terça-feira, dezembro 06, 2011

Excesso de livros ou escassez de leitores? - JOSÉ PASTORE

O ESTADÃO - 06/12/11

Os dados sobre hábitos de leitura nos levam a um paradoxo. O Brasil apresenta uma produção de livros bastante razoável. Ao mesmo tempo, a média anual de livros lidos é muito baixa. Como explicar isso?

Em 2010 as editoras brasileiras publicaram quase 500 milhões de livros, um aumento de 23% em relação a 2009 - muito expressivo. O número de exemplares vendidos no mercado (livrarias, internet, porta em porta, etc.) cresceu 8,3%. Se incluirmos as vendas ao governo, o aumento foi de 13% (Censo do Livro, Fipe/CBL/Snel, 2011).

Ao mesmo tempo, fala-se que o brasileiro lê 1,8 livro não acadêmico por ano. Nos países desenvolvidos essa média é de 10 obras lidas. Na França são 25 livros por ano! Num estudo da Unesco realizado em 52 países, o Brasil ocupou a 47.ª posição.

Afinal, o que está havendo? Excesso de livros ou escassez de leitores?

Decifrar esse paradoxo é um desafio. Não se pode negar que, para a maioria dos brasileiros, o livro no Brasil ainda é caro, apesar de ter barateado ultimamente. Isso explica por que 66% dos livros publicados estão nas mãos de 20% da população. Além disso, o País tem apenas 2.500 livrarias - um número minúsculo perto das 110 mil lan houses. Para muitos, a informação digital está chegando antes do que a impressa. O número de bibliotecas é irrisório e as bem equipadas são raras. O mais grave, porém, é que cerca de 14 milhões de brasileiros com idade superior a 15 anos não sabem ler (dados do Censo de 2010). E, ainda por cima, o analfabetismo funcional atinge 40 milhões de pessoas.

Não surpreende que, para essa enorme parcela da população, falta o hábito de leitura. Pesquisas recentes mostram que crianças que testemunham seus pais lendo tendem a ler bastante na vida adulta. As outras leem pouco. Ou seja, o hábito de leitura é transmissível de geração para geração (Anna L. Mancini e outros, On intergenerational transmission of reading habits in Italy, Boon: Institute for the Study of Labor, 2011).

Quem tem o hábito da leitura lê em qualquer circunstância: na escola, em casa, no transporte, no livro de papel ou na tela do computador, enfim, em todo lugar. Muitos se tornam compulsivos. E a adolescência é a fase em que as pessoas mais leem. Passado esse tempo, é muito difícil transformar um não leitor em leitor. Por isso, é bem provável que a baixa média de leitura no Brasil esteja sendo puxada para baixo pelos vários milhões de adultos que nunca chegaram a formar um bom hábito de leitura.

Essa é a opinião de Ignácio de Loyola Brandão. Ele, que viaja o ano inteiro pelo interior do Brasil, está impressionado com o grande interesse que os jovens demonstram pela leitura. Nas comunidades mais longínquas e nas mais baixas faixas de renda eles encontram uma maneira de conseguir os livros emprestados, "devorando-os" em pouco tempo. Em sua opinião, os estudantes brasileiros estão mantendo grande familiaridade com os livros. A média de leitura desse grupo deve estar muito acima da marca de 1,8 livro por ano.

Estaria, assim, o paradoxo decifrado? É provável. O avanço da produção editorial e a ampliação das matrículas escolares, ao lado das ações de governo para baratear e divulgar os livros, devem ser sentidos nos próximos anos. Quem está lá na ponta, conversando com os adolescentes, como faz o meu amigo Ignácio, já percebe essa mudança. É uma boa notícia.

Mas nessa empreitada precisamos ir depressa, porque a corrida é em relação a um ponto móvel. Nos dados do Índice de Desenvolvimento Humano de 2011, o Brasil perdeu posições por causa da má qualidade da educação. Estamos atrás de Jamaica, Bósnia, Líbano, Chile, Uruguai, Argentina e outros. Até a Venezuela nos passou na frente. E, para melhorar a educação, ler é essencial. Na verdade, ler é educar-se.

O fim das Farc - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 06/12/11

Uma comissão internacional de alto nível deve ser montada para negociar o fim das Farc, na Colômbia.

A ex-presidente do Chile Michelle Bachelet é a mais cotada para presidi-la. Fariam parte o ex-presidente do governo espanhol Felipe González e o ex-presidente dos EUA Bill Clinton.

Mas...
É possível que Clinton seja substituído por Jimmy Carter, também ex-presidente dos EUA.

É que há restrições a seu nome em setores à esquerda.

Fátima e Patrícia
Os termos “Jornal Nacional”, “Patrícia Poeta” e “Fátima Bernardes” ficaram na lista dos dez mais citados no Twitter mundial, ontem à noite, durante o “JN” especial em que nossa Fátima passou o bastão para Patrícia, que a partir de hoje assume a bancada ao lado de William Bonner.

Retratos da vida
Acredite. A 16ª DP, na Barra, no Rio, está para enviar à Justiça um inquérito por violência doméstica em que um casal de idosos (ele com 75 anos, ela com 70) se agrediu com... abacaxis.

A vovó, xingada, jogou um abacaxi no vovô, que revidou com outro. Há até fotos das “armas do crime” no inquérito.

Lula e o Timão
O vascaíno Sérgio Cabral ligou ontem para o corintiano Lula e deu os parabéns pelo campeonato do Timão.

Lula, em tom debochado, disse que “o resultado não poderia ser melhor”: Corinthians campeão, com o Vasco, seu segundo time, de vice.

O ‘pai’ dos Bric
A Globo Livros comprou os direitos de “O mapa do crescimento, oportunidade nos Bric e além”, de Jim O’Neill, o inglês que criou o termo Bric para Brasil, Rússia, Índia e China.

Sai em 2012. O’Neill vem ao Brasil para o lançamento.

É DURA A VIDA da querida ministra Helena Chagas, da Secretaria de Comunicação da Presidência. Ontem, a coleguinha (veja a sequência feita pelo fotógrafo Gustavo Miranda) precisou correr no Planalto, equilibrando-se no salto alto, repare, para escapar de um jornalista que queria detalhes sobre a demissão do ex-ministro Lupi

Chevron na mira
A ANP já teria identificado pelo menos dez infrações da Chevron no Campo de Frade.

Há três processos administrativos em curso, um deles com oito infrações.

Festa no apê
Depois de dez anos de batalha judicial entre o cantor Latino e a Rede TV!, a juíza Graciella Falzman, da 1ª Vara Cível de Barueri, SP, condenou a emissora a indenizar o artista por “quebra contratual”. Coisa de R$1 milhão.

Seu programa “Funk Total” teria saído do ar antes do prazo.
Seis meses de dor
Parentes das vítimas mortas na queda do helicóptero PR-OMO, em junho, no Sul da Bahia, puseram na internet o vídeo “6 meses de silêncio” para cobrar respostas da Anac (assista em http://youtu.be/eFMfbdZzzCs).

Em seis dias, foi assistido por mais de 4 mil pessoas.

Segue...
Márcia Noleto, mãe de Mariana, a namorada do filho de Sérgio Cabral morta no acidente, diz que, desde agosto, não consegue contato com a Anac.

Ela considera a agência “corresponsável” pela tragédia, pois uma falha na fiscalização permitiu que Marcelo Mattoso pilotasse com habilitação vencida.

A cueca do xerife
José Beltrame, o xerife do Rio, diz na revista “Alfa” deste mês que é participativo nas atividades... domésticas.

— Dou mamadeira e arrumo cama. Estendo a toalha depois de tomar banho e lavo cueca no banheiro. Cueca não se bota pra lavar, se lava.

‘Cônsul’ na cadeia
O desembargador José Muiños Piñeiro Filho negou habeas corpus a Luiz Azenha e Demóstenes Cruz, os falsos diplomatas do Congo presos com Nem.

Cena carioca
Uma famosa psicanalista carioca, ao se submeter outro dia a uma sessão de depilação num salão vip do Rio, entendeu que a profissional perguntava se ela ia “fazer anos”. Resposta: “Não, já fiz aniversário.” A moça retrucou:

— Não! Perguntei se a senhora vai fazer o... ânus!

Mulheres precisam querer mais - LUIZA NAGIB ELUF


O Estado de S. Paulo - 06/12/11


O último censo do IBGE mostrou que as mulheres têm, em média, mais dois anos de educação que os homens. Mas, em que pese esse diferencial positivo, os salários pagos às mulheres ainda são, em média, 30% menores que os dos homens, na mesma função. Outra constatação intrigante é a de que, quanto maior o nível educacional, maior a diferença entre os rendimentos masculinos e femininos.

Sabemos que o patriarcalismo se sustenta na pobreza da mulher. A ideia é que as mulheres não tenham dinheiro nem poder, precisem vender seu corpo para se sustentar, seja pela prostituição ou pelo casamento. Além disso, essa pesquisa mostrou que não basta ter mais educação formal para que a violência doméstica diminua. A correlação de forças entre os gêneros continua desigual e as mulheres permanecem sofrendo discriminações, tanto no espaço público quanto no privado.

O Brasil já tomou várias medidas para promover a igualdade de gênero. Começou pela Constituição federal, que estabelece direitos iguais, reconhece a união estável, cria a licença-paternidade, equipara os direitos dos filhos independentemente da situação dos pais. Vieram, também, as Delegacias de Defesa da Mulher, o crime de assédio sexual, a Lei Maria da Penha, as Varas de Violência Doméstica. Entendemos que a opressão feminina é milenar e não será banida do dia para a noite, mas com as possibilidades que temos hoje é de espantar que a maioria das mulheres ainda esteja em tamanha desvantagem. Em outras palavras, a marcha para uma vida melhor está devagar demais.

A dominação masculina transformou o mundo num lugar hostil às mulheres. Nos mínimos detalhes, as atividades profissionais remuneradas são organizadas para causar desconforto à mulher. Os ambientes são rígidos, os banheiros são sujos, o relacionamento com os outros é impessoal, os termos linguísticos são rudes, a nomenclatura dos cargos de comando está no masculino, as roupas são controladas e criticadas, isso tudo sem falar do assédio sexual ou moral, de forma que as mulheres sintam medo de ser mulheres. Assim, diante de tantas dificuldades, muitas desistem antes de tentar, outras alcançam uma posição razoável e se conformam; apenas algumas poucas ousam lutar para chegar o mais alto possível. É difícil resistir à tentação de se acomodar, de aceitar a subalternidade ou dedicar-se apenas ao marido e aos filhos.

Sim, gostamos de ser mães, de cuidar da casa e dos outros, mas isso não engloba todos os nossos anseios. Precisamos também de independência financeira, sexual e profissional, de respeito, de dignidade e de reconhecimento social. Para escapar da violência e mudar a correlação de forças temos de estar no poder. Mesmo que esse poder, instalado por homens para o bem dos homens, não seja o nosso ideal de vida. Ainda que pareça difícil suportar as contrariedades do ambiente hostil, não será possível evitar esta etapa evolutiva: ocupar os espaços para depois fazer as transformações. Enquanto as mulheres não tiverem a clareza de que é preciso querer mais, ambicionar o máximo e não se contentar com o mínimo, os bons níveis de escolaridade não serão suficientes para vencer a imposição de inferioridade.

Por outro lado, não podemos prescindir da colaboração dos homens nessa árdua jornada. E eles precisam começar modificando a forma como encaram as relações afetivas. Sobre esse tema, David Servan-Schreiber, médico francês que escreveu dois livros para contar sua luta contra o câncer, sintetizou o assunto na obra Podemos Dizer Adeus Duas Vezes. Depois de muita meditação e durante os momentos finais em que passou a rever sua vida, reconheceu que não soube amar as mulheres como gostaria de ter amado. Em suas palavras: "Quando eu era muito jovem, tinha a cabeça cheia de ideias imbecis sobre o assunto. Para mim, amor era coisa que o homem impunha à mulher, pois ela era por essência recalcitrante. O único modo de agir era subjugá-la. Uma história de amor era em primeiro lugar uma história de conquista, depois uma história de ocupação. Pura relação de força, na qual o homem tinha interesse em se manter na posição dominante. Nem pensar em deixar-se levar, mesmo depois de ela se render. Como a dominação era ilegítima, ele devia vigiar constantemente sua conquista, devia mantê-la sob sua influência, se quisesse evitar que ela se rebelasse. Impossível imaginar uma relação harmoniosa, uma relação baseada na troca ou numa igualdade qualquer dos parceiros. Ainda me pergunto de onde me vinham aquelas ideias idiotas que deterioraram minhas histórias de amor até por volta dos meus 30 anos. Eu me esforçava por me comportar como potência ocupante. Minha busca amorosa se resumia à procura de um território para conquistar. Resultado: eu amava, às vezes loucamente, mas não era amado. Ou mesmo quando o era, não me autorizava a me sentir amado. Porque, nesse caso, precisaria depor as armas. Que tristeza ter perdido tanto tempo e tantas oportunidades de felicidade! Por fim, acabei me desvencilhando daquelas ideias grotescas, dei um salto quântico que me projetou anos-luz, num universo encantado em que as mulheres são dotadas de inteligência e conseguem compartilhar comigo uma infinidade de interesses comuns. Finalmente, fui capaz de viver verdadeiras histórias de amor, com mulheres que eram iguais a mim, humana e intelectualmente. Consegui abandonar o frustrante papel de tutor. Aprendi que há muito mais prazer em dar e receber do que em dominar ou impor-se pela sedução".

Talvez seja isso que nossas escolas tenham de ensinar para que os níveis de instrução formal possam fazer alguma diferença.

GOSTOSA


Perfume de poder - DENISE ROTHENBURG


Correio Braziliense - 06/12/2011


A reforma ministerial é a melhor fragrância que Dilma poderia escolher para as festas de fim de ano. Enquanto a presidente exalar a força de detentora dos cargos, associada à avaliação positiva do governo, a base aliada permanecerá dócil


Nesta temporada de confraternizações e festas de fim de ano, a presidente Dilma Rousseff pode dispensar as fragrâncias das grifes francesas, italianas e americanas. Afinal, ela tem em mãos algo que faz a base render-se aos seus pés: a caneta para promover uma reforma ministerial e uma avaliação positiva perante o eleitorado. O exemplo mais visível dessa atração que Dilma exerce sobre os partidos é a decisão de ontem do PDT. Ao anunciar que permanece na base do governo depois da saída do ministro do Trabalho, Carlos Lupi — isolando aqueles que pregavam independência e distância dos cargos —, o comando pedetista dá o recado claro de que espera ser compensado em janeiro, quando a presidente fará a reformulação na Esplanada.

Não por acaso, a comissão responsável pela ponte entre o partido e o governo tem a participação do deputado Brizola Neto (PDT-RJ), que hoje não reza pela cartilha de Carlos Lupi. É uma tentativa de o PDT tentar demonstrar unidade interna e conseguir algum espaço.

Os demais partidos estão, guardadas as devidas proporções, na mesma batida. O PR, que jurou independência quando Alfredo Nascimento deixou o Ministério dos Transportes, hoje não resiste a um convite para se sentar à mesa com a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti. Depois de um pronunciamento ali, uma fala no salão verde da Câmara acolá, lá está o líder Lincoln Portela (MG), pronto para tomar um café com Ideli e reaproximar-se do Planalto.

O PMDB também. Há duas semanas, conforme registramos aqui, os peemedebistas foram os mais fiéis quando da votação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) na Câmara. No Senado, ocorre aquilo que os palacianos chamam de "peripécias do presidente José Sarney" — uma delas foi colocar a regulamentação da emenda da saúde para votação. Ainda assim, não se pode dizer que o PMDB vá enfrentar o governo, até porque o líder, Renan Calheiros (PMDB-AL), tem dito que a bancada terá um comportamento de aliado nas votações importantes.

Diante dessas juras de amor e fidelidade à presidente Dilma Rousseff, o Planalto, por sua vez, também não pretende declarar guerra aos partidos — até porque, quem observar com cuidado a situação política de cada um, verá que as legendas aliadas ao Planalto já estão para lá de desgastadas. À exceção do PSB, que ainda não enfrentou um vendaval sobre seus ministros, todos passaram por dissabores com a queda em série de autoridades do primeiro escalão, a começar pelo próprio PT, que perdeu Antonio Palocci. Depois vieram PR, PMDB e PCdoB. O PP, apesar da permanência do ministro das Cidades, Mário Negromonte, não pode dizer que viveu um ano tranquilo.

A ideia da presidente é fazer uma reforma pontual e não sair mudando tudo. Ela já deixou de lado, por exemplo, a intenção de fundir pastas. Além de reduzir o número de espaços para abrigar as correntes do PT, ela passaria a impressão de que Lula gastou demais ao criar tantos ministérios, coisa que soaria mal. Para completar, são poucos os ministros candidatos a prefeito no ano que vem e, depois que sete tiveram a validade menor do que a de um creme para rugas, não sobrou muita coisa para mudar.

Reservadíssima quando o assunto é reforma ministerial, Dilma apenas fez chegar ao PDT a informação de que não pretende entregar o Ministério do Trabalho para a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Embora ache que deva ter liberdade para compor sua equipe, Dilma sabe da importância de não fazer com que as alterações pareçam uma provocação aos partidos. E, nesse caso, se a presidente tirasse o Ministério do Trabalho das mãos do PDT — e, por tabela, de pessoas que têm ligações com a Força Sindical — para entregar à CUT, seria o mesmo que dizer "Lupi, eu te odeio".

Enquanto isso, na sala do PMDB...
Se quiser, a presidente Dilma poderá testar o poder de seu perfume na quarta-feira, quando os peemedebistas planejam se reunir numa confraternização pré-natalina e, de quebra, comemorar o aniversário do líder Henrique Eduardo Alves, e o do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, que foi ontem. Aos dois, parabéns.

Saúde e doença - VLADIMIR SAFATLE


FOLHA DE SP - 06/12/11
Depois de anos no ostracismo, a obra de um dos mais originais filósofos do século 20 começa a ser publicada de maneira integral. Para além do circuito restrito de especialistas em filosofia da biologia e da medicina, poucos conhecem Georges Canguilhem (1904-95).

Mas a publicação de suas "Obras Completas" tem a força de revelar um pensador original capaz de renovar problemas clássicos da filosofia, como a relação entre natureza e liberdade, bem como questionar ideias clínicas e médicas que pareciam independentes de toda e qualquer filosofia.

Numa era como a nossa, noções como saúde, doença e sofrimento psíquico têm também uma dimensão política. Não apenas porque servem para justificar modelos de intervenção social, mas porque expõem o que entendemos por uma vida bem-sucedida, com seus valores.

Não sofremos só por termos algum tipo de deficit ou excesso em relação a variáveis fisiológicas. Sofremos por não conseguirmos realizar valores e normas sociais que compreendemos como necessárias para nossa autorrealização.

Nesse sentido, o pensamento de Canguilhem é profícuo por fornecer uma visão renovada sobre o que significa saúde e doença. Normalmente, acreditamos que um organismo doente é mal adaptado, incapaz de se relacionar com seu meio. Ou seja, a saúde aparece como um modo de adaptação às determinações normativas do ambiente. Versões de tal noção foram exaustivamente usadas por várias escolas de psicologia.

Canguilhem fornece uma ideia nova. Na verdade, um organismo doente é aquele completamente adaptado a seu meio. Por isso, ele não suporta nenhuma modificação, ele a vivencia necessariamente como catástrofe. Na defesa de sua rigidez e fixidez, erguem-se fronteiras e limites que não podem, em momento algum, ser transpostos.

Já uma vida saudável é aquela não completamente adaptada, por isso, mais flexível e capaz de relacionar-se às mudanças. Ela é capaz de acolher o que ainda desconhece, produzindo novas normas e valores que, mostrando-se mais produtivas do que as anteriores, indicarão caminhos inesperados para o desenvolvimento.

Durante toda a sua obra, Canguilhem mostrou como tais ideias dizem muito a respeito de como compreendemos a razão, a racionalidade e seus limites.

Ele nos abriu portas para uma reflexão diagnóstica sobre a vida social e seus desafios. Por isso, nada mais justo do que voltar a lê-lo e descobrir como o seu pensamento influenciou alguns dos maiores pensadores do século 20, como Foucault, Lacan, Deleuze, entre outros.

Notícias da Europa - JOÃO PEREIRA COUTINHO


FOLHA DE SP - 06/12/11

A ideia de Angela Merkel é transformar cada capital da zona do euro em pequenos governos de Vichy


1. AMIGOS BRASILEIROS estão preocupados com a crise europeia. E alguns, mais à esquerda, estão preocupados com os efeitos da crise na social-democracia. Olham para a Europa e que veem eles?
Governos de esquerda a serem varridos do mapa com uma brutalidade feroz. Como explicar o fenômeno?

A culpa é da especulação dos mercados financeiros, dizem eles; ou, melhor ainda, da ideologia "neoliberal" que está a matar o Estado de bem-estar social. Por isso eles estão solidários com as populações revoltosas que protestam nas ruas contra as "políticas de austeridade".

Fico comovido com essas exibições de solidariedade brasileira. Como ficaria comovido com exibições de solidariedade chinesa ou indiana. Explico por quê: durante meio século, a Europa construiu o seu Estado de bem-estar social, não apenas porque crescia economicamente -mas porque o resto do mundo não crescia nem ameaçava a sua supremacia.

Hoje, o mundo descentrou-se; e o poder, a começar pelo poder econômico, tem abandonado o Ocidente (leia-se: a Europa e também os Estados Unidos), deslocando-se para outras paragens.

Quando a economia chinesa cresce, em média, 9% ao ano desde a década de 1970, ou quando a Índia promete crescer, no futuro próximo, uns aterradores 10%, dá para entender que não há dinheiro que chegue para sustentar o "modelo social" que a Europa inventou.

Exceto, claro, pela dívida: como escrevia recentemente o historiador português Vasco Pulido Valente, a esquerda europeia ainda tentou salvar o "modelo social" pelo endividamento. Azar: arruinou a Europa e arruinou-se com ela.

Quando os meus amigos se solidarizam com os europeus que protestam contra os cortes no 13º salário, eles estão a defender, implícita e inconscientemente, que o Brasil e os restantes "emergentes" deixem de emergir.

Estão a defender, no fundo, que o Brasil e os restantes "emergentes" regressem à pobreza do passado para que a Europa possa continuar a comer brioches.

Tanto amor comove.

2. O governo de Vichy, que existiu na França ocupada pelas tropas nazistas entre 1940 e 1944, não era totalmente destituído de poderes. Podia legislar em matérias "domésticas" desde que isso não pusesse em causa a autoridade do Terceiro Reich, que de fato governava o país.

Na próxima sexta-feira, em mais uma cúpula decisiva para salvar o euro e a União Europeia, Angela Merkel e o pequeno Sarkozy vão propor uma "união fiscal" que consagra, em tons mais moderados, esse velho arranjo de Vichy: os Estados membros podem tratar dos seus assuntos menores, com certeza; mas, em matéria fiscal e orçamental, Bruxelas e Berlim terão sempre a primeira e a última palavra.

A ideia de Merkel é transformar cada capital da zona do euro em pequenos Vichys.

Resta saber se os parlamentos nacionais dos Estados membros aceitam esse papel decorativo num hipotético Quarto Reich. Perspetivas otimistas. Na Europa de hoje, há muitos Pétains e poucos De Gaulles.

3. Mas nem tudo são más notícias. Hoje mesmo, leio na imprensa portuguesa que Viena se prepara para abrir o primeiro curso superior em Sexualidade Aplicada. O objetivo do curso é ensinar os alunos a serem melhores amantes, o que implica um detalhado programa de estudos teóricos e, sobretudo, práticos.

Na teoria, a diretora da International Sex School elenca algumas das disciplinas: posições sexuais, técnicas de acariciamento, características anatômicas.

Na prática, os alunos terão à disposição um dormitório onde, para além das atividades habituais, como dormir ou comer, poderão fazer as suas lições de casa, como dormir com, ou comer os, colegas.

Isso sempre aconteceu nos dormitórios universitários? Verdade. Mas não tinha caráter compulsório nem dava direito a diploma. Além disso, e para quem cursou Letras (é o meu caso), não vale a pena fazer comentários sobre a qualidade estética do material. A escola austríaca promete rigor na seleção dos candidatos.

Infelizmente, a diretora é omissa sobre os critérios de avaliação durante o curso. Haverá exames? Em caso afirmativo, serão exames escritos ou, suspeita minha, essencialmente orais?

Aguardemos por mais esclarecimentos.

PIB parado - MIRIAM LEITÃO


 O Globo - 06/12/11

O Brasil ficou estagnado no terceiro trimestre. Este será o dado com o qual o país se defrontará hoje quando sair o número do PIB. A produção industrial encolheu 0,9% no período, a produção de aço mergulhou 15%. O quarto trimestre até agora também está negativo. O PIB de 2011 está caminhando para uma taxa de 3% no melhor cenário. Mesmo assim, é um bom resultado.

O ano teve sustos, interrupções, crises demais, por isso é natural que o crescimento que se previa ficar entre 4,5% e 5% tenha ficado na verdade em torno de 3%. Do quarto trimestre, só há dados de outubro, mas não se espera uma reversão da tendência, mesmo com a queda dos juros e o pacote.

Ontem o mercado estava em dúvida sobre se o indicador a ser divulgado hoje será de zero, ligeira alta ou pequena queda, mas qualquer que seja o número ele mostrará estagnação. A MB Associados acha que pode, no melhor cenário, dar 0,3% de alta, mas não afasta o risco de até ficar negativo. Em relação ao mesmo trimestre do ano passado, o resultado seria de 2,6%. Uma freada forte porque o ano passado terminou em 7,5%.

- Essa desaceleração está mais relacionada com a crise internacional do que com efeitos da política doméstica. Foi feito pouco em matéria fiscal e monetária para justificar a desaceleração. Infelizmente estamos sendo contaminados pela paralisia que estamos vendo no mercado financeiro internacional - disse Sérgio Valle, da MB.

E a situação internacional teve ontem novos capítulos para confirmar que este ano é mesmo o da dúvida. A boa notícia foi que juntos os governantes da Alemanha e da França, Angela Merkel e Nicolas Sarkozy, anunciaram que chegaram num amplo acordo para a reestruturação da Zona do Euro. No final da tarde, no entanto, veio a notícia de que a Standard & Poor"s colocou em perspectiva negativa as dívidas de 15 países da Zona do Euro. Hoje, França e Alemanha são triplo A.

O Brasil não está desacelerando sozinho. Países vizinhos que cresceram muito no ano passado também estão com ritmo menor. Os bancos centrais do México e do Chile mantiveram as taxas de juros acionando o modo "esperar para ver". A economia chilena é a mais vulnerável da região a uma desaceleração da China. Segundo a consultoria Capital Economics, o ritmo de crescimento chileno no mês de outubro foi o mais fraco desde o terremoto que atingiu o país em fevereiro de 2010.

A incerteza em relação à economia mundial afeta os investimentos, segundo o Itaú Unibanco: "A volatilidade da taxa de câmbio e a incerteza internacional costumam ser apontadas como fatores de postergação de investimentos; assim como os altos custos trabalhistas e de energia, restrição à importação de insumos e a dificuldade de encontrar mão de obra qualificada", escreveu o banco em relatório. O Itaú ressalta que o desempenho das vendas varejistas decepcionou em setembro e outubro. Mas houve pequena melhora nos investimentos. As vendas de imóveis residenciais desaceleraram, o setor de commodities deve continuar a se expandir e o mercado de trabalho começa a dar sinais de acomodação.

De julho a setembro a produção industrial teve o seguinte desempenho: 0,3% positivo; 0,1% e 1,9% negativos. No trimestre, a produção de carros encolheu 0,4%; o setor de gás, 1,5%. Mas o que assustou mesmo foi a queda de 15% na produção de aço.

O Instituto Aço Brasil reviu para baixo suas previsões para 2011. O excedente de capacidade de produção de aço em relação à demanda no mundo continua alto - cerca de 500 milhões de toneladas. No Brasil, sobram 20 milhões de toneladas.

- No início do ano, com a expectativa de retomada mais forte das principais economias, a Associação Mundial de Aço previa que o setor no mundo retornaria ao nível pré-crise, de 2007, em 2012. Com o agravamento da crise na Europa, essa previsão ficará adiada por mais dois ou três anos - disse Marco Polo Mello Lopes, presidente-executivo do Instituto Aço Brasil.

Apesar disso, o melhor saldo comercial brasileiro foi o do terceiro trimestre, segundo a AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil). O país teve um superávit de US$10 bilhões de julho a setembro.

Levando-se em conta que o país conseguiu manter baixa a taxa de desemprego, a conclusão é que o país teve um bom desempenho. O mundo não ajudou nada.

Pelo contrário. O terremoto do Japão afetou cadeias produtivas importantes, a revolta na África elevou o preço do petróleo, alavancou a incerteza e derrubou a economia americana no início da recuperação. Mas nada foi mais devastador do que a crise da Europa que se arrasta de forma crônica por vários meses produzindo uma sucessão de eventos inesperados.

A crise ainda não está encerrada e o ano ainda promete. A esperança que se tem em relação à Europa é que a situação está tão grave que não pode piorar mais. Na beira do abismo, os grandes países da região vão agir para salvar a moeda do colapso.

Mesmo se agirem, não vão salvar o crescimento europeu de 2012. A região deve continuar em recessão, mas se o mundo puder vislumbrar uma saída o clima pode melhorar.

Se isso acontecer, o Brasil pode ter no ano que vem um desempenho que é o retrato invertido do que houve este ano. Se em 2011 o país começou crescendo fortemente e foi perdendo ritmo, no ano que vem pode fazer o caminho oposto: começar fraco e ir ganhando força ao longo do ano.

Discussão elementar - SONIA RACY

 O Estado de S.Paulo - 06/12/11

Do mesmo jeito que há quem queira derrubar o Gota D’Água, agora há também os que querem intrigar o movimento Tempestade em Copo D’Água.

Como? Insinuando que Sebastião de Amorim, professor da Unicamp (do Tempestade em Copo D’Água) e dono da Tecnométrica, tem interesse pessoal na construção de Belo Monte. “A usina é muito maior do que isso. Estou tranquilo e aberto a responder qualquer questão”, afirmou à coluna.

Discussão 2
Amorim e sua turma de alunos preparam novo vídeo, “irmão maior” do primeiro.

Promete esclarecer, mais porfiadamente, dúvidas sobre Belo Monte, com dados e números. A ser gravado depois das provas finais da universidade.

Discussão 3
Do outro lado, Maria Paula Fernandes e Sergio Marone, do Gota D’Água, se encontram com lideranças indígenas em Altamira, para discutir o impacto de Belo Monte.

E gravam mais um vídeo por lá.

Nuvem carregada
A Defensoria quer se antecipar a enchentes que já castigaram São Miguel Paulista.

Enviou recomendações à subprefeitura da região e à Defesa Civil pedindo urgente desassoreamento de dois córregos da Zona Leste. E também obras para eliminar riscos de desabamento, além de limpeza de bocas de lobo, poços e galerias.

Reveses
Justiça de SP derrubou liminar que suspendia a PPP da Saúde em São Paulo. Volta a valer o edital para construção de três novos hospitais e a reforma de outros nove.

Olho azul
De volta ao Brasil, Luiz Marinho trouxe recado do governo sueco. Se o Gripen vencer, haverá transferência de tecnologia.

O grosso dos investimentos da Saab, fabricante dos caças, será em. São Bernardo do Campo.

Sambou
Carlinhos Vergueiro deu piti, quinta, durante show no Centro Cultural Carioca, no Rio.

Na véspera do Dia Nacional do Samba, o cantor reclamou das pessoas que estavam dançando, passou pito em quem olhava para o celular e chamou um jornalista de. “viadinho”.

Nos boxes
Caso não se acerte com a Williams, Rubens Barrichellopode virar consultor. A Lotus estaria interessada em seu know-how para desenvolver um carro de Fórmula 1 mais rápido em 2012.

As duas partes negam.

Papa Léguas
A venda de 45% de sua Cia das Letras para a Penguin fará Luiz Schwarcz trabalhar ainda mais. Amanhã, parte para NY, onde almoçará com editores. Segunda, estará em Londres, para 17 conversas reservadas com os responsáveis de cada área do grupo.

A “sinergia editorial” prossegue em fevereiro, quando volta à Big Apple – com direito a sala particular, na qual despachará por quase um mês. Enquanto sua mulher, Lilia, dará aulas em Princeton.

Situação difícil
Amigos de Norma Bengell organizaram almoço para ajudar a atriz – que passa por sérias dificuldades financeiras.

Convites a R$ 100, no La Fiorentina do Rio de Janeiro, dia 12.

A par
A ANS avisa: quer receber todas as reclamações sobre planos de saúde enviadas ao Procon.

Fogo amigo
Enquanto o PSDB se esforça para tentar mostrar união, Zé Aníbale Andrea Matarazzo têm lamentado a interlocutores.

Suspeitam que a reportagem mostrando ambos em evento público (como pré-candidatos e em pleno horário do expediente) foi ideia de. outro candidato.

Maus lençóis - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 06/12/11

Apesar da importância da prorrogação da DRU, a orientação da presidente Dilma é que o governo não vai “trocar a alma” por sua aprovação, nas palavras de um auxiliar. A presidente disse à sua equipe que, se não aprovar, vai explicar o motivo para a opinião pública. O Planalto reconhece que errou ao demorar para enviar a proposta ao Congresso e superestimou sua capacidade de votar rapidamente. Dilma está disposta a chamar mais uma vez os líderes da base para uma conversa.

Passo a passo

Depois da revelação de que o ex-ministro Carlos Lupi acumulou dois cargos públicos, na quinta-feira passada, ele foi aconselhado pelo ministro Gilberto Carvalho (Secretaria Geral) a deixar o cargo. Lupi teria reconhecido o erro, mas alegado que foi um problema do passado, e que isso, na época, seria algo normal. No mesmo dia, antes de ir para a Venezuela, a presidente Dilma chegou à conclusão de que Lupi não tinha mais condições de permanecer. Mas foi só ao voltar, anteontem, que ela chamou Lupi para conversar. Dessa vez, Dilma tomou as rédeas do processo de demissão, não delegando a tarefa a terceiros.

Sei que cometi um erro lá atrás, mas era a cultura da época” 

— Carlos Lupi, ex-ministro do Trabalho, referindo-se ao fato de ter ocupado dois cargos públicos

ALERTA. A presidente Dilma jogou duro ontem na reunião da coordenação. Disse que não há a menor condição de aprovar, no Orçamento para 2012, os reajustes pretendidos pelJudiciário. Alertou aos líderes que ninguém sabe os desdobramentos da crise econômica na Europa e que o Brasil não pode afrouxar nos controles dos gastos públicos, se quiser se habilitar a ser um dos ambientes seguros para receber investimentos internacionais.

À míngua
A CUT não tem esperança de retomar o Ministério do Trabalho. A presidente está inclinada a manter o PDT na pasta. A principal reivindicação da CUT é imparcialidade para o licenciamento sindical. Ela penou na gestão de Carlos Lupi.

Desgarrado
Na bancada do PT no Senado, Paulo Paim (RS) é o único que não foi convencido a votar contra a destinação de 10% dos recursos da União para a Saúde. Ontem, no Planalto, foi decidido não atrelar a votação da DRU com a da Emenda 29.

Ligado no governo da sucessora
O ex-presidente Lula não saiu do circuito nem com os efeitos colaterais da quimioterapia. Na semana passada, por exemplo, ele ligou para o Palácio do Planalto atrás de informações sobre a decisão da Comissão de Ética Pública, que recomendou a exoneração do ministro Carlos Lupi (Trabalho). Ele liga constantemente para seus amigos no governo para ficar por dentro dos assuntos quentes em debate.

Faca no pescoço
É a segunda vez que o senador Clésio Andrade (PRMG) negocia seu apoio ao governo. A primeira vez foi quando assinou uma CPI contra o então ministro Antonio Palocci. Agora apoia a emenda da oposição que atrasa a votação da DRU.

A voz tucana
A presidente do PMDB Mulher, a deputada Telma de Souza (MT), sobre a eventual extinção da Secretaria das Mulheres: "Seria
um retrocesso inaceitável e uma ofensa à luta das mulheres por seus direitos e pelo fim de preconceitos".

PRESSÃO. Deputados de estados não produtores de petróleo querem votar requerimento de urgência para o projeto de redistribuição de royalties no dia 14. A intenção é votar a proposta em si no dia 21. O governo quer deixar para o ano que vem.

DO PRESIDENTE
 da Confederação Nacional dos Municípios, sobre a diminuição dos recursos para a Saúde: “A Câmara estraçalhou a Emenda 29”.

POR CAUSA
 da Operação Ágata, do Exército, na fronteira com o Mato Grosso do Sul, há filas de caminhões parados do lado do Paraguai. A Polícia Federal suspeita que a carga seja de cigarros.

O bolo da educação - GUSTAVO PATU


FOLHA DE SP - 06/12/11

BRASÍLIA - A discussão mais delirante do momento se trava em torno das metas para o gasto público em educação, pelo menos se considerado o universo das discussões de temas capazes de mobilizar as autoridades e a opinião pública.
No projeto que já se arrasta há um ano no Congresso, o governo propôs que as verbas sejam elevadas a 7% do PIB até o final da década; entidades e congressistas militantes não admitem menos de 10%; um deputado encarregado do texto chegou a defender um meio-termo de 8,29%, assim mesmo, com precisão de duas casas depois da vírgula.
Percentuais vêm e vão como se o PIB fosse um bolo de aniversário que é fatiado conforme a vontade da criança dona da festa.
Os gastos com o ensino público -está escrito na Constituição- são fixados em frações da receita da União, dos Estados e dos municípios. Ao longo de toda a década passada, quando a arrecadação de impostos teve um crescimento espetacular, os recursos da educação subiram de 4% para 5% do PIB, equivalentes a R$ 200 bilhões por ano.
Se é um desatino político ficar contra mais dinheiro para as escolas e os professores, não é muito mais prudente questionar como isso será feito. Haverá metas para o governo federal, 27 governadores, mais de 5.500 prefeitos? Um corte radical em outras despesas, como saúde, segurança pública, reajustes do salário mínimo? Ou um aumento brutal de impostos? Para o objetivo mais ambicioso em debate, seriam necessárias três CPMFs e meia.
Mais fácil, todos sabem, é empunhar bandeiras. Como já foi feito dez anos atrás, com números muito parecidos e muitos dos mesmos personagens de hoje -a diferença é que a oposição de então é governo agora, o ministro é candidato e é preciso sustentar, no mínimo, a meta aprovada na época pelo Congresso.
Que, para a sorte futura dos envolvidos, foi vetada pelo Planalto.


Rojão corintiano derruba Lupi! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 06/12/11

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Predestinado do dia: torcedor do Flamengo chamado Vasco Ladeira! E o pensamento do dia: O Timão é penta e a Dilma é hepta. Derrubou sete ministros!

E o que é TUM! TUM! TUM! TUM! TUM! TUM! TUM?! O ministério da Dilma rolando a escada! Rarará! O tombo do mês: Lupi. Acho que ele foi abatido por um morteiro da Fiel! Rojão de corintiano! Rarará!

O Lupi sai e entra o Pinto. Ministro do Trabalho interino: Paulo Roberto Pinto! Representando o maior trabalhador brasileiro, o pinto! Rarará! O Pinto entrou como interino ou o pinto entrou inteirinho?

E o Lupi disse que só saía "abatido por bala". Como ele se demitiu, ele suicidou-se! E um outro: "Meu pinto tá desempregado, será que o Pinto arruma um emprego pro meu pinto?". Rarará!

E o Timão? Timão é penta! Agora aguenta! Os pentelhos do penta! E a comemoração dum corintiano na TV: "Agora é quatro letra: CABÔ". Rarará! E o Twitter do Tio Dino: "Os jogadores corintianos deram a volta olímpica ao redor do Adriano". Rarará! Imagine se eles tivessem que dar a volta olímpica ao redor do Adriano abraçado com o Ronaldo? Rarará!

Aqui na rua teve rojão, vuvuzela, berro e pum. Penta tudo bem, quero ver eles escreverem hexa. Quero ver corintiano falar hexacampeão!

Timão campeão! Então o negócio é zoar com o Vasco! O vice-ado em vice! Vice até morrer! O site Futurinha sugere mudar de nome pra VICE DA GAMA! E o Vasco não perdeu o título, o Vasco teve um AVC: Adoramos Vice-Campeonato!

E sabe por que o Vasco só fica como vice? É carma! O Vasco da Gama era vice-rei das Índias! É mole? É mole, mas sobe!

E a primeira final do Brasileirão sem o Galvão! Por isso que o Timão ganhou! Saudades do Foca da Disney! Acordei com uma espécie de orfandade galvânica. Rarará! O Galvão não transmite mais Brasileirão, mas o zumbido no ouvido da gente continua. É sequela!

Enfim, sentimento de orfandade. Em uma semana fiquei órfão da Fátima Bernardes, do Galvão e do Lupi, o meu ídalo! Vou lançar aquela revista em quadrinhos: "As Peripécias do Lupinóquio"! Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

LINHA FINA - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 06/12/11

O governo deve anunciar até o fim do ano a inclusão de mais de 300 mil famílias no Bolsa Família. Abaixo da linha de pobreza atendida pelo programa, elas não estavam inscritas nele. Foram encontradas pelo próprio governo para começar a receber o benefício.

CÍRCULO
A equipe da ministra Tereza Campello, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, calcula que 800 mil unidades familiares teriam direito ao benefício -mas estão fora do programa. Isso ocorreria por falta de informação das pessoas e por elas viverem em exclusão ainda maior que as que já estão sendo atendidas.

PRANCHETA 1
Entre as ideias estudadas pela presidente Dilma Rousseff para enxugar seu governo está a junção dos ministérios do Trabalho e da Previdência Social.

PRANCHETA 2
De acordo com auxiliar com acesso direto à presidente, a possibilidade de juntar pastas como as de Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos num único guarda-chuva está arrefecendo. Além de não darem dor de cabeça nem despesa, elas têm valor simbólico que não poderia ser desprezado.

PRANCHETA 3
Há quem defenda a junção de Ciência e Tecnologia com o ministério da Educação. Mas a proposta, pelo menos até a semana passada, não evoluiu.

LEITURA DE SINAIS
Fernando Haddad (PT-SP) voltou a trabalhar com a informação de que José Serra (PSDB-SP) será candidato a prefeito de SP. A equipe do ministro da Educação, pré-candidato à sucessão de Gilberto Kassab, concluiu que essa é a única alternativa que resta ao tucano para continuar na política.

ONDE ESTÁ
Do ministro Edison Lobão, de Minas e Energia, sobre eventual saída de José Sergio Gabrielli da Petrobras nas próximas semanas: "Isso só aconteceria se a presidente Dilma Rousseff ou eu estivéssemos insatisfeitos com ele. O que não é o caso".

A LUZ
Lobão, por sinal, foi convidado pela ONU para dar consultoria para um projeto de universalização da energia elétrica. Seria uma espécie de "Luz Para Todos" internacional, baseado na experiência brasileira.

CASA DO RONNIE
O cantor e apresentador Ronnie Von comprou uma casa de 4.000 m² no Morumbi. Ele conta que a residência terá um galinheiro e um pomar, além de fogão a lenha. E vaga na garagem para 22 carros.

ADEUS, DOUTOR
O "Profissão Repórter" (Globo), que vai ao ar hoje falando sobre os momentos finais do Campeonato Brasileiro, mostrará uma conversa entre Sócrates e o jogador Paulo André, do Corinthians.

PRESENTE DE NATAL
Wanessa Camargo e Marcus Buaiz escolheram Ronaldo e sua mulher, Bia, para serem padrinhos de seu filho, José Marcus. O bebê nasce entre 20 e 30 de dezembro.

A mãe quer esperar pelo parto normal.

TACO DE PAU
E Ronaldo pegou um helicóptero anteontem de manhã para participar do torneio de golfe em prol do departamento de voluntários do hospital Albert Einstein, em Itupeva (SP). Sua equipe, formada pelos presidentes da Procter & Gamble e da Kalunga e por um produtor de filmes, ficou em 19º lugar.

PÍLULA AZUL
Sucesso nos EUA, o livro "The Viagra Diaries" (algo como Os Diários do Viagra), de Barbara Rose Brooker, será lançado no Brasil em junho de 2012 pela Lua de Papel. A obra fala da busca de uma mulher na faixa dos 50 anos por um amor, após um casamento de 35 anos. O produtor de "Sex and the City" planeja fazer uma série sobre o livro com Goldie Hawn.

PEGA ELA, PERU
O maquiador Marcos Costa fez no fim da semana seu tradicional peru de Natal para comemorar com os amigos mais um ano que passou. A modelo Samira Carvalho, a estilista Fernanda Yamamoto e a promoter Priscila Borgonovi participaram da confraternização, nos Jardins.

DIRETO DO PORTO
A empresária Marlene Tuffi e o namorado, o conde Chiquinho Scarpa, fizeram uma bacalhoada no sábado, entre amigos, no apartamento dela, para celebrar a viagem que fizeram por Portugal. Entre os convidados, a cantora Liane Grisi, a socialite Renata Scarpa e a empresária Marlene Delboni.

CURTO-CIRCUITO
Marco Antonio Villa lança hoje, às 19h, o livro "A História das Constituições Brasileiras", na Livraria da Vila da rua Fradique Coutinho, na Vila Madalena.

O livro "Antunes Filho, Poeta da Cena" será lançado hoje, às 20h, no Sesc Consolação.

Mario Adnet lança o CD "Vinicius & Os Maestros" com show hoje, às 21h, no Auditório Ibirapuera. Classificação etária: livre.

O advogado Antonio Pitombo lança site (www.apitombo.com.br) com artigos e estudos jurídicos.

Lobão fará o show de abertura, para convidados, da casa de eventos Espaço Mofarrej, na quinta.

A Santa Casa de SP lança hoje, às 11h, a segunda fase da campanha de arrecadação "Cupom É Vida".

com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

GOSTOSA


Luz no fim do túnel? - ANTONIO DELFIM NETO


Valor Econômico - 06/12/2011


Na última semana dois pronunciamentos acenderam uma luz de esperança sobre o futuro da economia mundial. O primeiro foi da diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, que afirmou com toda clareza que o purgante (neoliberal moralista) recomendado aos países endividados da Eurolândia, para que devolvam o que comeram mais do que podiam no passado não vai funcionar! Sem prosopopeia, afirmou definitiva e claramente aqui no Brasil (2/12), o que muitos ainda se recusam a aceitar: "Sem crescimento será impossível cuidar do problema das dívidas."No mesmo dia, na Alemanha, a chanceler Angela Merkel (terá ela acertado com o presidente Sarkozy?), comunicou ao Parlamento Alemão que vai apoiar mais um passo importante para completar a federação inconclusa da Eurolândia (os 17 países que adotaram o Euro como moeda): promover a integração fiscal e aperfeiçoar alguns dispositivos do Tratado de Maastricht.

Merkel, finalmente, parece ter introjetado o grave problema da Eurolândia quando afirmou que não se trata apenas da questão das dívidas, mas de uma questão de "confiança" e preveniu que tal solução, se aceita, será um "longo processo, que levará anos para realizar-se. Trata-se de uma maratona".

Os alemães parecem ter compreendido que, numa larga medida, o "problema das dívidas" dos "negligentes e consumistas" países latinos foi criado pelo próprio funcionamento do dinamismo dos valores das antigas moedas nacionais dentro do euro. A grande verdade é que o "deutsch mark" (por virtudes ou condições objetivas) "desvalorizou-se dentro do euro" produzindo ao longo dos anos um superávit comercial da Alemanha que só podia ser saldado pelos seus parceiros da Eurolândia, com o aumento de suas dívidas junto ao sistema financeiro privado, como aconteceu.

É preciso chamar a atenção que a questão cambial da Eurolândia tem uma outra vertente: a sobrevalorização do euro por tempo suficiente para enfraquecer as exportações da Eurolândia a partir de 2004. Isso se torna claro quando se considera que, de 1999 até o terceiro trimestre de 2011, o volume (físico) das exportações mundiais cresceu 105%, enquanto as exportações italianas cresceram 17%, as francesas 40%, as da Espanha 55%, e as da Alemanha 82%. Como afirmou o competente economista Patrick Artus ("L"Economie Politique", nº 52 - "Doit-on regretter Jean-Claude Trichet?", artigo do qual retiramos alguns dos números deste "suelto"), isso acelerou a desindustrialização da zona do euro. O emprego manufatureiro, com relação ao global, caiu de 20% em 1999 para menos de 16% hoje. A produção industrial total cresceu apenas 11%, com os efeitos negativos conhecidos: redução da qualidade dos empregos e redução do crescimento potencial pela queda da produtividade (apenas 0,7% ao ano).

É grave desinformação, por outro lado, pensar que só a Alemanha beneficiou-se da criação da Eurolândia. A taxa de inflação dos países que adotaram o euro em 1999 foi da ordem de 2% ao ano, nunca tendo sido superior a 2,5%. Em matéria de crescimento do PIB per capita eles não ficaram atrás dos EUA (em torno de 12%). A despeito dos grandes desequilíbrios internos de suas balanças comerciais, a Eurolândia tem praticamente equilíbrio com o resto do mundo e o seu déficit em conta corrente é da ordem de 1% do seu PIB. É interessante que com relação ao seu PIB total, o déficit público da Eurolândia é da ordem de 4%, enquanto o dos EUA anda em torno de 10%. Finalmente, um fato da maior importância: Entre 1999 e 2011, o emprego total na Eurolândia aumentou em quase 12% (a despeito do imenso desemprego em alguns países membros, particularmente a Espanha), enquanto nos EUA ele não chegou a 3%.

O mais notável efeito da introdução do euro foi a convergência das taxas de juros, pagas à dívida soberana de seus membros, à taxa alemã. Apenas para dar um exemplo: a taxa de três meses da dívida grega caiu de 15% para 3% ao ano e as da Espanha e Portugal de 12% para 3%. Infelizmente os benefícios produzidos pela redução do custo da dívida foram muito mal aproveitados. Contando com crédito fácil gerado pelas "inovações" financeiras (as famosas armas de destruição em massa) e protegidos pelas agências de risco, os governos prosseguiram na sua largueza de gastos até chegarem á beira da insolvência.

Com o benefício do "futuro" ter se tornado "passado", vemos com clareza que não foi apenas o não cumprimento das condições impostas pelo Tratado de Maastricht que levou a Eurolândia à dramática situação que ficou escondida por dez anos até ser exposta pela crise financeira americana. A própria fixação do valor das moedas dentro do Euro continha a semente da sua destruição porque ignorou o fato que a unificação monetária (sem o necessário complemento fiscal) não levaria a uma convergência estrutural das economias reais.

A resposta do famoso "mercado" a essa fundamental mudança do FMI e da Alemanha foi, pelo menos no primeiro momento, de quase euforia. O reconhecimento que apenas a "austeridade fiscal" não é a solução pode levar a um avanço dramático na direção de encontrá-la.

Lupi e Rousseau - MERVAL PEREIRA



O Globo - 06/12/2011


agora ex-ministro do Trabalho Carlos Lupi deixou um bilhete justificando seu pedido "irrevogável" de demissão transferindo suas culpas para um suposto "ódio das forças mais reacionárias e conservadoras deste país contra o Trabalhismo", assim mesmo, com letra maiúscula.

É um bilhete de despedida e ao mesmo tempo uma tentativa de se transformar em mártir, perseguido pela mídia e pelo Conselho de Ética da Presidência.

A mídia já é alvo de um grupo petista que não esquece a tentativa de controlar as informações, vontade que aumenta a cada vez que uma denúncia contra o governo se mostra tão verdadeira que obriga à demissão de ministros.

Já o Conselho de Ética teria que ser desfeito caso Lupi permanecesse no cargo, o que não seria nada bom para o governo.

Lupi garante sair, depois de tentar sobreviver politicamente a sucessivos escândalos, "com a consciência tranquila do dever cumprido, da minha honestidade pessoal e confiante por acreditar que a verdade sempre vence".

Conversando com o professor de Filosofia Política e Ética da USP Renato Janine Ribeiro, que está aqui na Tunísia participando da Conferência da Academia da Latinidade sobre os novos imaginários da democracia suscitados pela Primavera Árabe, concordamos com a conclusão geral de que a impunidade é a razão da repetição dos erros, e que não é possível Lupi não ser julgado, assim como acontece a seus antecessores de degola.

No Brasil atual, há uma regra não escrita semelhante à do Comitê Olímpico Internacional (COI), do qual outro brasileiro ilustre, João Havelange, pediu demissão para não ser julgado por uma acusação de corrupção.

Lá em Genebra, sede do COI, há uma regra, não sei se escrita, de que se arquivam as denúncias em caso de demissão do acusado.

Parece que na poderosa Fifa, onde Havelange começou sua vitoriosa carreira de cartola internacional, a prática é a mesma. Mas essas são instituições privadas, que podem fazer suas próprias regras.

No plano político, há o exemplo dos Estados Unidos, onde as punições são rigorosas contra a corrupção - há casos diversos de banqueiros, governadores, empresários, políticos de maneira geral presos sem perdão -, mas as questões morais podem ser também letais para carreiras políticas.

Hoje mesmo temos exemplos de vários candidatos a candidato à Presidência dos republicanos que saíram da disputa por questões morais, como acusações de assédio sexual.

E a mentira de um político, descoberta, é geralmente fatal para suas pretensões.

Anuncia-se que a presidente Dilma deixará no cargo o secretário-executivo Paulo Roberto Pinto, que também é do PDT e teve participação ativa na tentativa de acobertar a viagem de Lupi no King Air "providenciado" por Adair Meira, presidente de ONGs com contratos milionários com o ministério.

Pinto tentou convencer o ex-secretário de Políticas Públicas de Emprego Ezequiel Nascimento a não confirmar as denúncias, mas não teve sucesso.

Pelo visto, Pinto não faz parte dos secretários-executivos de ministérios com quem a presidente Dilma prefere despachar em lugar dos ministros, nessa estranha maneira de governar que vem sendo aprofundada no governo Dilma.

Se não é possível deixar de entregar um ministério a um determinado partido, e se nem mesmo é possível à presidente escolher no partido o nome de sua preferência, ela resolve nomear um secretário-executivo de sua escolha e despacha com ele.

O ministro, por sua vez, fica mais devedor da bancada que o escolheu do que compromissado com a presidente, e acontece o que vem acontecendo com frequência assustadora neste primeiro ano de governo.

Os ministérios são usados como fontes para o financiamento das campanhas eleitorais do partido e para troca de favores do ministro com seus pares, que quando são revelados pela imprensa tornam inviável a permanência do ministro no cargo.

Pinto ficará no cargo até a reforma ministerial de janeiro, decisão que tem duas consequências em si mesmas boas: indica que a presidente pode adotar uma fusão de ministérios, juntando o Trabalho à Previdência, como sugerem estudos; e também que o brizolismo de Dilma não é suficiente para manter o Trabalho com o PDT.

O ex-ministro Lupi, se escapasse das acusações de corrupção, não escaparia das punições morais por ter mentido à presidente da República e, mais grave, ao Congresso Nacional.

Renato Janine sugere que se adote uma ideia do filósofo Jean-Jacques Rousseau, que em 1772 escreveu "Considerações sobre o governo da Polônia", a pedido do conde Wielhorski, que lhe solicitara "um plano regrado de reconstrução" para o país.

Naquele momento, qualquer integrante do Sejm (o parlamento) podia paralisar uma iniciativa do Executivo com o seu veto, e Rousseau, para mostrar o absurdo da situação, sugeriu uma medida drástica.

Já que não era possível acabar com o poder de veto, que se tomasse uma decisão: o autor do veto teria um julgamento sobre sua decisão.

Ou, caso comprovasse sua inocência, tornaria-se um herói nacional, merecedor de todas as honras por ter evitado uma medida catastrófica para o país, e os acusadores teriam que responder pelas calúnias; ou seria condenado à morte por seu veto, que impôs ao país um retrocesso.

Ao final, a prerrogativa do veto foi extinta, para acabar com a anarquia institucional e dar condições de governança ao reino.

Assim também os acusados de corrupção no Brasil teriam direito - ou a obrigação - de ver seus processos concluídos, para serem mostrados à população como vítimas de perseguição, como se dizem sem exceção os seis ministros demitidos por suspeita de irregularidades, ou serem condenados às penas da lei se comprovadas as acusações.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 06/12/11


Ações terão aumento de lucro em 2012, prevê fundo

No mercado financeiro, já corre a brincadeira: "feliz 2014", em uma alusão a mais dois anos difíceis para a Bolsa de Valores.

Mas, apesar da situação ainda embolada na Europa, instituições financeiras projetam crescimento do lucro de ações listadas no Ibovespa (para cerca de 80 companhias), em 2012.

A média do mercado, segundo levantamento de uma instituição, estima em 8,5% a alta do lucro das empresas no ano que vem.

A corretora de um grande banco, por sua vez, projeta crescimento de 3%.

Para Jorge Simino, diretor de investimentos da Fundação Cesp, que está entre os maiores fundos de pensão do país, com aproximadamente R$ 19 bilhões de patrimônio, esse percentual será de 5%.

"O P/L da Bolsa [indicador de preço sobre lucro] pode ficar entre dez e 11 vezes", diz Simino. A média dos últimos cinco anos é de 12 vezes, o que significa recuperação de investimento entre dez e 11 anos.

O fundo de pensão projeta aumento do PIB "mais para 3,5% no ano que vem."

A boa notícia para Simino é que, a partir do segundo semestre, o crescimento da economia deve ganhar ritmo.

"As medidas tomadas, como a do IPI e a queda de juros, devem começar a repercutir mais a partir do segundo ou do terceiro trimestre", estima ele.

"Nos 12 meses, a contar do início do segundo semestre, cresce mais de 4%, fácil."

DIREÇÃO: SP

A rede KFC inicia sua expansão no Brasil. Desta vez, pelas mãos do grupo BFFC (Brasil Fast Food Corporation), o mesmo do Bob's.

A rede tentou se estabelecer no país outras vezes, mas não obteve sucesso.

O primeiro passo da nova expansão é o mercado paulista. A empresa acaba de inaugurar um restaurante e abrirá mais dois neste mês.

Em 2012, começará a trabalhar com franquias no Estado. Deve abrir 15 lojas por ano até 2015. "Serão investidos R$ 75 milhões, entre recursos próprios e de franqueados", diz o diretor do KFC no Brasil, Flávio Maia.

O carro-chefe da marca é o balde com pedaços de frango frito. No Brasil, a rede incluirá acompanhamentos como arroz e farofa.

NO TRILHO

O mercado, tanto o ligado a ferrovias, quanto o imobiliário, já faz planos para os quatro percursos de trem que o governo estadual de São Paulo pretende criar.

O investimento deve ficar entre R$ 16 bilhões e R$ 18 bilhões e prevê expressos a uma velocidade entre

160 km/h e 180 km/h.

Como os projetos ainda não foram apresentados, os valores de investimentos são aproximados. Estações e a ordem de trajetos também ainda podem mudar. Ao lado, as estações projetadas.

RENOVAÇÃO ENERGÉTICA

O Brasil ficou na quinta colocação no ranking dos países que mais aumentaram sua capacidade de gerar energia renovável entre 2005 e 2010, segundo estudo da Unctad (Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento).

No período, a capacidade do país cresceu 42%. À frente do Brasil, apareceram China, Coreia do Sul, Turquia e Alemanha.

A pesquisa aponta também que Brasil, China, Índia e África do Sul tiveram avanços tecnológicos significativos nas indústrias de energia eólica e solar.

Apesar disso, o órgão afirma que esses países precisam de apoio internacional para adotarem energia renovável em maior escala e que a cooperação entre os países do Sul pode alavancar o desenvolvimento do setor.

DA COZINHA PARA A RECEPÇÃO

O casal proprietário do restaurante Chakras, Miguel e Fabiana Reis, investirá cerca de R$ 50 milhões para a construção de um hotel no mesmo local, em São Paulo.

O empreendimento terá 50 suítes, dois restaurantes, spa e espaço para eventos.

As obras no terreno ao lado do Chakras, que também fará parte do hotel, começarão em janeiro.

"Nos três primeiros meses de 2012, faremos apenas os eventos que já estavam marcados no restaurante. Em abril, já haverá obras nos dois terrenos", diz Miguel.

O hotel, que ficará pronto em dezembro de 2013, será construído com uma linha de financiamento voltada para a Copa. "Estamos negociando com bancos privados e o BNDES", afirma Miguel.

Ao mar Os gastos com marketing e excursões das empresas de transporte marítimo atingiram R$ 102 milhões na temporada passada, segundo a Abremar (associação de cruzeiros marítimos).

Gesso O uso de chapas de gesso "drywall" aumentou 21,6% nos nove primeiros meses deste ano, ante mesmo período de 2010, de acordo com a Associação Brasileira do Drywall.

CLASSE ECONÔMICA

A Direcional Engenharia assina hoje contrato para a construção de um hotel em Belo Horizonte. O investimento será de R$ 39 milhões, diz Ricardo Ribeiro, diretor da companhia. O hotel terá a bandeira econômica da Hotelera Posadas, das marcas Caesar, e será aberto em 2014.

com JOANA CUNHA, VITOR SION, LUCIANA DYNIEWICZ e ALESSANDRA KIANEK

UMA NOVA ONG!


A síndrome de Brezhnev de Putin - PIERRE BUHLER



Valor Econômico - 06/12/2011


O vencedor de eleições legislativas de domingo na Rússia era conhecido antecipadamente: o partido Rússia Unida, organizado por Vladimir Putin. Da mesma forma, não há dúvida de que Putin vencerá a eleição prevista para março de 2012. Mas o entusiasmo público que ratificou o governo de Putin durante uma década desapareceu, prova disso é o mau desempenho de seu partido, Rússia Unida, nas eleições recém-realizadas para a Duma.

Ao contrário da Europa, atormentada por uma crise de endividamento, dos EUA, cujos líderes estão discutindo sobre como conter o déficit, a Rússia pode parecer um oásis de estabilidade e continuidade. Mas essa continuidade é uma reminiscência da "zastoi", ou estagnação, da era Brezhnev.

Os oito anos de 7% de crescimento médio anual do PIB durante o governo anterior de Putin (2000-2008) permitiu à Rússia pagar suas dívidas, acumular quase US$ 600 bilhões em reservas de moeda estrangeira e passar a fazer parte do grupo de principais economias emergentes. Uma década depois da crise de 1998, que colocou a Rússia de joelhos, seus líderes se gabavam de que o país poderia resistir à crise financeira de 2008.

Reformas significativas parecem altamente improváveis pela simples razão de que prejudicariam os interesses das elites dominantes russas. Elas têm escasso ou nenhum interesse em apoiar os direitos de propriedade, o Estado de Direito e a concorrência.

Dados os fundamentos econômicos russos, a queda da popularidade de Putin pode parecer surpreendente. A previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) de crescimento de 4% em 2011 e em anos subsequentes coloca a Rússia bem atrás da China e da Índia, porém muito à frente das taxas médias de crescimento dos países ricos do G-7. Além disso, o orçamento russo ficará equilibrado enquanto os preços do petróleo permanecerem acima de US $ 110 por barril.

As tendências de mais longo prazo também melhoraram. O declínio demográfico rápido foi contido a partir da virada do século (época em que os caixões superavam os berços em 7 para 4), depois que generosos subsídios governamentais impulsionaram a taxa de fertilidade de seu mínimo de 1,16 filho por mulher para 1,58 em 2010. Esse número ainda está muito abaixo da taxa de substituição (populacional) de 2,1, mas a fertilidade mais alta, juntamente com medidas bem sucedidas para reduzir a mortalidade masculina, diminuíram o ritmo de encolhimento da população.

Mas a Rússia permanece essencialmente um "Estado rentista" - isto é, um Estado cuja principal fonte de renda são receitas - no caso, de petróleo e gás - em vez de impostos, o que, assim, mantém a cobrança por representação política fora do cenário. Em vez disso, o Estado é alvo de empreendedores políticos que se empenham em capturá-lo para apoderarem-se das rendas que o Estado controla.

A Rússia conserva a maioria das características de Estados rentista: autocracia, instituições políticas e judiciais fracas, governo arbitrário, ausência de Estado de Direito, escassa transparência, restrições à liberdade de expressão, corrupção generalizada, clientelismo e nepotismo. Também comum a Estados rentistas são horizontes de investimento curtos, vulnerabilidade à volatilidade dos preços das commodities - euforia quando disparam, crise quando despencam - e um setor industrial subdesenvolvido e não competitivo.

Ampliar imagem

A Rússia atual é um gigantesco reservatório de matérias-primas e sua economia depende fortemente de commodities - mineração e poços petrolíferos. A Rússia é o maior exportador de petróleo e de gás do mundo, detendo mais de 25% do total de reservas comprovadas de gás. As commodities respondem por mais de dois terços das receitas de exportações do país e são a principal fonte de receitas do Estado.

O impacto sobre a governança é totalmente previsível. Em 2011, o índice de "percepção de corrupção" compilado pela Transparência Internacional classificou a Rússia na posição 143 entre 182 países, juntamente com a Nigéria, e na posição 182 entre 210 países em termos de "controle da corrupção", um dos indicadores de governança mundial compilado pelo Banco Mundial. No que diz respeito ao Estado de Direito, houve apenas uma melhoria mínima, ficando a Rússia classificada na posição 156.

Enquanto isso, a infraestrutura está se desintegrando até mesmo na vital indústria extrativa e sua indústria é não competitiva internacionalmente. A indústria de armamentos russa perdeu a sua forte posição junto à Índia e a China, antes seus dois principais clientes. Apesar das afirmações grandiosas sobre nanotecnologia e um "Vale do Silício" russo em Skolkovo, os gastos com P&D são de apenas um 1/15 do nível americano e um quarto do chinês. Como proporção do PIB, os gastos com P&D foram reduzidos para a metade desde o início da década de 1990, e estão agora apenas em 1% do PIB. Cientistas e pesquisadores, antes ponto de orgulho da União Soviética, desapareceram, frequentemente atraídos por oportunidades mais gratificantes, na própria Rússia ou no exterior.

De fato, as universidades russas estão quase ausentes do ranking mundial: somente duas aparecem na lista das 500 principais compilada pela Universidade de Xangai e no fim da lista entre as 400 classificados pelo Higher Education Supplement, do "The Times". A Rússia também exibe mau desempenho - é a 63ª - no Índice de Competitividade Mundial divulgado pelo Fórum Econômico Mundial, bem atrás de todos os países desenvolvidos e até mesmo de muitos países em desenvolvimento. O mesmo vale quanto a capacidade de inovação e tecnologia.

Mas há indícios de esperança. A Rússia já não está atrás dos países desenvolvidos em uso da internet, que tem proporcionado espaço para a expressão não regulamentada do pensamento, permitindo aos usuários contornar a mídia noticiosa oficial - esmagadoramente pró-Putin. Além disso, após prolongadas negociações, a Rússia firmou um acordo de adesão à Organização Mundial do Comércio, o que implica a necessidade de cumprir todas as obrigações em matéria de transparência e regras de negócios.

Mas ainda há dúvida sobre uma transformação abrangente da economia russa. Um dos principais economistas independentes russos, Sergei Guriev, reitor da Nova Escola Econômica, observou em tom pessimista em 2010 que reformas significativas parecem altamente improváveis - pela simples razão de que prejudicariam os interesses das elites dominantes russas. Em qualquer país rico em recursos naturais e antidemocrático, a classe política e os interesses comerciais que a rodeiam têm escasso ou nenhum incentivo para apoiar os direitos de propriedade mais vigorosos, o Estado de Direito e a concorrência. Na verdade, tais mudanças estruturais enfraqueceriam o controle político e econômico exercido pela elite no poder. O status quo - regras opacas, decisões arbitrárias e a ausência de prestação de contas - permite que atores bem relacionados enriqueçam, apoderando-se de receitas das exportações de commodities.

Quando a Rússia comemorar o vigésimo aniversário do colapso da União Soviética, neste Natal, terá muito para comemorar. Infelizmente, o que não mudou a fará sentir muito remorso. (Tradução de Sergio Blum)

Pierre Buhler, diplomata francês, é autor de "La Puissance au XXieme Siècle (O poder no Século XXI). Copyright: Project Syndicate, 2011.

Os dois pedaços de mim - ARNALDO JABOR


O Estado de S.Paulo - 06/12/11


Minha lembrança mais antiga sou eu mesmo encolhido em minha cama de menino, no meio da noite, ouvindo beijos e gemidos de meus pais se amando no quarto ao lado.

De manhã, fui acordado por minha mãe, trêmulo de angústia. Ela não era mais a mesma; era uma mulher diferente, com a camisola transparente por onde se viam seus seios brancos.

Meu pai era oficial da Aeronáutica e, grande piloto, voava de rodas para cima, fazendo piruetas sobre nossa casa. Eu e minha mãe, juntos no jardim, víamos o monomotor desenhar parafusos no céu para ela, pálida de orgulho e paixão, até que uma das asas caía e o avião vinha despejando fogo sobre nós, esmagando minha mãe no meio do jardim de rosas, sobrando apenas eu, entre destroços e chamas.

Com medo de sonhar de novo, tentava não dormir, mas o cansaço me vencia, e lá vinha o avião em sangrento parafuso em meu sono e eu acordava chorando por meus pais mortos no jardim.

Nessa época, adquiri um estranho hábito: parir-me. Logo que minha mãe me beijava e fechava a porta, tomava-me a volúpia de ficar sozinho no quarto como um clandestino; era como se eu traísse minha mãe comigo mesmo. E aí começava meu ritual de nascimento.

Eu despia o pijama assim que ela saía e começava o parto. Imaginava-me inteiramente liso, como raspado para uma cirurgia e, de dentro de meus membros, saía um outro corpo, como a borboleta da crisálida. Meus pés surgiam de dentro dos velhos pés, minhas panturrilhas rompiam a frágil casca da pele e emergiam fortes e prontas para gols de bicicleta que eu via na TV e com o peito do Tarzan, que eu via no gibi a combater gorilas. Era assim que conseguia dormir, imaginando o que eu não era. Eu era 'nada' e tinha de me inventar. Sentia-me um órfão; seriam eles meus pais mesmo?

Minha mãe falava muito na ex-noiva de meu pai, Ivone, creio. Ele largara-a praticamente na porta da igreja, apaixonado por minha mãe que, apesar do orgulho de 'favorita', vivia com medo da volta da 'rival'. Comecei outro delírio: se meu pai não tivesse conhecido minha mãe, eu não existiria; e, se ele tivesse casado com Ivone e minha mãe com outro homem e tivessem filhos, haveria dois pedaços de mim soltos no mundo - duas pessoas com metade do que eu sou, a parte de minha mãe e a parte do meu pai. Como seriam os dois pedaços de mim? E eu imaginava seus rostos, mas vivia no fundo do nada.

Queria ser parte da vida de meus pais, mas não conseguia entrar.

Não se largavam um minuto, mas não se entendiam. Com a TV, o cinema americano, os beijos ardentes de amor romântico, a nudez nas praias, os casamentos já não tinham a solidez obediente do passado, com pai severo, mulher calada e filhos reprimidos. Afinal, o que faltava entre meus pais? Eles se amavam, mas não sabiam 'como'. Era como se tivessem saudade de um amor que não acontecera. Eu via as inúmeras brigas por nada, seguidas de soluçantes reencontros, de abraços convulsos, via os ciúmes de minha mãe da prima gostosa de maiô duas peças, vi a poltrona de veludo em que ele meteu o pé enlameado em fúria, via as tardias chegadas de meu pai, voltando de misteriosas reuniões, vi minha mãe procurando alívio numa médium espírita que lhe dava conselhos com voz grossa de 'caboclo', minha mãe sofrendo com a novela de rádio, minha mãe ao telefone com minha tia, chorando, na certeza de que ele tinha uma amante, via o silêncio de meu pai vendo TV de tarde, não respondendo mais às falas compulsivas de mamãe, que me disse, orgulhosa e triste: "Seu pai foi o único homem que eu beijei, mas ele tem outra, tem outra..."

Uma noite, já adolescente, segui meu pai. Seu carro parou na praia e uma mulher entrou. De madrugada, vi pela janela meu pai voltando no velho Ford 61. Chovia muito. Ele saltou do carro e ficou parado na chuva, sem entrar. Ele parecia sentir prazer de se molhar ali, na porta de casa. Da janela, eu gritei: "Papai, entra!" Demorou ainda, mas acabou entrando, ensopado e trôpego de bebida e logo eu ouvia minha mãe no quarto, chorando alto: "É a Ivone! Ela voltou pra te levar! É ela!"

Meu pai continuou a sair de noite e mamãe chorava: "É ela!... Ivone!" (como se depois de tantos anos, Ivone, velhinha, 'fizesse a vida' na Praia de Copacabana).

Minha mãe se perdia em mais delírios em sua solidão amargurada, diante do silêncio duro de meu pai. "Ele não aguenta mais" - eu pensava.

Um dia, mamãe começou a morrer - "dois a três meses no máximo" -, disse o médico. Meu pai não deixou ninguém cuidar dela e foi seu perfeito enfermeiro até a morte, quando vi meu pai chorar alto, mas sem lágrimas no rosto. Era um gemido seco - dizem que octogenários não têm lágrimas. Trancou-se em casa e não queria ver ninguém. "Vamos dar uma volta, pai, tomar um chope..." Não havia hipótese. Durou meses isso. Eu e minha irmã queríamos visitá-lo: "Não preciso, não quero ninguém aqui..!"

Um dia, achei uma chave de sua casa e fui surpreendê-lo. Abri a porta e a casa estava vazia de móveis. Só um sofá e meu pai sentado ali.

Em todas as paredes da casa havia retratos de minha mãe, muitas dezenas - meu pai tinha ampliado todas as fotografias de mamãe, seu rosto enchendo as paredes até o teto: ela sorrindo num navio, ela de casaco de pele, ela jovem e linda de vestido de baile, ela e o casamento, ela no Pão de Açúcar, ela em closes enchendo as paredes da casa vazia. Sentei ao lado de meu pai no sofá. Ele não falou nada, mas deu um gemido seco como no dia do enterro.

Semanas depois, eu quis voltar: "Não precisam vir aqui!" - , disse ao telefone.

Fui assim mesmo.

A casa estava vazia e a TV ligada muito alto com um programa vespertino, Jeannie É um Gênio, que ele gostava de ver.

Papai continuava sozinho no sofá; só que agora estava caindo para o lado, a luz da TV sobre ele, muito pálido, imóvel, com um filete de sangue saindo do nariz. Em volta, como um céu estrelado, dezenas de rostos de minha mãe sorriam para ele. Senti o peso de minha orfandade. Era como se eu não existisse. E pensei nos dois pedaços de mim, soltos no mundo, se meu pai e minha mãe nunca tivessem se encontrado.