quarta-feira, agosto 22, 2018

O Brasil tem tudo para não dar certo tão cedo - JOSÉ NÊUMANNE

O Brasil tem tudo para não dar certo tão cedo - JOSÉ NÊUMANNE

As chances de o Brasil continuar a não dar certo são de 77% e as necessárias reformas e modernização para o País crescer e prosperar não são inviáveis, mas dependem de a maioria do eleitorado ser convencido de que a melhor saída seria essa

O Estado de S.Paulo - 22 Agosto 2018


O ano começou com uma expectativa generalizada de que teria início nele algo que um romancista inspirado chamaria de “o verão de nossas esperanças”. Antes de setembro chegar, trazendo a primavera, ninguém precisará ser muito pessimista para lembrar, neste “inverno de nossas desilusões”, que agosto é, de fato, um mês de muito desgosto e que o verão de 2019 em nada corresponderá aos sonhos de renovação de oito meses atrás. Por quê?

Em 2005 teve início no Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento da Ação Penal 470, que ficou popular com o apelido de mensalão e radiografou a podridão das vísceras do primeiro governo soit-disant socialista da História, sob a égide do ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva. Nos debates do plenário da Corte, acompanhados com interesse antes só despertado pelos festivais da canção e pela Copa do Mundo, foi revelado ao povo um esquema de compra de apoio parlamentar com o erário sendo tratado como quirera.

Os “supremos” magistrados condenaram à prisão políticos de alto coturno, que trataram os partidos que dirigiam como se fossem organizações criminosas: José Dirceu e José Genoino, que tinham presidido o Partido dos Trabalhadores (PT), Roberto Jefferson, suserano do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Valdemar Costa Neto, rei do Partido Liberal (PL), que viraria Partido da República (PR), Pedro Corrêa, dirigente do Partido Progressista (PP), e outros.

Reza o folclore político que, instado a participar de um movimento para depor o então presidente Lula, o ex-chefão do Partido da Frente Liberal (PFL), hoje o Democratas (DEM), Antônio Carlos Magalhães, disse que preferia derrotá-lo nas urnas. Como a História, implacável, registra, Lula bateu o tucano Geraldo Alckmin na eleição de 2006. Os chefões das quadrilhas partidárias seriam, depois, indultados pela companheira Dilma Rousseff, que Lula elegeria sua sucessora, e, afinal, perdoados pelos companheiros nomeados para o fiel e desleal STF.

Mas, ah, ora, direis, ouvindo estrelas, o povo foi às ruas para reclamar daquilo que, antes de comandar a rapina nos cofres públicos, o PT chamava de “tudo o que está aí”. A rebelião das ruas, que apoiou o combate à corrupção por uma geração de jovens policiais, procuradores e juízes federais, porém, passou ao largo de alguma mudança de fato no Brasil que Machado de Assis chamava de “oficial”, em contraponto ao nobre, pobre e probo “País real”. No ano seguinte às espetaculares manifestações de rua em nossas cidades, 2014, Dilma foi reeleita com Temer e o PMDB na chapa em campanha de que, como depois revelaria outra devassa, nem os vencidos sairiam inocentes. Tudo como dantes no cartel de Abrantes.

Para cúmulo da ironia, levado a julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o triunfo da chapa que juntou a fome com a vontade de comer passou a ser dado como absolvida “por excesso de provas”. Mas a decisão, tomada numa sessão presidida pelo ministro do STF Gilmar Mendes, manteve Temer na Presidência, depois do impeachment da titular da chapa vencedora. E Dilma sem cargo, mas liberada para ocupar posto público por uma canetada praticada pelas mãos esquerdas do senador peemedebista Renan Calheiros e do então presidente do STF, Ricardo Lewandowski.

Isso ocorreu apesar do enorme entusiasmo popular com novo feito da Justiça em primeira instância, a Operação Lava Jato, iniciada em 2014 e responsável pela sequência da AP 470, levando às barras dos tribunais e às celas os maiores empreiteiros do Brasil, Marcelo Odebrecht à frente, e o ex-presidente Lula. Este havia saído incólume do mensalão por obra e graça da omissão do relator, tido como implacável, Joaquim Barbosa, e a atenta proteção do sucessor deste na presidência do STF, Lewandowski. O que não impediu que depois fosse condenado e preso como “chefe da quadrilha”.

No verão, esperava-se que se elegessem um presidente para limpar a máquina pública e um Congresso para apoiá-lo na guerra à corrupção. No inverno, 90% dos deputados e 65% dos senadores candidatos sepultam o devaneio do “não reeleja ninguém”. Dos seis pretendentes à Presidência com chance, nenhum se compromete com o que de fato importa: o combate a privilégios, política econômica para pôr fim à crise e ao desemprego e o basta à impunidade de criminosos armados ou de colarinho branco. Quem está em primeiro lugar nas pesquisas de preferência de voto é um condenado por corrupção e lavagem de dinheiro a 12 anos e 1 mês de prisão.

O economista Cláudio Porto, da Macroplan, acaba de divulgar a pesquisa Cinco cenários para o governo do Brasil 2019-2023, que conclui que qualquer governo terá de conviver com cinco condicionantes imediatos: renda per capita 9% abaixo da de 2014 e desemprego de 14 milhões de pessoas; contexto externo menos favorável do que o dos últimos anos; tensão permanente entre a população impaciente e a maioria fisiológica dos políticos; demandas da sociedade por mais e melhores serviços públicos, em confronto com a manutenção e a conquista de mais benesses pelo baronato de políticos; e combate à corrupção menos intenso.

Para enfrentar esses problemas o eleitorado, segundo Porto, divide-se pela metade, não entre esquerda e direita, mas entre a sedução do populismo e a saída não populista. A pesquisa, feita para a Macroplan pelo economista Flávio Tadashi entre 6 e 8 de agosto, situa em 16,1% a adesão ao populismo de esquerda; 17,4% ao de direita e 16,5% ao “de ocasião”. A saída não populista divide-se em 27% para a conservação do status quo e 23% para o “reformismo modernizante”.

As chances de o Brasil continuar a não dar certo são de 77% e as necessárias reformas e modernização para o País crescer e prosperar não são inviáveis, mas dependem de a maioria do eleitorado ser convencido de que a melhor saída seria essa.

JORNALISTA, POETA E ESCRITOR

Macaco não olha seu rabo - ROSÂNGELA BITTAR

Macaco não olha seu rabo - ROSÂNGELA BITTAR

Valor Econômico - 22/08/2018


Agora é oficial: o PT avisa, por meio de seu candidato Fernando Haddad, que vai aumentar a ofensiva internacional para garantir a presença de Lula nas eleições. Portanto, acabou o segredo de polichinelo, trata-se realmente de uma campanha, forte, inescrupulosa, liderada pelo partido na mobilização de jornais de esquerda, cientistas políticos, ONGs, governos e Parlamentos desinformados, ou que não querem se informar, sobre as leis, a Justiça e a democracia brasileira.

Segundo Haddad, a estratégia será colocar em questionamento o regime democrático caso Lula seja, de fato, barrado pela Lei da Ficha Limpa. O democrático é o descumprimento da lei, da Constituição, das decisões da Justiça, teria escorregado o candidato se deixassem..

Por que não se faz uma campanha semelhante a essa para mostrar os crimes cometidos, a legislação em que se baseou a prisão, as decisões unânimes da Justiça, em lugar de considerar suficientes os instrumentos diplomáticos, telegramas, cartas e notas? Essa linguagem tem sido tão inútil quanto as 100 embaixadas criadas no governo do PT exatamente para, agora, manipular a propaganda contra o país, servindo a interesses pessoais. A cada ação externa, reagem os agentes internos do partido para corroborar o acerto dos aliados internacionais.

Ao ataque, à ação. Jogo de palavras é luta desigual

É urgente organizar a contraofensiva, no mesmo tom, com os mesmos instrumentos e as chantagens e ameaças de que o Brasil está sendo vítima.

"A simulacro de processo" e "encarceramento arbitrário" devem corresponder informações e divulgação dos fatos que deram origem às prisões não só de Lula, como de empresários e políticos em geral metidos em crime de corrupção. Se assim não for, a propaganda engole a realidade.

Uma reação à altura está fazendo falta, e não é de agora. Por que pegou no exterior a tese de que o impeachment de Dilma Rousseff foi golpe? Por que pegou a mentira de que eleição sem Lula é fraude? Porque o Brasil está reagindo com conversa mole enquanto está evidente a onda de falsidades espalhadas mundo afora. Quem conhece os fatos não quer se dar ao trabalho. Diante de uma boa propaganda, de que vale uma verdade?

É de impactar que os agentes internacionais da campanha contra a Justiça brasileira fechem os olhos às suas mazelas, à relação de seus governos com refugiados, à diáspora venezuelana, aos muros do Trump, à separação de pais e filhos na fronteira. Parecem querer nos dizer que acham mais divertido tratar da fuzarca no país do Carnaval, distante do mundo. Povo de índole pacífica, que prefere a esperança de que em algum momento irão todos perceber a verdade.. Isso se estiverem de boa-fé. Se estiverem em campanha político-ideológica, vão rir dos bobos até o fim.

O ex-presidente Fernando Henrique escreveu um artigo publicado ontem pelo "Financial Times" exigindo da pessoa certa, Lula, respeito com o Brasil e os brasileiros. Outras vozes, também conhecidas internacionalmente, devem se juntar a ele. No entanto, é urgente uma reação mais forte, em outra linguagem, pois está a cada dia mais difícil ao país contrapor-se à propaganda.

As respostas da diplomacia têm sido insuficientes e foi isso que, dito aqui na semana passada, desagradou ao governo brasileiro que acredita estar tendo pulso forte. Sabe-se que na campanha estão engajados inclusive alguns diplomatas que serviram em escalões de poder nos governos petistas.

Muito antes do impeachment de Dilma Rousseff esses redutos da esquerda internacional já estavam sendo mobilizados, a partir do mensalão. Com Dilma, iniciou-se a bem sucedida campanha " impeachment é golpe"; em seguida emendando-se com o petrolão que começou exatamente no seu governo, a partir de uma decisão sua sobre a compra do mico Pasadena.

De lá para cá, foram inúmeras viagens ao exterior, visitas de jornais e jornalistas ao Brasil e ao governo brasileiro, périplos da diplomacia petista para reforçar a ideia de que combater a corrupção é perseguição ideológica.

A manipulação política da realidade não teve limite.

O partido, Lula e seus braços na operação foram plenamente bem sucedidos, mais até do que imaginavam. Lula é inelegível e não será candidato, sua prisão não é produto de perseguição política, os processos legais cumpriram todos os seus ritos. Mas o que prevaleceu foi a política, a campanha ideológica,, o ataque ao país.

A nota mais contundente da diplomacia não vale um bordão do PT. Foi do chanceler Aloysio Nunes Ferreira: "Recebi com incredulidade as declarações de personalidades europeias que, tendo perdido audiência em casa, arrogam-se o direito de dar lições sobre o funcionamento do sistema judiciário brasileiro. Qualquer cidadão brasileiro que tenha sido condenado em órgão colegiado fica inabilitado a disputar eleições. Ao sugerir que seja feita exceção ao ex-presidente Lula, esses senhores pregam a violação do estado de direito".

Em carta, o embaixador do Brasil no Chile, Carlos Duarte, cita opiniões publicadas em meios de comunicação e declarações de líderes políticos locais sobre o Judiciário brasileiro e suas decisões. Ele pondera que tais declarações podem fazer parte do jogo político, mas destaca que algumas são desrespeitosas em relação às instituições democráticas brasileiras. Para que pisar tanto em ovos?

Em mensagem enviada ao Senado americano, o embaixador Sergio Amaral fez longo relato sobre a democracia e a legislação do Brasil para atos de corrupção, considerou a manifestação do Congresso americano baseada em argumentos politicamente motivados que tentam manchar antecipadamente as eleições presidenciais de outubro. Mas ele dispersa a reação numa linguagem desproporcional à violência dos ataques.

"Em nome da liberdade de imprensa, cujo objetivo é jogar luz na verdade dos fatos, em nome do governo brasileiro, eu me permito expressas minhas reservas sobre o conteúdo do texto assinado por alguns políticos franceses e europeus, sobre "a situação alarmante do Brasil". Esse é um trecho da reação do embaixador do Brasil na França, Paulo Cesar de Oliveira Campos (POC), um dos dois diplomatas mais próximos a Lula que ganhou o cobiçado posto.

Contraponto de palavras mostra a desigualdade da luta. Simulacro de processo e encarceramento arbitrário exigem resposta à altura, não platitudes de almanaque. Uma boa saída seria uma campanha em defesa da Constituição, da democracia e das instituições brasileiras, no exterior, com explicações claras sobre quem roubou o quê, o enriquecimento pessoal e as ações que só visavam manter o poder. Com as correspondentes ações na Justiça Nacional e Internacional.


O custo da ignorância - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

O custo da ignorância - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Tributar empréstimos em que o spread bancário é mais alto é ideia cretina

FOLHA DE SP - 22/08


Se há alguma inovação vinda do "pensamento" econômico do PT, a probabilidade de que seja uma péssima ideia tende a 100%.

É o caso do projeto de tributar as operações de crédito em que o spread bancário é mais alto. Os idealizadores da proposta acreditam que isso desestimularia a prática. O resultado, porém, deverá ser exatamente o oposto.

Peço, contudo, um pouco de paciência, porque a compreensão desse problema requer um tanto de matemática, disciplina que, como se sabe, causa urticárias aos "economistas" do partido.

Para entender a questão, considere um banco que capte R$ 100 pagando a taxa Selic, isto é, 6,5% ao ano. Suponha também que, no fim da operação de crédito, o banco espere receber um spread de 1,5%, ou seja, 8,00% ao ano.

Por fim, vamos imaginar que o banco tenha que deixar 20% do volume captado depositado no Banco Central (para manter as contas simples, na medida do possível, presume-se que o BC nada paga sobre esse depósito).

Caso não haja nenhum risco de calote, o banco terá que cobrar 10% ao ano de seu cliente. Como os 10% incidem sobre R$ 80, o rendimento do empréstimo é de R$ 8 para cada R$ 100 captados, ou seja, 8%. O spread observado nesse caso é 3,5% (10%-6,5%), embora o spread recebido de fato pelo banco seja 1,5% (recebe R$ 8,00 e paga R$ 6,50 de juros).

O que ocorreria se o banco fosse emprestar para tomadores cuja chance de calote seja, digamos, 20%?

De cada R$ 100 captados, R$ 80 seriam emprestados, mas apenas R$ 64 retornariam ao banco. Nesse caso, a taxa cobrada teria que ser 12,5% ao ano, pois o rendimento de 12,5% sobre R$ 64 geraria R$ 8,00, mantendo o retorno do banco em 8%, como almejado.

No caso, o risco de calote faria o spread observado saltar para 6% (12,5%-6,5%), embora o spread final permaneça em 1,5% (8%-6,5%).

Digamos que no primeiro caso, em que o spread observado era 3,5%, não coubesse imposto, mas que, no segundo caso, em que o spread observado é mais alto (6%, como vimos), incidisse um imposto de 10%. Assim, se o banco cobrasse os mesmos 12,5% receberia R$ 8 sobre os R$ 64, mas pagaria R$ 0,8 de impostos, ou seja, no fim do processo receberia R$ 7,20 para cada R$ 100 captados, retorno de 7,2%.

Para manter o retorno de R$ 8,00 para cada R$ 100 captados, teria que cobrar cerca de 13,9% ao ano, que geraria R$ 8,88 antes de impostos (e, claro, R$ 8,00 para cada R$ 100 captados depois do imposto).

Em outras palavras, a proposta de tributar os spreads observados mais altos faria com que o custo para o tomador final subisse de 12,5% para 13,9% ao ano, isto é, o spread se elevaria de 6% para 7,4%, precisamente o oposto do objetivo da proposta.

Há, obviamente, que considerar a reação dos tomadores. É possível que alguns não possam arcar com o empréstimo caso o custo chegue a quase 14% ao ano.

Outros, provavelmente mais necessitados, seguiriam com seus planos, mesmo com juros mais altos. Nessa linha, quanto menor for a sensibilidade do tomador de empréstimos à taxa de juros (ou seja, quanto maior for sua necessidade de recursos), tanto maior será o repasse do imposto ao custo do crédito.

Em bom português, trata-se de uma ideia cretina: vende a ilusão de que o imposto mais alto punirá os bancos, mas que acabará encarecendo o custo dos empréstimos precisamente para quem mais necessita deles.

Alexandre Schwartsman

Consultor, ex-diretor do Banco Central (2003-2006). É doutor pela Universidade da Califórnia em Berkeley.

Bolsonaro e a imprensa - EDITORIAL O ESTADÃO

Bolsonaro e a imprensa - EDITORIAL O ESTADÃO

As “opiniões” desse candidato sobre ditadura, mulheres, homossexuais e bandidos já são conhecidas. É preciso questioná-lo sobre Previdência, dívida pública e outros temas cruciais


O Estado de S.Paulo - 22 Agosto 201

O candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) tem sido um desafio para a imprensa. Diante do ex-capitão, jornalistas parecem impelidos a levantar questões sobre ditadura militar, mulheres, homossexuais e segurança pública. Quase invariavelmente, Bolsonaro é confrontado a respeito de suas opiniões pregressas e correntes a respeito de tortura ou é instado a comentar a conquista de direitos por minorias, ocasiões em que exercita seu já conhecido deboche – para grande excitação de seus ardorosos seguidores nas redes sociais.

Compreende-se o afã dos jornalistas de expor a truculência de Bolsonaro, perfeita antítese do que se idealiza para a democracia no País. No entanto, ao lhe dar espaço para reafirmar opiniões que nada acrescentam ao debate nacional e se prestam somente a mobilizar sua claque, a mídia em geral acaba por consolidar o capital eleitoral de Bolsonaro – que, além de tudo, posa de vítima de campanha da imprensa e dos militantes do “politicamente correto”, um grande trunfo para quem se apresenta como o candidato “antissistema”.

Não é apenas no Brasil que a imprensa tem encontrado dificuldades para lidar com a ascensão desses brucutus políticos. Nos Estados Unidos, recentemente, mais de 300 jornais publicaram editoriais, de maneira coordenada, contra a estratégia do presidente Donald Trump de desmoralizar a imprensa. Foi mais um round do embate que mobiliza os jornalistas americanos desde que Trump conquistou a presidência com um discurso hostil a vários dos mais caros valores democráticos.

O mesmo se dá na Alemanha, onde a ascensão do Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão) confundiu o establishment – contra o qual, não à toa, esse partido populista de direita diz lutar. Com 13% dos votos na eleição de 2017 e 94 cadeiras no Parlamento, o AfD, primeiro partido com esse perfil a ter relevância política na Alemanha desde a derrota do nazismo na 2.ª Guerra, seria naturalmente considerado importante; sendo o partido que é – visceralmente contra a União Europeia e contra a imigração, especialmente de muçulmanos –, o AfD obviamente suscita a mais viva polêmica, que amiúde estampa manchetes. É um círculo vicioso: os líderes e militantes do AfD imprecam violentamente contra imigrantes e contra o euro e ganham destaque, atraindo ainda mais eleitores insatisfeitos com a política em geral e dispostos a dar mais votos a esses populistas.

No dia 12 passado, contudo, um jornalista alemão, Thomas Walde, experimentou algo diferente: ao entrevistar para a TV ZDF um dos principais líderes do AfD, Alexander Gauland, tratou-o como um político qualquer, e não como porta-voz estridente de xenófobos, racistas e eurocéticos. Gauland foi questionado sobre temas a respeito dos quais todos os partidos têm de lidar, e que são muito caros aos alemães, como mudanças climáticas, aposentadoria e avanços da vida digital. Nenhuma pergunta foi feita a respeito de imigração, pois sobre isso todos já sabem qual é a posição do AfD. Com alguma ironia, o jornalista Walde queria saber qual era afinal a “alternativa” defendida pelo AfD para essas questões, uma vez que o partido se apresenta, já em seu nome, como “alternativa”. Resultado: Gauland não soube responder, demonstrando publicamente o imenso despreparo de seu partido – que se limita a propor a implosão do establishment sem conseguir dizer o que pretende colocar no lugar.

Ao destacar esse caso, a revista americana The Atlantic ressaltou que se tratava de uma lição a ser aprendida pelos jornalistas dos Estados Unidos a respeito de como tratar o presidente Trump e a extrema direita.

O mesmo talvez se possa dizer da imprensa brasileira no caso de Bolsonaro. As “opiniões” desse candidato sobre a ditadura, mulheres, homossexuais e bandidos já são bastante conhecidas; é preciso, a partir de agora, questioná-lo sobre Previdência, dívida pública, responsabilidade fiscal, planos para educação, saúde e saneamento básico, entre outros temas cruciais para o País. Ou seja, é preciso tratar Bolsonaro, afinal, como um candidato como outro qualquer.