terça-feira, fevereiro 19, 2013

Rio voluptuoso - ANCELMO GOIS


O GLOBO - 19/02

O caderno de turismo do “New York Times” publicou reportagem sobre o Rio na sexta-feira. A correspondente Jodi Kantor visitou a Rocinha e o Leblon, foi ao bar Jobi e tomou sorvete na Mil Frutas. Segundo ela, “o Rio é a cidade mais voluptuosa do mundo”.
É. Pode ser.

Débito ou crédito?
Neste período do carnaval, teve prostituta que faz ponto na Glória, no Rio, abordando turistas levando na bolsa uma dessas máquinas de débito e crédito.
Há testemunhas.

Craque da política
No meio político, Ronaldo tem uma vasta coleção de amigos que vai de Lula a FH. Com Aécio Neves, sua amizade parece maior, embora o Fenômeno goste de brincar que não perdoa o mineiro por ter lhe apresentado Daniella Cicarelli, sua ex.

No mais
Você pode gostar ou não gostar da blogueira Yoani Sanchéz, cuja permissão para deixar Cuba mostra uma lenta abertura da ditadura cubana. Mas ela deu um nó nos críticos ao celebrar o grupo que a recebeu com vaia ontem em Recife:

— Isso é a democracia. Queria que em meu país pudéssemos expressar opiniões e propostas diferentes com esta liberdade.

TELONA CARIOCA
A Secretaria de Turismo do Rio vai colocar em pontos turísticos tablets gigantes, como este acima, durante a Copa das Confederações, em junho. Eles têm 1,60m de altura e 50cm de largura. São postos de informação aos turistas. O equipamento, testado na Sapucaí, tem vidro blindado e foi feito com material antivandalismo.

Giro europeu
“Traduzindo Hannah”, elogiado romance de Ronaldo Wrobel, vai ganhar a Europa. Em março, Wrobel faz uma turnê por cidades alemãs para lançar o romance pela editora Aufbau. Depois, segue para debates em Paris. Em setembro, é a vez da edição italiana.

Império na China
“Formação do império americano”, do cientista político Moniz Bandeira, ganhou uma edição na China. A obra já tinha sido lançada em Cuba e na Argentina.

Viva Lygia!
A vida de Lygia Fagundes Telles vai chegar ao teatro. A roteirista Ana Jansen começou a produzir uma peça sobre a vida da escritora. Lígia, que vive em São Paulo, completa 90 anos dia 19 de abril.

Só dois dias
A editora Sextante comprou os direitos para publicar no Brasil o livro “A dieta dos 2 dias”, de Michael Mosley, médico e jornalista da rede de televisão BBC. O livro chegou ao topo da lista de mais vendidos na Inglaterra ao propor que a dieta de baixa caloria se restrinja a apenas dois dias da semana. Nos outros cinco dias, vida normal.

Família real
A grife Vix, da estilista capixaba Paula Hermanny, conquistou a princesa Kate Middleton. Veja na capa da revista ao lado. Kate foi fotografada durante suas férias no Caribe usando este modelo azul da marca. 

Ponte do samba
A Viradouro vai falar da integração Rio-Niterói no seu enredo de 2014.O mote vai ser o aniversário de 40 anos da ponte que liga as duas cidades. Será que o enredo vai falar dos engarrafamentos?

Tráfico de armas
Ontem, o Ministério Público pediu a absolvição do líder comunitário William da Rocinha por tráfico de armas. Ele está preso há 14 meses. Mas o MP insiste na condenação por associação ao tráfico.

Alô, Thyssenkrupp!
Dois funcionários ficaram presos sexta por mais de três horas no elevador de um moderno edifício das Empresas Brasif, no Leblon. Foi preciso chamar os bombeiros porque a Thyssenkrupp não deu conta do recado.

Vida mansa
Depois de deixar a direção da Comissão da Verdade na semana passada, Claudio Fonteles almoçava ontem num restaurante self-service em Araruama, na Região dos Lagos. Estava todo relaxado, usando jeans e tênis.

Tietagem
Joaquim Barbosa foi a sensação da última sessão de sábado de “A hora mais escura”, no Cinema Leblon 1. Na saída, foi cercado pelos espectadores.

Diário de Justiça
Os advogados de Thor Batista, que já conseguiram a suspensão do processo a que ele responde por homicídio culposo pela morte de um ciclista, agora entraram com pedido de suspeição contra o perito do Ministério Público. Mas a juíza Daniela Barbosa só vai apreciar o novo pedido após o fim da suspensão do processo.

FÁTIMA, DE CABELO NOVO
A nossa Fátima Bernardes, eterna musa do telejornalismo brasileiro, de visual novo em seu programa, que vai ao ar às 10h30m na TV Globo, diretamente do Projac. Hoje o tema principal será sobre a fofura dos nossos bichos de estimação 


Ester - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 19/02

São incontáveis as crônicas em que plagiei a minha avó -os únicos premeditados e conscientes que cometi


Disse um dia em entrevista televisiva que, sempre que tinha dúvidas sobre um assunto sobre o qual precisava escrever, telefonava imediatamente à minha avó. Ela resolvia qualquer bloqueio criativo.

A entrevistadora entendeu a frase como "boutade" -a atitude típica de um "dândi", para citar uma crítica altamente elogiosa que um editorialista do "Valor Econômico" atirou sobre mim.

Mas não era "boutade" (nem eu, "hélas!", sou o sr. Beau Brummel). Contaminado por matérias mil e deformado pelo chicote da universidade, que às vezes atrapalha mais do que ajuda, a minha avó tinha aquela "disposição conservadora" de que falava Michael Oakeshott. Uma disposição que era natural, sem carimbo acadêmico, feita de prudência, ceticismo, humor. E de um arrasador bom senso perante os dilemas da vida.

Razão tinha um autor célebre quando afirmava que entregaria mais depressa os destinos de uma nação ao primeiro nome que encontrasse na lista telefônica do que ao departamento de humanidades da Universidade Harvard. A minha avó era o nome da minha lista telefônica. Metafórica e literalmente.

Não, para ela os homens não tinham nascido livres nem se encontravam aprisionados em toda parte. Mas a minha avó também não subscrevia a fantasia contrária: os homens não eram matéria irremediavelmente corrompida.

Da espécie Homo sapiens, devemos esperar grandes coisas e miseráveis coisas. Uma vez mais, prudência e ceticismo.

São incontáveis as crônicas em que plagiei a minha avó -os únicos plágios premeditados e conscientes que cometi na vida, sempre com uma mistura de prazer e culpa que nunca me abandonava.

A responsabilidade era inteiramente dela: aos sete anos, ofereceu-me a primeira máquina de escrever -uma monstruosidade metálica e cor de laranja, trazida de Andorra, e que ainda existe (e funciona) no escritório de casa.

Recebi o presente próximo da apoplexia e, nos dias seguintes, ela desafiava-me a escrever-lhe cartas imaginárias, algures no ano 2020. Para lhe contar as minhas viagens pelo mundo.

Isso, claro, até iniciar as viagens reais. Com ela ou por causa dela. Aos nove anos, sei lá como ou por que, comecei a alimentar uma paixão séria pelo Egito Antigo. Eram as pirâmides, os faraós, as múmias e, melhor ainda, o próprio processo de mumificação (aula breve para principiantes: os miolos são removidos pelas narinas).

A paixão era de tal ordem que só se curou quando, no ano seguinte, ela me levou ao Egito real. Pela sua mão, acampei no museu do Cairo; e nas pirâmides de Gizé; e nas ruínas de Luxor e Alexandria.

E, depois do Egito, por que não atravessar o deserto e chegar a Jerusalém?

Dito e feito: a primeira vez que estive em Israel também foi com ela. Tudo com narração personalizada sobre as desventuras dos judeus antigos, que ela lera na Bíblia, sem esquecer os modernos, que ela acolhera em casa durante a Segunda Guerra. Como católica que era.

E foi sempre com ela, nessa fase de encantamentos que costuma acompanhar o fim da infância e os primórdios de toda adolescência, que conheci as cidades restantes que me ficaram para a vida. Paris. Roma. Veneza. E, claro, Londres, sempre Londres, talvez a sua maior herança.

Porque vivemos um tempo de heranças -não as materiais, que são parcas e finitas. Mas as outras. As intangíveis.

E hoje, fazendo uma pausa nas loucuras do mundo, dedico esta crônica à minha irmã, que a partir de agora continuará o seu nome. Para que tu, querida Ester, possas ter as virtudes da tua homônima. Como eu sei que tens. Vejo-as quando te vejo: o mesmo porte elegante; a mesma coragem no momento das quedas e ascensões; e essa raríssima arte de saber equilibrar a inteligência com a simples bondade humana. Não te rias. Porque até teu riso tem direitos autorais.

Para o respeitável leitor, prometo que as loucuras do mundo voltam na próxima semana. Mas não posso prometer mais que isso. Porque, daqui para a frente, quando tiver dúvidas sobre os assuntos do momento, a minha lista telefônica estará vazia.

Reforço - SONIA RACY


O ESTADÃO - 19/02

Decreto de Alckmin, publicado sem alarde no carnaval, montou grupo que ficará responsável pelo planejamento das ações da agência de combate ao crime organizado.

A unidade, criada em novembro após a escalada de violência no Estado, passa, agora, a funcionar em uma sala na Secretaria da Segurança Pública.

Prestígio
Um dia após o anúncio da compra da Heinz, Beto Sicupira voou para Harvard para prestigiar a graduação de sua filha, Cecilia, no seminário Young Presidents’ Organization.

Filha de peixe, lagartixa não é.

Dia relax
Visto domingo – com a família, no Hotel Delano de Miami –Jorge Paulo Lemann.

O escolhido?
Pedro Basile está cotado para assumir o comando das operações da Heinz, nos EUA. Trata-se domesmo executivo que substituiu Alexandre Behring na ALL quando este foi para a 3G Capital – do trio Lemann, Sicupira e Marcel Telles.

Bicadas
A participação de Aécio no Congresso do PSDB de São Paulo naufragou. Os paulistas esperavam ouvir o senador dia 25.

Mas a data marcará a ida de FHC a BH para o lançamento informal da candidatura do mineiro à Presidência.

Bicadas 2
E enquanto Aécio se prepara para assumir o comando do PSDB, Alberto Goldman, aliado de Serra, reclama da “inação” do partido. Diz ter enviado, em novembro, e-mail a Sérgio Guerra sugerindo documento crítico sobre os dez anos do PT no governo.

Não recebeu resposta. “Chegamos ao fundo do poço.”

Coaching
Dilma se prepara para a batalha que enfrentará contra seu projeto destinado aos portos.

Para tanto, conta com Jorge Gerdau, com quem se encontrará quinta, em Brasília.

Hora extra
Belo Monte volta à pauta da Câmara por causa de suspeita de… tráfico de pessoas. Há indícios de que mulheres têm sido levadas a boate de Altamira para “atender” trabalhadores.

A CPI quer ouvir o gerente e um garçom do estabelecimento – presos pela polícia.

Humano abraço
Caetano Veloso emocionou Roberto Saviano durante Festival de San Remo, sexta-feira.

O escritor italiano, perseguido pela máfia, escreveu em seu Facebook: “Caetano Veloso, graça e versos pela feroz delicadeza: nada mais humano…”

Abraço 2
O músico cantou Você é Linda e Piove. Depois, foi jantar com o pianista Stefano Bollani. E já está de volta ao Brasil, onde começa a ensaiar para a turnê de Abraçaço.

Carnívoro
Rafael Nadal não teve muito tempo para conhecer SP. Só saiu do percurso hotel-ginásio para comer no Rubaiyat e no Rodeio.

Leitura
Durante o carnaval, Alckmin não desgrudou um instante de O Tratamento do Usuário de Crack, livro dos médicos Marcelo Ribeiro e Ronaldo Laranjeira.

O governador se impressionou com o relato da progressão devastadora do crack em curto espaço de tempo. “A droga quase não existia no início dos anos 90”, afirmou o tucano.

Back to the past
Henrique Meirelles matará saudade da Poli – hoje, como paraninfo da turma de formandos. O ex-presidente do BC se formou na USP há 40 anos.

Punta é ali
Facilidade para quem quer comprar casa no Las Piedras, em Punta del Este. A JHSF – responsável pelo empreendimento – assinou acordo garantindo lugares nos voos fretados da Gol (de São Paulo para a cidade uruguaia) às quintas e domingos.

LONGA ESPERA - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 19/02

Os produtores do filme "Colegas", estrelado por jovens com síndrome de Down, receberam a informação de que o astro americano Sean Penn pode, sim, vir ao Brasil ainda neste ano para ver o longa. Três empresas já se dispuseram a financiar a viagem dele ao país.

ETIQUETA
Um dos problemas a ser contornado é que Penn é avesso a qualquer tipo de negociação em que apareça em troca de cachê ou para fazer merchandising de empresas que financiem sua viagem.

MULTIDÃO VIRTUAL
Até ontem, o vídeo da campanha #vemseanpenn, postado no YouTube, já tinha 1,29 milhão de visualizações. Nele, várias celebridades pedem a presença do ator no Brasil para atender ao que seria o desejo de Ariel Goldenberg, ator principal do longa-metragem.

MÃO NO BOLSO
Numa reunião com o padre Júlio Lancellotti para discutir o acesso de moradores de rua à Câmara Municipal, o presidente do Legislativo, José Américo (PT-SP), disse que já está tomando providências. Uma delas, deslocar funcionários para anotarem ao menos o nome dos visitantes e saber a que gabinete se dirigem. "Se quiserem entrar de cueca samba-canção e o vereador Toninho Vespoli [do PSOL] autorizar, eles vão poder", anunciou.

MÃO NO BOLSO 2
Vespoli, que se opôs à restrição ao livre trânsito dos moradores, estava presente. "Levei na brincadeira. O Zé [José Américo] é meu amigo, militamos juntos no PT. Mas ele, como presidente, fica numa situação difícil porque tem que refletir a média da casa, que é conservadora", diz o vereador. Ele revela que José Américo prometeu também construir dois banheiros no térreo, feminino e masculino, para que os moradores tomem banho.

PRECEDENTE
A alusão à roupa íntima não foi gratuita. Há alguns dias um visitante tentou de fato entrar na Câmara só de cueca. Foi impedido.

SUBINDO NA VIDA
Letícia Colin, 23, vive sua primeira mocinha em "Como Subir na Vida sem Fazer Força", musical de Charles Möeller e Claudio Botelho que estreia no dia 9 no Rio e chega a SP no segundo semestre. "Sou novata na comédia e já começo com dois grandes humoristas, o Gregorio [Duviver] e o Luiz Fernando [Guimarães]."

Ela será a romântica Rosemary. "Sempre fiz personagens mais malucas", afirma a atriz, fotografada no banheiro por um colega de escola.

BALADA DO LOUCO
O deputado Gabriel Chalita e a atriz Luciana Vendramini foram à pré-estreia de "Quase Normal", no sábado, no teatro Faap. Vanessa Gerbelli está no elenco da peça.

CANTA COMIGO
O músico Lobão e a modelo Michelli Provensi foram alguns dos convidados do show de Thiago Pethit no festival Grito Rock, no Auditório Ibirapuera.

AI, QUE LOUCURA
"Mulheres Ricas" vai virar peça de teatro. Newton Cannito, presidente da Associação de Roteiristas e ex-secretário do Audiovisual, vai dirigir monólogo da atriz Christiane Tricerri. A ideia, diz ele, é "ir além do reality show, mostrando os piores fatos e raciocínios". Ele vai procurar a Band, que produz o programa homônimo com Narcisa Tamborindeguy e companhia. "Se tiver que mudar [o nome], eu mudo."

DE CIRILO A MICHAEL
Jean Paulo Gomes, o Cirilo da novela "Carrossel", será Michael Jackson criança no musical "Forever King Of Pop", que estreia em abril no Brasil. Ele passou por várias audições e será o único brasileiro no elenco da megaprodução.

RECORDISTA
Suzano, no interior paulista, é a cidade campeã na produção de leis inconstitucionais no Estado de São Paulo. Em 2012, 40 de suas leis foram derrubadas pelo Tribunal de Justiça paulista. Em segundo lugar, empate: Guarulhos e Amparo, cada uma com nove textos desvalidados. Os dados estão no Anuário da Justiça São Paulo 2013, que será lançado na quarta.

LEMBRANCINHA
A atriz Megan Fox, que cobrou estimado R$ 1,7 milhão para ficar duas horas no camarote da Brahma no Carnaval, ganhou mimos da equipe do hotel Fasano, no Rio.

Levou para casa biquíni e lenço de estampa floral bordada de Amir Slama.

Curto-Circuito
A exposição "Arte com Arte", com trabalhos de Gustavo Rosa e Suzy Gheler, estreia hoje no shopping JK Iguatemi.

A Daslu apresenta coleção às 18h, no Cidade Jardim.

A C&A faz desfile hoje, às 21h30, no hotel Unique.

Harrison Ford e Calista Flockhart estarão no jantar de lançamento do Centro de Sustentabilidade das Américas, amanhã.

A Secretaria de Estado da Cultura promove hoje o Encontro de Dirigentes Municipais de Cultura, no Teatro Sérgio Cardoso, às 8h.

Que mãe? - FRANCISCO DAUDT

FOLHA DE SP - 19/02

Tendo sido importante, a memória dela se conecta com praticamente todas as vivências do filho


Aparecem notícias de que um cientista russo foi queimando neurônio por neurônio no cérebro de um paciente que queria se livrar das memórias de sua mãe que o atormentavam. Finalmente, bingo, o paciente nem sabia mais que havia tido mãe! O cientista queimara o "neurônio-chave" da lembrança de mãe.

Todo o meu prezado ceticismo veio à tona ao ler essa notícia. Um neurônio para mãe?

Mas... Que mãe? Sua mãe da infância, da adolescência ou a atual? A que o atormentou e a que o encantou? A que ele comparava com inveja com a mãe de seus colegas? A que o levava ao colégio ou a que o esquecia lá? A que usava Joy do Jean Patou nos anos 50 e passou para Diorissimo, nos 60? A que pedia que ele a ajudasse a abotoar a cinta? A que o espancava com o cinto? A que o seduzia e depois o abandonava? A chantagista emocional? A mãe idealizada que convive em todos nós? O ódio dela que ele cultivou por anos? Os mil ressentimentos entrelaçados em suas relações com as mulheres e com a vida?

O próprio conceito de mãe, maternidade, instinto materno, vocação maternal, matriz, a mãe gentil dos filhos deste solo, língua-mãe, "mater ecclesiae", Santa Maria, mãe de Deus, "alma mater", matriarcado, o indissociável conceito de filho, filial/matriz, mamãe, mamãe, o avental todo sujo de ovo, o churrasquinho de mãe, do Teixeirinha ("O maior golpe do mundo que eu tive na minha vida foi quando, com 12 anos, perdi minha mãe querida" -veja no YouTube, se você não conhece), "Minha nossa (senhora)!", mãe em outras línguas, "motherfucker", mãe das águas Iemanjá, "É a mãe, seu...!", matricídio?

Uma coisa é certa: essa mãe foi de uma importância enorme na vida do sujeito/objeto dessa experiência, senão ele nem iria pensar nela -quanto mais se sujeitar a um procedimento tão arriscado. Tendo sido importante, sua memória se conecta com praticamente todas as vivências que ele teve, através de vários graus de separação (diz-se que estamos ligados a quase todas as pessoas do planeta por até seis graus de separação: minha mãe conheceu Hitler em Berlim, na Olimpíada de 1936, logo, estou ligado a ele por dois graus, e por aí vai).

Se assim é com pessoas, que dirá com memórias. Uma puxa a outra porque se vinculam pelas conexões neuronais, numa rede gigantesca.

Freud dizia que se poderia reconstituir a vida inteira de uma pessoa a partir de um único sonho. Ele vislumbrou o que era a rede neuronal e a complexidade que ela tem, muito antes da neurociência e das ressonâncias magnéticas funcionais.

Eis porque não acredito na experiência do russo. A menos que ele esteja a reproduzir o feito que deu ao português Egas Moniz, em 1949, o primeiro prêmio Nobel que seu país recebeu: a invenção da lobotomia como método de tratar violentos incuráveis (e transformá-los em vegetais ambulantes). Seria a única maneira de erradicar a memória de mãe numa pessoa para quem ela fez diferença (para o bem ou para o mal, não importa).

Um caso típico de, como no antigo ditado, "jogar fora o bebê junto com a água do banho".

Felicidade Facebook - JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS

O GLOBO - 19/02

Sorria, você está na nova Barra da Tijuca espiritual, o novo nirvana de onde quero mandar fotos chutando chapinha em Paris


Ah, quem me dera tamanha glória e júbilo, a felicidade dos que navegam sorridentes no Instagram, no Facebook e no que mais for inventado no decorrer desta semana. Como é bem-sucedida essa gente que carrega um celular em cada bolso, os novos tambores para comunicar aos seus 2,5 mil amigos que vai tudo bem. A comida à mesa é farta, o cenário das férias é paradisíaco, e quando se chega em casa lá está o gatinho balançando o rabo, o cachorro se fingindo de mal-humorado. Todos anunciando em miados, latidos e centenas de fotos que aqui mora uma família bem construída — e, antes que pensem o contrário, antes que o maridão seja pego logo mais no bafômetro, isso precisa ser divulgado nas redes sociais.

Eu já quis viver de brisa numa praia do Nordeste, ser barbaramente carnavalizado pelos amores perfumados das três mulheres do sabonete Araxá. Sonhei em ter a grana do Eike e torrá-la sem dó. Desisti. Tudo isso dá muito trabalho. O Nordeste é longe, o desequilíbrio ambiental tornou a brisa rarefeita. Três mulheres seriam demais para minhas precariedades ambulatoriais. A grana do Eike, segundo os últimos pregões da Bolsa, é cada vez menor, e isso — chora, doutor, chora — dá um medo de ficar pobre que apavora.

De nada mais disso quero e daqui distribuo aos carentes, como se fossem saquinhos de Cosme e Damião, o pífio prazer desses valores antigos. As camisas bem cortadas do Xico Sá, o backhand do Djokovic, o ponto e vírgula do Rubem Braga. Não, obrigado.

Eu quero o êxtase moderno de me deixar ser visto, em tempo real, diante do pôr do sol de Kokomo, tendo na frente dele apenas as curvas estonteantes desse meu novo amor e sua expressão de gata visivelmente saciada.

Eu quero que não reste a menor dúvida em cada foto. Deus me tem sido justo, e o filtro, que baixei ontem de um site francês, deixa meus filhos ainda mais bonitos do que os seus.

Ah, como essa gente é bem resolvida com suas euforias triviais. São os novos malabaristas do bem-estar em seu número de felicidade diante de quem quiser assistir o que lhe vai na sala de recepção. Quem sou eu, primo, para usufruir a delícia de tamanho tédio de contentamento existencial e em seguida, sem impedimentos geográficos, em Londres ou no Leblon, ter a jabuticabeira que acabei de regar na varanda da cobertura compartilhada por quem alhures me espiona e quer mal.

Quem me dera estar sempre viajando por uma praia escondida no mapa. Longe de tudo, mas não o suficiente para que o sinal de internet ribombe pleno por lá e armazene, depois envie para serem compartilhados com muitos :), os megabytes da foto onde eu, você, nós dois, demonstramos já ter um futuro escrito em nossas pernas entrelaçadas.

Ah, como são superiores esses seres desprovidos da caretice antiga. Ninguém teme mais o mico, o senso de ridículo ou qualquer idiossincrasia repressiva. Divulgam na maior o paraíso em que supõem viver, todos despudoradamente empenhados em compartilhar a Felicidade Facebook, aquela que reescreve com Photoshop a brutalidade cotidiana. Não é mais o drama da vida como ela é, mas a vida passada a limpo. Ninguém sorri amarelo. É a terra prometida, a tela digital onde ninguém sofre ou se diz pobre pierrô abandonado. Vale o que está fotografado, e alguém acabou de postar as lindas pernas da esposa na piscina.

Quão feliz eu seria em fazer parte dessa multidão que tecla sem pudor as legendas da intimidade amorosa, do bolo de fubá no café da manhã, e manda às favas os que receitam etiquetas antigas de discrição na exibição do doméstico e da saúde. Quão desapegado eu ainda preciso ser do pundonor macambúzio que me vem do tempo dos vice-reis e a cada minuto sussurra “menos, bicho” ou “não seja ridículo, cara”. São expressões de outrora que só me atravancam a inexorável vontade moderna de mostrar na internet a seleção dos meus melhores momentos.

Sorria, você está no Facebook, e esta é a nova Barra da Tijuca espiritual, o novo nirvana de onde quero mandar minhas fotos chutando chapinha em Paris, nem aí para o IPTU, o IPVA e todas as siglas do mundo não-Instagram. Se não existe amor em SP, como quer o Criolo, não existe drama no FB. Nunca fomos tão felizes, e é preciso que essa ilusão se espalhe e me convença.

Ah, quem me dera abrir o dia postando o pôr do sol que o Criador colocou em frente à minha janela e gritar, novamente com um sorrisinho, :), um fofo “acorda Maria Bonita” para todas as minhas amigas do Feici.

Os homens sérios acham tudo isso de uma profunda deselegância e falta de decoro social, mas eles não sabem como se canta hoje o que é felicidade, meu amor. Quem me dera tamanha bossa nova. A barriga grávida da mulher amada, redondinha, espionada por pessoas das quais eu não tenho a mínima noção, mas torço para que curtam, comentem, compartilhem e depois cantem comigo a velha canção do Roberto, aquela do “eu existo, eu existo”.

Dengue patrimonialista - RICARDO VÉLEZ RODRIGUEZ

O ESTADÃO - 19/02

A posse de Renan Calheiros (PMDB-AL) como presidente do Senado está a indicar a entropia das nossas instituições. E não apenas pelos paradoxais discursos pronunciados ao ensejo da posse pelo próprio Calheiros e por figuras que décadas atrás foram esconjuradas da cúpula do governo por práticas não republicanas, como o senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL).

O fato de Renan Calheiros se apresentar como paladino da ética num momento em que está sendo questionado pelo Ministério Público, em denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal (STF) por prática de atos contrários à dignidade republicana, é, no mínimo, um acinte para os cidadãos que ainda acreditamos ser possível viver num País civilizado. De outro lado, a posse na presidência da Câmara dos Deputados de Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), cuja proposta legislativa se centra na manutenção de práticas clientelistas que atrelam o Congresso Nacional ao Poder Executivo - como as emendas parlamentares -, completa o quadro de desmoralização do Legislativo federal.

As coisas não seriam tão graves se correspondessem apenas a uma crise ética e política do Poder Legislativo. Acontece que a doença é mais radical. Os sintomas da decomposição inserem-se no contexto de uma maré negra que aponta para a desmoralização total das instituições republicanas, num fatídico balé que tem como regente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Os próximos alvos, nessa empreitada de morte cívica, serão a cabeça do Poder Judiciário e a do Ministério Público, na retomada do processo de desmoralização já iniciado pelo lulopetismo contra o presidente do Supremo Tribunal e contra o procurador-geral da República.

Alvo já anunciado dos ataques da petralhada será também a imprensa, que passará a ser acusada pela instabilidade política, numa manobra leninista de acusação, pela militância, das culpas cometidas pelos próprios denunciantes. Afinal, quem mais tem trabalhado em prol da instabilidade das instituições é o próprio lulopetismo, que tem buscado de forma incessante pôr a República, exclusivamente, a serviço de Lula da Silva e dos seus interesses partidários.

Em paralela, eficaz e deletéria ação, o crime organizado vai cumprindo o seu papel de amedrontar os cidadãos, mediante uma prática que, no século passado, Pablo Escobar pôs em funcionamento na decomposição colombiana: o assassinato sistemático de policiais e a realização rigorosamente programada de atos de terrorismo que têm como finalidade fragilizar ainda mais a psique coletiva, como está ocorrendo, de vários meses para cá, em São Paulo e no interior de Estados outrora pacíficos, como Santa Catarina. Afinal, se o clima imperante na alta cúpula do governo federal é o de pôr o Brasil a serviço de interesses particulares, o crime organizado aproveita a brecha e pratica a sua própria demolição das instituições.

O lulopetismo age, no tecido social, como aqueles aracnídeos peçonhentos que inoculam nas suas vítimas o fatal veneno que, aos poucos, lhes paralisa os membros, reduzindo-as à inação e à morte. Na caminhada de séculos do patrimonialismo brasileiro, nessa dança macabra de privatização de tudo para obedecer às instâncias familísticas de um clientelismo rastaquera, o lulopetismo não tem paralelo nos itens de cinismo e eficácia. O homem do chapéu está conseguindo cooptar todo mundo, criando um consenso fatídico ao redor da desmoralização das instituições republicanas. É o capítulo que antecede a morte cívica e o império de um desolador peronismo à brasileira, como já previu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. "Nunca antes na história deste país" se tinha apresentado alguém, como Lula, dotado de tão grande carisma, arguto e excelente articulador, pondo tudo a serviço de uma era de domínio unipessoal e da companheirada.

Não cometamos a injustiça de comparar esse quadro do avanço patrimonialista com o do getulismo ou com o do regime de 1964. Nesses dois momentos da nossa História, ergueu-se proposta de modernização autoritária, para esconjurar forças dissolventes arregimentadas pelo totalitarismo de plantão e para dotar o País das instituições sociais e da infraestrutura que lhe garantiriam entrar no mundo da industrialização.

Nunca concordei com esse viés autoritário. Teria sido possível, sim, modernizar o Brasil preservando os institutos do governo representativo e do respeito aos direitos individuais. Teríamos dado um passo bem à frente do tradicional patrimonialismo modernizador na América Latina. Mas não há dúvida quanto ao fato de que tanto no getulismo quanto no regime militar o País se modernizou.

Ora, isso não se verificou na década lulopetista. Tudo aquilo que parecia programado para efetivamente democratizar e modernizar de vez a nossa vida política terminou desaguando no mais deslavado clientelismo, num projeto de cooptação amplo, geral e irrestrito da sociedade pelo Poder Executivo hipertrofiado. Tudo ocorreu sem a mínima racionalidade para com a política econômica e sem o cuidado necessário para com a manutenção sadia das nossas contas públicas, iniciado com o Plano Real.

Dadas as repetidas investidas do desgoverno de Dilma Rousseff e do lulismo em ação contra a transparência e contra a sadia gestão da economia, poderíamos terminar este quadro sombrio com mais uma imagem tomada de empréstimo à entomologia. O Brasil é, hoje, vítima da terceira epidemia da dengue patrimonialista, que se seguiu às duas outras sofridas durante os governos de Lula.

Conseguirá o corpo social da Nação aguentar toda essa carga negativa?

Reformar a reforma ou o Incra? - ANTÔNIO MÁRCIO BUAINAIN

O ESTADO DE S. PAULO - 19/02

A imprensa tem noticiado que o governo federal está discutindo mudanças estruturais no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que teriam como objetivo conter o loteamento político e melhorar a eficiência operacional, considerada baixa.

O Incra não difere de muitas instituições públicas que envelheceram e foram corroídas por forte corporativismo, que impede a atualização de objetivos, conceitos e práticas e anula boa parte do efeito renovador do ingresso de milhares de jovens no serviço público nos últimos anos. A verdade é que nos dez anos de administração hegemônica do PT não há exemplo de enfrentamento do corporativismo em que as propostas do governo tenham sido aprovadas sem emendas que pioram o soneto. Por isso não será fácil mudar a estrutura e a cultura dominante no Incra.

Um dos focos das mudanças seriam as superintendências, cujo loteamento político tem produzido intensos conflitos na base aliada do governo nos Estados. Algumas operam como feudos quase à margem do comando de Brasília, negociando acordos e fazendo promessas inalcançáveis, estimulando a ação dos remanescentes dos sem-terra para pressionar o governo a realizar novas intervenções agrárias que fortalecem politicamente as administrações locais junto de certos movimentos sociais. Vez por outra as superintendências são protagonistas de "problemas administrativos" que exigem intervenções "saneadoras" do poder central. Não está claro que arranjo institucional poderia ser usado para conter esses desvios. A estadualização não é uma alternativa real, até porque a desapropriação para fins de reforma agrária é prerrogativa da Presidência da República, e poucos Estados têm interesse e condições para assumir responsabilidades de implementar projetos de assentamento. A descentralização, com maior envolvimento das prefeituras, tampouco representaria solução duradoura para os problemas.

Os assentamentos estão concentrados em municípios pobres, que não têm capacitação para cumprir com mandatos constitucionais básicos na área de educação, saúde e infraestrutura nem como porta de entrada ao Sistema Único de Assistência Social (Suas). Transferir funções a esses municípios por meio de convênios com o governo federal tem sido fórmula certa de fracasso. Passada a lua de mel, na qual os municípios recebem parte do enxoval (recursos financeiros, equipamentos, cursos e intenso vaivém de funcionários), começam os problemas de manter um casamento apressado e sem comunhão de objetivos. Vêm as prestações de contas, os recursos federais atrasam, falta dinheiro para o combustível e manutenção das máquinas, os contratos temporários dos técnicos terminam, os prefeitos viajam a Brasília, mobilizam seus deputados, que em geral renovam promessas que não podem cumprir, e ao final de pouco tempo todos perdem o interesse e o assunto cai no abandono, até surgir oportunidade para um novo casamento, com objetivos modificados, mas nas mesmas bases contratuais: um finge que transfere recursos e poder, outro finge que aceita e se empenha, ambos capitalizam durante a lua de mel e se acusam nos momentos de crise sabendo que vão repactuar mais adiante.

A notícia da reforma é boa, e já vem mais do que tarde. O Incra foi criado no regime militar para realizar uma reforma que, nos termos propostos e até hoje vigentes, se tornou desnecessária, anacrônica e até incoerente - para usar termo polido - do ponto de vista do País. Seria preciso, pois, repensar a própria reforma antes de reformar o Incra. Não é suficiente assentar menos e indicar que a prioridade agora é melhorar a qualidade dos assentamentos existentes. É preciso repensar o papel dos assentamentos rurais no Brasil de hoje, onde e em que condições se justificam, quem é o público beneficiário, quais as responsabilidades do Estado e que instrumentos pode e deve legitimamente mobilizar para cumprir sua parte. É preciso pensar se o País precisa de fato de um Incra. Antes de responder a essas questões, qualquer reforma será só uma maquiagem ligeira que dificilmente trará maiores benefícios ao País.

Tem mogno? - TASSO AZEVEDO

O GLOBO - 19/02

Dias atrás estive na região do Gasômetro, principal centro comercial de madeira em São Paulo, e perguntei se tinha mogno:

— Tem não, senhor.

— E demora a chegar?

— Xii... doutor, melhor esperar sentado, faz tempo que não vejo mogno por aqui.

Há dez anos o mogno entrou na lista internacional de espécies ameaçadas de extinção. Por sua beleza única e incrível estabilidade e trabalhabilidade, o mogno foi superexplorado por anos. O metro cúbico da tora chegou a valer mais de mil dólares, quase cinco vezes o valor de outras espécies nobres, como ipê. Centenas de quilômetros de estradas e ramais eram abertas na floresta para retirar o mogno, e quase a totalidade da exploração se dava de forma ilegal.

Dois grandes comerciantes financiavam a extração com dinheiro adiantado recebido de compradores de fora do Brasil. As eventuais apreensões de mogno ilegal realizadas pelo Ibama eram muitas vezes um artifício para legalizar o produto, uma vez que as madeiras apreendidas eram depois leiloadas, por serem consideradas produtos perecíveis. Os dois controladores do mercado venciam todos os leilões e tinham legalizada a madeira.

Em 2003, uma equipe recém-chegada ao Ministério do Meio Ambiente decidiu mudar a abordagem, com o objetivo de tornar a exploração ilegal um péssimo negócio. Em 2003 e 2004 uma série de operações de fiscalização apreendeu milhares de metros cúbicos de mogno no Pará e Mato Grosso. Em vez de leiloar a madeira, ela foi doada para uma Fase, uma respeitada organização do terceiro setor, com o propósito específico de utilizar os recursos da venda do mogno (processado por empresa certificada e auditada) para constituir um fundo fiduciário para promoção do desenvolvimento social em bases sustentáveis das comunidades da região onde a madeira foi apreendida no Pará. Assim nasceu o Fundo Dema (nome de uma liderança comunitária morta em confronto com madeireiros ilegais na região do Xingu), gerido pelas organizações comunitárias sob supervisão e auditoria dos orgãos federais de controle. Prestes a completar 10 anos, o Fundo Dema já apoiou mais de mil iniciativas e projetos beneficiando milhares de famílias.

Sem poder comprar o mogno no leilão para cumprir os contratos de venda antecipada que haviam firmado, os comerciantes de mogno foram à bancarrota, e em 2005 o comércio ilegal de mogno se tornou insignificante.

O sucesso desta operação serviu de fonte de inspiração para o programa de prevenção em combate ao desmatamento na Amazônia, que, combinando ações de comando e controle, ordenamento territorial e instrumentos econômicos, contribui fortemente para a queda de mais de 80% do desmatamento na Amazônia entre 2004 e 2012.

Recente estudo publicado por pesquisadores da CPI e PUC no RJ mostra que uma das medidas mais eficientes para controle do desmatamento foi a restrição do crédito a produtores rurais que não cumprem com a legislação ambiental. O estudo reforça a lição aprendida com o mogno: restringir as atividades econômicas degradadoras e fomentar as atividades sustentáveis são caminhos indispensáveis a serem trilhados.

Saem intrigas, entra o Espírito Santo - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 19/02

O cardinalato, ainda atônito com a renúncia, invoca ajuda dos céus para decidir em quem votar


ROMA - Luigi Accattoli, vaticanista que não presume ter linha direta com o Espírito Santo, pôs ontem na capa do "Corriere della Sera" um sentimento que flutua claramente nas ruas de Roma, entre fiéis e não tanto: a Igreja Católica ainda está tonta com a renúncia de seu chefe, faz uma semana.

"O ambiente eclesiástico parece ter chegado ao encontro [com o desafio representado pela renúncia] totalmente despreparado".

Para Accattoli, uma renúncia era previsível, visto que, "de Pio 12 em diante (papa de 1939 a 1958), todos os papas estudaram a possibilidade de demitir-se".

Agora que Bento 16 de fato demitiu-se, os cardeais remetem ao Espírito Santo a decisão sobre o novo papa, como o fez um dos "papabili" mais citado, o norte-americano Timothy Dolan, 63, em entrevista a "La Stampa". Perguntado com qual espírito vai a Roma para o conclave, respondeu: "Como primeira coisa, procurarei a ajuda do Espírito Santo, porque precisamos que nos inspire nesta escolha".

Sei que os não-crentes e mesmo alguns fiéis (ou muitos?) duvidarão que o Espírito Santo se intrometa entre os humanos para decidir o voto. Mas os cardeais refugiam-se nele mesmo quando em conversas informais.

Aconteceu comigo na véspera da votação anterior, em 2005, em uma conversa com um dos eleitores, que agendei na vã ilusão de que ele me abriria as portas para os segredos do conclave.

Dolan pelo menos leva a vantagem de parecer despachado, tanto que dispensou o Espírito Santo para dizer que quem o coloca entre os "papabili" favoritos "fumou maconha". Meu neto não diria coisa diferente e não é cardeal.

Ajuda no desconcerto do "ambiente eclesiástico" o fato de que dois inimigos cordiais comandarão o período chamado de "sede vacante", ou seja, a fase posterior à morte/renúncia de um papa em que o Vaticano fica sem chefe. São Angelo Sodano, decano do Colégio Cardinalício, e Tarcisio Bertone, o camerlengo.

Bertone substituiu Sodano como secretário de Estado e logo afastou os homens ligados a seu antecessor, uma das lutas fratricidas que "desfiguraram o rosto da igreja", como Bento 16 diria na Missa de Cinzas.

"Ninguém gostaria de assistir à prolongação do conflito", escreve Accattoli.

Quando não remetem ao Espírito Santo, os cardeais refugiam-se na negativa, como Giuseppe Versaldi, 69, que diz, sobre o escândalo financeiro que acabou com a demissão do presidente do chamado "Banco do Vaticano":

"Estou há cerca de um ano e meio na presidência dos assuntos econômicos da Santa Sé, e não tenho a sensação de escândalos financeiros nos últimos tempos. Ao contrário, à parte acusações infundadas de quem quer falar mal da igreja de qualquer jeito, já está em ação uma renovação do sistema econômico-financeiro em respeito às exigências de transparência e credibilidade da igreja."

Se for verdade, o Espírito Santo já cuidou dessa parte. Falta agora ajudar os atônitos cardeais a votar.

Comunista e palhaço - GILLES LAPOUGE

O Estado de S.Paulo - 19/02

A revista britânica The Economist gosta de distribuir notas aos países da Europa, em geral mais ruins do que boas. Há cinco meses, em novembro, ela maltratou a França, "A bomba de efeito retardado no coração da Europa". O julgamento lógico era o de que The Economist era a "Vestal da economia liberal", revoltada com o fortalecimento de um poder socialista na França.

Ontem, The Economist desancou outro país: a Itália, oito dias antes das eleições legislativas que se realizarão no domingo e na segunda-feira.

Lá, as preferências de The Economist surpreendem ainda mais: a revista escolheu o líder da esquerda, Pierluigi Bersani, ex-ministro da Economia, que já foi comunista.

Como é possível que essa publicação não apoie o atual chefe do governo de Roma, o "bom soldado liberal", Mario Monti, que aplica há mais de um ano uma política de austeridade implacável? Sem dúvida, a revista britânica reconhece que o purgante que Mario Monti ministrou a seus concidadãos não obteve resultados satisfatórios.

De fato, depois de um ano e meio, o quadro não é muito animador: a dívida italiana chega a 2 trilhões, equivalente a 127% do seu Produto Interno Bruto (PIB). A Itália está muito mal das pernas. O país está em recessão há um ano e meio e não conseguirá sair dessa situação antes do fim de 2013, mais provavelmente antes de 2014. Em 2012, o PIB recuou 2,2%.

Contudo, um outro candidato liberal que estará presente nas eleições: Silvio Berlusconi, o insubmergível, o grande amante das donzelas, o "macho à maneira antiga", sempre alegre, vulgar, malicioso.

The Economist detesta Berlusconi desde sempre, tem horror a esse homem que apelidou de "o homem que abusou de um país inteiro". Berlusconi tentou por duas vezes processar a publicação por difamação. Em vão.

Os observadores sérios compartilham da aversão. Mas aqui está algo incompreensível: totalmente coberto de desonra por seus últimos desvios de conduta (orgias, mentiras ...), desprezado, há dois meses, o canastrão Berlusconi era considerado uma figura negligenciável. Hoje, sua recuperação nas pesquisas é tão meteórica que alguns temem sua vitória.

Sem chegar a esse ponto, os especialistas têm outro pesadelo: o resultado poderá ser tão dividido que o vencedor (provavelmente o líder da "esquerda reformista", Pierluigi Bersani) não conseguirá contar com uma maioria estável no Parlamento.

Tal perspectiva seria ainda mais nefasta, pois há um quarto candidato na contenda. Um indivíduo que não é nada. Sujeito dado a insultos, comediante, palhaço (decididamente, palhaço é o que não falta nessa temporada), Beppe Grillo inflama os corações, seduz e faz rir, enquanto denuncia a alarmante corrupção italiana. Suas sondagens de opinião são mirabolantes.

Entretanto, dificilmente Grillo vencerá. Mas fará eleger no Parlamento um bom número de deputados, personagens bizarros e incontroláveis, mas talentosos quanto ele. Violentamente antieuropeu (como Berlusconi), um contingente de deputados de Grillo poderia provocar sérios problemas ao consenso pró-europeu da Itália.

Não se deve subestimar a irrupção dessa formação, no "grande circo" da política italiana. Nestes tempos de esgotamento geral da Europa, de corações transidos, de abatimento moral generalizado, uma figura como a de Beppe Grillo não seduz só a Itália. Ele poderá inspirar, em outros cantos da Europa, personagens dotados, engraçados, ferozes e alheios à "formatação" do político habitual, a também se lançarem na arena política. / Tradução: Anna Capovilla

A diferença é a marca - NIZAN GUANAES

FOLHA DE SP - 19/02

A construção de uma marca é uma obra empresarial suada, que leva tempo, feita com disciplina


A diferença entre um tablet fabricado na China e o mesmo tablet igualzinho, só que com a marca Apple, é a marca da Apple.

A marca não é só um logo estampado num produto, mas um conjunto de valores e atributos tangíveis e intangíveis que essa marca carrega e aquele logo anuncia. A construção de uma marca é uma obra empresarial suada, que leva tempo, feita com disciplina e profissionalismo.

A marca não é, como muitos pensam, fruto só de publicidade. Ela é uma verdade, um sonho ou uma fantasia. A única coisa que ela não pode ser é uma mentira. É uma verdade mesmo que essa verdade seja a fantasia da Disney.

Uma marca também é definida por coisas que não é. Louis Vuitton, por exemplo, não é barato. A marca se gaba de nos últimos anos não ter feito liquidação. Por isso, quem a usa carrega não só uma bolsa, mas uma bolsa cara, que leva toda a história da casa Vuitton.

As marcas não vendem só luxo, exclusividade ou frescura. Quem compra na Zara, por exemplo, ostenta inteligência: "Sou mais inteligente porque me visto bem na Zara, comprando o que está na moda sem pagar o preço alto da moda".

Para isso, a Zara é um prodígio de seguir a moda sem copiar seus custos, abrindo lojas bem na frente das marcas de luxo.

As marcas, assim como os grandes jornais que amamos, têm que ter conselho editorial e editor-chefe. Steve Jobs foi o maior editor-chefe empresarial dos últimos tempos. Construiu a marca Apple pelas coisas que fez e não fez, como não dar ouvidos ao consumidor, impondo sua própria vontade.

Num mundo onde virou moda certos clientes maltratarem suas agências de propaganda (refluxo da arrogância das agências nas décadas de 70 e 80), Jobs colocou a agência TBWA dentro, fisicamente, do prédio da Apple e construiu junto com ela alguns dos melhores momentos da publicidade, a ponto de em alguns comerciais ele mesmo fazer textos e até locução.

Jobs soube também explorar com maestria as relações públicas. Todos temos no imaginário o Steve Jobs de jeans e gola rolê apresentando a um auditório lotado e em frenesi o próximo lançamento.

Ele fez da coletiva um instrumento midiático moderno, global e excitante. E usou o design para tornar um aparelho único porque o design o fazia parecer único mesmo quando não era tão único assim.

O silêncio, a discrição e quase nenhuma publicidade podem também construir uma marca.

A família Safra é um exemplo. Discretos, construíram uma marca e várias casas bancárias com uma ferramenta de marketing poderosa, o "no marketing".

O "no marketing" não é só ser discreto e "low profile". É também ter fama de discreto e "low profile". Construir a cultura do "no marketing" é repeti-la com exaustão dentro da organização e fazer com que todos a conheçam e se comportem assim.

Indo de um polo a outro, marcas como Redbull foram inventadas com todo o barulho e ferramentas de marketing, de forma tão revolucionária quanto o silêncio dos Safra.

Adotando os esportes radicais, o gênio de seus criadores fez de uma bebida de gosto estranho marca de aceitação global. Redbull é a energia do novo novo. Com o patrocínio dos esportes de alto risco e alta energia, tornou-se sinônimo mundial de energia, uma ação de "branding" maciça que consumiu, pasmem, 35% do seu faturamento.

Apple, Safra e Redbull são "brandings" diferentes, unidos pelo alinhamento total entre a marca e a cultura da organização empresarial. Como Ralph Lauren, cuja vida se confunde com a marca e a empresa que levam seu nome. Criou valores, processos e crenças, conhecidos por todos, que terão de ser respeitados mesmo quando ele não estiver aqui para lembrá-los.

O mundo da moda é o mais dinâmico usuário dos instrumentos de marketing. Como fica velha todo ano, a moda tem que se tornar anualmente jovem e renovada. As diferenças podem vir nas embalagens, no produto, na publicidade, no preço ou na tecnologia e na inovação.

Num mundo lotado de marcas e ferozmente competitivo, ninguém sobrevive ou constrói marca se não tiver uma diferença clara e se a organização não estiver alinhada, consciente e doutrinada a trabalhar para não esquecer nem deixar o consumidor esquecer aquela diferença.

Comércio exterior 2.0 - JOSÉ PAULO KUPFER

O Estado de S.Paulo - 19/02

Se houve alguma surpresa com a ênfase de última hora dada ao tema da "guerra cambial" na pauta da reunião do G-20, sexta-feira e sábado, em Moscou, não houve surpresa alguma no comunicado emitido ao final do encontro. Na velha e boa tradição da diplomacia econômica global, as maiores economias do mundo se comprometeram a não promover "desvalorizações competitivas" de suas moedas, mas, ao mesmo tempo, com o referendo explícito do FMI e do G-7, reafirmaram que as políticas monetárias expansionistas, adotadas sobretudo nos países desenvolvidos, visam à estabilidade e ao crescimento no plano doméstico, embora possam produzir impactos no câmbio e no comércio internacional.

Não é preciso ser bom entendedor para logo perceber que o dito será, na prática, suplantado pelo não dito, com a supremacia do "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço". Os países que quiserem - e puderem -, em resumo, permanecem livres para, qualquer que seja o caminho, desvalorizar suas moedas. A verdade nua e crua é que, pelo menos enquanto a recuperação da economia global não se apresentar robusta e sustentável, "a guerra cambial" não só continuará como deve recrudescer.

"A 'guerra cambial' existe e está fortíssima", afirma a economista Vera Thorstensen, coordenadora do Centro de Comércio Global e do Investimento, da Escola de Economia da FGV/SP. Do alto de uma experiência de uma década e meia em foros de comércio internacional, Vera não tem dúvidas de que "só está se dando bem quem consegue desvalorizar sua moeda".

Um relatório do HSBC, divulgado em Londres às vésperas do G-20, sustenta esse diagnóstico, com fatos e números. A conclusão do estudo, que analisou a trajetória recente de três dezenas e meia de moedas, repele controvérsias: "A 'guerra cambial' está se intensificando, o número de participantes está se alastrando, novos estratagemas de política econômica estão sendo usados para guerrear e a escala de influência desses fatos no comércio internacional global está se intensificando".

Essa constatação, contudo, de modo algum pode servir para justificar a situação de crescente isolamento do Brasil nas rotas do comércio internacional. O câmbio é uma variável importante, mas, na definição dos novos ganhadores e perdedores, existem outros elementos tão ou mais importantes que ele.

Nas últimas duas décadas, justamente no período em que a política brasileira de comércio exterior mais se retraiu, o mundo assiste a uma transformação estrutural no modo de produção em escala planetária, com dramáticas consequências para o comércio entre nações.

Nas asas da disseminação das aplicações de tecnologia da informação, o comércio exterior tradicional, caracterizado pela venda de produtos e serviços produzidos em um país para outro, tem dado lugar a uma nova onda, na qual a espinha dorsal são as relações das cadeias produtivas de valor (ou de suprimento) com os fluxos comerciais.

Se antes o comércio exterior era o ambiente em que se vendiam coisas internacionalmente, agora ele passa a operar com base numa combinação de venda ao exterior e de produção internacional.

Nesse novo comércio internacional comandado pelas cadeias de valor, partes, peças, produtos são importados ou exportados e depois reexportados ou reimportados (ver o exemplo da Embraer), incorporados aos produtos e serviços finais. Uma taxa de câmbio adequada é requisito necessário, mas não suficiente para assegurar ganhos duradouros no comércio externo.

Diferentemente do tradicional, no comércio exterior 2.0, as proteções tarifárias de quase nada valem e mesmo as barreiras não tarifárias são de eficácia incerta, pois o caminho natural desse novo comércio são os acordos regionais ou bilaterais de livre comércio (ver o acordo de livre-comércio Estados Unidos-Europa, em gestação, com vistas, em outros objetivos, a isolar a China). Valem mais agora as normas negociadas nesses acordos e não as regras dos foros globais, como os da Organização Mundial do Comércio (OMC).

A nova realidade alija do palco do comércio internacional tanto a OMC quanto economias com baixa inserção nas cadeias de valor - caso do Brasil, cuja taxa de inserção é pouco superior a 10%, uma vez e meia menor do que a do México.

Mais cedo que mais tarde, a Organização Mundial do Comércio terá de ser reinventada e a política de comércio exterior dos países com baixa inserção nas cadeias de valor também.

A hora de aplaudir o sucesso do campo - RICARDO GALUPPO

BRASIL ECONÔMICO - 19/02

Quanto mais se observa o tratamento que o agronegócio recebe no Brasil, menos se entende como esse ramo da economia consegue - ano após ano - se expandir e continuar gerando renda e emprego para tantos brasileiros.

Em seu programa de rádio, na manhã de ontem, a presidente Dilma Rousseff anunciou que a safra de grãos deste ano deverá chegar aos 185 milhões de toneladas, mais um dos sucessivos recordes que o campo brasileiro tem batido.

O número é mais ou menos 13% superior à safra de 2012, que foi de 162 milhões de toneladas e a explicação para esse crescimento é a de sempre: além da produtividade e do trabalho bem-feito da porteira para dentro da fazenda, houve queda da área plantada, de quase 59 milhões de hectares para 53 milhões de hectares.

E, na hora da preparação da lavoura e do plantio, não faltou crédito. Foram R$ 115 bilhões destinados ao agronegócio e R$18 bilhões para agricultura familiar. A presidente está certíssima ao festejar tais números. A questão, no entanto, começa a ficar complicada quando se observa que o sucesso do campo não é aplaudido da mesma forma por todos os brasileiros.

Vigora no Brasil a ideia de que o agronegócio é um mal e que a exploração do campo em escala empresarial serve apenas para destruir as florestas e explorar a mão de obra rural.

Tanto é assim que no lançamento da Rede - o partido político com o qual a ex-senadora Marina Silva sonha em mudar a política brasileira - foi dito que os delitos cometidos pelos "ativistas" que invadem as fazendas e destroem as plantações são "crimes políticos" e não estarão, aos olhos da agremiação, sujeitos às restrições da Lei da Ficha Limpa.

Ou seja: se um grupo qualquer invadir uma fazenda produtiva e destruir o trabalho de um ano inteiro, tudo bem. Pode assinar ficha na Rede que não faltará gente disposta a abonar a filiação.

Até aí, tudo bem. A Rede de Marina não é de situação nem de oposição, muito antes pelo contrário. A questão é que o próprio governo comandado pela presidente que aplaudiu a expansão da safra agrícola está cheio de gente que compartilha do mesmo ponto de vista.

O Brasil precisa escolher seu lado. E entender que, com a devida fiscalização para evitar que o plantio avance sobre áreas de mananciais e destrua as reservas necessárias para a preservação do clima (um raciocínio que os ruralistas mais esclarecidos são os primeiros a aplaudir), o agronegócio é o que existe de mais competitivo na economia brasileira.

O mundo precisa de alimentos e precisará deles em quantidades cada vez maiores daqui por diante. E o Brasil é o único país do mundo em condição de produzir comida com a qualidade e na quantidade que o planeta necessita.

Isso é uma vantagem impressionante - embora ainda existam pessoas que queiram jogar toda essa riqueza pela janela.

A última do Cid - TUTTY VASQUES

O Estado de S.Paulo - 19/02

A concorrência é grande! Para um governador de Estado se manter em destaque hoje em dia no noticiário nacional precisa ser, antes de tudo, um trapalhão de marca maior.

Dos que estão no exercício do segundo mandato, Sérgio Cabral até chegou a ensaiar um bom repertório de bobagens em série, culminando com aquela farra que patrocinou para um empreiteiro amigo em Paris, mas nada se compara à vocação de Cid Gomes para lambança.

O que mais falta acontecer na gestão dele? - pergunta-se desde domingo no Ceará, depois que desabou em Sobral a fachada do hospital que leva o nome do avô do governador, inaugurado precariamente há um mês com show milionário de Ivete Sangalo.

Cid está construindo na mídia um currículo de fazer inveja até ao irmão Ciro: já levou a sogra para passear de jatinho na Europa, pagou R$ 3 milhões para Plácido Domingo cantar na inauguração do Centro de Eventos de Fortaleza, atravessou a pé a pista do aeroporto internacional de Salvador, contratou bandas de forró sem licitação e - pouca gente sabe disso - sancionou lei instituindo o 'Dia Estadual de Lavar as Mãos'.

A família Gomes deve estar orgulhosa, né não?

Êxodo

Aproveitando que todo mundo estava prestando atenção no embarque da blogueira Yoani Sánchez em Havana, Hugo Chávez saiu praticamente escondido de Cuba!

Pezinho frio

A expulsão no domingo foi o de menos: Neymar perdeu todas as partidas que disputou - duas pelo Santos e uma pela seleção - desde que assumiu publicamente o namoro com Bruna Marquezine. Só se fala disso na Vila Belmiro!

Vice-esperteza

A notícia de que o parlamentar brasileiro é o segundo mais caro do mundo, perdendo apenas para o americano, deixou muita gente revoltada no Congresso: "Será que até nisso eles são melhores que a gente, caramba?"

Segue o jogo

Reunidos em Moscou, ministros das Finanças das 20 maiores economias do mundo fizeram um pacto contra a guerra cambial global. Isso quer dizer o seguinte: nada, absolutamente nada! Relaxa, vai!

Basta!

A chamada esquerda festiva de Ipanema está novamente mobilizada, desta vez para protestar contra o excesso de blocos no bairro durante o carnaval. Os velhinhos não aguentam mais! Prometem lutar contra a "ditadura do baticumbum" em 2014.

Até que enfim!

A escolha do nome do novo partido de Marina Silva confirma o surgimento de uma força política livre das amarras do marketing. Se tivesse publicitário na parada, a coisa jamais se chamaria Rede Sustentabilidade, nem se fosse um supermercado.

Concorrência desleal

Faltando menos de duas semanas para as eleições italianas, Silvio Berlusconi não sabe o que fazer para dividir com o papa a atenção da imprensa. Já pensou até em renunciar publicamente ao bunga-bunga!

Ueba! Marina deita na rede! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 19/02

Ou como definiu aquele outro: o partido da Marina é um PSD que não come carne! Rarará!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Socuerro! Todos Para o Abrigo! Toquem as trombetas do apocalipse! O fim está perto! O papa renuncia, o meteoro cai e o Chávez volta!

O Chávez voltou pra Chavezuela! Chávez em "Um Morto Muito Louco". Volvió a la patria! "Yankees de mierda! Al carajo! Mil veces al carajo!" E o partido da Marina? O Brasil tem pouquíssimos partidos, tava precisando de mais um mesmo!

Adorei o nome do partido: "Rede"! Rede: um partido que não é posição, nem oposição. Aí todo mundo gritou: "Então não é rede, é muro!". E o tuiteiro Flavio Antunez: "Rede porque todos ficam deitados balançando pro governo, pra oposição, pro governo, pra oposição".

Nhenc, nhenc! Barulho de rede com o gancho enferrujado! Ou como definiu aquele outro: o partido da Marina é um PSD que não come carne! Rarará! E se a rede vier acompanhada de um cafezinho e uma tapioca, tô dentro! Mas diz que o partido só aceita filiados arvícolas! E o programa do partido: desodorante de andiroba, xampu de cupuaçu e camisinha de polpa de buriti! E a Marina tá a cara da Mãe do Macunaíma! Rarará!

E o meteoro? Desviou! Era pra cair no Itaquerão! Rarará! E já saiu o cheque asteroide: passa voando e, quando cai, provoca um rombo!

E o futebol? O Paulistão mudou o nome pra Frangão! Só teve frango! Os goleiros tavam com fome! O Granjério Ceni engoliu um Big Machicken de oito andares! Ceni, Cássio, Rafael: Semana do Frango Assado! E sabe o que o Ceni falou depois daquele frango histórico? "Passa no Frango Assado que eu ainda tô com fome!" Rarará!

E o Corinthians X Palmeiras? Gambá com porco. Dois bichos fedorentos. O jogo devia ser no lixão! Rarará! E o Neymar foi expulso por causa daquele cabelo! Gema de ovo de pica-pau! Ele caiu dentro de um omelete, é isso? Rarará! É mole? É mole, mas sobe!

Os Predestinados! Mais três para a minha série Os Predestinados! É que em Porto Alegre tem uma psicóloga de terapia de casais: Caroline Pirocca! Rarará! A melhor terapia pra qualquer casal!

E a atendente de uma firma de contabilidade: Sevira! É verdade! Uma amiga ligou com um problema contábil e quem atendeu foi a Sevira! "Ah, mas eu tô com um problema." SEVIRA! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Os donos do Senado - MARCO ANTONIO VILLA

O GLOBO - 19/02

A Murici dos Calheiros, em Alagoas, tem vários recordes. O mais triste é o de analfabetismo: mais de 40% da população entre os 26 mil habitantes. O senador é produto desta miséria



A República brasileira nasceu sob a égide do coronelismo. O federalismo entregou aos mandões locais parcela considerável do poder que, no Império, era exercido diretamente da Corte. Isto explica a rápida consolidação do novo regime justamente onde não havia republicanos. Para os coronéis pouco importava se o Brasil era uma monarquia ou uma república. O que interessava era ter as mãos livres para poder controlar o poder local e exercê-lo de acordo com seus interesses.

Mesmo durante as ditaduras do Estado Novo e militar, o poder local continuou forte, intocado. A centralização não chegou a afetar seus privilégios. Se não eram ouvidos nas decisões, também não foram prejudicados. E quando os regimes entraram em crise, na “nova ordem” lá estavam os coronéis. Foram, ao longo do tempo, se modernizando. Se adaptaram aos novos ventos econômicos e ao Estado criado a partir de 1930.

O fim do regime militar, paradoxalmente, acabou dando nova vida aos coronéis. Eles entenderam que o Congresso Nacional seria — como está sendo nas últimas três décadas — o espaço privilegiado para obter vantagens, negociando seu apoio a qualquer tipo de governo, em troca da manutenção do controle local. Mais ainda, a ampliação do Estado e de seus recursos permitiu, como nunca, se locupletar com os bancos e empresas estatais, os recursos do orçamento federal e, mais recentemente, com os programas assistenciais.

A modernização econômica e as transformações sociais não levaram a nenhuma alteração dos métodos coronelísticos. A essência ficou preservada. Se no começo da República queriam nomear o delegado da sua cidade, hoje almejam uma diretoria da Petrobras. A aparência tosca foi substituída por ternos bem cortados e por uma tentativa de refinamento — que, é importante lembrar, não atingiu os cabelos e suas ridículas tinturas, ora acaju, ora preto graúna.

Não há nenhuma democracia consolidada que tenha a presença familiar existente no Brasil. Melhor explicando: em todos os estados, especialmente nos mais pobres, a política é um assunto de família. É rotineiro encontrar um mesmo sobrenome em diversas instâncias do Legislativo, assim como do Executivo e do Judiciário. Entre nós, Montesquieu foi tropicalizado e assumiu ares macunaímicos, o equilíbrio entre os poderes foi substituído pelo equilíbrio entre as famílias.

Um, entre tantos tristes exemplos, é Renan Calheiros. Foi eleito pela segunda vez para comandar o Senado. Quando exerceu anteriormente o cargo foi obrigado a renunciar para garantir o mandato de senador — tudo em meio a uma série de graves denúncias de corrupção. Espertamente se afastou dos holofotes e esperou a marola baixar.

Como na popular marchinha, Renan voltou. Os movimentos de protesto, até o momento, pouco adiantaram. Os ouvidos dos senadores estão moucos. A maioria — incluindo muitos da “oposição” — simpatiza com os seus métodos. E querem, da mesma forma, se locupletar. Não estão lá para defender o interesse público. E ridicularizam as críticas.

Analiticamente, o mais interessante neste processo é deslocar o foco para o poder local dos Calheiros. É Murici, uma paupérrima cidade do sertão alagoano. Sem retroagir excessivamente, os Calheiros dominam a prefeitura há mais de uma década. O atual prefeito, Remi Calheiros, é seu irmão — importante: exerce o cargo pela quarta vez. O vice é o seu sobrinho, Olavo Calheiros Neto. Seu irmão Olavo é deputado estadual, e seu filho, Renan, é deputado federal (e já foi prefeito). Não faltam acusações envolvendo os Calheiros. Ao deputado estadual Olavo foi atribuído o desaparecimento de 5 milhões de reais da Assembleia Legislativa, que seriam destinados a uma biblioteca e uma escola. A resposta do Mr M da política alagoana foi agredir um repórter quando perguntado sobre o sumiço do dinheiro. E teve alguma consequência? Teve algum processo? Perdeu o mandato? Devolveu o dinheiro que teria desviado? Não, não aconteceu nada.

E a cidade de Murici? Tem vários recordes. O mais triste é o de analfabetismo: mais de 40% da população entre os 26 mil habitantes. De acordo com dados do IBGE, o município está entre aqueles com o maior índice de incidência de pobreza: 74,5% da população. 41% dos muricienses recebem per capita mensalmente até um quarto do salário mínimo. Saneamento básico? Melhor nem falar. Para completar o domínio e exploração da miséria é essencial contar com o programa Bolsa Família. Segundo o Ministério de Desenvolvimento Social, na cidade há 6.574 famílias cadastradas no programa perfazendo um total de 21.902 pessoas, que corresponde a 84,2% dos habitantes. Quem controla o cadastro? A secretária municipal de Assistência Social? Quem é? Bingo! É Soraya Calheiros, esposa do prefeito e, portanto, cunhada de Renan.

O senador é produto desta miséria. Em 2007, quando da sua absolvição pelo plenário do Senado (40 votos a favor, 35 contra e seis abstenções), seus partidários comemoraram a votação como uma vitória dos muricienses. Soltaram rojões e distribuíram bebidas aos moradores. E os mais fervorosos organizaram uma caravana a Juazeiro do Norte para agradecer a padre Cícero a graça alcançada...

Porém, o coronel necessita apresentar uma face moderna. Resolveu, por incrível que pareça, escrever livros. Foram quatro. Um deles tem como título “Do limão, uma limonada”. Pouco antes de ser eleito presidente do Senado, a Procuradoria-Geral da República o denunciou ao STF por três crimes: falsidade ideológica, uso de documentos falsos e peculato. Haja limonada!

Primeiros passos - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 19/02

Enquanto a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva lançava sua Rede Sustentabilidade em Brasília, dois outros partidos com candidatos a presidente da República se organizavam para monopolizar as atenções de São Paulo. PT e PSDB praticamente vão se mudar para a capital paulista esta semana. Os tucanos estão reunidos num encontro estadual que serve de caixa de ressonância para todo o Brasil. Os petistas promovem grande ato para marcar o aniversário de 33 anos da agremiação e os 10 anos de governo do PT.

Pelo convescote tucano, passarão todos os medalhões da legenda. Do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do atual presidente do partido, Sérgio Guerra, a outros tucanos expressivos, como José Serra e o pré-candidato a presidente, Aécio Neves, todos estarão por lá, expondo ideias e elencando as mazelas do governo Dilma Rousseff e a paralisia nos megaprojetos governamentais.

A resposta, entretanto, não vai demorar muito, visto que, na quarta-feira, os petistas farão o seu ato no Anhembi, uma megaestrutura para reunir militantes e valorizar a cidade recém-conquistada pelo PT na figura do prefeito Fernando Haddad.

Os dois eventos representam os primeiros passos da campanha presidencial de 2014. Nas duas ocasiões, não estarão nem Marina Silva nem o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB). Eduardo foi convidado para o evento do PT, mas não vai por causa da missa de sétimo dia do ex-ministro da Justiça Fernando Lyra, conforme já dissemos aqui ontem. Marina não vai porque sequer foi convidada. É vista como uma adversária dentro do PT, embora não se classifique nem como oposição nem como situação.

Enquanto isso, nas demais praças…

Essa corrida tão cedo por São Paulo tem explicação. Hoje, todos os principais pré-candidatos a presidente da República — Dilma Rousseff, do PT; Aécio Neves, do PSDB; Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, ainda em formação; e Eduardo Campos, do PSB — não têm tradição política no principal colégio eleitoral do país. E, desses, Eduardo Campos é quem tem menos chances de se criar por ali, porque nunca foi candidato e é o único que ainda não construiu uma grande rede de eleitores na cidade.

Marina possui um recall da eleição de 2010. E que recall! Dos 19,6 milhões de votos que ela obteve naquela eleição, 4,8 milhões vieram dos paulistas, sendo 1,3 milhão da capital. José Serra ficou com 9,5 milhões e Dilma, com 8,7 milhões de votos no estado. No segundo turno, Serra levou a melhor em São Paulo. Saiu de lá com 12,3 milhões de votos e Dilma, com 10,4 milhões. Significa que os votos de Marina, cruciais para que a eleição tenha ido ao segundo turno, praticamente se distribuíram igualmente entre os dois.

Analisando esses números, fica claro por que os petistas torcem para que a Rede Sustentabilidade não decole e os demais pré-candidatos olhem com alguma esperança para a ex-ministra. É que, se a Rede Sustentabilidade emplacar, o segundo turno é líquido e certo. Aécio e Eduardo Campos torcem hoje para que a legenda de Marina obtenha algum sucesso, porque se consideram mais estruturados do que a Rede para angariar votos. Aécio tem Minas Gerais. Eduardo espera obter o Nordeste.

Ouvi de um político experiente esta semana que o partido de Marina terá o efeito de um “coice de preá”, ou seja, praticamente nulo. Se essa avaliação é correta, veremos mais à frente, quando chegar a hora do show. Por enquanto, cada um prepara o seu terreno, e os primeiros passos dos grandes competidores saem de São Paulo, onde, hoje, todos se acham em condições de igualdade, em especial, PSDB e PT, que detém o poder, um da capital, outro do estado. É para lá que os olhos dos analistas estarão voltados nos próximos meses. Faça chuva, faça sol.

E o Congresso, hein?

A sensação ontem por lá era a de que 2013 ainda não começou. Quem sabe hoje pega no tranco…

Fazer política - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 19/02

Poucas coisas definem tão bem o mau exercício da política quanto a marquise desabada daquele hospital inaugurado pelo governador do Ceará, Cid Gomes, com show milionário de Ivete Sangalo. Já soava absurdo o pagamento de R$ 650 mil para festa de um hospital público, mas, quando se sabe que ele funcionava precariamente após a festança e, ainda por cima, desabou em parte um mês depois de inaugurado, temos retrato de corpo inteiro do que seja uma politicagem que explora a miséria no melhor estilo dos coronéis de antigamente.

Os novos coronéis da política brasileira manejam com maestria a tecnologia do marketing político e continuam usando o povo como massa de manobra. O governador do Ceará é o mesmo que dia desses viajou à Europa em jatinho privado pago com dinheiro público, levando sua mãe a bordo. E ficou tudo por isso mesmo. Ele é do PSB, o partido do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, mas tem uma política independente e deve ser usado pelo Palácio do Planalto para tentar implodir por dentro a candidatura de Campos à Presidência da República em 2014. Já está em negociações com o ex-presidente Lula para uma união de forças a favor de Dilma Rousseff, e nem mesmo seu irmão Ciro Gomes, ex-queridinho de Lula, está sendo aceito nesse complô.

Ciro não é nem Dilma nem Campos e pode acabar apoiando Aécio Neves, desde que o PSDB neutralize a ação política de José Serra, a quem Ciro Gomes tem ódio mortal. São assim os partidos políticos brasileiros, sem espinha dorsal, divididos em facções, cada qual liderada por um dos chefetes da sigla, em maior ou menor medida todos igualados ao PMDB, um condomínio de lideranças regionais que não têm qualquer projeto além de permanecer no poder o maior número de dias possível.

A paralisação do Congresso devido ao impasse dos vetos presidenciais faz com que se tenha a impressão de que a ação política dos partidos está incapacitada definitivamente. Mas há uma diferença entre a aparência de anomia e a realidade. O Orçamento da União estava para ser votado normalmente, após aprovado pela comissão própria, e foi uma manobra política da oposição que parou os trabalhos no Congresso, e, segundo a visão do governo, impede que ele seja aprovado até que o plenário do STF se defina sobre a questão dos vetos.

O ministro Luiz Fux, que determinou que os vetos devem ser analisados em ordem cronológica, impedindo que o veto da Lei dos Royalties fosse votado, acha que o Orçamento poderia ser votado normalmente, mesmo sem a solução dos vetos.

Isso quer dizer que estamos em pleno processo político de obstrução dos trabalhos, uma prerrogativa da oposição nos países democráticos. Por outro lado, o governo breca a votação do Orçamento para colocar pressão sobre o Supremo para uma decisão definitiva sobre os vetos que não coloque em perigo várias ações que podem dar prejuízo aos cofres públicos.

Juntem-se a esse impasse as pressões públicas contra os novos presidentes da Câmara e do Senado, especialmente o último, com um abaixo-assinado com mais de 1,5 milhão de assinaturas pedindo sua renúncia, tem-se a impressão de que a ex-senadora Marina Silva tem um nicho bastante amplo para explorar a antipolítica. No entanto, o último presidente da República eleito na contracorrente dos movimentos políticos acabou levando o país a uma crise institucional que foi resolvida pela própria política a que ele fingia se opor.

Para permanecer no topo, seja de que governo for, acordos são feitos e desfeitos ao sabor dos interesses daquele momento. Num ambiente desses, a coisa mais fácil é falar mal dos políticos e da política tradicional, como se houvesse solução fora dela. Uma solução só será encontrada no próprio exercício parlamentar, e o tempo ajuda a cicatrizar feridas ou a achar a solução para problemas que parecem insolúveis. A eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara parecia ter sido o momento mais baixo da atividade parlamentar, até que veio o mensalinho para desalojá-lo do cargo.


Marketing rural - XICO GRAZIANO

O ESTADO DE S. PAULO - 19/02

Duas fantásticas homenagens foram recentemente prestadas aos agricultores. A primeira foi em New Orleans, nos Estados Unidos, durante o intervalo do Super Bowl, a final do campeonato de futebol americano. A segunda desfilou na passarela do carnaval carioca.Ambas atingiram, em todo o mundo, milhões de pessoas.

O longo comercial veiculado nos EUA aproveitou a maior audiência da televisão para reproduzir imagens retratando a vida no campo, sob a narração, esplêndida, de um texto elaborado em 1978 pelo radialista Paul Harvey. O vídeo é emocionante.

Oferecida ao agricultor existente "dentro de cada um de nós", quase uma oração, intitulada E Deus fez o agricultor, prendeu a atenção dos ouvintes.

A seguir, sua tradução livre.

E no oitavo dia, Deus olhou para seu paraíso e disse: "Preciso de alguém que cuide desse lugar".

Então, Deus fez o agricultor.

Deus disse: "Preciso de alguém disposto a levantar antes do amanhecer, tirar leite, trabalhar o dia inteiro, tirar leite novamente, jantar e ir até à cidade e ficar até depois da meia-noite numa reunião de conselho escolar".

Então, Deus fez o agricultor.

Deus disse: "Preciso de alguém disposto a passar a noite acordado cuidando de um potro recém-nascido, vê-lo morrer e enxugar os olhos e dizer "talvez ano que vem". Preciso de alguém que possa transformar um tronco de árvore num cabo de machado, ferre um cavalo com um pedaço de pneu usado, que possa fazer um arreio com pedaços de arame, sacos de ração e sapatos velhos. Alguém que, durante a época de plantio e de colheita encerre suas 40 horas de trabalho semanais na terça-feira ao meio-dia e passe mais 72 horas penando em cima do trator".

Então, Deus fez o agricultor.

Deus disse, "Preciso de alguém forte o suficiente para derrubar árvores e empilhar fardos, mas ainda gentil o suficiente para aparar cordeiros recém-nascidos, desmamar porcos e cuidar de galinhas, que seja capaz de parar seu trabalho por uma hora para cuidar de perna quebrada de passarinho.

Deve ser alguém capaz de arar fundo, reto e sem moleza. Alguém que semeie, capine, alimente, crie, e dome, e are, e plante, e transforme lã em linha e coe leite.

Alguém que mantenha uma família unida com a partilha de laços fortes. Alguém que sorria, e depois olhe e agradeça com um sorriso nos olhos quando seu filho diga que quer passar o resto da vida fazendo o que seu pai faz".

Então, Deus fez o agricultor.

Os EUA jamais deixaram de prestigiar seus agricultores, os colonizadores. Ruralismo, por lá, soa positivo, mesmo que bucólico em certas situações. Sempre se cultivou nos EUA o hábito de venerar a origem danação, os empreendedores de outrora. Não difere muito do que ocorre na Europa, onde os produtores rurais são protegidos,fartamente subsidiados, para que mantenham bela a paisagem, protejam o modo de vida,defendam a cultura originária e estimulem o turismo campestre. Nos países desenvolvidos a moderna sociedade curte o berço do passado.

Carnaval do Rio de Janeiro. Na madrugada da folia, em plena Marquês de Sapucaí, a escola de Vila Isabel desfila sob o inusitado enredo A Vila canta o Brasil celeiro do mundo - Água no feijão que chegou mais um.O públicos e levanta, aplaude, dança, se entusiasma. Incrível. A agricultura brasileira, homenageada, indiretamente se sagrou campeã do carnaval carioca.

O lindo samba, de autoria de Arlindo Cruz, Martinho da Vila, André Diniz, Tunico da Vila e Leonel, ganhou os corações citadinos enaltecendo a lide rural. A letra fala por si.

O galo cantou/ com os passarinhos no esplendor da manhã/ agradeço a Deus por ver o dia raiar/ o sino da igrejinha vem anunciar/ preparo o café, pego a viola, parceira de fé/ caminho da roça e semear o grão/ saciar a fome com a plantação/ é a lida.../ arar e cultivar o solo/ ver brotar o velho sonho/ alimentar o mundo, bem viver/ a emoção vai florescer

Ô muié , o cumpadi chegou/ puxa o banco, vem prosear/ bota água no feijão, já tem lenha no fogão/ faz um bolo de fubá

Pinga o suor na enxada/ a terra é abençoada/ preciso investir, conhecer/ progredir, partilhar, proteger.../ cai a tarde, acendo a luz do lampião/ a lua se ajeita, enfeita a procissão/ de noite, vai ter cantoria/e está chegando o povo do samba/ é a Vila, chão da poesia, celeiro de bamba/ Vila, chão da poesia, celeiro de bamba

Festa no arraiá, / é pra lá de bom/ ao som do fole, eu e você/ a Vila vem plantar felicidade no amanhecer.

Aqui, no Brasil, ao contrário dos EUA, os agricultores costumam ser tratados com certo desdém pela sociedade urbana, que enxerga os homens do campo, de preciativamente, como "caipiras". Vem de longe tal desprestígio, cujas razões nunca foram devidamente explicadas. Certamente o rápido e maciço êxodo rural contribuiu para gerar essa imagem negativa. O moderno erguia-se na cidade e agricultura virou sinônimo de atraso.

O ambientalismo recente tem dado lenha para essa visão distorcida sobre o campo. Começa pelo desmatamento. Antes, desmatar era sinônimo de progresso e todas as nações ricas ocuparam a totalidade das suas áreas agriculturáveis. Agora, porém, a preocupação com a biodiversidade rema contra a expansão agrícola.O Brasil,que ainda dispõe de muita terra boa para explorar, ficou na contramão do relógio da História. Derrubou, leva bordoada.

Futebol americano, carnaval, agricultura, a criação divina. Misturados com boas doses emoção e alegria, esses díspares elementos resultaram em espetaculares lances de marketing rural, valorizando os agricultores, seu labor, sua cultura. Oxalá a comunicação entre os mundos urbano e rural flua mais fácil a partir de agora.

Caipira, sim, com muito orgulho. E respeitado.