de -3,5% no ano passado para uma estimativa de +4,5% ao final desse ano.
Vivemos nestes últimos meses um período riquíssimo de ensinamentos econômicos sobre os efeitos da inflação no crescimento econômico. Espero que os que sempre defenderam que um pouco de inflação a mais não causa problemas na economia tenham aprendido esta lição. Outra lição para ser aprendida: não procure interferir artificialmente no equilíbrio da taxa de câmbio do real dentro de uma cesta de moedas de países emergentes em relação ao dólar. Voltarei a esta questão com mais detalhes, pois precisa ser explicada em um espaço maior.

Dólar em alta - PAULO GUEDES

O GLOBO - 19/08
O dólar subiu mais de 5% na última semana, e quase 20% desde o início deste ano. A disparada da moeda americana não é fruto de uma ação infundada e inconsequente de especuladores. Ao contrário, é um sintoma de mudanças dos fundamentos econômicos no Brasil e no mundo. Não é, portanto, um fenômeno transitório que possa ser revertido simplesmente pela venda de reservas cambiais pelo Banco Central.

A mudança de fundamentos econômicos diz respeito às expectativas de crescimento aqui e lá fora. Após a grande crise financeira de 2008-2009, os países emergentes se tornaram as fronteiras de crescimento da economia mundial. Os Estados Unidos entraram em colapso pelos excessos cometidos por seus financistas à base de anabolizantes, o dinheiro barato do Federal Reserve (Fed). A Europa também desceu ao inferno quando foram desnudados pela moeda única os excessos promovidos no paraíso perdido da social-democracia. E a economia japonesa era um cadáver insepulto havia duas décadas. Pois bem, tudo isso mudou.

De um lado, temos a recuperação ensaiada pelos americanos, o abrandamento da turbulência europeia e a ressurreição japonesa. De outro, o esfriamento das economias emergentes. Essa mudança nas expectativas de crescimento, a favor das economias avançadas, provoca um redirecionamento nos fluxos internacionais de capitais. Embora se diga superficialmente que a alta do dólar se deve ao iminente processo de retirada de estímulos à economia americana e à alta de juros pelo Fed, o fato é que essa normalização da política monetária deve-se, por sua vez, às expectativas de melhor desempenho da economia. Já estamos também subindo os juros aqui, bem mais até do que se espera que subam lá fora, ainda que por motivos menos nobres: pela alta da inflação, e não pela expectativa de maior crescimento.

Prossegue há bastante tempo uma importante realocação de portfólios financeiros brasileiros em direção ao exterior. A saída de recursos reflete a piora dos fundamentos fiscais e a percepção de que o Banco Central brasileiro está correndo atrás da inflação. O teto virou a meta, e o impacto inflacionário da desvalorização cambial vai agravar o problema. Enquanto se deteriorarem nossos fundamentos, o dólar terá fôlego para continuar sua escalada.

Em nome da tropa - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 19/08

O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella, vai pedir ao prefeito da capital, Fernando Haddad (PT), que reveja a decisão de cancelar a Operação Delegada noturna. O "bico oficial'' de policiais militares, pago pela prefeitura nos horários de folga, aumenta o efetivo nas ruas e incrementa salários dos PMs sem que o governo arque com os custos. Grella teme que o recuo da capital seja seguido por outros municípios que adotaram a Operação Delegada.

Novo modelo Na conversa, o secretário de Segurança vai propor a Haddad que sejam revistas as atribuições dos PMs na Operação Delegada, para que eles atuem no policiamento, e não apenas como fiscais.

Figurino Contou a favor da escolha de Rodrigo Janot como novo procurador-geral da República a avaliação, levada a Dilma Rousseff, de que ele teve a carreira marcada pela defesa do papel do Estado, principalmente nas áreas de Saúde e Educação.

Contraindicação Já no caso de Ela Wiecko foi usado como argumento contrário à sua escolha, além de não ser a primeira colocada na lista tríplice elaborada pelos procuradores, o fato de ser considerada muito corporativista, algo que a presidente quis evitar no perfil do novo PGR.

Verde-amarelo Dilma começou a discutir o tom do pronunciamento em rede nacional que fará no Sete de Setembro, data em que são previstas novas manifestações em todo o país. Franklin Martins, ex-ministro de Lula, foi consultado sobre o tema em longa reunião na sexta-feira, no Palácio da Alvorada.

Bode... Peemedebistas afirmam que Renan Calheiros (PMDB-AL) pautou a discussão do veto à derrubada da multa de 10% do FGTS para amanhã apenas para a presidente pedir que ele retire a matéria da pauta do Congresso. "E fique devendo uma a ele", diz um parlamentar.

... na sala A justificativa de que o veto tranca a pauta se não for votado em 30 dias não explica a pressa em pautar o do FGTS, porque ele ele foi publicado em 25 de julho. Se Renan seguisse o que diz a resolução, o governo ainda teria mais uma semana para negociar com o Congresso.

Preliminar O Ministério Público Federal em Goiás começou a analisar o caso de Sebastiana da Rocha, beneficiária do Bolsa Família que aparece nos registros de doação de campanha de Dilma à Presidência em 2010.

Caminhos Se constatar sinais de fraude ao programa, o próprio MPF abrirá investigação. Já em caso de indício de crime eleitoral, o caso será remetido à Procuradoria-Geral da República.

Trincheira O governo de Geraldo Alckmin municiou o PSDB para reagir às acusações de formação de cartel em licitações no Estado. O secretário Jurandir Fernandes (Transportes Metropolitanos) e os presidentes do Metrô e da CPTM se reuniram com dirigentes da sigla para fornecer dados sobre o caso.

Boicote 1 Corre risco o almoço de Aécio Neves com a bancada de deputados estaduais do PSDB paulista previsto para quinta-feira. Parlamentares próximos a José Serra dizem que é cedo para escolher o candidato à Presidência e apostam que o encontro será esvaziado.

Boicote 2 Tucanos relatam que Serra telefonou para pelo menos um deputado e recomendou que trabalhasse para cancelar o almoço.

Na ativa Afastado do comando do PTB, Roberto Jefferson almoçou com o secretário-geral da sigla, Campos Machado, na quinta-feira, em São Paulo. Discutiram a política de alianças do partido para o ano que vem.

Laços Alexandre Padilha (Saúde) deve ir a São Bernardo (SP) na sexta-feira para entregar uma UBS e participar da Conferência Municipal de Saúde. O prefeito Luiz Marinho (PT) resistia à candidatura do ministro ao governo.

com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN

tiroteio
"Se ele renunciar não será pelo Pezão, mas por ter sofrido impeachment das ruas. E ainda quer vetar meu nome. É muita arrogância!"
DO SENADOR LINDBERGH FARIAS, sobre Sérgio Cabral (PMDB) dizer que deixará o governo para o vice e insistir no apoio do PT ao PMDB no Rio.

Contraponto


Segundos de fama
A caminho de um evento em comemoração aos 457 anos do bairro da Mooca, em São Paulo, no sábado, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) parou no semáforo e recebeu um panfleto.

O entregador olhou para o tucano e gritou para seus colegas:

--Olhem aqui, gente! É o Britto Júnior da Rede Record! Manda um abraço para a Ana Hickmann!

Ao que o governador emendou, sem jeito, ao motorista:

--Ganhei o dia! Agora vou ter de ir lá dar um abraço nela.

Transformador ou negociador? - RENATO JANINE RIBEIRO

Valor Econômico - 19/08

Na revista "The Atlantic" do mês de junho, o cientista político Joseph Nye pergunta quais presidentes dos Estados Unidos podem ser chamados de "transformational", quais de "transactional". Não é fácil nenhuma das traduções. No uso que faz Nye, a primeira palavra não quer dizer "transformador", mas sim quem pretende transformar - e pode fracassar no intento. A segunda palavra designa quem se dispõe a negociar, a transacionar - e, de novo para Nye, geralmente com êxito. Vale a pena tentar o exercício para nossos governantes.

E, já aí, um problema. Para qualquer estudioso americano, os 44 presidentes da República que eles tiveram, desde George Washington, sem um único golpe de Estado, formam um "corpus" de fácil acesso e exame. Podem compará-los entre si. E nós? Se pensarmos nos governantes do Brasil independente, temos dois imperadores, duas regências trinas, dois regentes individuais, isso na monarquia; no período republicano, duas juntas militares (em 1930 e 1969), mais um número confuso de presidentes. A "Folha de S. Paulo", na última eleição, sugeriu o total de 40, incluindo as juntas; na Wikipédia, temos 36. Pode parecer detalhe, mas mostra que lidamos com nossa história de maneira bem diferente da americana.

Eu acrescentaria uma questão prévia espinhosa: a legitimidade. Nossos primeiros presidentes - até Washington Luís - foram eleitos em meio a tanta fraude eleitoral, geralmente sem concorrentes competitivos, que falar em democracia e mesmo em eleição, a propósito deles, é duvidoso. Seguiram-se os 15 anos contínuos de Getúlio Vargas, terminando em 1945, e mais duas décadas de ditadura, entre 1964 e 1985. A voz do povo foi consultada, para a escolha presidencial, apenas nos quatro pleitos que houve entre 1945 e 1960, e de novo a partir de 1989. Se somarmos nossos dois períodos democráticos, ambos se sucedendo a ditaduras, dá menos de meio século - e oito presidentes eleitos pelo voto direto. Difícil comparar com os Estados Unidos.

Talvez por isso, não fazem parte de nossa memória política os presidentes ou governantes mais antigos. Quem pode discorrer a favor de Artur Bernardes? Ou contra ele? Que balanços fazemos dos nossos imperadores, que possam ir além da audácia quase irresponsável do primeiro e da moderação quase conformista do segundo?

Mas, isso posto, podemos tentar classificar os presidentes de nosso universo mental - que começa em 1930, mas exclui alguns que esquecemos, como os ditadores militares e a junta idem. No caso dos Estados Unidos, Joseph Nye argumenta que os presidentes que quiseram transformar o mundo tiveram menor êxito do que os que negociaram. Entre os primeiros, elenca Woodrow Wilson e o segundo Bush; ilustra os segundos com Eisenhower e o primeiro Bush. Discordo dele. Seria mais correto dizer que Lyndon Johnson fracassou como "transformational" no Vietnã e acertou magistralmente, como transformador e negociador, quando forçou o reconhecimento dos direitos civis dos negros. Não há presidentes de tal ou qual natureza; há comportamentos até conflitantes que podem coexistir na mesma pessoa, com êxito maior ou menor.

E aqui? Dos oito presidentes eleitos na democracia, foram altamente transformadores Getúlio, Juscelino, Fernando Henrique e Lula. Tiveram êxito no que empreenderam: a inclusão social, a industrialização e a interiorização do desenvolvimento, a vitória sobre a inflação e o destravamento da economia e, de novo, a inclusão social. Chama a atenção: metade dos presidentes da democracia transformou com êxito. Muito mais que nos Estados Unidos... Um quinto, Collor, tentou transformar, mas fracassou; mesmo assim, parte do que tentou, FHC implantou. Dos eleitos, só Dutra e Jânio - e, por ora, Dilma - ficam em segundo plano. Em compensação, Sarney merece destaque. Não tivesse cometido a tolice de voltar à presidência do Senado, seus êxitos seriam celebrados. Foi provavelmente nosso maior transacional. Seu mandato, justamente porque pálido, teve o grande mérito de acalmar o país. Mesmo quando a inflação beirava os 100% ao mês, em seu governo, o Brasil só teve nervosismo econômico. Os demais nervosismos (vem um ato institucional? vem um golpe?) saíram de cena.

Sarney e Itamar Franco foram os grandes negociadores de nossa história recente. Terá sido por isso que esses dois vices, guindados pelo acaso à Presidência, foram tão depreciados? Itamar se viu reabilitado só após a morte, quando os tucanos reconheceram que o Plano Real foi decisão política dele. Não sabemos o que se dirá de Sarney.

Formulo aqui duas hipóteses: primeira, queremos transformadores; não gostamos muito de negociadores ou consolidadores, e a palavra "transação" pega mal em política. Segundo, nossa taxa de sucesso para os modificadores, em período democrático, é elevada. Bem mais do que nos Estados Unidos, que estão longe de ter metade de seus presidentes com o perfil de transformadores.

Será, no fim das coisas, porque sempre vivemos acreditando que o Brasil está na UTI? E não está. Não paira ameaça de ditadura, nem de inflação significativa ou de recessão preocupante, e a inclusão social entrou de maneira irreversível na agenda política. Nunca o Brasil esteve tão bem quanto hoje, em decorrência de bons 21 anos de amadurecimento que começaram com o impeachment do presidente Collor e foram conduzidos por nossos dois melhores partidos - talvez, os melhores de nossa história. Mas ainda assim acreditamos - inclusive eu - que precisamos de grandes transformações, e nos sentimos decepcionados quando elas não vêm...

Fora do eixo - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 19/08
"Você me acusa de fazer chicana? Peço que se retrate imediatamente."
Ricardo Lewandowski, do STF, para Joaquim Barbosa

Quem o ministro Joaquim Barbosa pensa que é? Que poderes acredita dispor só por estar sentado na cadeira de presidente do Supremo Tribunal Federal? Imagina que o país lhe será grato para sempre pelo modo como procedeu no caso do mensalão? Ora, se foi honesto e agiu orientado unicamente por sua consciência, nada mais fez do que deveria . A maioria dos brasileiros o admira por isso . Mas é só , ministro.

EM GERAL, admiração costuma ser um sentimento de vida curta. Apaga-se com a passagem do tempo. Mas, enquanto sobrevive, não autoriza ninguém a tratar mal seus semelhantes, a debochar deles, a humilhá-los, a agir como se a efêmera superioridade que o cargo lhe confere não fosse de fato efêmera. E não decorresse tão somente do cargo que se ocupa por obra e graça do sistema de revezamento.

JOAQUIM PRESIDE amais alta Corte de justiça do país porque chegara sua hora de presidi-la. Porque antes dele outros dos atuais ministros a presidiram. E porque depois dele outros tantos a presidirão. O mandato é de dois anos. No momento em que uma estrela do mundo jurídico é nomeada ministro de tribunal superior , passa a ter suas virtudes e conhecimentos exaltados para muito além da conta. Ou do razoável.

COMPREENSÍVEL, pois não. Quem podendo se aproximar de um juiz e conquistar-lhe a simpatia, prefere se distanciar dele? Por mais inocente que seja, quem não receia ser alvo um dia de uma falsa acusação? Ao fim e ao cabo, quem não teme o que emana da autoridade da toga? Joaquim faz questão de exercê-la na fronteira do autoritarismo. E, por causa disso, vez por outra derrapa e ultrapassa a fronteira, provocando barulho.

NÃO É UMA questão de maus modos. Ou da educação que o berço lhe negou - longe disso. No caso dele, tem a ver com o entendimento jurássico de que, para fazer justiça, não se pode fazer qualquer concessão à afabilidade. Para entender melhor Joaquim acrescente-se a cor - sua cor . Há negros que padecem do complexo de inferioridade. Outros assumem uma postura radicalmente oposta para reagir à discriminação.

JOAQUIM É ASSIM se lhe parece. Sua promoção a ministro do STF em nada serviu para suavizar-lhe a soberba. Pelo contrário. Joaquim foi descoberto por um caça talentos de Lula, incumbido de caçar um jurista talentoso e... negro. "Jurista é pessoa versada nas ciências jurídicas, com grande conhecimento de assuntos de Direito", segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.

FALTA A JOAQUIM "grande conhecimento de assuntos de Direito", atesta a opinião quase unânime de juristas de primeira linha que preferem não se identificar . Mas ele é negro. Havia poucos negros que atendessem às exigências requeridas para vestir a toga de maior prestígio. E entre eles, disparado, Joaquim era o que tinha o melhor currículo. Não entrou no STF enganado. E não se incomodou por ter entrado como entrou.

QUANDO LULA bateu o martelo em torno do nome dele , falou meio de brincadeira, meio a sério: " Não vá sair por aí dizendo que deve sua promoção aos seus vastos conhecimentos . Você deve à sua cor". Joaquim não se sentiu ofendido. Orgulha-se de sua cor . E sentia- se apto a cumprir a nova função. Não faz um tipo ao se destacar por sua independência . É um ministro independente . Ninguém ousa cabalar-lhe o voto .

QUE NÃO PERCA a vida por excesso de elegância (Esse perigo ele não corre). Mas que também não ponha a perder tudo o que conseguiu até aqui. Julgue e deixe os outros julgarem.

Profanação - PAULO BROSSARD

ZERO HORA - 19/08

La Hire Guerra, nascido em Santana do Livramento, é um dos grandes nomes da justiça rio-grandense por ter sido magistrado integral; como juiz de carreira, chegou à presidência do seu Tribunal. Convidado para o Supremo Tribunal Federal declinou do convite. Já aposentado, passou a residir em Guaíba e era natural que Eldorado do Sul, ao emancipar-se, homenageasse o juiz exemplar dando seu nome a uma escola. Homenagem mais do que justa. Isso não impediu que a Escola Municipal de Ensino Fundamental La Hire Guerra fosse depredada e incendiada. O fato em si mesmo, independente de qualquer circunstância, seria bastante para espantar, chocar e traumatizar qualquer pessoa. Uma escola é, por definição, um lugar sagrado, imune ao mais leve ato de desrespeito que importaria em profanação; a fortiori, tanto mais quando levava em sua fachada o nome de um cidadão impecável e juiz de reputação ilibada em todos os sentidos. Mas, mesmo quando fosse o nome de um dos “homens bons” da comunidade, de que falavam as leis antigas, a Escola mereceria o mesmo tratamento atento da sociedade. Aliás, se falei no nome do patrono da Escola profanada tive o propósito de lembrar quem foi efetivamente um grande juiz e que, é possível, os juízes que estão a ingressar na magistratura, não tenham presente a figura modelar do santanense desaparecido. Sem favor à memória do finado posso repetir que nela à dignidade do cidadão se casava a inteireza do magistrado. Mas deixando de lado esses aspectos, embora valiosos, há um dado que, paradoxalmente, tem relevância indisfarçável. Sabe-se que os autores da insigne selvageria eram quatro moços, entre 14 e 16 anos, alunos do 8º ano, salvo engano. Como se esse dado ainda fosse pouco, dois deles eram alunos da Escola, outro um ex-aluno e do quarto ignoro sua relação com a mesma. Isto torna o caso infinitamente mais grave, pelo que espelha e sugere. Suponho desnecessário insistir no relato, os fatos entram pelos olhos de um cego. Reporto-me à notícia de Zero Hora : “Os adolescentes todos conhecidos na comunidade arrombaram a Escola La Hire Guerra e atearam fogo em suas salas de aula. A mais danificada foi a que guardava os instrumentos da banda, além de prejudicarem 700 alunos que perderam aulas e danificarem o patrimônio público, eles atingiram o coração de uma comunidade… salas temáticas e até uma dedicada a estudantes com necessidades especiais foram queimadas. Milagrosamente, a biblioteca resistiu às chamas, que destruíram o forro em PVC e parte do telhado. Móveis, material pedagógico e computadores foram quebrados”.
Diante disto, será necessário acrescentar pormenores? Vexado, dou por concluído o registro do fato doloroso e triste, talvez, mais triste do que doloroso, por envolver jovens e até de menores. Por esse caminho, independente de responsabilidades, pode se arquitetar o que se passa no íntimo desses jovens que passam a carregar a singular nomeada. Queira Deus que os segredos do tempo venham a extrair do infortúnio as compensações que dele podem resultar.

Generalidades genéricas - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

O ESTADÃO - 19/08

Embora seja politicamente correto declarar-se pró-manifestações, cai a adesão e o apoio aos protestos de rua. Se a indignação coletiva persiste, evidencia-se quão difusa ela é. Mais e mais pessoas trocam o direito de bloquear pelo de ir e vir.
A reação cresce entre quem depende do bem público que o black bloc depredou. O resultado é melancólico. Sem objetivo comum, indignações individuais se anulam numa conta de soma zero.
Nem todos saem perdendo, porém. Bons calculistas sempre estão alertas à tábua de marés da política. O PMDB fez do limão que azedou a popularidade de Dilma Rousseff um oceano de limonada. Aprovou no Congresso dispositivo que obriga o governo federal a gastar o que deputados e senadores emendam no Orçamento. A diferença é que essa conta soma zeros. No plural e à direita dos cifrões.
Fora do eixo brasiliense também há quem capitalize ganhos, obtidos com slogans genéricos. São um capilé no deserto: refrescam por um tempo, mas falta substância para levar a um lugar que não seja o comum. "Horizontalidades" e redes acabam apropriadas pelos mais habilidosos ou loquazes. Na falta de líderes, reaparecem gurus. Cada tempo tem o Rhalah Rikota que merece.
Políticos que dependem dos alternativos já perceberam a mudança de vento. Tomam distância dos protestos, condenam a violência de parte dos manifestantes e defendem as regras do estado democrático. Tudo do modo mais genérico e generalista possível. Fé cega não combina com o diabo que mora nos detalhes.
Não são os únicos em fase de adaptação do discurso, todavia. Os meios adaptam a comunicação. A narrativa das manifestações reincorpora o termo "baderneiros". A segmentação é o princípio da exclusão. O passo seguinte é invocar ação mais vigorosa da polícia. E voltaremos aonde tudo começou.
Pirâmide. Apesar de apreciar obras faraônicas, o Brasil nao é o Egito. Pirâmide, aqui, só financeira. Mas há lições políticas a extrair da crise egípcia.
Lição 1: faraós não são eternos. De Tutancâmon a Anwar Sadat, mesmo os mais poderosos sempre estão sujeitos a um fim abrupto.
Lição 2: as ruas derrubam, mas não sustentam. A mesma maré humana que derrubou Hosni Mubarak e permitiu a Mohamed Morsi se tornar o primeiro presidente eleito em 5 mil anos serviu de pretexto ao golpe militar que o tirou do poder menos de dois anos depois.
Lição 3: democracia requer acordos e concessões. Morsi subestimou a oposição. Eleito por pequena margem, tentou impor os pontos de vista da Irmandade Muçulmana. Alienou apoiadores e aliou inimigos contra si. Acabou derrubado e preso.
Lição 4: poder militar sem submissão ao poder civil é ditadura. Militares egípcios "elegeram" quatro dos cinco presidentes da história do país, e derrubaram três deles. Obedecem só se lhes convém. Mandam mais que as mas e fuzilam quem os desafia.
Lição 5: manifestação não substitui eleição. Quando um lado tem 52% dos votos e o outro, 48%, ambos são capazes de arregimentar multidões impressionantes. Nem por isso elas devem suplantar a uma como medida de legitimidade de um governo.
Mausoléu. A cada gesto de intransigência, intolerância e autoritarismo, o ministro Joaquim Barbosa assenta um tijolo no mausoléu de sua suposta candidatura presidencial. Se simboliza a mudança, o presidente do Supremo Tribunal Federal comporta-se com a onisciência dos todo-poderosos. Constrói para si um reflexo da imagem atribuída à presidente Dilma Rousseff Vira seis por meia dúzia.
Se em um acesso de humildade decidir desculpar-se com o colega Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa tem que respeitar a fila. Está devendo retratação pessoal e pública ao repórter que chamou de palhaço. Escusa via terceiros não é desculpa.

Exemplos - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 19/08

Nas últimas semanas, grande parte da atenção da opinião pública voltou-se para as questões que envolvem a nossa juventude, que ganharam inédita importância com as manifestações que sacudiram o país.

À juventude costuma-se sempre agregar a noção de futuro, do que ainda está por ser realizado.

Mas a resignação em adiar projetos e soluções para um tempo que ainda virá não deixa de ser uma forma de transferirmos indefinidamente responsabilidades. E de perdoarmos a nós mesmos, enquanto sociedade, por tudo o que ainda não fomos capazes de fazer.

Duro mesmo é reconhecer que o Brasil de hoje já é o Brasil do futuro que várias gerações imaginaram e pelo qual muitos trabalharam. E mais duro ainda é reconhecermos que certamente estamos muito aquém do que tantos brasileiros sonharam. E mereciam.

Penso nisso estimulado pela disseminação da percepção de que vivemos uma autêntica revolução e que ela nos coloca no portal de um mundo que inaugura novas relações sociais e humanas, provocadas por enormes transformações tecnológicas. Ainda que seja constatação verdadeira, quando apresentado e endeusado como valor absoluto, o novo acaba por transformar em obsoleto o que veio antes.

Muitas vezes, a sensação que parece prevalecer é que quase tudo o que nos trouxe até aqui já não faz tanto sentido. Será?

Lembrei-me de Ruy Castro e de suas crônicas recheadas de ironia e inteligência, aqui mesmo nesta Folha, onde volta e meia nos alerta para o reconhecimento que devemos a nomes importantes da nossa cultura.

O puxão de orelhas é pertinente.

Um bom exercício de educação civilizatória é a percepção do papel insubstituível de brasileiros que fazem grande diferença. Antonio Candido é um exemplo. O professor e pensador, que recentemente completou 95 anos, continua a nos oferecer o seu valioso patrimônio de ideias.

Foi, aliás, com especial alegria que, em 2007, tive a oportunidade de manifestar-lhe a admiração dos mineiros entregando-lhe o Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura, então na sua primeira edição.

O professor é referência de idoneidade intelectual, espírito cívico e dignidade pessoal. Sua obra atesta o compromisso radical com a compreensão da realidade à sua volta. Literatura é vida, ele generosamente nos ensina.

Há dois anos, numa entrevista em Paraty, ele se confessou "um homem do passado, encalhado no passado".

O mestre estava errado. O seu legado, ético e intelectual, longe do ancoradouro das coisas envelhecidas, ilumina um caminho permanente de amor e respeito pelo Brasil.

Homens assim, independentemente da idade ou do tempo em que vivam, serão sempre referência do futuro que precisamos ser.

Prioridades - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 19/08

A iminente apreciação dos vetos presidenciais pelo Congresso paira como um fantasma sobre o Planalto e o governo como um todo, mas está longe de ser a principal preocupação da presidente Dilma Rousseff nesse início de semana. O que mais atrapalha o sono presidencial é a economia, em especial, a alta do dólar. Até aqui nada foi suficiente para segurar a moeda americana. E, se continuar assim, vem inflação, que atualmente está em queda, crescimento difícil e, esses fatores, invariavelmente, levariam ao que mais atordoa o brasileiro de um modo geral: o desemprego.

Todas as ações daqui para frente serão no sentido de evitar que esses fantasmas assombrem ainda mais a população. Hoje, a presidente Dilma deve se reunir com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e também deve conversar com o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, para acertar os ponteiros no sentido de tentar segurar a alta do dólar — o país felizmente tem reservas para isso — e evitar que declarações de um atrapalhem o trabalho do outro como ocorreu na semana passada, quando a Fazenda praticamente atropelou o BC.

Paralelamente ao câmbio, vêm os últimos acordes no sentido de elaborar o Orçamento do ano que vem, ao qual a presidente também dedicará audiências e tempo. O texto será entregue ao Congresso em 12 dias. O maior desafio é cavar recursos capazes de garantir investimentos públicos no ano eleitoral. Não por acaso, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, fez diversas reuniões com integrantes do setor privado na última semana, a fim de tentar convencê-los a depositar suas esperanças e recursos no Brasil.

Hoje, os gastos permanentes do setor público impedem que o governo vá com muita sede ao pote das obras. Só na Previdência Social, onde, justiça seja feita, há a contribuição de patrões e empregados, superou há mais de dois anos a marca dos R$ 300 bilhões e não há perspectiva de queda e sim de aumento, por conta do envelhecimento da população. Os salários e o Bolsa Família também representam um capitulo, pois a eles se destinam grande parte do Orçamento público. Ou seja, para a realização de obras não resta aos petistas outra saída, a não ser concedê-las ao setor privado, e trabalhar um discurso para afastar o tema da campanha presidencial. Afinal, há um senso comum no PT de que, se o partido conseguir concluir as obras, elas deixam de ficar no foco do debate.

Enquanto isso, na política...

Com tantos problemas econômicos, entretanto, a conversa de Dilma com o presidente do Senado, Renan Calheiros, mostra-se imprescindível. No governo, há quem diga que é preciso segurar grande parte dos vetos, especialmente, no sentido de evitar que derrotas afetem ainda mais o humor do mercado e a economia como um todo.

O Planalto anda meio atordoado com toda a rebeldia da base, uma vez que nem a liberação das emendas individuais surte efeito sobre a ampla maioria que se diz governista. O governo parece não perceber que grande parte daqueles que o apoia disputará eleições no ano que vem e o objetivo agora é jogar as cartas que garantam a sobrevivência na urna, em 2014. Ninguém jogara contra si. Um exemplo é o veto da hereditariedade dos taxistas, que embora tenha ares de inconstitucionalidade, os congressistas insistem porque sabem que a categoria dá votos. É esse o grande jogo do momento. Ou Dilma entende que é hora de ajudar a alavancar os seus, ou novas derrotas virão.

E nas ruas e no STF...

O brasileiro de um modo geral estará mesmo é cuidando da própria vida, mas atento aos jovens que saem às ruas para quebra-quebra em meio a manifestações pacíficas. E também às brigas entre ministros do Supremo Tribunal Federal. Esse estica e puxa entre as excelências do Judiciário cansou.

Universidade e meritocracia - JOSÉ GOLDEMBERG

O Estado de S.Paulo - 19/08

Suficiente já foi dito sobre as propostas de plebiscito, democracia direta e outras que foram feitas pelo Poder Executivo em respostas às grandes manifestações populares de junho. Várias delas são notoriamente atabalhoadas e demagógicas e, felizmente, estão sendo gradativamente abandonadas, à medida que o bom senso se impõe.

Há, porém uma consequência duradoura e deletéria da orientação política geral que se implantou há cerca de dez anos no País, que é a de tentar agradar a todos os setores da sociedade e cooptá-los em nome do sucesso eleitoral e da permanência no poder. O que é alarmante é esse comportamento estar atingindo agora as melhores universidades brasileiras. Ora são cotas de diversos tipos para ingresso nas universidades públicas para compensar discriminações ocorridas no passado; ora são propostas de eleições diretas para dirigentes universitários, como se essas instituições de ensino superior fossem clubes recreativos ou sindicatos; ora é serviço civil obrigatório para resolver os problemas do precário atendimento médico à população; ora a importação de médicos - e por aí vai.

O que tudo isso tem em comum é que tenta eliminar algo fundamental: a meritocracia. Isto é, que a aptidão ou o conhecimento sejam o critério principal do sucesso, quer na conquista de cargos de direção, quer na realização de trabalhos técnicos e científicos, no caso das universidades.

A meritocracia foi uma das grandes conquistas da Revolução Francesa (1789-1799), em que foram eliminados os privilégios da aristocracia. O sucesso posterior de Napoleão Bonaparte como grande general deveu-se em grande parte à escolha de oficiais pelo mérito, e não por seus títulos de nobreza, como ocorria antes de 1789.

É esse o significado da palavra igualdade na trilogia que caracterizou aquela revolução - liberdade, igualdade e fraternidade. O que se almejava na ocasião era igual oportunidade para todos.

A mesma característica têm as grandes escolas de ensino superior criadas na França pós-revolução, como a Escola Politécnica de Paris, a Escola Normal Superior e a Escola Nacional de Administração, que formam até hoje os quadros dirigentes franceses e nas quais o ingresso é feito exclusivamente pelo mérito. Vale a pena mencionar aqui que a ideia básica da meritocracia foi incorporada até por Karl Marx, ao esboçar como seria um mundo onde a exploração do trabalho pelo capital fosse eliminada: um mundo em que "cada um daria de acordo com suas habilidades e cada um receberia de acordo com suas necessidades".

A meritocracia é um princípio que sempre esteve presente no desenvolvimento da ciência, área em que ela é soberana e o uso de títulos e de poder nada pode contra a evidência. A História está cheia de episódios em que autoridades tentaram suprimir ou manipular a evidência científica. Todas essas tentativas falharam.

As grandes universidades do mundo seguem o mesmo princípio e as brasileiras que pretendem atingir um nível comparável ao delas não poderiam adotar critérios diferentes. O que está ocorrendo no Brasil, contudo, é que existem visões conflitantes dentro do próprio governo federal quanto ao papel das universidades públicas.

Por um lado, o governo cria programas de incentivo à inovação tecnológica, promove estágios no exterior por meio do programa Ciência sem Fronteiras e de outros que se destinam a melhorar o desempenho das universidades, essencial para aumentar a competitividade econômica do País. Por outro, cria cotas sociais e raciais, que no curto e no médio prazos tendem a baixar o nível dessas universidades, que já deixam a desejar em muitas áreas.

Introduzir cotas nas universidades públicas brasileiras como instrumento para compensar/corrigir discriminação racial ou social pode ser mais fácil e menos oneroso do que resolver o problema fundamental, que é tornar o ensino médio melhor, o que daria mais oportunidades aos estudantes de menor renda. Mas essa é uma falsa solução.

O que a experiência nacional e internacional da introdução de cotas nas universidades nos diz é que elas não garantem que os alunos cotistas tenham o desempenho esperado, encorajam a evasão e, em particular nas áreas mais competitivas (medicina, engenharia e direito), podem levar a uma redução da qualidade dos cursos. Além disso, estabelecem um novo tipo de discriminação: contra o branco pobre (em relação ao negro pobre) e contra o pobre (branco ou negro) cuja família economizou para mandar o filho à escola privada a fim de prepará-lo melhor para os vestibulares. Há um documento recente sobre Ações Afirmativas nas Universidades Brasileiras, preparado pela Academia de Ciências do Estado de São Paulo, que discute essas questões.

Outro problema é a gestão das universidades públicas, ameaçada pela escolha de reitores por eleições diretas. Universidades têm autonomia didática, científica e administrativa, como determina o artigo 207 da Constituição da República, mas não são soberanas, sendo fundamental que não percam de vista os interesses gerais da sociedade. A eleição direta de reitores pela comunidade universitária implica sério risco de tornar as universidades prisioneiras de demandas corporativas.

Essa é a razão por que os reitores são escolhidos pelos governadores dos Estados nas universidades estaduais e pela presidente da República no caso das federais, em listas preparadas pelos conselhos universitários, nos quais os professores titulares são a maioria e os alunos e funcionários estão amplamente representados. Introduzir eleições diretas cria também o não menor risco de as universidades deixarem de cumprir suas funções básicas: o ensino, a pesquisa e a prestação de serviços à sociedade.

Medo da autoridade - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 19/08

BRASÍLIA - Por mais que o petismo diga que Marina Silva não mete medo, a candidata verde passou a preocupar, sim, os responsáveis pela missão de reconduzir Dilma Rousseff a um segundo mandato.

Seus recentes movimentos na direção de economistas como André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, deixaram desconfiados estrategistas da dona do Planalto.

Sua entrevista na Folha deveria, por sinal, ser levada em conta pela tropa da presidente como sinalizador do que pode ter pela frente, além do que já considera sabido.

Como segunda colocada nas pesquisas, posição conquistada por influência dos recentes protestos de rua, Marina não hesitou em criticar atos que extrapolam os limites da desobediência civil aceitável. Não foi dúbia. Foi bem assertiva.

Algo que, na avaliação de alguns petistas graúdos e lulistas, a atual mandatária do país não foi até aqui. Pelo contrário, dizem eles, Dilma teria deixado a desejar neste ponto.

O risco, no momento, é acreditar, com certo alívio, que o problema não é mais do Executivo. Dado que, agora, os protestos são contra os governadores do Rio e de São Paulo.

Nada mais perigoso. O clima de baderna fere a todos, em maior ou menor grau. Como um assessor presidencial admitiu, investidores estrangeiros postergaram investimentos por causa dos protestos.

Seria péssimo que isso continuasse a ocorrer quando se aproximam os leilões de concessões de rodovias e aeroportos, vitais para o país sair do crescimento medíocre.

Enfim, Marina hoje não é a principal dor de cabeça da presidente, mas mostrou potencial para virar. Seus problemas reais estão na economia, com dólar em disparada, e no Congresso, com ameaças de derrubada de vetos nesta semana.

Áreas em que Dilma precisa restaurar sua autoridade e credibilidade. Justo dizer que deu os primeiros passos, mas falta mais. Para não colecionar derrotas e semear riscos.

Trens, o dever da denúncia - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

O ESTADÃO - 19/08

Em artigos publicados neste espaço opinativo, sempre defendi o dever de denúncia da imprensa e seu relevante papel no resgate da ética na vida pública. Foi assim no caso do mensalão. Sobrou, então, muita crítica injusta ao trabalho da mídia. Jornais e repórteres foram acusados da prática de prejulgamento e de descuido com a presunção de inocência. Políticos e governantes devassados pelos holofotes da imprensa em situações delituosas e constrangedoras, independentemente do colorido partidário, vislumbram atitudes de engajamento onde só há empenho de apuração.

Agora, um escândalo potencialmente explosivo sacode o coração do tucanato. É surpreendente o que vai aflorando da investigação em curso no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre a formação de cartel em licitações para a compra de equipamentos, construção e manutenção de linhas de trens e metrôs em São Paulo. O cartel também atuou em Brasília e o Ministério Público Federal (MPF) vê impressões digitais do grupo em licitações federais.

A reação inicial do governo paulista foi errática. Em vez de enfrentar a denúncia, sem dúvida contundente, adotou a técnica conspiratória, segundo a qual o Cade, órgão ligado ao Ministério da Justiça, agia como “polícia política” do PT ao vazar, de forma seletiva e a conta-gotas, documentos em seu poder sobre o escândalo. As críticas ao trabalho da imprensa já começam a pipocar. Afirma-se que, no amanhecer de uma eleição em que o PT joga todas as fichas para quebrar a hegemonia tucana, a imprensa estaria colaborando para a desestabilização do PSDB em São Paulo. Lança-se, mais uma vez, suspeitas sobre o trabalho dos jornalistas. Esquece-se de que não somos pró ou contra qualquer partido e não fazemos jornalismo seletivo. Nosso compromisso é com a verdade e com o leitor. Nada mais.

Tentam jogar nas costas da mídia suposta politização de suas pautas. Imprensa boa para os políticos é imprensa a favor. Nosso papel é mostrar a verdade, independentemente de eventuais simpatias ou antipatias. É exatamente isso que faz do jornalismo um dos pilares da democracia. Impõe-se, como é lógico, redobrado cuidado na apuração. Não podemos, e não devemos, fazer uma competição de furos em prejuízo da qualidade. O brilho da manchete não está acima da dignidade das pessoas. É preciso ouvir o outro lado, evitar precipitação, ponderar antes de publicar. Mas isso não significa renunciar ao dever ético da denúncia.

Na verdade, os brasileiros assistem, mais uma vez, a uma vertiginosa sucessão de escândalos da novela da corrupção. Mas não devemos perder a esperança. Trata-se de um processo purificador. O Brasil não está pior, mais corrupto. Simplesmente as lentes de aumento da imprensa são mais sofisticadas. Temos mais liberdade de imprensa e de expressão. A democracia ventila tudo. Ficamos sabendo mais das coisas. E isso é bom. Manifesto, portanto, otimismo com as lições do novo escândalo.

O jornalismo, como qualquer atividade humana, está sujeito a erros. Um balanço objetivo, no entanto, indica um saldo favorável ao trabalho da reportagem. Na verdade, a imprensa, mais uma vez, se transformou numa instância importante no combate aos malfeitos e à impunidade, independentemente do matiz partidário dos supostos envolvidos. A repercussão do mergulho no cerne das irregularidades dá alento à cidadania.
A sociedade, ao contrário do que pensam os céticos e pessimistas, pode emergir desses episódios num patamar mais elevado. Graças ao papel da imprensa e ao cumprimento do seu dever de denúncia, seja qual for o desfecho das investigações em andamento, depois delas estaremos melhores. E o efeito cascata, espero, será irreversível.

Doença de índio - LÍGIA BAHIA

O GLOBO - 19/08

Recursos assistenciais modernos, financiados com verbas públicas para atender exclusivamente ricos, acirram desigualdades na saúde. A falta de posto, hospital, equipamento, médico, remédio e qualidade no atendimento para quem mais precisa corresponde à exuberante disparidade social, regional, étnica e racial nos indicadores de saúde. O desacerto entre as necessidades e as chances de obter cuidados é o resultado da concentração de dinheiro do governo para a parcela da população mais saudável, com a insuficiência de assistência aos grupos vulneráveis. Logo, as carências não são generalizáveis. Em 2010, o gasto per capita com saúde foi de R$ 726. Cada brasileiro teve direito em média a R$ 2 por dia, quando recorreu ao SUS. Para a população indígena, cerca de 300 povos que constituem uma das maiores diversidades étnicas e linguísticas do mundo, o valor foi bem menor, R$ 411.

Entre indígenas e não indígenas as desigualdades na saúde são flagrantes. Apesar do recente crescimento demográfico dos povos indígenas, os diferenciais entre a expectativa de vida, taxa de mortalidade de crianças e acesso ao sistema de saúde persistem. A incidência de doenças infecciosas e parasitárias (malária, tuberculose, diarreia e pneumonia) é maior na população indígena. Além disso, o envolvimento de indígenas com a sociedade nacional e global, e as mudanças em seus sistemas de agricultura e extração em função da aquisição ou oferta de alimentos industrializados, causam obesidade, hipertensão e diabetes.

A Constituição de 1988, que reconheceu a organização social, línguas, costumes, tradições e os direitos originários sobre as terras que os índios ocupam, atribuiu ao SUS a responsabilidade pela saúde indígena. Os distritos especiais de saúde indígena foram criados com o propósito de respeitar as diferenças socioculturais e, portanto, romper com a imposição dos referenciais e práticas terapêuticas ocidentais. Consequentemente, a construção de espaços de interação entre as equipes do SUS e os povos indígenas é duplamente desafiante. As rotinas de atendimento aos povos indígenas requerem, frequentemente, adaptações a condições geográficas e demográficas e compreensão mútua das diferenças sobre os referenciais de causa das doenças.

A atividade de vacinação de povos indígenas, por exemplo, que pode exigir a subida e a descida de rios, depende do tempo da conservação de imunobiológicos no gelo. A doença, na perspectiva indígena, é entendida como uma ameaça coletiva, extensiva ao grupo de parentes e desencadeia estratégias de cuidados igualmente compartilhadas. Para restabelecer a saúde é necessário re-harmonizar a ordem social e cosmológica. As “doenças de branco” são apenas como uma expressão sintomática de fenômenos muito mais complexos. A introdução de substâncias químicas no corpo tem um grau de importância relativamente menor do que uma viagem xamânica em busca da resolução dos problemas coletivos que propiciaram a eclosão da doença.

Com poucos recursos e sem a constituição de equipes do SUS com formação adequada, as desigualdades na saúde entre indígenas e não indígenas se acentuarão. Os persistentes problemas relacionados às terras, a educação e saúde ameaçam objetivamente a sobrevivência dos povos indígenas. Constatam-se duas formas para abordar a saúde indígena no Brasil. A primeira entende que existem índios tão somente situados no território brasileiro, sem manter relação de pertencimento parcial ou integral para com o país, e a segunda considera que esses povos constituem o Brasil. São modos opostos de encarar o problema e sua solução. Caso se considere que os índios moram em solo “nacional” por acaso, em função de processos sociopolíticos que não foram de sua própria escolha, as providências para atender seus problemas de saúde tenderão a contingentes. Se, ao contrário, concebermos que o brasileiro é índio, a saúde indígena constituirá um componente necessário e prioritário das políticas de saúde.

Em 2013, o Brasil vai realizar uma Conferencia Nacional de Saúde Indígena. As reivindicações dos povos indígenas incluem o aumento de recursos financeiros para saúde e participação nas decisões. A ocasião é propícia, em função da visibilidade das inúmeras manifestações públicas dos indígenas e não indígenas e dos avanços internacionais em relação aos direitos da saúde dos povos indígenas. Como a comparação com outros países virou mania entre os atuais dirigentes da saúde, nada melhor do que pegar jacaré nessa onda. O governo australiano acaba de anunciar seu plano de saúde para aborígines nacionais. A característica fundamental do plano é investir mais na saúde indígena e abordar o racismo que por muitos anos tem dificultado o acesso de indígenas australianos aos cuidados e aos serviços de saúde pública. O compromisso estabelecido pelo Ministério da Saúde australiano é o de propiciar condições para que os indígenas tenham o mesmo status de saúde do restante da população e permitir que a compreensão holística sobre saúde dos indígenas seja praticada e investigada, com finalidades cientificas mediante a cooperação entre iguais.

O Brasil precisa rever as concepções e as práticas que organizam a atuação do SUS na saúde indígena, a começar pelos investimentos e ruptura com a apresentação e representação do trabalho que envolve os cuidados aos povos indígenas como algo exótico. A retórica pró-diversidade ancorada no silêncio a respeito das desigualdades e etnocídio puxa o país para trás. Se os índios não tiverem saúde, não teremos saúde.