domingo, abril 24, 2016

Shakespeare e o impeachment - GUSTAVO FRANCO

ESTADÃO - 24/04

or todo o mundo, registram-se comemorações pelos 400 anos da morte de William Shakespeare, completados ontem, 23 de abril, e não pode haver outro tema nesses eventos que a atualidade dessa obra, uma espécie de “escritura secular”, particularmente completa quando se trata de intrigas, maquinações, virtudes e desatinos dos homens públicos.

Nessa empolgação, diz-se que os enredos políticos do noticiário não passam de variações empobrecidas sobre um vernáculo catalogado há séculos. Será mesmo? Vamos, então, a um teste bem difícil: o que há sobre impeachment nas 38 peças de Shakespeare?

Pois bem, há uma peça que Antonio Cândido designou como a “tragédia do destronamento”, e que parece feita para nós. Ricardo II, escrita em 1595, oferece um retrato inacreditavelmente fiel da nossa crise e da ruína da presidência Dilma Rousseff, acredite se quiser.

Ricardo II foi a primeira de uma série de quatro peças históricas em sequência que cobriam o reinado do verdadeiro Ricardo II até o de Henrique V (1377 até 1422). Shakespeare escrevia dois séculos depois, numa época difícil, face às tensões em torno da rainha Elisabeth I, sempre muito questionada, e às voltas com conspirações.

O regime era absolutista e seu fundamento era o Direito Divino, sob o qual não cabia nenhum questionamento sobre as ações do rei, ainda que manifestamente idiota ou mesmo quando violavam a lei. Quem haveria de julgar um rei ungido por Deus?

A tragédia de Ricardo II começa com um escândalo, não em uma empresa de petróleo, mas um assassinato, e uma controvérsia sobre os culpados. Logo ficamos sabendo que o próprio rei foi o mandante, e a discussão se dava entre dois nobres: o assassino de fato e o primo do rei, de nome Henrique de Bolinbroke, um sucessor natural do rei.

A gestão política dessa crise foi uma coleção de erros e vacilações, quase um almanaque sobre o que não deve fazer um rei nessas situações, conforme o figurino de Maquiavel, cuja obra Shakespeare havia acabado de conhecer e abraçar.

O rei primeiro determinou que a controvérsia se resolvesse num duelo, mas depois mudou de ideia e determinou o banimento dos dois, sendo que Bolinbroke apenas por seis anos. O mundo político ficou sobressaltado com a solução. Instaurou-se a incerteza. Sabia-se que o rei havia violado a lei, e ordenado o assassinato.

Tudo é muito fácil, do ponto de vista dramático, quando o rei é acintosamente maligno, como Macbeth, Ricardo III, Claudio e tanto outros extraordinários vilões da galeria shakespeariana. O problema aqui era que Ricardo II era “um homem honrado”, no exato sentido em que essa linguagem foi utilizada por Marco Antonio, para se referir a Brutus, em seu elogio fúnebre a Julio Cesar, do que resultou atiçar o povo contra os conspiradores. Foi com essas mesmas palavras que FHC se referiu a Dilma Rousseff, no exterior, quando perguntado sobre ela.

Como se dá o destronamento de um “homem honrado” como Ricardo, culpado de assassinato, mas que apenas se expressa em poesia?

Os críticos identificam três eixos para o fenômeno que se designa como “perda de realeza” pelo qual, no universo de Shakespeare, e nessa peça em particular, o homem se separa da função e o rei se autodestrói.

Em primeiro lugar, o rei era um esbanjador irresponsável e havia levado a Inglaterra à bancarrota com guerras caras e tolas, e com impostos excessivos. Em uma cena que se tornou clássica, os jardineiros do palácio são os que melhor definem as “pedaladas” reais, comparando a Inglaterra a um jardim malcuidado, repleto de excessos e ervas daninhas.

Em segundo lugar, há uma impressionante sucessão de pequenos ridículos, imaturidades e hesitações do rei, todas revelando um temperamento muito difícil, não explosivo e com dificuldades com o idioma, como Dilma, mas evasivo, ausente, lírico, excessivamente autorreferenciado. O rei só ouve bajuladores, vive isento das exigências da realidade, aprisionado em sua própria poesia, “incapaz de distinguir a manipulação de coisas e palavras”, como explica Harold Bloom.

E, para culminar, o rei perpetra um outro desrespeito à lei, considerado mais petulante e inaceitável que o escândalo que inicia o drama: o rei determina o confisco das terras e bens da família de Bolinbroke. A interpretação do mundo político foi a de que o rei estava subvertendo a ordem, pois estava atacando as mesmas leis que estabeleciam o seu direito ao trono.

O drama se sucede de forma linear a partir desses três eixos, e Ricardo parece sucumbir sozinho à realidade de sua inadequação à posição de rei, mas estranhamente seduzido pela ideia que seu Direito Divino estava sendo golpeado e que um exército de anjos ia descer dos céus para salvar sua coroa.

Barbara Heliodora o descreve como “um egocêntrico incapaz de se concentrar objetivamente nos problemas que lhe são apresentados” e enxerga uma “alta dose de prazer masoquista” no “gozo que o personagem sente em se ver no papel de vítima”.

Enquanto o rei ia murchando, Bolinbroke apenas insiste que lhe sejam devolvidas as terras confiscadas, o que Ricardo interpreta como “golpe”. Os nobres reconhecem a legitimidade do pleito de Bolinbroke, pois queriam evitar a insegurança jurídica e, habilmente, Bolinbroke não revela a sua pretensão ao trono. Emerge muito clara a tensão da época entre o governante ungido e flagrantemente inepto e o pretendente bem preparado, porém, tecnicamente, usurpador.

Bolinbroke não avança sobre o trono, ou se o faz é com imenso comedimento, apenas comparável ao estranho conforto que o rei encontra em dramatizar o seu próprio fracasso. Barbara Heliodora observa que Henrique de Bolinbroke “chega ao trono sem que Shakespeare lhe dê um só monólogo”. Esse personagem é apenas ação, embora tudo lhe venha por gravidade.

O destronamento se torna praticamente uma renúncia, e o rei nem mesmo se opõe a uma cerimônia de abdicação que fazia a transição um ato voluntário. O rei cresce como personagem, e como poeta, embora de forma inútil e centrada unicamente nas indignidades que diz sofrer. Quanto mais lírico, mais clara sua inaptidão para o cargo, ainda mais diante de seu sucessor, um político profissional. Bolinbroke se torna Henrique IV, manda matar Ricardo, e promete uma Cruzada na Terra Santa para expiar o delito, promessa jamais cumprida.

Qual a lição?

Ricardo morreu afirmando que foi golpe, estranhamente confortado com essa versão de seu fracasso. No conceito absolutista, não há dúvida que Bolinbroke era usurpador, mesmo contando com apoio de todos. O poder não emanava do povo nesses tempos.

Hoje, não temos mais um rei, mas três poderes, tudo diferente, exceto pelo fato de que Dilma Rousseff reedita Ricardo II de tantas maneiras que sua agonia parece ainda mais falsificada e infinitamente mais tosca.


Autópsia do gasto do governo - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 24/04

Quase todos os interessados no assunto sabem que o registro das contas do governo é um pouco distorcido por incoerências contábeis, falhas burocráticas e vícios velhos. Foi muito distorcido de 2012 a 2014 por fraudes grossas.

Do mesmo modo que as pedaladas do governo Dilma 1 disfarçaram o aumento de gastos, porém, o conserto da fraude fez parecer nas estatísticas que em 2015 houve uma esbórnia nas despesas; desmereceu alguns esforços fiscais relevantes.

A observação aparece em estudo do Ipea, de Sérgio Gobetti e Vinicius de Almeida, que fizeram uma grande revisão do histórico das contas públicas de 2001 a 2015.

Os pesquisadores na verdade foram bem além disso. Desenvolveram um método para fazer com que os diversos registros dos gastos públicos "conversem", se tornem compatíveis e, enfim, revelem com mais precisão para onde vai o dinheiro dos impostos federais.

A baderna das contas públicas durante Dilma 1 foi tamanha que até agora está difícil de compreender a evolução de vastas despesas. De 2014 para 2015, o gasto federal aumentou 1,21 ponto percentual do PIB, mas quase 92% disso equivaleu a pagamento de pedaladas, débitos com bancos públicos e com o FGTS, na prática dívidas omitidas e empurradas com a barriga, a maioria delas entre 2010 e 2014.

Os pesquisadores chamam a atenção para o esforço de ajuste fiscal feito em 2015. A despesa federal cresceu em média a 4% ao ano entre 1999 e 2014 (excluídos gastos com juros da dívida pública). Em 2015, a redução real, já descontada a inflação, foi próxima de 4%, "muito significativa, embora fique obscurecida pela queda do PIB e pelos problemas contábeis e acertos de conta".

Na área social, os gastos com educação foram os que mais sofreram. Em relação ao tamanho da economia, que também encolheu, caíram de 2014 para 2015: passaram de 0,31% do PIB para 0,21% do PIB. Padeceram o Pronatec, o auxílio federal à educação infantil e à alimentação escolar, livros e ensino superior, por exemplo.

Sob Dilma 1, o investimento federal em "obras" ficou estagnado em torno de 0,96% do PIB, apesar do aumento da receita, sendo compensado em parte e precariamente pelos subsídios para casas populares (Minha Casa, Minha Vida). Em 2015, o investimento despencou para 0,66% de um PIB bem menorzinho.

Convém relembrar: o gasto que mais cresce é o do INSS e o dos benefícios assistenciais (Bolsa Família entre eles); ambos de resto levam a maior fatia da despesa federal: 48%. Outros 22% vão para os servidores federais.

O crescimento de despesa mais disparatado foi aquele com seguro-desemprego e abono salarial, que passam de 0,49% do PIB para 0,92% do PIB de 2003 a 2014.

Decerto nesse período o número de trabalhadores com carteira, com direito ao benefício, aumenta 44%. Mas o desemprego caiu brutalmente, e a economia, o PIB, cresceu 50%. Trata-se, pois, de um aumento de despesa muito extravagante, indício de política pública equivocada (aqui, opiniões deste jornalista).

O estudo ("Texto para Discussão" 2.191, deste abril) está no site do Ipea. Aqui aparecem apenas migalhas da pesquisa. Trata-se de um trabalho técnico, especializado e penoso, que deveria servir para revisar a apresentação das contas do governo.

Governos mínimos – EDITORIAL FOLHA DE SP

Folha de SP - 24/04
Falta de leitos, vacinas e médicos; retenção de salários de funcionários; adiamento do censo agropecuário do IBGE; redução do efetivo policial e aumento da violência. Esses são apenas alguns dos exemplos da degradação dos serviços públicos em todos os níveis de governo, de norte a sul do país.

Há uma distância vergonhosa entre o oceano de dinheiro sugado da sociedade na forma de impostos e a contrapartida em serviços. A despeito de seu gigantismo, o Estado brasileiro, paradoxalmente, é mínimo no que devolve –e se apequena ainda mais em meio a esta grave crise econômica.

Tal constatação deveria suscitar um debate urgente que, superando as anacrônicas discussões ideológicas entre esquerda e direita, levasse a uma agenda de modernização pautada por consensos básicos.

Dificilmente alguém haverá de discordar que uma das facetas mais cruéis da enorme desigualdade brasileira se revela na falta de acesso a bens públicos essenciais, pois isso impede que os mais pobres possam almejar as mesmas oportunidades de desenvolvimento pessoal que os mais ricos.

Em tempos de Lava Jato, talvez muitos tenham a impressão de que o nó se desatará com o combate à corrupção e com a escolha de melhores gestores. Ledo engano. Tais iniciativas são sem dúvida fundamentais para o país, mas elas mal arranham o verdadeiro problema.

A questão central está na organização do Estado. Enquanto diversos grupos de interesse dispõem de acesso privilegiado a volumosos recursos, o restante da população discute por migalhas.

Tome-se a questão do funcionalismo público. Os governos estaduais gastam mais de 80% de seus recursos com folha de pagamento, incluindo os terceirizados.

Observe-se a Previdência, generosa com a idade da aposentadoria e repleta de regimes especiais. Considere-se a carga tributária, maior sobre produtos do que sobre a renda, penalizando de forma desproporcional os mais pobres.

Lembre-se do BNDES, que, sob critérios obscuros, permite a grupos empresariais acesso a dezenas de bilhões de reais em empréstimos subsidiados. Recorde-se dos incontáveis sindicatos que se apropriam de impostos sem contrapartida.

Acrescente-se a isso tudo a notória ineficiência da máquina estatal, com seu histórico de desperdícios, e será fácil perceber como, no Brasil, o Estado consegue ser tão grande e tão mínimo ao mesmo tempo.

Pleitear equilíbrio previdenciário e o fim de privilégios de servidores não significa ser "contra o povo", como alardeia a esquerda. Defender maior justiça tributária e até algum aumento temporário de imposto (vinculado a um rigoroso controle da expansão das despesas) não se opõe ao desenvolvimento, como diz a direita.

Obter recursos para voltar a ação do governo aos que precisam dela é o desafio real a ser vencido para acabar com o apartheid social que envergonha o Brasil.

Feio, mas necessário - FERNANDO GABEIRA

O Globo - 24/04
Se fosse catapultado a essa longa sessão da Câmara, sem saber o que estava sendo votado, eu diria com tristeza: eles estão vencendo, os velhos adversários. E se o cansaço da longa sessão me valesse um cochilo, acordar com o voto de Jair Bolsonaro me faria sentir num templo satânico. Sabia muito bem onde estava. Quatro mandatos e 16 anos naquele mundo subterrâneo me fizeram prever na semana anterior, no programa da CBN, a enxurrada de votos pela família, por filhos, netos, a avó que está doente.

Não era o primeiro impeachment que via. Foi assim na queda de Collor. Na verdade, o nível naquela época era um pouco mais alto. Enrolados em bandeiras, detonando bombas de papel picado, os deputados de hoje estão mais inseridos no espetáculo. Falam com imagens. É como se colocassem uma letra retrógrada na canção do impeachment, vitória da sociedade, de algumas instituições e da própria transparência.

A cabeça dos deputados passou por um raio X diante de 100 milhões de espectadores. Cerca de 90 deles são investigados no Supremo. Agora que todos sabem o que temos, certamente vão compreender a urgência de mudanças.

Com tanta coisa acontecendo, naquelas longas horas, procurei não me esquecer das tarefas principais: a reconstrução econômica e ampla transparência sobre o gigantesco processo de corrupção que devastou nosso país.

Os generais da esquerda levaram suas tropas para um combate que sabiam perdido. Refugiaram-se na tese do golpe, para mascarar as graves acusações que pesam contra eles. O que para os líderes era apenas uma boia no oceano, para muitos foi uma ilusão de que havia um golpe em marcha, e ele seria detido.

A insensatez se prolonga com a viagem de Dilma Rousseff ao exterior onde foi se dizer, para a mídia, vítima de um golpe aplicado pelo Congresso e pelo Supremo. Minha senhora, no seu país não há Constituição? Quem dá a palavra final quando ela não está sendo cumprida?

Os jornalistas internacionais não são tão ingênuos. Sabem que, quando se apela para eles, é porque já se perdeu a batalha no seu próprio território. Só uma presidente enlouquecida poderia sonhar em transferir a guarda da Constituição brasileira do Supremo Federal para a ONU. Ainda bem que não o fez.

Esse espetáculo decadente me entristece, apenas isso. Um jovem senador do PT disse que não dará sossego ao novo governo. O país terá de trabalhar muito para sair da crise e deve se concentrar nisso. Mesmo porque a própria Lava-Jato vai se encarregar de não dar sossego aos petistas, inclusive ao jovem senador.

Dilma foi cassada por crime de responsabilidade fiscal, decretos secretos para financiar um rombo de milhões, criar uma ilusão de prosperidade e vencer as eleições. Repetiu o erro em 2015. Se não fosse cassada por isso, seria pelos fatos de Curitiba: campanha com dinheiro do Petrolão, tentativa de obstruir a Justiça. O que vem de Curitiba não resulta apenas em impeachment, mas possivelmente em anos de cadeia. E cadeia, jovem senador, é um lugar que sintetizo numa frase que vi em várias celas onde estive preso e dezenas que visitei: “aqui, o filho chora, e mãe não ouve”.

Se olhamos para o futuro, pela ótica da transparência, a derrota de domingo será difícil de explicar para milhares de pessoas que acreditaram mesmo que havia um golpe em curso. Elas vão perceber que foram usadas como um álibi porque seus líderes tratavam mesmo de escapar da polícia, como aliás já ficou provado no áudio Lula-Dilma.

Essa tática do PT serve apenas para deixar mais arrasado o lado esquerdo do espectro político. As forças conservadoras que já eram fortes tornaramse mais articuladas, milhares de jovens foram confrontados com a ideia de uma esquerda cínica, corrupta, autoritária.

De uma certa maneira, os discursos contra o PT foram um bálsamo para o partido. Olhem quem está nos derrubando. Mas todos sabemos que não foram derrubados pela Câmara, e sim pela sociedade. Nas ruas, era o discurso de Brasil moderno, contra a corrupção, pela transparência, por serviços públicos decentes, a rejeição do populismo bolivariano. Na rua, havia famílias sonhando com um projeto mais amplo; na Câmara, os deputados reduziram os destinos do país às suas próprias famílias. Isso marca uma distância, mas no essencial cumpriu-se o desejo da maioria.

Era o instrumento legal que a sociedade tinha para se defender, por mais repugnantes que sejam algumas ideias que circulam ali. Tenho repetido isso, como um privilégio da idade. Os impeachments ocorrem num período de cerca de 20 anos. Se a frequência for mantida, este foi o último a que assisti na Câmara. Reste o do Senado, onde se toma muito chá, e espero uma elevação do nível. Se vierem com essa história de Deus, família, filhos e netos, saco da arma que uso sempre que me entediam: um bom livro.

Força externa - HENRIQUE MEIRELES

Folha de SP - 24/04

Investidores, empresários e analistas internacionais com quem encontrei em viagem ao exterior na semana passada mostraram enorme interesse pelo que está acontecendo no Brasil e, principalmente, pelo que está por vir.

Parte da queda significativa do investimento que ocorre desde 2014 está associada às decisões desses agentes, em função da sua preocupação com os rumos de nossa economia nos últimos anos.

O mercado internacional cumprirá papel fundamental na retomada da economia brasileira, seja via investimento direto das empresas internacionais, seja via aquisição no mercado doméstico de ações e títulos de empresas brasileiras, seja reabrindo as praças financeiras internacionais às empresas locais.

A conclusão da viagem é que o interesse no futuro do Brasil é enorme e a volta dos investimentos é possível e provável, desde que as condições voltem a ser adequadas.

O melhor propulsor dessa retomada será a reversão do enorme ceticismo, com uma sinalização clara e factível de que o país equacionará de forma decisiva o seu desequilíbrio fiscal e voltará a ter regras estáveis e previsíveis aos investimentos, melhorando o ambiente de negócios.

Quando se toma uma decisão de investimento de longo prazo em qualquer setor, é imprescindível ter confiança na estabilidade macroeconômica e na manutenção de regras claras e racionais. Todo gestor de investimentos tem que levar em conta o retorno previsto numa determinada operação e a probabilidade de que essa previsão se concretize efetivamente. Instabilidade macroeconômica e mudanças constantes e arbitrárias no arcabouço regulatório elevam a incerteza e inibem as decisões dos gestores, que devem prestar contas aos investidores que lhes confiaram a gestão dos seus recursos.

O fluxo de recursos ao Brasil pode ser retomado com um modelo econômico sustentável e um conjunto de reformas pró-crescimento já discutidas aqui. Os recursos chegarão não só pelo aumento no investimento estrangeiro direto nas operações brasileiras das empresas globais, mas também por meio da Bolsa e do mercado de capitais doméstico e internacional. Essas fontes de recursos são indispensáveis para as empresas voltarem a contratar, recompor estoques, construir fábricas e, chave para a competitividade do país, investir em produtividade.

O cenário mundial ainda é de alta liquidez de recursos, e só compete a nós colocarmos a casa em ordem para podermos voltar a usufruir dessa abundância, que não durará muito tempo. O Banco Central dos EUA já sinaliza que deve retomar, de forma gradual, o processo de enxugamento da liquidez excessiva. A janela de oportunidade que temos se fechará progressivamente. Não podemos continuar a desperdiçá-la.

Temer e seus desafios - GUSTAVO LOYOLA

O Estado de S. Paulo - 24/04
O magérrimo apoio angariado por Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados quando da votação da admissibilidade de seu impedimento é prova inconteste de que há muito seu governo perdera as mínimas condições de governabilidade. Não é por outra razão que as expectativas dos agentes econômicos se mantêm extremamente negativas quanto à recuperação da economia brasileira sob o governo da presidente.

A provável ascensão de Michel Temer à Presidência é vista como uma oportunidade para a restauração da base de apoio político do governo, o que viabilizaria a adoção das medidas de ajuste necessárias à retomada econômica. No entanto, os desafios são enormes, notadamente no campo fiscal, em que a reversão da trajetória explosiva do endividamento público exigirá o enfrentamento de grupos de interesse poderosos que se beneficiam da generosidade do governo federal e que se oporão a qualquer diminuição das transferências e subvenções por eles recebidas.

A deterioração fiscal no Brasil não pode ser mais revertida com medidas tópicas e emergenciais. Reformas estruturais são necessárias, notadamente nos campos previdenciário, tributário e orçamentário.

No caso da Previdência Social, urge a adoção de uma idade mínima para a aposentadoria, comum para homens e mulheres, e o rompimento total do vínculo entre o reajuste dos benefícios e do salário mínimo. Com isso, será possível reduzir a pressão inexorável de aumento das despesas previdenciárias nos próximos anos, fruto das mudanças demográficas da população brasileira. Muito embora os efeitos financeiros da reforma previdenciária se consubstanciem no médio e no longo prazos, desde já sua aprovação gera uma mudança favorável nas expectativas.

Na esfera tributária, sem prejuízo da necessária redução de sua complexidade, é preciso reduzir as isenções e os regimes especiais que comprometem a arrecadação e geram privilégios para setores econômicos eleitos. Além disso, as subvenções e subsídios do Tesouro, implícitos ou explícitos, nas operações do BNDES e dos demais bancos federais devem ser reduzidos drasticamente, revertendo os abusos cometidos a partir de 2009.

Além disso, o processo orçamentário necessita de ampla revisão. Deve-se caminhar para a total eliminação das vinculações orçamentárias, inclusive as constitucionalmente previstas, e para a adoção de um orçamento impositivo, com base em estimativas realistas de receita. Com isso, pode-se esperar a redução da rigidez das despesas públicas, facilitando a gestão da política fiscal ao longo dos ciclos econômicos.

Contudo, tais medidas são insuficientes, sem um reordenamento profundo do relacionamento financeiro entre a União e os entes da Federação. O equacionamento do problema da dívida dos Estados com o governo federal exige, como contrapartida, o fortalecimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e a reforma do ICMS, com vistas a aproximá-lo o mais possível da estrutura de um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) uniforme e de abrangência nacional.

Ao lado da agenda relativa às finanças públicas, Temer deve se aproveitar da derrocada do PT para enterrar a postura intervencionista e protecionista que perdurou durante os mandatos de Lula e de Dilma. As veleidades dirigistas cultivadas pelo PT devem dar lugar a políticas horizontais conducentes à melhora do ambiente de negócios no País. Não mais privilegiar A ou B, mas, sim, criar condições para o empreendedorismo saudável que prescinda de "relações especiais" com o governo. Entre os alvos de necessárias mudanças se encontram os setores de óleo e gás, energia e transportes, cujo marco regulatório deve estimular o investimento privado. O comércio exterior deve ser estimulado, com redução das barreiras tarifárias e não tarifárias, ao mesmo tempo que a política comercial deve privilegiar a inserção do Brasil nas cadeias produtivas globais.

Por último, mas não menos importante, há o desafio da reforma do Estado, agenda iniciada por FHC, mas abandonada no governo seguinte. Não há como aumentar a eficiência do setor privado quando o setor público segue ineficiente e provendo serviços de baixa qualidade à sociedade.

Divórcio político - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 24/04

Os eleitores não se sentem representados pelos representantes. Esse é o divórcio que o país vive desde a sessão na Câmara que admitiu o andamento do processo de impeachment. Houve declarações de voto que foram paroquiais, superficiais e, principalmente, sem ligação com a pergunta feita. Houve até o inaceitável, que é a defesa da tortura.

São fatos diferentes, que merecem ser separados. A exaltação da tortura, feita pelo deputado Bolsonaro, como já comentei em meu blog no dia seguinte à sessão, é apologia de crime imprescritível. A defesa da ditadura é ataque frontal à mais importante das cláusulas pétreas. Ele tem seu eleitorado, claro, mas o caso dele é para ser tratado separadamente porque é crime. É assunto para a Procuradoria-Geral da República e para a Câmara dos Deputados. Que providências tomarão diante de quem defende algo definido como crime contra a humanidade? O Brasil não puniu os torturadores, mas a defesa da tortura por um deputado no exercício de seu mandato vai além do que a democracia pode aceitar.

No resto, houve vários níveis de constrangimento diante do circo que a maioria dos deputados — com raras e honrosas exceções — montou. A avaliação geral é de um Congresso despreparado. Há fatos, na bizarrice das falas, que são fáceis de entender. Os deputados, quando evocavam suas cidades ou setores, estavam fazendo o que ocorre em qualquer país do mundo: falando para as regiões ou áreas de interesse, onde nascem seus votos. Suas constituencies, como dizem os americanos.

Este é um ano de eleição nos municípios, vários deputados são candidatos a prefeitos, outros precisam eleger seus candidatos para construir as bases de apoio que os ajudarão na renovação dos mandatos em 2018. Portanto, as referências às cidades ou às regiões do país são parte da política como ela é, em qualquer democracia do mundo.

Os brasileiros que ficaram atentos à sessão se espantaram também com o número de desconhecidos, deputados dos quais jamais haviam ouvido falar. A Câmara tem o que os jornalistas de política costumam chamar de “baixo clero”. Apenas um grupo de representantes consegue se destacar entre os 513 e o resto é apenas conhecido do seu reduto. Também acontece em qualquer parlamento, mas há um agravante no caso brasileiro. A fórmula de cálculo das sobras eleitorais permite que inúmeros deputados sejam eleitos apesar de não terem voto para isso. O quociente eleitoral partidário é distorcido, caso um deputado do partido tenha um número de votos muito maior do que o necessário para se eleger. É o caso de Tiririca, por exemplo. Nos votos que sobraram dele, muitos outros entraram sem terem tido votos. No mesmo estado, outros deputados não foram eleitos apesar de terem sido mais votados do que aqueles que estão em Brasília. Há outras fórmulas de cálculo com as sobras eleitorais que, se adotadas, corrigiriam parte dessas distorções. E isso nem exige uma reforma política.

Outra anomalia que saltava aos olhos naquele desfilar de deputados pelo microfone é a hiperfragmentação do sistema político. O número de partidos no Brasil vem crescendo desde a Constituinte e chegou a um ponto que o sistema ficou absolutamente disfuncional. Na longa sessão de quase dez horas, discursaram no plenário líderes de 26 legendas, alguns eram líderes de si mesmos. O governo é vítima dessa profusão de partidos, mas também estimulou esse processo. Está aí o PSD de Gilberto Kassab como prova. O estudo de caso de outros países pode nos ajudar a encontrar solução viável para este problema.

O país viu com desgosto aquela sessão de domingo. Pode, agora, apenas torcer o nariz e voltar as costas, com desprezo, para a Câmara dos Deputados, mas o mais sensato seria começar a mudar a política. Várias propostas de reformas políticas foram bloqueadas. Algumas eram ruins mesmo. Se não é possível fazer uma grande reforma que tudo resolva, o que provavelmente demandaria uma nova Constituinte, o caminho talvez seja o de adotar uma série de mudanças que comecem a corrigir os defeitos do nosso sistema político. Manter tudo como está é perigoso. Nenhuma democracia sobrevive a um divórcio tão profundo entre representados e representantes.

Falta de espírito público - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 24/04

É lamentável o comportamento mesquinho e oportunista do mundo político neste momento em que o País clama por unidade de ação e de propósitos para superar sua imensa crise política, econômica e moral. Renunciando a qualquer compromisso que não diga respeito a seus objetivos eleitoreiros, muitas legendas estão privilegiando seus interesses políticos imediatos, dificultando a colaboração de seus quadros com o eventual governo de Michel Temer, em vez de demonstrar o espírito público que se espera delas nesta hora tão dramática.

O presidente do PSDB, Aécio Neves, já mandou avisar que o partido não será “sócio minoritário” de um governo Temer, ou seja, não formalizará qualquer tipo de aliança com o PMDB. Embora garanta que ajudará Temer no Congresso em sua dura missão de aprovar medidas urgentes contra a crise, Aécio descartou a participação do partido no novo governo. Segundo o senador mineiro, os tucanos que eventualmente aceitarem cargos no Ministério de Temer o farão por iniciativa individual, e não como representantes do partido. Com isso, disse Aécio, o partido não se vinculará à “lógica dos Ministérios”, ou seja, não se sentirá obrigado a apoiar Temer como compensação pela indicação de tucanos para algumas pastas importantes.

Essa estratégia indica que o PSDB não quer se comprometer com o futuro governo, deixando exclusivamente para o PMDB a fatura dos imensos problemas e a conta do eventual malogro. Pode-se argumentar que o PSDB tem toda a razão de se sentir desconfortável ao ter de dividir a Esplanada dos Ministérios com PSD e PP, partidos eminentemente fisiológicos, com os quais o PMDB já estaria em avançadas negociações. Mas essa é apenas uma boa desculpa. O que de fato impede o PSDB de engajar-se para valer no governo de Michel Temer é um cálculo político ordinário: a imagem do partido nas eleições de 2018.

Essa preocupação foi explicitada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em declaração ao Estado: “Se o governo (Temer) for mal, a culpa será do PSDB, e se for bem, o mérito será do PMDB?”.

É claro que a política não é lugar para os ingênuos, razão pela qual nenhum partido com pretensões de poder pode atuar sem levar em conta suas chances eleitorais. O problema é quando todos os atos do partido são ditados pelas urnas. Quando isso acontece, nada distingue ou separa um partido de outro que se comporte com tanta estreiteza de espírito e visão. Lembremo-nos do PT. Luiz Inácio Lula da Silva jamais deixou de fazer campanha eleitoral, nem mesmo quando sua desastrada pupila, Dilma Rousseff, passou a ocupar a cadeira presidencial. Quase todos os atos de Lula, na Presidência e fora dela, bem como as iniciativas de Dilma no governo, sempre tiveram claros objetivos eleitoreiros. Foi esse comportamento que levou o Brasil ao desastre. Reiterado, pode condenar o País ao atraso.

Por essa razão, esperava-se outro tipo de comportamento por parte dos partidos, que deveriam superar momentaneamente suas diferenças em busca de uma unidade de propósitos, sem a qual o Brasil não sairá do fundo do poço nem recuperará, com o otimismo, a sua capacidade de crescer e prosperar. Mais uma vez, porém, parece que os políticos estão propensos a optar pela manutenção de disputas que, em momentos como os que vivemos, levam primeiro à mediocridade e, depois, à estagnação crônica da economia e, pior, dos espíritos.

Se os políticos imaginam que com essa atitude se livrarão do fardo de um eventual fracasso do governo Temer, capitalizando sua independência para vencer as eleições de 2018, estão enganados. A responsabilidade pelo insucesso não se dá apenas por ação. E a Nação não perdoará os políticos que fugirem ao bom combate e se recusarem a percorrer todo o caminho de redenção da pátria.

Que os políticos incluam essa variável em sua equação, pois o lado de lá – o PT, os partidos radicais e os tais movimentos sociais – vem demonstrando formidável firmeza coletiva. Sob a voz de comando de Lula, a tigrada já declarou guerra a Temer e conta com a desunião dos adversários para triunfar, condenando o Brasil ao caos.

Dilma promete: atoleiro dura pelo menos até 2018 - ROLF KUNTZ

O ESTADO DE S.PAULO - 24/04

Só a morte é certa, dizem os otimistas. Estão errados. A presidente Dilma Rousseff promete mais dois anos e meio de trevas e tombos na economia se sobreviver ao processo de impeachment. Pode-se acreditar sem medo de erro.

Para começar, a promessa de um 2017 sem esperança de melhora está no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A proposta inclui a perspectiva de um déficit primário – sem contar os juros, portanto – de até R$ 65 bilhões. Um dos pressupostos é uma receita de R$ 33,24 bilhões de um tributo hoje inexistente, a famigerada Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Se o Congresso negar aprovação, faltará esse dinheiro. Se aprovar, o País será prejudicado, mais uma vez, por uma aberração tributária. Além disso, o governo prevê crescimento econômico de 1% no próximo ano, de 2,9% em 2018 e de 3,2% em 2019. Se tudo isso se confirmar, já será muito ruim, mas cenários mais sombrios são prováveis.

O currículo da presidente é um fator de segurança, uma garantia contra qualquer hipótese de estabilização econômica e melhor desempenho. Quanto a este ano, o risco de erro também é nulo ou insignificante. Uma contração parecida com a do ano passado, 3,8%, parece uma boa aposta. Para quem prefere um mundo sem muita surpresa, a permanência de dona Dilma é a solução mais confortável. É mínimo o risco de algo sair do padrão e levar a uma economia com melhores fundamentos e maior potencial de expansão do produto interno bruto (PIB).

Nos primeiros quatro anos do governo Dilma Rousseff o crescimento acumulado chegou a míseros 9,16% e a taxa média anual ficou em 2,21%. Se o PIB diminuir mais 3,8% neste ano e crescer até 2018 segundo as projeções indicadas na LDO, a expansão econômica em oito anos de mandato será de 4,99%, com média anual de 0,61%. Só uma crise de proporções quase inacreditáveis pode produzir um crescimento médio inferior a 1% durante oito anos. Na Europa, os países mais afetados pelo desastre financeiro de 2008 têm exibido um desempenho bem melhor que esse. O caso do Japão é absolutamente fora dos padrões da maior parte do mundo. De toda forma, seria estapafúrdio atribuir a qualquer de seus ministros ou chefes de governo alguma incompetência remotamente parecida com a observada em Brasília, no Executivo, há mais de dez anos.

Mesmo com a confirmação dessas projeções, o Brasil continuará, nos próximos dois ou três anos, sem ter atingido o modelo venezuelano, tão prezado pelo governo petista. Mas ninguém poderá acusar dona Dilma de negligência. Ela tem feito e, se continuar no posto, continuará as medidas mais propícias a desarranjar a economia brasileira – se ainda for possível – e reduzir seu potencial de crescimento. Esta previsão é facilmente justificável. Para mudar de rumo e seguir uma política mais propícia a uma economia saudável a presidente deveria entender e reconhecer os erros cometidos a partir de 2011, no começo de seu primeiro mandato. Deveria, além disso, perceber os erros e desmandos iniciados por seu antecessor e mantidos em seu período.

Esses erros incluem, ao lado de outros, o desprezo às normas da estabilidade fiscal, a tentativa de interferir na política monetária, a tolerância à inflação, a intervenção voluntarista nos preços, a relação promíscua entre o Tesouro e os bancos estatais, a concessão imprudente e sem planejamento de benefícios fiscais, o financiamento preferencial a grupos eleitos arbitrariamente, o protecionismo comercial e a sujeição das políticas a objetivos partidários e eleitorais.

Desde o começo o governo petista desmoralizou a administração federal, desprezando os critérios de competência e de produtividade e distribuindo postos de acordo com critérios de companheirismo, de conveniências pessoais e de aliança partidária. Esses critérios foram aplicados tanto à administração direta quanto à indireta, afetando a gestão dos ministérios e minando a eficiência e os padrões de moralidade funcional nas entidades vinculadas, como as estatais. A Operação Lava Jato contou uma parte importante dessa história, mostrando detalhes do saque da maior empresa brasileira, a Petrobrás. Quantos fatos igualmente interessantes serão revelados, nos próximos anos, se investigações semelhantes forem realizadas em outras empresas e entidades da administração indireta?

A Operação Lava Jato tem sido importante para um balanço completo dos erros e desmandos cometidos na Petrobrás. Mesmo sem esse relato, no entanto, restaria o balanço de um desastre gerado pela incompetência e pela mistura irresponsável de critérios e de objetivos. A política de preços de combustíveis, a orientação politizada dos investimentos, o endividamento irresponsável e a conversão da Petrobrás em instrumento da política industrial – um erro bestial de administração – bastariam para causar perdas enormes.

A criação da Sete Brasil foi um dos muitos erros causados pela confusão das políticas petrolífera e industrial. A Sete Brasil, segundo se informou há poucos dias, deve pedir recuperação judicial. Com ou sem confirmação dessa notícia, o desastre é inegável. Perdas bilionárias para fundos de pensão levados a participar dessa aventura são um detalhe revelador de um estilo de ocupação do aparelho de poder.

A presidente continua atribuindo os males da economia do Brasil às condições do mercado internacional. Voltou a insistir nessa fantasia durante entrevista a jornais estrangeiros. Não explicou, é claro, por que outros produtores de matérias-primas, como Chile, Colômbia, Paraguai e Peru, afetados pela baixa dos preços de exportação, continuam mais dinâmicos que o Brasil. Para explicar teria de reconhecer seu enorme currículo de erros. Sem esse reconhecimento, como abandonar o roteiro de equívocos e desmandos?

Rolf Kuntz é jornalista

PT, PSDB e a transição - ELIANE CANTANHÊDE

O Estado de S. Paulo 24/04

Pela primeira vez, desde 1995, lá se vão 21 anos, o Brasil está a dias de ter um governo que não é nem do PT nem do PSDB, mas do velho PMDB de guerra. Isso acirra as disputas internas e mexe com os nervos de petistas e tucanos. E agora, o que fazer?

O virtual presidente Michel Temer dará mais um passo rumo à rampa do Planalto amanhã, com a eleição de uma comissão do impeachment favorável à deposição de Dilma Rousseff. Mas ainda há muitas dúvidas sobre como será e que chances terá um governo Temer.

Nascido do impeachment, não será um governo de coalizão clássica, mas sim um governo de transição em meio a uma profusão de crises. Sem legitimação nas urnas, terá de buscar legitimidade nas atitudes, na montagem do Ministério e, sobretudo, nos resultados. Isso significa um monumental conflito entre a macro e a micropolítica. Se repetir o fatiamento de cargos de Dilma, Temer irá naufragar.

Quando se fala em “Temer naufragar”, fala-se que a economia vai continuar afundando, com o Brasil rumo ao precipício, as lojas fechando, as indústrias pagando o “pato” e os trabalhadores perdendo empregos na casa de milhões por trimestre. O fracasso de Temer seria, ou será, atrasar drasticamente o fim da crise.

Aí entram o PT e o PSDB, os dois principais polos da política nacional agora e muito provavelmente em 2018. O PT se divide entre “botar fogo no circo (e nas ruas)” e fazer oposição parlamentar dura, mas responsável, calibrando o desgaste de Temer com as medidas urgentes de recuperação da economia. E o PSDB está confluindo para uma posição perigosa.

Como julgam que o PSDB chegará como favorito a 2018, em apenas dois anos e meio, os presidenciáveis Geraldo Alckmin e Aécio Neves não querem, digamos, queimar cartuchos com o governo Temer. A Executiva Nacional tomará em 3 de maio uma decisão que tende a ser “tucana”: ok, o partido vota com o governo as medidas necessárias no Congresso, mas não pula nos ministérios e nos cargos. Ajuda, sem se comprometer.

Sabe o que isso significa? Que o PSDB vai jogar Temer e a transição no colo do “centrão”, que esteve até anteontem com Lula e Dilma, saiu direto para o impeachment e está louco para recuperar a boquinha – não para salvar o País.

É verdade que não foi o PSDB quem articulou o impeachment (demorou até a admitir a ideia...), mobilizou as manifestações e os 367 votos na Câmara. Mas não há como negar que nunca se pensou num “governo PMDB”, mas num “governo de união nacional”, obviamente com os quadros de elite do PSDB.

É questão de vida ou morte para Temer não errar nos nomes para economia, infraestrutura, Justiça e o duplo foco social, Saúde e Educação. Em Saúde, por exemplo, não só por causa de dengue, chikungunya, zika e H1N1, mas também para forçar uma comparação com Dilma, que nomeou um deputado do “baixo clero” para área tão especial só para agradar à parcela minoritária do PMDB.

Para a economia, a coisa anda mal. Armínio Fraga já tinha avisado que não pode, Delfim Netto tem 88 anos, Henrique Meirelles é identificado como “lulista” e “financista”, Murilo Portugal é “plano B” e José Serra é cotado no núcleo de Temer para fazer “uma revolução”... na Educação ou na Saúde. Falta combinar com o adversário, ou seja, com o próprio Serra.

Neste momento, a prioridade de Temer é negar radicalmente, dentro e fora do País, que haja um “golpe” e que seja um “golpista”. Mas, além de não ser golpista, ele precisa mostrar que está preparado para o desafio, tem equipe, tem apoios, tem capacidade de recuperar a credibilidade não dele, mas de um país chamado Brasil. Com o PT incendiando as ruas e o PSDB lavando as mãos, eles vão todos juntos para o buraco. Arrastando o País e todos nós. Responsabilidade, gente!

Com a palavra o Senado - FERREIRA GULLAR

Folha de SP - 24/04
Como a maioria dos brasileiros, assisti, domingo passado, pela televisão, à votação, na Câmara dos Deputados, do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Ao contrário do que, desonestamente, procurara afirmar José Eduardo Cardozo, advogado-geral da União, não se tratava de julgar a presidente e, sim, de admitir ou não o cabimento legal do processo de impeachment contra ela, o que finalmente foi aceito após uma discurseira que começou às 14h daquele dia e terminou depois da meia-noite. O processo agora se encontra no Senado, onde, só então, o impedimento da presidente será aceito ou não. Mas, naquela mesma madrugada, mal terminara a votação, já estava na televisão o advogado Cardozo "demonstrando" que o pedido de impeachment não tem cabimento.

Confesso que há muitos anos não assistia a um espetáculo tão constrangedor quanto foi o daquela noite, quando os deputados petistas e seus aliados procuravam demonstrar, sem qualquer argumento plausível, que se tratava de um golpe contra a democracia brasileira. Referiam-se a Dilma e a si mesmos como exemplos de defensores da democracia burguesa contra a qual, pelo menos da boca para fora, sempre batalharam. Não me consta que esse seja o regime social com que sonham o PCdoB, o PSOL e o PT. Mas na hora de livrar o próprio pescoço, vale tudo.

Na verdade, a presidente Dilma incorreu na prática de crime de responsabilidade ao usar o dinheiro de instituições sob controle do Tesouro Nacional para financiar projetos sociais que garantiriam sua reeleição em 2014.

Isso ficou provado mediante investigação feita pelos auditores técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU), entre outubro e dezembro de 2014. Foi baseado nela que Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaina Paschoal deram início ao processo de impeachment contra Dilma, aprovado no último domingo pela Câmara Federal e agora entregue ao julgamento do Senado Federal. Não se trata, portanto, de nenhum golpe, de nenhum procedimento antidemocrático e, sim, pelo contrário, de uma ação que visa defender os princípios constitucionais do Estado brasileiro.

E daí a discurseira demagógica daquele domingo na Câmara Federal. Sem qualquer argumento de fato pertinente, os petistas (e os aliados que lhes sobraram) insistiam na tese falaciosa de que a presidente Dilma Rousseff estava sendo vítima de um golpe. Nenhum deles se atrevia de fato a expor suas razões, uma vez que aquelas afirmações eram destituídas de fundamento. Já no dia anterior, o advogado-geral da União tentara, no Supremo Tribunal Federal, anular o relatório do deputado Jovair Arantes e, consequentemente, o processo do impeachment, mas foi fragorosamente derrotado por oito votos a dois.

Assim, no mato sem cachorro, vendo os membros de sua base aliada passarem para o lado dos defensores do impeachment, o que lhes restava mesmo era o argumento do golpe. Enquanto isso, os opositores do governo Dilma -mesmo aqueles que foram seus aliados até a véspera- alegavam que, não apenas ela cometera crime de responsabilidade como, ao mesmo tempo, conduzira o país a uma crise econômica e política jamais vista.

A verdade é que, se por outra razão não fosse, Dilma Rousseff não tem condições de se manter presidente da República, uma vez que há tempos já não governa. De fato, ela e o PT encontram-se num beco sem saída, conforme se tem visto, desde que ela assumiu seu novo mandato presidencial.

Depois de mentir durante a campanha, teve que, ao tomar posse, admitir que deveria fazer, no plano da economia, o contrário do que prometera. Por isso chamou, para o ministério da Fazenda, Joaquim Levy, economista que pensa exatamente o contrário do que o PT e ela própria sempre defenderam. Resultado: diante da pressão dos petistas, teve o ministro que deixar o governo, agravando ainda mais a situação. Com isso, a inflação cresceu, o desemprego triplicou e o país parou de vez.

Resta a pergunta: independente de impeachment, convém ao país manter no governo uma presidente que já não governa? Com a palavra o Senado Federal.

Temer será de fato 'Ponte para o Futuro'? - SAMUEL PESSÔA

Folha de SP - 24/04
O governo Temer assumirá com situação fiscal horrorosa. O buraco fiscal -a distância entre o deficit atual e o superavit que estabiliza a dinâmica da dívida pública- é algum número entre R$ 150 bilhões e R$ 360 bilhões, ou seja, algo entre 2,5% e 6,0% do PIB.

Diferentes estimativas para a componente cíclica do buraco fiscal deste ano, bem como incertezas quanto à capacidade no longo prazo do Tesouro Nacional de recolher receitas não recorrentes, explicam a grande faixa de variação das estimativas.

Para piorar, o desequilíbrio cresce uns R$ 30 bilhões por ano. Esse crescimento é vegetativo em razão dos critérios de elegibilidade e valor do benefício de uma série de programas públicos de transferências, além do crescimento automático da folha de salários de servidores.

Assim, se nada for feito, caminharemos inexoravelmente para a insolvência do setor público e, portanto, para inflação crescente. Esse é o quadro estrutural.

No entanto Temer assumirá em um momento favorável do ciclo econômico. Até o ano passado, duas forças antagônicas determinavam a dinâmica da inflação: a fortíssima recessão com aumento do desemprego puxava a inflação para baixo, e a crise de confiança, com a subida do risco-país e a desvalorização do câmbio, puxava para cima.

O processo de perda de valor da moeda americana mundo afora e a lua de mel com a perspectiva de troca de governo produziram dinâmica cambial favorável à inflação desde o início do ano. A mudança da dinâmica do câmbio alivia a inflação de bens e, associada à dinâmica do mercado de trabalho, finalmente produz consistente desinflação de serviços. Assim, a inflação neste ano pode fechar na casa de 7% e atingir a meta em 2018.

O recuo da inflação sinaliza que um ciclo de baixa de Selic encontra-se à nossa frente e, portanto, o fim do ajuste desinflacionário, com a recuperação do crescimento promovida pela queda da taxa básica de juros. Não é loucura enxergar a economia crescendo forte em 2018.

A premissa necessária para que esse cenário benigno –principalmente aos olhos da enorme tempestade pela qual estamos passando– se materialize é que o mercado aceite incólume financiar o Tesouro Nacional, mesmo com a dívida pública seguindo seu curso explosivo e testando limites como 80% do PIB ou até mais.

Ou seja, é necessário combinar com os russos. É por esse motivo que acredito que a maior probabilidade é o governo Temer reproduzir o período Levy: conforme o mercado perceber que não há bala na agulha para aprovar no Congresso Nacional as medidas que encaminham solução para nosso gravíssimo desequilíbrio fiscal estrutural, o risco-país e o câmbio voltarão a serem pressionados e as expectativas de inflação deixam de ceder. O ajuste cíclico novamente desanda.

No entanto, é possível imaginar um cenário favorável: Temer consegue aprovar algumas medidas que contribuem para ajustar o desequilíbrio estrutural. Essas medidas revigoram o otimismo e a esperança, mantendo risco e câmbio bem-comportados. A dinâmica cíclica que, como vimos, é hoje favorável ajuda a recuperação da atividade com inflação em queda.

Se tudo isso ocorrer, em algum momento no segundo semestre de 2017, a visão de 2018 tirará pressão do governo Temer e a perspectiva de futuro passará a comandar as expectativas. Nesse caso, o governo Temer terá sido de fato uma ponte para o futuro.

A síndrome dos tucanos - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 24/04

O PSDB parece que sofre de Síndrome de Estocolmo, definido por alguns como "estado psicológico em que uma pessoa, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia por seu agressor". Só isso explica que os tucanos volta e meia tenham uma recaída, como agora, e busquem imitar as atitudes do PT quando na oposição.

Essa decisão que está prestes a ser tomada de não participar de um eventual governo presidido por Michel Temer em tudo se parece com a atitude criticável do PT, que comandou o processo de impeachment contra Collor em 1992 e depois se recusou a participar de seu governo.

Tudo porque Lula considerava que o governo de Itamar Franco fracassaria, e a eleição presidencial de 1994 cairia em seu colo. Há no PSDB quem pense até mesmo em propor a expulsão do tucano que aceitar, mesmo a nível pessoal, participar do governo Temer, a mesma coisa que fez o PT, que expulsou Luiza Erundina por ter aceitado o convite de Itamar para ser sua ministra.

É claro que a situação do PSDB tem circunstâncias especiais, como o fato de que o partido entrou com uma ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedindo a anulação da chapa Dilma-Temer por abuso do poder econômico na eleição de 2014. Como apoiar um governo chefiado por um político que o próprio partido está questionando na Justiça?

Nesse ponto, a ex-senadora Marina Silva mostra-se mais coerente, pois desde o início pede novas eleições com base na anulação da campanha de 2014. Não quer nem Dilma nem Temer, e seu partido, a Rede Sustentabilidade, teve posições variadas com relação ao impeachment, embora no final a própria Marina o tenha apoiado sem, no entanto, orientar o partido formalmente, deixando seus representantes no Congresso votarem de acordo com suas consciências.

O PSDB, ao contrário, embora tenha começado o movimento político a favor da anulação da eleição de 2014, acabou sendo levado pelos movimentos sociais a adotar uma posição unânime a favor do impeachment. O melhor caminho que poderia ter no momento é dar uma declaração a favor da separação das contas, solução que parece será a escolhida pelo TSE, e apoiar o governo Temer sem receios do que acontecerá mais adiante.

Mesmo que os tucanos receiem que a cúpula do PMDB possa vir a ser atingida por denúncias da Lava-Jato, não se justifica uma atitude de afastamento antecipado. Como diz o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, a cada dia sua agonia. A obrigação do PSDB é colaborar para que o governo de transição tenha êxito, sem ficar com uma atitude arrogante de quem se considera superior e não quer se macular com a proximidade de um partido fisiológico.

Caberia ao PSDB elaborar um programa de intenções a ser apresentado a Michel Temer como condição para um apoio formal. Aceitas essas condicionantes, não há razão para evitar o contágio, pois o menor sinal de que o PMDB não está se comportando como deveria seria motivo suficiente para um rompimento justificado.

Romper antes, mesmo que baseado no histórico nada confiável do partido, é antecipar-se aos fatos, o que o momento político não recomenda. É preciso que as forças políticas que se uniram para tirar o PT do governo como meta prioritária se unam novamente para ajudar o país a sair da enrascada em que se meteu.

Pior ainda é a ideia de obrigar quem aceitar ir para um futuro governo Temer a assinar um compromisso de não se candidatar às eleições presidenciais de 2018. A proposta ridícula, atribuída ao governador de São Paulo Geraldo Alckmin, é a prova de que os tucanos só pensam na sucessão presidencial e não se importam com a situação do país.

Como o PT em 1994, poderão ser punidos pelo surgimento de novas alternativas políticas. E, do jeito que se comportam nesse episódio, de maneira errática e indecisa, não será preciso nem mesmo um Plano Real para derrotá-los. Basta que continuem a erodir o capital político que acumularam com atitudes desconexas com os objetivos que marcaram o partido, como já fizeram ao votar contra o fator previdenciário.