sábado, maio 23, 2020

Bolsonaro mente - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 23/05

Vídeo evidencia intento de intervir na PF e revela aparato pessoal de informação


O registro da reunião ministerial de 22 de abril, cuja divulgação foi liberada por decisão de Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, na sexta-feira (22), traz novas evidências conclusivas sobre o que já se suspeitava: o presidente Jair Bolsonaro mente.

Depois do vídeo, a versão presidencial de que queria interferir na sua segurança pessoal, e não na superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro, torna-se completamente inverossímil.

Como demonstrou reportagem da TV Globo, menos de um mês antes da reunião Bolsonaro havia promovido o responsável por sua segurança e o substituído pelo então número dois na função.

No vídeo, o presidente fala textualmente: “Já tentei trocar gente de segurança no Rio, oficialmente, e não consegui. E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda (...) porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele. Se não puder trocar o chefe dele, troca o ministro. E ponto final. Não estamos para brincadeira”.

Tudo o que ocorreu depois da reunião se encaixa na narrativa do ex-juiz Sergio Moro. Não há dúvidas de que o presidente trata da PF, um órgão de Estado, quando promete ir até o fim para fazer valer a sua vontade antes que a sua família seja atingida.

De resto, o encontro do ministério entra para a história dos 130 anos da República no Brasil como um dos episódios mais execráveis do exercício do poder presidencial.

Evidencia-se, nos termos chulos, nos rompantes autoritários e nas exibições de incapacidade gerencial diante de uma crise monstruosa, que Jair Bolsonaro aviltou e avilta a Presidência da República, colocada pelos constituintes de 1988 no pináculo do edifício democrático. A democracia que o elegeu é a mesma que tem sido vilipendiada por seus atos e suas falas.

Partem do próprio presidente as ofensas a governadores. O celerado à frente da pasta da Educação quer cadeia para ministros do STF, que qualifica de vagabundos.

Mandatários estaduais e municipais também serão alvo de pedidos de prisão, promete a exaltada ministra que cuida, paradoxalmente, dos Direitos Humanos.

Um elemento a mais aparece no vídeo. Bolsonaro afirma que tem acesso a um dispositivo de inteligência particular. Ora, nada no ordenamento constitucional, nem nos princípios que norteiam as sociedades democráticas, autoriza o chefe de Estado a dispor de um aparelho pessoal de bisbilhotagem.

Por tudo o que se mostrou, o procurador-geral da República, Augusto Aras, está obrigado a aprofundar a investigação acerca da conduta de um mandatário que, além de cercar-se de assessores insanos, autoritários e incapazes, pode ter cometido crimes. Que Aras se mostre à altura do cargo que ocupa.

A apuração não pode se deter, ademais, diante de ameaças abjetas como a do general Augusto Heleno, do GSI, segundo o qual uma eventual apreensão do celular presidencial teria “consequências imprevisíveis”. Dados a baixeza e o desvario mostrados numa reunião formal, assusta de fato imaginar o que Bolsonaro diz em privado.

Video do Bozo! Eu VOMITO! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 23/05

E o centrão não tem casos confirmados, tem cargos confirmados!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E o bafo da semana: cloroquina! Diz que um cara entrou na farmácia e pediu o remédio do Bolsonaro. Saiu com Gardenal. Rarará!

E o Octavio Guedes do Estúdio I disse que a primeira coisa que ele vai fazer quando acabar a pandemia é lamber sacola de supermercado. Rarará! Merece!

Piadas Prontas: 1) “Bolsonaristas criam corrente do bem e se medicam com cloroquina, azitromicina e antipulgas”. Socorro! O gado tá infestado! Tá se medicando na Cobasi! Serve coleira antipulga? Já imaginou uma receita da doutora Nise Hiroshima Nagasaki? Rarará. E agora temos os cloroquinions e os tubainions!

2) “Ex-ator de 'Malhação' e ex-modelo de cuecas é convidado para ser secretario da Cultura.” Cueca também é cultura! Vai fazer o remake de “Zorba o Grego”, “Mash” e incentivar o samba-canção. O Mário Fritas: só serve pra acompanhar! Rarará!

3) “Escândalo com o Flávio Bolsonaro é como caixa de lenço de papel: você puxa um e vem logo dez!” A volta da nova dupla: Queiroz e Flávio. A dupla Laranja e Rachadinha.

4) Tuiteiro RedGreen: “A diferença entre a Regina e o Mário é que ela tinha uma carreira brilhante para destruir!”. Aliás, a Regina parece hiena: foi flambada em praça pública e ainda dá risada. Ganhou a Cinemateca. A Cinematosca! E adorei o Bolsonaro: “Você fica com a Cinemateca porque é perto da sua casa”. Então eu mereço ser diretor do Masp. Porque fica perto da minha casa! Rarará!

E o decano botou pra quebrar! Estou escrevendo sem saber se ele liberou o covídeo, a videocassetada do Bozo! Só sei que o nível deixa qualquer puteiro no chinelo! E tem mais palavrão que meme da Dercy Gonçalves! Nos telejornais só vai ter piiiiii! E que o Mito tava possuído: “A POLÍCIA SOU EU! Ninguém mexe com os meus zeros! Eu demito até marreco!”. Rarará! Vídeo do Bozo! Eu VOMITO!

É que a planta predileta dos Bolsonaros é ramagem! Tudo começa e termina nesse Ramagem! E o centrão não tem casos confirmados, tem cargos confirmados! Rarará!

E esta: “General Pazzuelo nomeia nove militares para o Ministério da Saúde”! É o MILISTÉRIO! Só falta o Recruta Zero e o Sargento Tainha! Vão matar o vírus com fuzil! Rarará!

E o ministério do Bozo é o Ministério Pé de Manga: você fica só ouvindo as mangas caindo BUM BUM BUM! Mandetta, Moro, Regina, Teich! Diz que o Teich não pediu demissão. Voltou pro sarcófago. E em plena pandemia o Ministério da Saúde não tem ministro! Só tem cloroquina! #fiqueemcasa!

Nóis sofre, mas nóis goza.

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno.


José Simão
Jornalista, precursor do humor jornalístico.

Intransigências - ADRIANA FERNANDES

FOLHA DE SP - 23/05

À espera da explosão do desemprego, o tema é hoje a maior cobrança do presidente para a equipe econômica

Chamou bastante a atenção dos gestores do mercado financeiro que participaram esta semana de uma live fechada, organizada pelo BTG, a fala do vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP).

Uma das principais lideranças do Centrão e também na lista dos cotados para substituir Rodrigo Maia (DEM-RJ), Pereira falou do movimento esperado, nos próximos meses, para a ação das duas alas (bastante distintas) que existem hoje no governo Jair Bolsonaro. A ala militar e a da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Na live, Marcos Pereira abriu o jogo e acabou revelando palavras a ele ditas pelo ministro da Casa Civil, Braga Netto, em reunião na semana retrasada, na Câmara dos Deputados com outros presentes. “Daqui a alguns meses o governo terá de enfrentar a intransigência do ministro Paulo Guedes”.

Nesse caso, a intransigência apontada pelo líder do Centrão e ex-ministro da Indústria e Comércio Exterior continua sendo a disputa em torno de uma maior participação do Estado para tirar a economia do buraco depois da reabertura na fase pós-pandemia da covid-19.

Essa é uma divisão bem mais ampla do que aquela em torno do confronto observado na divulgação do polêmico programa Pós-Brasil, lançado no mês passado com o aval da ala militar e que expôs publicamente, pela primeira vez, as entranhas da divisão entre esses dois grupos dentro do governo.

A disputa vem ganhando fôlego também com o debate em torno da extensão dos programas de assistência à população mais vulnerável. O que está fazendo a diferença cada vez mais é o apoio dos novos aliados do presidente do Centrão, que já escolheram o seu lado: a ala militar.

Por isso, o mercado está tão interessado em ouvir aquelas lideranças dos partidos do Centrão, que já estão abertamente juntas do presidente, para ver onde e como a banda vai tocar daqui para frente.

No primeiro momento, Guedes teve o apoio do presidente Bolsonaro. “Quem manda é o Guedes”, reforçou o presidente depois da tensão provocada com o Pós-Brasil no mercado, que reagiu na época com alta dos juros, dólar e queda da Bolsa.

O debate em torno do Pós-Brasil parece assunto velho, mas não é. O Pós-Brasil e a avaliação de muitos dentro do governo de que o Ministério da Economia é grande demais continuarão assombrando Guedes nos próximos meses. A percepção que ficou para os participantes da live é que Marcos Pereira passou a avaliação de militares, que continuam insatisfeitos com a reação da equipe econômica para a retomada.

Está claro para as duas alas que o encontro marcado com a intransigência, a que se referiu Marcos Pereira, será o momento em que os dados oficiais mostrarem aquilo que todo mundo já espera: a explosão do desemprego.

A expectativa é de que o estrago da pandemia no mercado de trabalho vai ficar mais definido em julho e agosto. Os dados apresentados, na quinta-feira à noite, pela secretaria de Trabalho já apontam nessa direção. Os pedidos de seguro-desemprego tiveram um salto na primeira quinzena de maio. Um aumento de 76,2% em relação ao mesmo período do ano passado.

Recente estimativa do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas indicou que o mercado de trabalho tem mostrado uma rápida piora de seus indicadores em consequência da pandemia. Para o ano de 2020, a previsão é que a taxa de desemprego atinja uma média de 18,7%, uma alta de quase 7 pontos porcentuais em relação ao ano anterior.

Uma resposta rápida ao aumento do desemprego será sem dúvida fator de pressão do Palácio do Planalto que vai se intensificar. É quando as duas forças vão mostrar a sua força. Emprego é hoje a maior cobrança do presidente na equipe econômica. No vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, divulgado com autorização do Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro fala para Guedes que 10 milhões de “carteiras assinadas vão para o saco”.

Se antecipando à pressão, Guedes tenta resgatar a construção de uma agenda para a retomada – ainda sem ganhar o entusiasmo dos parlamentares.

O ministro falou nesta semana em um novo contrato de trabalho emergencial simplificado para aumentar as contratações e acenou com a extensão do auxílio emergencial de R$ 600. “É possível... eu não vou dizer que é provável..., mas é possível que aconteça uma extensão..., mas será que a gente tem o dinheiro para fazer a extensão a R$ 600? Acho que não...”, disse Guedes a empresários do setor de serviços, o mais prejudicado pela crise.

O diagnóstico após a declaração do ministro é de que com esse aceno ele já começou a fazer uma guinada, mesmo que tímida, para diminuir a pressão. O problema, porém, só começará a ser resolvido quando o crédito para as empresas, principalmente para os pequenas, começar a fluir. Até agora, sem sinais de solução e com consequências negativas justamente para o emprego.

É JORNALISTA

Íntegra de vídeo conta histórias absurdas, ilegais e imorais - ROSÂNGELA BITTAR

ESTADÃO - 23/05

Reunião ministerial não deixa dúvidas sobre a interferência do governo em órgãos de Estado


O vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, prova citada pelo ex-ministro Sérgio Moro para sustentar sua denúncia de que o presidente Jair Bolsonaro interferiu na Polícia Federal para ter acesso a informações privilegiadas e sigilosas, conta várias outras histórias absurdas, ilegais e imorais, além desta. Sobre a interferência em órgãos de Estado a discussão não deixa dúvidas, pois o próprio presidente a admite, inclusive trocando, ao longo de todas as suas manifestações, o velho “taok” por um novo “ponto final”, agora seu desfecho peremptório. “Eu sou o chefe supremo das Forças Armadas e ponto final”, “interfiro e ponto final”.

Bolsonaro: amigos na polícia ajudaram a aliviar 'tensão' de chance de busca em casa de filhos

A obsessão pelo tema levou Bolsonaro a revelar ação de outros serviços eficientes. Antes de entrar a tarja da censura judicial a esta parte da reunião, deu para entender que ele citava um serviço de informação chinês tanto circulando aqui e como nos Estados Unidos.

A novidade desta questão da informação, só conhecida com a divulgação do vídeo, é a revelação de que o presidente Jair Bolsonaro tem um esquema paralelo pessoal de informação que funciona, enquanto todos os demais, do Estado, não funcionam.

Foi também absurda a insistência com que se referiu à necessidade de armar o povo, pior ainda a razão: para defender-se de ditadura. “Como é fácil impor uma ditadura aqui; o povo, se tivesse armado, iria para a rua”. Povo armado na rua é revolução, crime organizado ou forças Armadas. Bolsonaro quer armar o ovo para enfrentar prefeito que fixou regras de isolamento social durante a pandemia.

Abraham Weintraub fez o que se considerava impossível, superou as expectativas e a si próprio: Definiu “Brasília”, não a cidade, mas um fantasma com esse nome, como cancro. E mais do que a já conhecida agressão a Supremo Tribunal Federal, que gostaria de ver todo preso, ele insultou o próprio governo que o abriga, denunciando intrigas palacianas e a presença de muita gente com “agenda própria”, que veio para “jogar”. Ou seja, um bando.

Talvez pelos estudos feitos, não se esperava que o ministro Paulo Guedes fosse insistir, um ano e meio depois de conhecer o funcionamento de uma democracia pelos seus canais internos. Expôs as rasteiras que planeja dar aos demais poderes. Referiu-se a uma clara intenção de ludibriar. Deixou claro que usará o Congresso para aprovar as coisas e, se em determinado momento, soltarem a mão, já terá condições de seguir em frente sozinho.

Lição aprendida pelo ministro Salles “vamos aproveitar que a imprensa só fala de covid para passar (aprovar no Congresso) as reformas infralegais”.

O presidente esbravejou, pediu defesa do governo, respostas e briga frontal, afirmando que, “a continuar assim, vamos ter crise política de verdade”. É aqui que sua conduta na reunião onde se passou o suposto crime objeto de inquérito no Supremo se mistura à nota assinada pelo ministro chefe da GSI, Augusto Heleno, com as ameaças insinuantes de sempre.

Recorreu à intimidação que ainda provoca seu título de general, ainda que sem tropas, para reagir ao trâmite institucional de um pedido dos partidos políticos para exame do aparelho de telefone celular do presidente da República. Eleno ruge, é considerado o mais violento dos ex-militares em postos civis no governo, mas para morder faltam-lhe os dentes.

Nenhuma estratégia de combate à pandemia que massacra os brasileiros, nenhuma palavra de comiseração às vítimas do coronavírus. Ao contrário, citando como se fora marketing numa hora dessas, o presidente criticou o prefeito de Manaus por abrir covas coletivas. Até isto, em passant.

O médico decide - EURÍPEDES ALCÂNTARA

O GLOBO - 23/05

Nenhum poder público pode impedir ou obrigar qualquer pessoa a tomar ou não tomar um remédio


A menos que seja deposto pelo processo constitucional do impeachment, Jair Bolsonaro precisa ser derrotado nas urnas em 2022 para desocupar os palácios no planalto. Até lá temos que nos virar com o que temos para enfrentar o grande desafio da Covid-19 e seu reino de morte. Isso inclui ter uma opinião pessoal racional sobre essa bendita ou maldita hidroxicloroquina.

Recuso-me a ficar sendo jogado de um lado para outro no terrível balanço dos chutes a favor e contra. Uma das heranças mais valiosas da Grécia Clássica para a civilização ocidental é a de que se apenas alguns cidadãos se elevam na sociedade à posição de poderem fazer políticas públicas, todos podem criticá-las. É um princípio básico da democracia exposto por Aristóteles (384-322 a.C). Essa é a razão essencial do direito de qualquer pessoa de ler, discordar e externar sua discordância sobre um decreto papal ou sobre um édito de qualquer outra autoridade tida como suprema por seus seguidores.

Recorro a esse princípio para contar aqui o que aprendi como jornalista sobre o uso da hidroxicloroquina ao cabo de conversas com médicos na linha da frente do combate ao novo coronavírus, de pesquisas em revistas científicas e de estudos baseados em evidências empíricas colhidas em hospitais.

O que me motivou foi o desejo individualista, mas não egoísta, de responder à seguinte questão: “Caso me infecte com o novo coronavírus, quero que a hidroxicloroquina esteja entre as drogas usadas no meu tratamento?”

Meus achados, listados aqui por ordem de relevância, segundo meu julgamento.

1) A decisão de tomar ou não hidroxicloroquina tem que ser tomada pelo paciente em discussão com seu médico. Nenhum poder público pode impedir ou obrigar qualquer pessoa a tomar ou não tomar um remédio. Vacina é outro caso. A vida em sociedade obriga todos a se vacinarem e vacinarem seus filhos, pois pessoas quando são vetores de doenças perdem o poder individual sobre certos direitos. Esse é o preço de conviver, que é sempre mais alto do que o de apenas viver.

2) Para que um paciente tome hidroxicloroquina, é necessário que a droga e a dosagem sejam prescritas por um médico. Mesmo que se deseje tomar hidroxicloroquina com o objetivo de prevenir o contágio, como anunciou estar fazendo o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ainda assim esse passo só pode ser dado com controle médico.

3) Aqui, pode parecer que estamos entrando em terreno restrito da medicina, mas acredito que a lógica justifica o avanço. Pelo que as pesquisas demonstram o maior risco trazido pelo uso da hidroxicloroquina é a ocorrência de arritmias e outros distúrbios elétricos do coração, que podem matar. Por isso, se seu médico não tocar no assunto, o que é improvável, provoque-o e peça para se submeter a eletrocardiogramas — sim, muitas vezes não basta um — e para pedir exames de sangue que determinem se seus níveis de cálcio, magnésio e potássio estão normais.

4) Todas essas considerações só fazem sentido lógico em um artigo leigo para pessoas sadias ou nos primeiros dias da infecção —e apenas como conselhos para uma conversa com o médico. Disciplinadamente, ignorei todas as pesquisas sobre uso da hidroxicloroquina em fases adiantadas da Covid-19. A luta nas UTIs é para especialistas e pouco tem a ver com a reprodução do vírus, dizendo mais respeito ao controle da inflamação e dos trombos. Não tenho como formar uma opinião sobre isso.

5) Médicos de hospitais privados no Brasil e nos Estados Unidos têm prescrito hidroxicloroquina para pessoas jovens com sintomas iniciais de Covid-19, sem problemas cardíacos ou outras morbidades. Entendo que oficialmente se recusem a falar sobre isso com o objetivo de fugir do fogo do debate ideológico em torno do remédio. Mas é um fato comprovável.

Conclusão: caso me infecte com o novo coronavírus, quero que a decisão de tomar hidroxicloroquina seja tomada pelo médico encarregado do meu caso. Tenho 63 anos e já tive alguns episódios de taquicardia. Vou seguir a decisão do médico seja qual for o protocolo oficial do governo e independentemente do que o STF tenha a dizer sobre o assunto.

Auxílio emergencial - MARCOS MENDES

FOLHA DE SP - 23/05

Uma reforma estrutural é condição prévia para uma prorrogação curta do auxílio

A crise sanitária dá sinais de que vai se alongar, talvez para além do fim do ano. A menos que surja uma vacina, haverá necessidade de prolongar o distanciamento social e os pacotes de ajuda lançados pelo governo.

Não será possível simplesmente prorrogar todo o arsenal de socorro a famílias, empresas, estados e municípios. Escolhas precisarão ser feitas. Do contrário, o custo fiscal será muito alto.

Caso o leitor esteja fascinado por textos que dizem que não há problema, pois esses gastos poderiam ser pagos com “monetização da dívida”, sugiro ler outros artigos que mostram que essa saída tem custos iguais ou maiores que a gestão fiscal usual. A pandemia não revelou um pote de ouro ao fim do arco-íris. Ela nos fez mais pobres e endividados.

Há restrição fiscal e risco de a dívida pública sair de controle, gerando fuga de capital e choque cambial, que em algum momento nos colocaria em um modelo argentino de alta inflação, baixo crescimento, mais pobreza e concentração de renda.

O cerne da discussão, agora, deve ser o auxílio emergencial de R$ 600. A necessidade de mais tempo de isolamento exigirá que se conceda auxílio por mais tempo a famílias sem outra fonte de renda. Por outro lado, o custo é imenso.

O auxílio é o item de maior peso do pacote fiscal: R$ 142 bilhões em três meses. Representa 28% dos R$ 500 bilhões de gastos extraordinários e reduções de tributos já adotados. Em um distante segundo lugar vem o apoio financeiro aos estados e municípios, com R$ 60 bilhões.

Atualmente, a despesa mensal da Previdência do setor privado (RGPS) é de R$ 56 bilhões. O auxílio emergencial custa R$ 47 bilhões por mês. Estamos colocando quase uma segunda Previdência dentro do Orçamento.

Um país cuja renda média familiar do trabalho é de R$ 3.000 não tem condições de distribuir, por tempo prolongado, um benefício médio de R$ 693 (lembrando que mães solteiras estão recebendo R$ 1.200) para 85% da população economicamente ativa que não é empregada do setor público.

Na pressa com que foi concebido, o auxílio tem defeitos graves.

Não há checagem suficiente para garantir que quem está recebendo o dinheiro é elegível ou é realmente a pessoa identificada na solicitação.

É alta a vulnerabilidade a fraudes. Notícias pipocam todos os dias: militares e filhos de famílias ricas recebendo, quadrilhas com centenas de cartões de benefício.

A impossibilidade de distinguir quem é trabalhador informal de quem estava fora da força de trabalho antes da pandemia, e não tinha renda, duplicou o número de beneficiários. Muitas famílias estão recebendo mais do que a simples reposição da renda perdida.

Uma onda de judicialização já começou a se formar, com ações buscando ampliar o acesso e os valores pagos. Cada mês adicional de existência do auxílio aumenta o seu custo.

O maior risco é a perenização desse auxílio insustentável e distorcido, que cada vez mais irá para pessoas fora do grupo dos mais vulneráveis.

São os mais pobres que precisamos focar, gastando apenas aquilo que podemos gastar.

Por isso, o Executivo deveria enviar ao Congresso, de imediato, uma reformulação dos programas assistenciais existentes antes da pandemia.

Há razoável consenso entre os especialistas de que são anacrônicos ou ineficientes programas como abono salarial, salário-família, seguro-defeso, desconto de dependentes no Imposto de Renda e Farmácia Popular, entre outros.

A extinção desses programas, e a canalização dos recursos para uma Bolsa Família ampliada, garantiria aos mais pobres assistência após à pandemia.

A aprovação dessa reforma estrutural seria condição prévia para uma prorrogação curta do auxílio emergencial, com valores bastante reduzidos, extinção da cota dupla e forte esforço de minimização de desvios e fraudes.

Marcos Mendes
Pesquisador associado do Insper, é autor de 'Por que É Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil?'

Democratas de todas as colorações, uni-vos! - MARCO AURÉLIO NOGUEIRA

ESTADÃO - 23/05

Ou se unem com determinação, ou o Brasil ficará inviável por longo período


Não é preciso arrolar, pela enésima vez, os ilícitos e as perversões que desabam sobre a sociedade. Formam robusto prontuário. Só não os vê quem não quer.

A continuidade do governo Bolsonaro ameaça a vida, a Nação, a sociedade. Lança-nos num vórtice de destruição, que potencializa o vírus e infecta a reprodução da ordem social.

Precisamos dar um basta a essa situação, em que a insanidade governamental se mistura com o ativismo fanatizado da extrema direita e com o silêncio dos democratas. Bolsonaro é a crise viva, em expansão. Sua remoção precisa ser posta na mesa, para que se evite o abismo.

Mas não é só o impeachment. Será preciso reorganizar o País. Disputas internas não ajudarão, por mais que sejam inevitáveis.

Também somos responsáveis pelo que está aí. Cometemos erros, que não foram processados. Continuamos a nos dividir, a brigar com a própria sombra, a insistir em atitudes e discursos que não dialogam com as pessoas, não as direcionam, não as esclarecem. Somos prisioneiros do cálculo eleitoral, do oposicionismo retórico. Estamos carentes de ideias, de luzes, de lideranças. De articulação.

Temos de encontrar um meio de fazer oposição com eficácia e generosidade. Sem vetos. Sem postulações doutrinárias. Sem maniqueísmos. Sem tergiversações. É um suicídio continuarmos a repetir fórmulas que não funcionam mais e prolongam uma agonia paralisante.

Há que agir. No Parlamento, nas redes sociais, na imprensa, nos núcleos da sociedade civil. A quarentena não é pretexto para ficarmos à espera de um raio que caia em Brasília. A cautela não dispensa a denúncia veemente, antes a exige.

Ainda há muitos brasileiros impregnados pela imagem redentora do “mito”, ressentidos, frustrados, com raiva, sem compreensão dos tempos da política, do valor da democracia e da representação parlamentar. Precisamos alcançá-los, trazê-los para o terreno da racionalidade democrática. Não avançaremos repetindo mantras surrados, que não levam a lugar nenhum, nem convencem quem precisa ser convencido.

Devemos reconhecer nossas limitações, insuficiências, falhas de compreensão da realidade.

Os democratas brasileiros – de centro, liberais, conservadores, de esquerda – deixaram-se dividir por excessos, querelas ideológicas, batalhas infrenes de poder. Levaram longe demais a exploração de suas diferenças. Não olharam atrás da porta. Não perceberam que pela direita crescia uma onda contrária a eles, hostil a seus programas, às perorações de seus líderes, ao modo como se apresentavam ao mundo.

Não decodificaram a linguagem da época. Continuaram amarrados aos mesmos dogmas, às mesmas diatribes e polêmicas, reunindo-se em tribos impotentes, agredindo-se reciprocamente.

Menosprezaram o adversário principal, achando que poderiam derrotá-lo com um sopro. Assistiram à propagação de uma gosma venenosa que contagiou parte importante da população. Permaneceram agarrados às obsessões de antes, a fantasmas insepultos, a promessas ocas e frases de efeito.

Em 2018 perderam a eleição presidencial para um político tosco, inescrupuloso e manipulador, que fez seus adversários comerem poeira. Foi um espetáculo vergonhoso, trágico, pelo qual estamos pagando alto preço.

Passada a refrega, os democratas permaneceram a lamber suas feridas. Viram o circo pegar fogo, orbitando lideranças que não lideram, rotinas engessadas, partidos estraçalhados e impotentes. Hoje zelam pelas instituições e pelos ritos constitucionais, o que é ótimo. Mas suas falas não reverberam, só fazem prolongar a existência de um governo perdido e descompensado.

Continuaremos a brigar as mesmas brigas? Teremos coragem e disposição para reorganizar a agenda, aposentar o que não mais agrega valor à política, buscar o que lateja em meio aos escombros do sistema que ajudamos a erguer, mas não mais nos ajuda? Saberemos afastar preconceitos e abrir espaço para os jovens, as novas linguagens, os youtubers e comunicadores, os parlamentares que não seguem ordens partidárias rígidas? Ou vamos prosseguir achando que somos donos do futuro?

Muitos acreditam que o sistema de pesos e contrapesos está intacto. Em nome disso, ignoram o arbítrio e a violência legal do Executivo. Não criticam os jogos procrastinadores do Congresso, a covardia de suas lideranças. São benevolentes com o Judiciário.

Chegamos à hora da verdade. Necessitamos de pessoas que ajam com firmeza democrática e republicana. Nossa fronteira está além de contraposições inúteis entre esquerda e direita, liberalismo e socialismo, mercado e Estado. Temos de nos reposicionar. Reaprender a dialogar, com paciência e tolerância. Que os moderados se disponham a lutar, que os radicais lutem de outro modo. Que todos baixem o tom, dispensem maximizações extemporâneas e apurem o foco.

Ou os democratas se unem com determinação – para fazer política, travar a luta cultural, interpelar a população – ou o País ficará inviável por um longo período.

Unamo-nos, enquanto há tempo!

PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA DA UNESP

Um cabo de guerra na longa noite da pandemia - BOLÍVAR LAMOUNIER

ESTADÃO - 23/05

Ao dificultar a ação dos Estados e municípios Bolsonaro comete crime de responsabilidade

Para bem compreender o que está acontecendo no Brasil creio ser útil começar pelo dicionário. Cabo de guerra, por exemplo. O Aurélio ensina que essa velha expressão designa “um jogo ou competição em que dois grupos de contendores puxam em direções opostas as pontas de uma corda grossa, vencendo a que conseguir arrastar a outra”.

Transpondo a ideia do cabo de guerra para o plano da política, logo percebemos uma grave implicação. Se a capacidade física dos contendores for aproximadamente igual, o resultado pode ser um prolongado empate. Ora, o essencial da política pública é a escolha entre alternativas e a implementação das ações de governo que dela decorre. Vigente o empate no cabo de guerra, as duas forças se neutralizam e tais ações perdem eficácia, como temos visto no combate à pandemia do coronavírus. Esse empate pode tornar nossa situação muito mais perigosa do que a existente em outros países. A persistir tal empate, nós, cidadãos comuns, pagaremos o pato.

Em nosso cabo de guerra temos, de um lado, os governadores e prefeitos fazendo o que podem, com recursos insuficientes e enfrentando a propagação do coronavírus, um inimigo onipresente e assombrosamente ágil. Do outro, Jair Bolsonaro, um presidente que não se notabiliza por elevado senso de responsabilidade, fomentando aglomerações, forçando a barra para que o desejável relaxamento da quarentena se transforme num estouro da boiada e, não menos importante, insistindo num remédio, a cloroquina, cuja eficácia no tratamento da covid-19 não parece superior à de um licor de jenipapo.

Tem saída isso? Tem, mas para bem compreendê-la precisamos primeiro esclarecer um aspecto da nossa cultura política, em especial certas noções referentes ao sistema de governo presidencialista de governo. Não tendo escoimado de uma vez por todas o ranço caudilhista e populista que nele se incrustou desde os primórdios da República, temos inconscientemente sustentado a equivocada noção de que o presidente da República é a instância última da legitimidade política.

Fato é, no entanto, se formos um pouco além do pensamento estritamente jurídico, que a legitimidade em última instância não reside na Presidência da República, e sim no Supremo Tribunal Federal (STF). Se assim não fosse, como iríamos entender sua função arbitral de última instância? Sendo ele a cúpula do Judiciário, a ele cabe dirimir todos os impasses, incluídos aqueles que se constituem no embate entre os outros dois Poderes, entre os partidos políticos e entre os demais agentes políticos. A proposição que venho de enunciar não é fruto de especulação, pois está constitucionalmente especificada em institutos como a ação declaratória de constitucionalidade (ADC), a ação direta de constitucionalidade (Adin) e a ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), entre outras.

Voltemos, então, ao cabo de guerra que estamos presenciando no combate ao coronavírus. Dando prioridade ao princípio federativo e ao que a Constituição expressamente determina, o STF, atribuiu aos Estados e municípios a responsabilidade primária pela missão de organizar o vírus. Não se trata, como é óbvio, de uma atribuição privativa do município, e sim concorrente com a dos Estados e da União. Essa determinação do STF implicou uma clara dilatação do papel desses dois entes federados, que se vem manifestando na aquisição de equipamentos de proteção, na imposição de restrições ao direito de ir e vir e à atividade econômica, além, é claro, da função precípua de manter os sistemas de saúde e funerários. Uma eloquente ilustração da dilatação a que me refiro é o inusitado empenho que os Estados tiveram de assumir na importação de equipamentos de proteção para o pessoal médico, tendo mesmo se deparado com dificuldades bizarras, num momento em que o comércio internacional parece ter retornado a práticas simplesmente selvagens.

Não preciso deter-me no destaque dado pela Constituição aos municípios (CF88VII). Comentando esse ponto, o professor Antônio Sérgio P. Mercier acertadamente escreve: a cooperação entre o município, o Estado e a União diz respeito, entre outras finalidades, à “prevenção ou debelação dos perigos que dizem respeito à saúde da população, como endemias, epidemias e a possibilidade do aparecimento de moléstias transmissíveis” (Costa Machado e Anna Cândida da Cunha Ferraz, organizadores, A Constituição Federal Interpretada, Editora Manole).

O que acabo de expor deve ser suficiente para ilustrar o enorme risco com que a saúde dos brasileiros se vai deparar enquanto persistir o cabo de guerra entre o presidente Jair Bolsonaro, puxando uma ponta da corda, e os Estados e municípios puxando a outra. Do exposto deve-se, pois, inferir que Jair Bolsonaro, ao dificultar a ação dos Estados e municípios durante uma emergência gravíssima, reiteradamente comete crimes de responsabilidade, configurando-se, pois, claramente, a conveniência da abertura do processo de impeachment.

SÓCIO-DIRETOR DA CONSULTORIA AUGURIUM, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS

Três bandeiras e nenhuma pátria - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 23/05

Pátria de Bolsonaro não é Brasil, EUA ou Israel, mas sua própria família


Brasão do clã é o estandarte oculto no carnaval das manifestações domingueiras


Política é um jogo de signos. O PT oscila, taticamente, entre o verde e amarelo e o vermelho. O bolsonaro-olavismo insiste nas cores nacionais, mas empunha três bandeiras simultâneas, desfraldando também as dos EUA e de Israel. Nesse passo, revela um nacionalismo equívoco, uma aversão essencial ao Brasil e a alma de um partido sem pátria.

O cálculo de marketing norteia o PT. Verde e amarelo funciona para ofensivas destinadas a vencer eleições ou conservar a popularidade de seus governantes. Já o vermelho funciona para as conjunturas de recuo, quando se trata de reunificar sua base militante, evitando dissensões.

A postura ofensiva tem raiz autoritária, pois identifica a parte (o partido) ao todo (a nação). A defensiva, ainda que acompanhada ritualmente por discursos sectários, é democrática: "Nós, vermelhos, somos uma corrente política, entre as várias disponíveis no mercado de ideias".

O impulso autoritário, representado pela invariável apropriação partidária das cores brasileiras, norteia o bolsonaro-olavismo. Mas a presença dos pendões estrangeiros, que provoca tanta curiosidade, indica algo mais: a pátria amada não é a realmente existente. Para esses patriotas de araque, o Brasil não serve: deve ser substituído não por uma, mas por duas pátrias imaginárias.

A primeira tem contornos seculares: EUA. O Brasil precisa tornar-se uma outra coisa, que não existe de fato, mas pertence à mitologia identitária. No universo delirante do cortejo presidencial, o modelo é uma nação de colonos armados organizada como Estado-milícia. Na base dessa ideia-força encontram-se o elogio do individualismo extremado, o desprezo às políticas sociais, a aversão à diferença, a nostalgia de uma "idade de ouro" puramente ficcional. Donald Trump, o líder adorado, sintetiza a pátria terrena imaginária.

A segunda tem contornos sagrados: Israel. Seitas neopentecostais oriundas dos EUA adotaram o "sionismo cristão", doutrina escatológica apoiada na profecia de que a reunião de todos os judeus em Israel é condição para o segundo retorno de Jesus.

No Brasil, os chefes dessas igrejas messiânicas tornaram-se aliados vitais de Bolsonaro, oferecendo-lhe acesso privilegiado a seus estoques de fiéis. Binyamin Netanyahu, um líder sionista secular, aproveita-se da crença apocalíptica que não compartilha para obter respaldo à sua política de anexação dos territórios palestinos ocupados.

A natureza do bolsonaro-olavismo impede que se articule como partido nacional. De um lado, porque recusa a condição de parte, de corrente singular, almejando obsessivamente representar a totalidade da nação: não é casual que o esboço inconcluso de entidade partidária bolsonarista, a Aliança pelo Brasil, carregue na sua certidão de batismo o nome da pátria. De outro, porque rejeita a política nacional, alistando-se em dois movimentos estrangeiros: a "Internacional dos nacionalistas", de Trump e Bannon, e a "Internacional cristã-sionista", do neopentecostalismo.

O caleidoscópio de cores e bandeiras que cerca Bolsonaro é um fruto dos detritos filosóficos espalhados por Olavo de Carvalho. O grau de influência do Bruxo da Virgínia sobre o círculo presidencial não deve ser desprezado, pois é função direta da ignorância desses acólitos. Mas o personagem central da tragédia é Bolsonaro, que não compreende os significados da paisagem simbólica erguida ao seu redor. Ao contrário do mestre místico, ele tem uma única pátria, que não é o Brasil, nem os EUA ou Israel.

A pátria de Bolsonaro é a família. Não a família brasileira ou a família tradicional, essas fabricações de reacionários de churrasco, mas a sua própria família, com o entorno de relações suspeitas e conexões obscuras que um dia virão à luz. O brasão dos Bolsonaro --eis o estandarte oculto no carnaval das manifestações domingueiras.


Demétrio Magnoli
Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

Vergonha nacional - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 23/05

Imagens históricas de um governo que envergonha


O vídeo mostra um governo completamente insensível à grave crise de saúde pública que vivemos



Todo mundo sabe que o presidente Bolsonaro interveio na Polícia Federal, e é preciso ser um nefelibata para acreditar que essa intervenção não tinha intenções não republicanas. Mas, como tudo na vida, depende de quem quer ver e escutar. Agora, é a vez do atual procurador-geral, Augusto Aras, querer ou não ver e ouvir.

Se, como tudo indica, ele decidir arquivar o processo, sem oferecer a denúncia, estará fazendo como o centrão, que provavelmente protegerá Bolsonaro como protegeu Temer, em troca de cargos no governo. Fechando os olhos para as evidências, sem se esforçar para juntar dois mais dois.

Em termos jurídicos, já há quem diga que não há substância no vídeo da reunião para acusar frontalmente o presidente da República de crime de responsabilidade, embora ele tenha dito em alto e bom som que interviria nos ministérios, e especificou: “Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações”. Como foi por isso que o ex-ministro Sergio Moro deixou o cargo (e a reunião antes de seu fim), é óbvio que a nomeação do novo diretor-geral da Polícia Federal tinha o objetivo de permitir que o presidente Bolsonaro não seja “surpreendido por notícias”. Ato contínuo, a imediata nomeação do novo superintendente da PF no Rio só confirma os interesses específicos do clã Bolsonaro para proteger, como o próprio presidente admitiu, sua família e seus amigos. Pela denúncia do ex-aliado Paulo Marinho, o então deputado estadual Flávio Bolsonaro não foi surpreendido pelas notícias em relação à Operação Furna da Onça, e pôde proteger o amigo do seu pai Fabrício Queiroz, demitindo-o antes que a PF chegasse. Se quiser investigar, o Ministério Público chegará aos culpados.

O que o vídeo revela é uma paranoia de Bolsonaro por informações clandestinas como se fosse seu direito absoluto. A certa altura ele diz “o meu serviço de informações particular funciona”. Logo no início do governo, quando era ministro secretário-geral da Presidência, o falecido Gustavo Bebianno, segundo relato do próprio, viu o 02 Carlos com um amigo delegado da Polícia Federal no Planalto, e soube que estavam propondo a criação de um sistema paralelo de informações para abastecer o presidente Bolsonaro.

Ele contava que dissuadiu o presidente, argumentando que aquela montagem poderia gerar um pedido de impeachment. Meses depois, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse ao general Augusto Heleno que alguns deputados o haviam procurado para se queixar de que estariam sendo gravados em conversas no Palácio do Planalto, ou quando se comunicavam com alguém de lá. O boato de que esse sistema paralelo estava em plena atividade corria pelo Congresso. O general Heleno tratou de acalmar Maia: “Isso já acabou”. Acabou?

O vídeo mostra um governo completamente insensível à grave crise de saúde pública que vivemos. Somente o então ministro da Saúde, Nelson Teich, falou sobre a pandemia, passando a reunião inteira de boca aberta, parecendo bestificado com sua primeira e única reunião ministerial.

O resumo dessa ausência de empatia pode ser dado pela fala sabuja do presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, que se coloca como uma alternativa a Paulo Guedes. Ele disse que na sua Caixa “não tem essa frescura de home office” e que se pegar a Covid-19 tomará “um litro de hidroxicloroquina”. Mais subalterno não é possível. O cinismo do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, merece destaque; considerou a pandemia uma oportunidade para “passar a boiada” enquanto a imprensa está distraindo o povo com a cobertura do coronavírus. É o que está fazendo, e as queimadas na Amazônia estão aumentando, CQD.

Ver aquele colegiado dirigindo os destinos da nação é triste: Damares dizendo que vai mandar prender governadores, Weintraub pedindo a prisão dos ministros do Supremo; Bolsonaro falando palavrão como vírgula, chamando dois governadores de bosta e estrume; lembrando Chávez falando sobre o povo armado. Coroando tudo, a bravata do general Heleno, do GSI, ameaçando o Supremo com “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional” se o celular do presidente Bolsonaro for requisitado. Em qualquer país civilizado, esse vídeo seria impensável. É o registro histórico de um governo que nos envergonha a todos.

Cenas de um governo tenso e sem rumo - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 23/05

O que seria para instruir o inquérito de Moro virou um retrato mais preocupante de Bolsonaro


Enquanto se aguardava, na tarde de ontem, a divulgação do vídeo da reunião de ministros de 22 de abril, pelo ministro do Supremo Celso de Mello, uma nota fora de tom de Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), explodiu os projetos de pontes que o governo havia lançado no dia anterior, na reunião do presidente com os governadores, num competente desserviço ao Planalto, e não serviu para proteger Bolsonaro das ameaças jurídicas que o cercam.

Ou o general da reserva considera que as Forças Armadas se disporiam a quebrar a ordem institucional que perdura há 32 anos, investindo contra o Supremo, que cumpre ritos legais, respaldados na Constituição? Por exemplo, o seguido pelo mesmo Celso de Mello de, como é praxe, remeter pedidos de partidos e parlamentares de investigação de Bolsonaro ao procurador-geral da República. Entre eles, o acesso ao telefone celular do presidente, contra o que se insurgiu Heleno, de maneira descabida, com a ameaça de um conflito institucional, de “consequências imprevisíveis”. Serviu para atrair justificadas reações de repúdio e para confirmar que o calejado general da reserva passou a fazer parte do núcleo ideológico do bolsonarismo.

Os trechos do vídeo da reunião ministerial liberados por Celso de Mello ajudariam a confirmar que Augusto Heleno não está sozinho no ministério. Celso de Mello decidiu não liberar a íntegra, o que facilitaria a compreensão do contexto em que o presidente ameaçou intervir na sua “segurança” no Rio, embora se referisse mesmo à “PF”, sigla que pronunciou quando reclamava da falta de informações. Este trecho, infelizmente, foi cortado no início da frase, mas o conteúdo do que restou do vídeo sustenta a acusação do ex-ministro Sergio Moro de que as citações a trocas na “segurança”, na sua chefia e até de ministro, se referiam a ele mesmo. Para confirmar o que disse, no dia seguinte à reunião, dia 23, Moro saiu do governo, e o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, foi exonerado “a pedido”, sem que ele e o ministro assinassem a demissão.

O espetáculo foi roubado pelo conjunto dos trechos liberados por Celso de Mello, em que há cenas fortes de um grupo de ministros sem qualquer rumo estratégico estabelecido por um presidente que é mais um agitador de comício do que coordenador de governo, que distribui seu tempo entre gritos, slogans e palavrões, como se estivesse aboletado naquela caminhonete sobre a qual desfilou na manifestação antidemocrática em frente ao QG do Exército, em Brasília, no mês passado. O resultado é um grupo de ministros tensos.

A rigor, não há novidades — exceção à confirmação feita pelo presidente de que conta com um sistema de informações pessoal, portanto, na ilegalidade —, mas tem impacto a forma como Bolsonaro diz que deseja armar o povo, “porque povo armado não será escravizado”. Precisará mesmo desmontar toda a legislação desarmamentista, o que já faz. Bolsonaro dá a entender que tem devaneios sobre o povo armado. Uma inveja recalcada do chavismo de Maduro e do que aconteceu na Cuba de Fidel. Um delírio, mas perigoso.

O presidente deixa claro que deseja um ministério de fiéis bolsonaristas que o defendam — é possível decifrar recados para Moro nesses momentos. E trocará qualquer um, a qualquer momento, fazendo uma exceção a Paulo Guedes, da Economia, para desgosto de Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, aliado dos militares no Pró-Brasil, programa de figurino geiselista que atraiu a ira de Paulo Guedes. A altercação que teria havido entre os dois ministros não consta das cenas liberadas.

Abraham Weintraub confessou-se um militante — de extrema direita, por suposto — e, por isso, deduz-se, não se dedica como deveria às funções de ministro da Educação, um cargo estratégico, que também não merece atenções de Bolsonaro. No que foi divulgado, nenhuma pergunta foi feita a Weintraub, por exemplo, sobre o Enem na pandemia. Como disciplinado militante, o ministro alvejou com palavrões quem ele acha que obstrui a marcha do país para a redenção. Os ministros do Supremo foram brindados com um ataque de baixo nível do ministro.

Na bancada dos ministros ideológicos radicais, Ricardo Salles, do Meio Ambiente, discorreu sobre sua estratégia de aproveitar enquanto a imprensa está voltada para a Covid-19, a fim de alterar normas e instruções sobre o meio ambiente, sem a necessidade de ouvir o Congresso, no seu óbvio trabalho de desmontar a estrutura de fiscalização e punição de crimes ambientais. Falou para os colegas como se estivesse dando uma dica. E estava.

Dessa bancada, Damares Alves, do Ministério da Mulher e da Família, parecia que faria uma exposição objetiva, ao alinhar alguns números sobre crianças abandonadas e idosos em asilos, mas perdeu o prumo ao ameaçar governadores e prefeitos de “prisão”, por tomarem medidas em defesa do isolamento social, prerrogativa legal deles. A ministra se alinhou ao grupo dos que não têm qualquer preocupação com limites institucionais do cargo. Bolsonaro, o primeiro deles. O que se viu é preocupante, principalmente considerando o tamanho da crise em que o país naufraga.

Inconcebível e inacreditável - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 23/05

O ministro Augusto Heleno, assim como seu chefe, não só é despreparado para o cargo que ocupa, como considera “democracia” o regime em que Bolsonaro manda e os demais obedecem


O ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, divulgou ontem uma “nota à Nação brasileira” para dizer que é “inconcebível e, até certo ponto, inacreditável” o “pedido de apreensão do celular do presidente da República”. A nota do ministro é, em si mesma, para usar suas próprias palavras, inconcebível e inacreditável.

O ministro Augusto Heleno fazia referência a solicitações de parlamentares e partidos de oposição em notícia-crime enviada ao Supremo Tribunal Federal, relativa a suspeitas de que o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente na direção da Polícia Federal, conforme denúncia do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, igualmente citado na petição.

Respeitando a praxe para casos como esse, o ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello encaminhou o caso para a Procuradoria-Geral da República, a quem cumpre opinar se cabe ou não investigar a denúncia. O ministro Celso de Mello enfatizou que é dever jurídico do Estado apurar essas suspeitas, “quaisquer que possam ser as pessoas alegadamente envolvidas, ainda que se trate de alguém investido de autoridade na hierarquia da República, independentemente do Poder (Legislativo, Executivo ou Judiciário) a que tal agente se ache vinculado”.

É sintomático que o decano do Supremo tenha que relembrar tamanha platitude: numa República em que vigora o Estado Democrático de Direito ninguém está acima da lei, inclusive o presidente. Infelizmente, como mostrou a afrontosa nota do ministro Augusto Heleno, a advertência do ministro Celso de Mello é mais do que oportuna – é indispensável.

Para o ministro Augusto Heleno, “caso se efetivasse (a apreensão do celular do presidente), seria uma afronta à autoridade máxima do Poder Executivo e uma interferência inadmissível de outro Poder na privacidade do presidente da República e na segurança institucional do País”.

Ora, ainda que o pedido de apreensão do celular fosse aceito pela Procuradoria-Geral, o que ainda não aconteceu nem se sabe se acontecerá, não haveria nenhuma “afronta à autoridade máxima do Poder Executivo”, apenas o cumprimento do que mandam os diplomas legais em vigor no País que o sr. Bolsonaro governa – e que ele, aliás, prometeu solenemente respeitar quando tomou posse.

Mas o ministro Augusto Heleno não se limitou a expressar sua indignação e enveredou pelo temerário caminho da ameaça de ruptura institucional: “O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os Poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”. Recorde-se, para todos os efeitos, que o cidadão Augusto Heleno é general reformado, sem comando, e, atualmente, funcionário público demissível ad nutum.

Assim, o ministro Augusto Heleno elevou à categoria de comunicação oficial do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República os libelos golpistas que circulam nas fétidas redes sociais bolsonaristas, que passaram o dia de ontem a demandar nada menos que o fechamento do Supremo Tribunal Federal – sob a hashtag “Heleno já tá na hora”. Nada disso é por acaso: a nota oficial de teor sedicioso e a campanha de ódio contra o Supremo se anteciparam à decisão do ministro Celso de Mello de autorizar a divulgação, na íntegra, da reunião ministerial que, segundo o ex-ministro Sérgio Moro, comprova a tentativa do presidente Bolsonaro de interferir na Polícia Federal, entre outras barbaridades deste desgoverno.

Está claro que o ministro Augusto Heleno, assim como seu chefe, não só é completamente despreparado para o cargo que ocupa, como considera “democracia” o regime em que Bolsonaro manda e os demais obedecem. Mais do que isso: colabora decisivamente para que suas atitudes irresponsáveis, de natureza essencialmente pessoal, pois sua função não é falar em nome do governo, sejam confundidas com o pensamento das Forças Armadas. Assim, urge que os comandos militares desvinculem as Forças Armadas desses inconformados com a democracia que, para desgraça do País, chegaram à Presidência nas eleições de 2018. Se não o fizerem imediatamente, e de maneira clara, correm o risco de ver sua imagem, duramente reconstruída depois de 20 anos de ditadura, atrelada a um governo que flerta dia e noite com a ruptura.