sábado, outubro 06, 2012

Inovar o protecionismo - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 06/10

O novo regime automotivo é protecionista. Não é para beneficiar o consumidor. É mais uma encarnação da mesma velha política que eleva os muros contra os carros importados e dá o mercado interno como sesmaria para as indústrias instaladas no Brasil. O IPI mais alto para os importados será uma segunda tarifa de importação, o que é proibido pela Organização Mundial de Comércio (OMC).

As montadoras brasileiras ganharam mais cinco anos para competir com os carros importados. É isso que estabelece o novo regime automotivo. As importadoras terão cotas anuais de importação sem IPI - outra irregularidade pela OMC - que em alguns casos representam a importação de um mês. As empresas no Brasil terão que comprovar ao governo, de ano em ano, que cumprem o prometido. Serão monitoradas.

A ideia inicial era medir a emissão de poluentes por quilômetro rodado, como é feito na Europa. As montadoras não gostaram, então eles mudaram pela eficiência energética, que é uma forma indireta de se reduzir a emissão. O problema é que muitas dessas empresas têm nos seus mercados de origem carros mais eficientes do ponto de vista do consumo de combustível do que teremos em 2017.

O governo apresentou uma conta de quanto será a economia do consumidor caso a meta de três quilômetros a mais por litro seja atingida dentro de cinco anos. É um belo exercício da modalidade chute livre. O especialista em mercado automotivo Stephan Keese, sócio da consultoria Roland Berger, lembra que isso pode deixar o carro mais caro:

- A tecnologia já existe, mas o motor custa mais caro e isso deve ser repassado ao custo do veículo.

O que torna a chutometria mais implausível é o fato de que o preço do combustível no Brasil deixou de responder a qualquer lógica de mercado. É o que o governo precisa para segurar a inflação e o quanto a Petrobras aguenta. A estatal, na atual gestão, tem avisado que não aguentará para sempre.

Luiz Carlos Mello, ex-presidente da Ford e hoje no Centro de Estudos Automotivos, acha que estamos em pleno retrocesso:

- O governo formalizou um quadro de restrição à importação. Guardadas as devidas proporções, voltamos ao período anterior a Collor. Naquela época, era proibido importar. Agora não é mais, só que a importação terá um custo altíssimo.

O Brasil como membro da OMC assumiu compromisso de ter alíquota máxima. Esse número é resultado de uma negociação que leva às "alíquotas consolidadas". A do Brasil é 35%, e o carro já paga o teto. O que se fez nos últimos tempos foi reduzir o IPI para o carro produzido aqui. Assim, um imposto interno virou segunda tarifa de importação. Essa dupla barreira começou a ser contestada pelos parceiros, mas era temporária. O que o governo fez foi institucionalizá-la através de um programa de metas de desempenho e investimento em pesquisa.

A exigência de investimento em pesquisa e desenvolvimento no Brasil será de 0,15% da receita operacional bruta. Depois aumentará até 0,5%. Mello não acredita muito nessa pesquisa.

- Vamos supor que a Petrobras monte um centro de pesquisa no Mar do Norte. Esse centro tomará decisão sem passar pelo Rio? É claro que não.

O decreto levantou dúvidas e está sendo avaliado por especialistas. Pode vir a ser fonte de mais burocracia num país que nunca foi leve nesse campo.

Perde a conta quem tentar listar as medidas para favorecer a indústria automobilística. Elas voltaram com força em 2009, sob pretexto da crise. Até o Banco Central entrou no grupo das bondades, quando liberou R$ 18 bi de compulsório para a compra de veículos. O governo está convencido de que vai acelerar o crescimento assim. O que conseguiu até agora foi parar o trânsito das cidades.

Paraty-Cunha liberada - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 06/10

Depois de uns 50 anos de debates, o Ibama concedeu a licença para o governo do Rio pavimentar a Estrada-Parque Paraty-Cunha.
Sempre houve resistência de alguns ecologistas à pavimentação de um trecho de uns 9km da RJ-165, caminho entre Rio e São Paulo, por passar dentro do belo Parque Nacional da Bocaina.

Segue...
A Secretaria estadual de Obras, em parceria com a Eletronuclear, vai calçar a estrada-parque, numa obra orçada em R$ 66 milhões.
A rodovia poderá ser usada como alternativa de evacuação em caso de acidente nuclear na usina de Angra.

É grave a crise
Veja por que a inflação acelerou 0,57% em setembro, segundo o IBGE. Nosso Lan, 87 anos, bebe, todo santo dia, uma garrafinha de vinho que passou de R$ 15 para R$ 30.
O mestre do traço diz que a bebida é prescrição médica. Será?

Lei Seca molhada

Acredite. Empresas do ramo petrolífero que atuam em plataformas, navios de apoio etc. têm submetido seus homens de alto mar a... testes de bafômetro.
É que já houve casos de tripulantes beberem antes de operarem máquinas. Se beber, não embarque.

Romário 2x0 Vasco

A 5? Câmara Cível do Rio manteve a "penhora on-line" de bens do Vasco para quitar uma dívida de R$ 58 milhões com Romário.

Marca forte
No país do futebol, a marca CBF é conhecida por 67% dos brasileiros.
Pesquisa do Ibope mostra que, entre os homens, oito em cada dez sabem do que trata.

PORQUE HOJE É SÁBADO...
A coluna volta a declarar seu amor pelo Jardim Botânico do Rio com esta beleza de postal de um saíra-militar que colhe frutos da palmeira australiana. O flagrante é do nosso fiel correspondente no parque, Laizer Fishenfeld. O Tangara cyanocephala, seu nome científico, também é conhecido como saíra-de-lenço, saíra-de-pescoço-vermelho, soldadinho e verdelim. Entre setembro e dezembro -agora, portanto - é quando se reproduz. São os meses do amor do lindo penoso. Que Deus o proteja e não nos desampare jamais •

Só com farda
Mais um caso de clube no Rio que proíbe o acesso de babás sem uniforme. No início do ano, lembra?, o Paissandu criou confusão com a babá dos filhos do cineasta Andrucha Waddington.
Agora foi o Caiçaras, na Lagoa. Segunda, tentaram barrar uma negra, Elaine Pacheco, com duas crianças brancas, filhas de Sabina Wasserman.

Israel x Palestina
O chanceler Antonio Patriota estará em Israel dias 12 e 13 agora e, de lá, seguirá para uma visita oficial à Autoridade Nacional Palestina.
Aliás, Paulo Roberto França será nosso novo embaixador na Palestina.

Retratos da vida


Terça, no Estação Sesc Botafogo, no Rio, uma sessão do filme "Meu bairro’,’ que mostra a união entre árabes e judeus, foi marcada por uma cena de... intolerância entre duas mulheres.
— Sua gorda! — gritou uma.
E a outra:
— E você, que é feia?!
O pior é que as duas... deixa pra lá.

Contra a balança
Ronaldo Fenômeno vem ao Rio treinar com Anderson Silva, na academia do nosso campeão de MMA, no Recreio.
O treinamento é parte do quadro "Medida certa” do "Fantástico’,’ da TV Globo. Nossos coleguinhas do programa, como se sabe, tentam ajudar Ronaldo a emagrecer.

Cerimônia histórica
Segunda, a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) fará cerimônia para reconhecer, formalmente, que violou os direitos humanos do cadete Márcio Lapoente da Silveira, morto durante treinamento militar, em 1990.
No evento, será inaugurada uma placa em homenagem ao cadete.

Segue...

A família do cadete teve de recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos, que costurou o acordo com o governo brasileiro.
O acordo previu ainda, segundo o advogado João Tancredo, a apuração de outros 22 casos na Aman.

Beltrame no Alemão

Pela primeira vez desde a pacificação do Complexo do Alemão, no Rio, o secretário Beltrame foi à Igreja da Penha.
Gravou ali o programa "O bagulho é doido’,’ de MV Bill, no Canal Brasil. O xerife lembrou que, até há pouco, seria impossível dar ali uma entrevista.

Boletim médico
Luiza Brunet ficou internada 12 horas, quarta passada, no Hospital Samaritano, no Rio.
Fez uma colonoscopia. Está bem.

Amor de película - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 06/10

Os atores Milhem Cortaz e Fabiula Nascimento formam um casal em dois filmes: "Dores de Amores", de Raphael Vieira, que estreia amanhã no Festival do Rio, e "O Lobo Atrás da Porta", em produção; "O Milhem é um homenzarrão sensível como um menino", diz ela

DESCULPA, GILMAR
O ator José de Abreu, o Nilo da novela "Avenida Brasil", da TV Globo, se retratou "cabalmente" por ter chamado o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), de "corrupto" em comentário no Twitter. Em resposta a interpelação do magistrado, diz que, "informado" por seus advogados da "conotação mais forte" do adjetivo, "se retrata cabalmente, lamentando tê-lo empregado".

EQUÍVOCO
Em outro trecho da resposta, Abreu diz que "se equivocou ao atribuir ao interpelante a pecha de corrupto" e que "não tinha, como não tem, provas para fazer tal afirmação". Teria escrito o comentário depois de ler reportagens que sugeriam "a referida prática delitiva do interpelante [Mendes]". Reconheceu que elas, "ainda que publicadas por veículos de seriedade incontestável, não constituem, por si só, base suficiente para permitir-lhe o equívoco de que agora cabalmente se retrata".

PARA FINALIZAR
Os advogados do ator, liderados por Nilo Batista, do Rio, aproveitaram o texto para fazer referência aos habeas corpus que, em 2008, Gilmar Mendes concedeu ao banqueiro Daniel Dantas na Operação Satiagraha. "Ao contrário da apreciação geral da imprensa, constituiu decisão não só adequada ao processo penal no Estado de Direito, como também corajosamente tutelar da autoridade da corte suprema."

Batista e seus sócios se dizem à vontade para o elogio, já que "patrocinavam interesses radicalmente opostos aos daquele banqueiro".

PLIM PLOM
A cúpula da campanha de Celso Russomanno (PRB-SP) não conseguiu marcar reunião com executivos da Globo. Marcos Pereira, presidente do PRB, diz estar há um mês tentando agendar com Carlos Henrique Schroder, próximo diretor-geral da TV. Segundo ele, o encontro teria sido marcado para ontem, mas acabou adiado para o segundo turno.

SEM DATA
Já a Globo nega "com veemência" que qualquer reunião tenha sido agendada.

GENTE COMO A GENTE
No domingo passado, jovens aspirantes a modelo entregavam material de campanha do candidato a vereador Andrea Matarazzo (PSDB) próximo ao shopping Iguatemi. "O casal já tem candidato?", perguntava uma das meninas, para então dar um folheto com o slogan "já temos em quem votar". A frase aparecia na fachada de diversas casas do Jardim Europa, nas redondezas.

COSA BELLA!
"As Melhores Coisas do Mundo", filme de Laís Bodanzky, ganhou dublagem em italiano para estrear no país em 18 de outubro.

GADÚ E O VENTO
Maria Gadú gravou música de Jesse Harris, compositor que ganhou o prêmio Grammy, para o filme "O Tempo e o Vento", com estreia prevista para 2013. "Ela é tipo a Norah Jones do Brasil", diz Harris.

PÓS-IMPRESSIONISTAS
O CCBB de São Paulo vai inaugurar "Planos de Fuga - Uma Exposição em Obras", no dia 27. Uma das instalações é "Ocasião", de Cildo Meireles, inédita no Brasil.

SAIA JUSTUS
Fabiana Justus chamou a irmã Rafinha, 3, para lançar linha de roupa infantil no shopping JK. A apresentadora Patrícia Maldonado levou a filha Nina, 2, à loja, na quarta.

MASP 65
O Masp celebrou 65 anos com concerto regido por João Carlos Martins. A estilista Cecília Neves, a decoradora Bebel Alves de Lima e Beatriz Vicente de Azevedo, diretora do Museu de Arte Sacra, foram à av. Paulista para a celebração.

CURTO-CIRCUITO
Ricardo Viveiros lança hoje o livro "Saudade". Na Livraria da Vila do shopping JK Iguatemi, às 16h.

Duda Bündchen desfila hoje no Kids Fashion Show, no Wet'n Wild.

A galeria Choque Cultural abre hoje a exposição "Carbono Catorze". Às 15h.

A Unibes (União Brasileiro-Israelita do Bem-Estar Social) promove amanhã um bazar de brinquedos.

O uruguaio Eduardo Ortiz, ativista na causa dos transplantes, vai carregar uma faixa com o nome da itanhaense Gabriela Samira ao correr a maratona de Buenos Aires amanhã.

A defesa do STF - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 06/10


Entre os desserviços que o ministro Ricardo Lewandowski está prestando no julgamento do mensalão, talvez o mais nocivo seja a tentativa de desacreditar o STF nos seus comentários paralelos. Certa vez classificou o julgamento como "nada ortodoxo", sugerindo que estavam sendo esquecidas jurisprudências e relegadas medidas de proteção aos réus definidas na lei.

Ao anunciar, na abertura de seu voto que absolveria o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, que se punha ao lado de "princípios fundamentais" do processo penal moderno, que se constituiu em "marco civilizatório importantíssimo, instrumento de defesa do cidadão contra o arbítrio do Estado", Lewandowski atirava sobre seus pares a suspeita de que não seguiam as mesmas regras ao condenar "inocentes" como o ex-presidente do PT José Genoino e Dirceu. Chegou a dizer "repudiar a perspectiva que considera o réu como inimigo". Esquecendo-se de que os réus, esses sim, representavam o "arbítrio do Estado", pois faziam parte fundamental do governo petista sob o qual a trama criminosa foi armada e executada, segundo a denúncia, a partir de gabinetes do Planalto.

A maioria do plenário, no entanto, demonstra estar bastante convicta de suas posições, sendo exemplo disso os resultados acachapantes das condenações. E, sempre que podem, os ministros rebatem as insinuações de que estariam flexibilizando a legislação, com inovações no julgamento que reduzem a garantia constitucional dos acusados.

O revisor disse, em seu voto de anteontem, que a maioria teria decidido pela desnecessidade da indicação do ato de ofício para provar-se a culpa de um réu, no que foi prontamente rebatido por Gilmar Mendes, que afirmou que o STF havia identificado, sim, atos de ofício dos políticos acusados de corrupção passiva: os votos e a participação em reuniões. E Celso de Mello lembrou que o Ministério Público "indicou que todo esse comportamento se realizou no contexto, pelo menos, de duas grandes reformas: a previdenciária e a tributária".

Da mesma maneira, a condenação do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha por corrupção passiva teve por base o dinheiro recebido de Marcos Valério, tendo o petista praticado o "ato de ofício" de convocar a licitação que resultou na vitória da agência do publicitário corruptor.

Rosa Weber, citada pelo revisor como adepta da tese da desnecessidade de identificação do ato de ofício, afirmou considerar que houve, sim, compra de votos. Ela citou autores para defender a tese de que um réu pode ser condenado mesmo à ausência de provas testemunhais ou de documentos. Chegou a dizer que os indícios "gritam nos autos". Também esclareceu sua posição sobre uma maior elasticidade na admissão da prova em caso de crimes dessa natureza, os "crimes de poder", "que em absoluto implica em qualquer flexibilização de garantias constitucionais aos acusados". Para ela, "o ordinário se presume. Só o extraordinário se prova. (...) se ocorrem fatos ou circunstâncias tão intimamente ligadas que chegam a formar um convencimento de que o acusado tenha cometido o crime, esses indícios também serão provas tão claras como a luz".

Luiz Fux lembrou acórdão da Suprema Corte de Portugal no sentido de que a prova nem sempre é direta. "Nós juízes nos valemos de regras de experiência. Será que nestas condições seria possível não saber?", ressaltou, lembrando que anteriormente Ayres Britto havia utilizado o mesmo raciocínio.

A sombra de Lula

Poucos notaram, mas na quinta-feira houve diálogo em que a figura do ex-presidente Lula esteve presente de maneira velada:

Lewandowski : Eu não via a prova. Eu gostaria de ver a prova. Estou dizendo que há uma prova frontalmente contrária

Marco Aurélio: Vossa Excelência imagina que um tesoureiro de um partido político teria essa autonomia?

Lewandowski: Ao contrário do que já foi dito, eu não acredito em Papai Noel, mas disse que é possível que eles tenham cooperado a mando de alguém, mas esse alguém precisa ser identificado.

Marco Aurélio: Esse alguém não estaria denunciado no processo?

Lewandowski : Não, não é isso...

Sobre eleições e partos de raposas - LEONARDO CAVALCANTI


CORREIO BRAZILIENSE - 06/10


É improvável que algo, de ordem comercial ou espiritual, funcione sem pesquisas. Em política, são tais estatísticas que determinam os passos de um candidato. Sem um instituto confiável a guiar um marqueteiro, até mesmo a reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva teria embicado, principalmente depois do escândalo dos aloprados e, antes, do mensalão. Cada movimento do petista era monitorado pelo staff da campanha e, depois, cruzado com levantamentos do partido. O instinto de Lula sempre contou com os números.

Assim, é inexorável a importância das pesquisas ao longo de campanhas. Mas o quanto é possível se equivocar com levantamentos — qualquer pessoa, das mais ou menos experientes? O exemplo mais recente dos erros está na eleição à prefeitura de São Paulo. Duas semanas atrás, analistas políticos, que agora já devem ter apagado mensagens nas redes sociais, acreditavam piamente na vitória de Celso Russomanno (PRB). Queriam furar as notícias jornalísticas com as análises. Chutes são chutes e, em boa parte das vezes, vão para fora.

A dúvida de parte desses analistas era apenas saber quem iria ao segundo turno. A depender dos ventos e dos números principais da pesquisa, apostava-se em José Serra (PSDB) ou em Fernando Haddad (PT) como favoritos para enfrentar Russomanno. A um dia da eleição em São Paulo, ninguém com juízo perfeito é capaz de cravar o resultado. Com os três candidatos embolados nas pesquisas, quem apostava em Russomanno eleito agora é capaz de considerar que o camarada nem mesmo passe do primeiro turno. É mais um chute, pois.

Analista político é o sujeito que entende de tudo, de construção de bomba atômica à arte de fazer penico, passando por parto de raposa — um dos mais complexos, segundo entendidos. O eleitor, por sua vez, é o camarada pronto a desmentir o analista político. O que se apresentou em São Paulo foi uma certa precipitação dos resultados quando eles ainda eram maturados pelo eleitor. E uma certa torcida às avessas de tucanos e petistas. Caso Serra não vá, melhor Russomanno. Se Haddad não chega, melhor Russomanno.

Há uma máxima sobre a dificuldade de nacionalizar uma eleição municipal. Ao escolher prefeitos e vereadores, o eleitor estaria muito mais preocupado com os problemas da própria rua, como postos policiais e de saúde, buracos no asfalto ou até mesmo uma quadra de esportes. Assim, não haveria chance de a CPI do Cachoeira atrapalhar petistas ou tucanos — ou até mesmo integrantes de DEM, PTB ou PRB. Algo semelhante ocorreria com o julgamento do mensalão dificultar a vida do PT, principalmente nas capitais.

Tentações

A tal máxima, sobre nacionalizar as eleições, é sempre uma tentação para analistas — e jornalistas, evidentemente. E vá lá, é possível, afinal, estamos a apenas dois anos da campanha presidencial. O problema é que, em boa parte das vezes, o eleitor vota no candidato a prefeito do PRB não para mandar recados a Lula e críticas ao mensalão. Ou para fulminar Serra. Assim, nesses casos, qualquer análise distante fica prejudicada. Resta avaliar a cristalização das pesquisas, que mudam e provocam a derrota dos apostadores aventureiros.

Para chegar a resultados mais ou menos precisos, como se sabe, é necessário combinar pesquisa com conhecimento sobre uma cidade, a geografia, os humores do cidadão. Assim, não adianta dizer que o eleitor de São Paulo é indecifrável. Alguém que vota em Pitta, Maluf ou Kassab não pode saber o que quer. E, por isso, vai eleger também Russomanno. Balela. É pouco ou quase nada para explicar algo, principalmente pesquisas feitas ao longo de uma campanha. Agora, é esperar os resultados de amanhã. Definitivos, pois.

Outra coisa

No Recife, o comando da campanha de Geraldo Julio (PSB) apostou na queda de Humberto Costa (PT) desde o primeiro momento. Um dos integrantes do staff do governador Eduardo Campos — mentor de Geraldo — chegou a prever que a eleição acabaria ainda no primeiro turno. Amanhã, com a abertura das urnas, saberemos se tal avaliação se confirma. Uma certeza, qualquer analista tem: Eduardo Campos é o camarada que sai mais fortalecido das urnas. Como isso será aproveitado pelo governador pernambucano é outra coisa, que até mesmo um bom especialista em pesquisa — ou um mero chutador de resultados — não saberá responder.

Sistema esgotado - FERNANDO RODRIGUES

FOLHA DE SP - 06/10


SÃO PAULO - Os eleitores aqui na maior cidade do país escolhem seu novo prefeito sem terem tido a oportunidade de assistir a um debate real, com troca de ideias e questionamentos sérios entre os três líderes nas pesquisas.
Houve encontros com oitos candidatos. São eventos inúteis. Misturam aventureiros e alguns nanicos bem-intencionados com os que de fato governarão a cidade. A lei obriga as TVs a convidar todos os candidatos cujos partidos estejam representados no Congresso.
É um modelo obsoleto e esgotado. Não serve aos candidatos nem aos eleitores. Os políticos ficam sem a chance de provar, num ambiente de pressão real, que suas propostas param em pé. Os eleitores são privados das informações necessárias para votar melhor.
Tudo poderia estar resolvido se estivesse em vigor uma cláusula de desempenho eleitoral para os partidos políticos. Uma lei a esse respeito foi aprovada nos anos 90. O STF a considerou inconstitucional. A mudança precisa vir por meio de emenda constitucional.
A proposta mais madura no Congresso é a que estabelece como desempenho eleitoral mínimo 5% dos votos para deputado federal em todo o país (sendo 5% em pelo menos nove das 27 unidades da Federação). Quem ficasse abaixo desse percentual teria acesso bem limitado à TV e ao rádio (para fazer propaganda) e ao dinheiro do Fundo Partidário. Também não seria presença obrigatória em debates na mídia eletrônica.
Numa projeção para 2014, não passariam pela cláusula mais de seis partidos. Em disputas majoritárias, sempre há coligações entre grandes siglas. Ou seja, nunca haveria mais do que três ou quatro candidatos nas disputas por cargos executivos -e nos debates.
Depois da Lei da Ficha Limpa, a cláusula de desempenho é a iniciativa mais relevante para continuar a profilaxia na política brasileira.

A lógica política do 'mensalão' - SERGIO FAUSTO


O Estado de S.Paulo - 06/10



É cristalina a lógica política detrás dos crimes descritos na Ação Penal 470, que agora entra em fase decisiva de julgamento no Supremo Tribunal Federal. Só não a vê quem não quer ou não pode, por ingenuidade política ou cegueira ideológica.

A compra de apoio político de pequenos partidos foi a forma encontrada pela cúpula do governo Lula, ao início de seu primeiro mandato, para atingir três objetivos simultâneos: 1) Formar uma maioria parlamentar que a aliança eleitoral vitoriosa não assegurava; 2) formá-la sem uma efetiva partilha do poder político com o PMDB, o maior partido no Congresso; e 3) preservar para o PT o maior espaço possível na ocupação do aparelho do Estado.

Quem acompanha a vida política brasileira há de se lembrar de que José Dirceu havia costurado um acordo preferencial com o PMDB, recusado por Lula, sob o argumento de que ele se tornaria refém do maior partido no Congresso. Há de se lembrar também de que os partidos beneficiados pelo dinheiro do "valerioduto" praticamente dobraram o tamanho de suas bancadas na Câmara. Há de se lembrar ainda que o primeiro Ministério do governo Lula se caracterizava tanto pela sobrerrepresentação do PT quanto pela sub-representação do PMDB, quando comparados os postos ministeriais e cargos de direção em estatais e agências reguladoras ocupados por representantes desses partidos com o tamanho de suas respectivas bancadas no Congresso.

É falso dizer que o "mensalão" faz parte da lógica política do presidencialismo de coalizão no Brasil. O funcionamento "normal" deste supõe que o presidente construa e mantenha a sua maioria parlamentar valendo-se da nomeação de representantes dos partidos aliados para cargos no governo, bem como da liberação preferencial das emendas parlamentares dos membros da base aliada. Coisa bem diferente é a compra de apoio político-parlamentar mediante paga em dinheiro.

A mais importante das diferenças está em que os mecanismos "normais" de formação e manutenção da maioria parlamentar são públicos e, portanto, passíveis de controle e crítica pela sociedade. Basta ler o Diário Oficial e acompanhar as votações no Congresso com atenção. Fazem esse papel as oposições e a imprensa, entre outros. Os atos e contratos que decorrem das nomeações para o Executivo e liberações de emendas parlamentares estão sob o domínio da lei e o crivo dos órgãos de controle interno e externo do Executivo.

Já a compra literal de apoio é, por definição, uma operação subterrânea, que se sabe criminosa e por isso busca evadir-se de qualquer controle público. Ela incha a face oculta do governo e engorda vários negócios ilícitos, uma vez que esquemas de mobilização e distribuição ilegal de recursos acabam por servir, naturalmente, a múltiplos propósitos.

O padrão "normal" de funcionamento do presidencialismo de coalizão no Brasil está longe do "ideal". É possível aperfeiçoar o sistema e necessário insistir em que as coalizões tenham maior consistência programática. As críticas ao padrão "normal" não devem, porém, obscurecer a singular degradação a que a compra de apoio mediante paga representa para o presidencialismo de coalizão, em geral, e para a representação parlamentar, em particular. Com a operação de compra e venda o Executivo sequestra o mandato recebido pelo parlamentar e viola o princípio de que este representa os interesses de seus eleitores. Se no padrão "normal" o apoio vem em troca da construção de uma ponte, por exemplo, na relação de compra e venda os únicos interesses representados são os dos partícipes do intercâmbio político-comercial.

Ao degradar a representação parlamentar, o "mensalão" reflete uma certa concepção sobre o sistema representativo. Segundo essa concepção, a "vontade popular" só encontra expressão verdadeira e genuína no presidente da República. Tal ideia tem larga tradição doutrinária, dentro e fora do Brasil, à esquerda e à direita. Ela encontra eco na célebre afirmação feita por Lula em 1993 de que o Congresso seria composto por uma maioria de "300 picaretas". Dizer que o "mensalão" tem raiz doutrinária seria ridículo. É certo, entretanto, que ele revela o desapreço de seus autores pela instituição da representação parlamentar, como se esta fosse uma parte menor do regime democrático.

Além de crime, o "mensalão" foi um erro. A ideia de que seria possível operar tal esquema sem deixar traços e sem se expor a enorme risco demonstra um misto de amadorismo e arrogância de quem o concebeu e operou. Indica também a resistência a um efetivo compartilhamento do poder por parte de um partido que se havia aberto às alianças eleitorais, mas relutava a ceder espaços na ocupação do aparelho do Estado, uma vez conquistado o governo. Lula aprendeu com o erro, embora continue a reiterar a tese de que não houve crime. E aprendeu rápido.

No calor da hora, ao mesmo tempo que ventilava a tese do "caixa 2" para fazer frente ao escândalo, o então presidente tratou de incorporar o PMDB plenamente ao seu governo e à aliança eleitoral que o levaria à reeleição em 2006. Governou em seu segundo mandato com a mais ampla base de partidos da história do presidencialismo de coalizão no Brasil até aquele momento. Depois do susto, deu-se a exacerbação do "padrão normal".

Não se trata aqui de demonizar o personagem, muito menos de indigitar culpados. Faço apenas um raciocínio político com base nos fatos conhecidos. Nesse passo, chega-se à conclusão de que a compra de apoio derivou de uma escolha política tomada no alto comando do governo para assegurar a "governabilidade" sem impor maior restrição às pretensões hegemônicas do PT.

Ao que tudo indica, com o "mensalão" o chefe da Casa Civil tratou de dar consequência prática às preferências do presidente da República. Resta saber se Lula tinha conhecimento e/ou interveniência de algum tipo no esquema montado para a compra sistemática de apoio político ao seu governo.

Uma questão de ceticismo -HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 06/10


SÃO PAULO - É possível construir um bom caso filosófico em favor do solipsismo, a doutrina metafísica segundo a qual eu devo acreditar apenas na existência de minha própria mente. O mundo exterior, se de fato existe, é-nos incognoscível.
No polo oposto, encontramos aquelas pessoas, em geral muito sociáveis, que creem em tudo, de Papai do Céu a UFOs, passando por chakras e teorias conspiratórias. Um elemento importante de nossa personalidade é o nível médio de ceticismo que aplicamos à realidade externa.
É nesse contexto que eu estranho o voto do ministro Ricardo Lewandowski pela absolvição dos Josés Dirceu e Genoino. Seria logicamente aceitável exibir desde o início do julgamento, ou, melhor ainda, da carreira de magistrado, uma posição garantista intransigente, exigindo do Ministério Público que demonstrasse de forma matemática a culpa do réu antes de condená-lo.
Provas assim fortes, porém, são, se não impossíveis, ao menos uma raridade, de modo que encontramos poucos juízes adeptos dessa escola hipercética. De modo geral, eles se contentam com a fórmula "culpado além da dúvida razoável". A subjetividade encerrada no termo "razoável" complica as coisas, mas não chega, segundo a maior parte dos doutrinadores, a inviabilizar o Direito. O magistrado condena o réu quando se sente convencido pelo conjunto probatório e, do contrário, o absolve. Processos costumam trazer provas para os dois lados, de modo que não é difícil montar uma argumentação racional para justificar qualquer posição que se queira seguir.
O problema com Lewandowski é que ele aplica diferentes níveis de ceticismo ao longo do mesmo julgamento. Se é verdade que não chegou a ser um crédulo "new age" quando os réus eram figuras menores, ele parece adotar uma exigência quase solipsista quando se discute a situação dos protagonistas. É justamente esse ruído que chama a atenção.

A urna (A pelada como ela é) - SÉRGIO PUGLIESE


O GLOBO - 06/10

Presidente de seção nas eleições de 1982, Aranha encerra votação mais cedo em Petrópolis para não perder reinauguração do campo

Convocado pela Justiça Eleitoral para exercer a função de mesário, Aranha respirou fundo e tentou manter o controle emocional. Ele não merecia isso, não naquele dia. Brasileiro, cumpridor dos deveres, impostos em dia, excelente aluno e filho de advogado famoso, o estudante de Economia era considerado um menino prodígio em Petrópolis. Agregador, ainda organizava uma pelada sagrada, paixão de sua vida, no Campestre, e durante meses liderou uma campanha pela reforma do campinho do clube, totalmente esburacado. E o xis da questão era justamente esse: a reinauguração da nova arena estava marcada para o mesmo dia da eleição, no fim da tarde. Aranha tinha a exata noção da importância dos mesários, representantes do povo participando da construção da democracia, mas a obrigação cívica o transformou num jovem alucinado, rebelde e disposto a qualquer loucura para não ficar fora do racha.

- Lutei muito para reformar o campo e não existia a menor possibilidade de ficar fora da festa - lembrou Aranha, que suplicou para não ser identificado porque até hoje, 30 anos depois, o desfecho da história ainda lhe rende severas críticas familiares.

Também pudera, a estratégia usada por Aranha foi a pior possível. Até hoje ele nunca revelou o mentor do desastrado plano e prefere assumir sozinho o estrago. No dia da eleição precisou madrugar porque não era apenas mesário, mas o presidente da seção. Tinha 18 anos, estava de ressaca e seu vice era um senhorzinho invocado. Reuniram a equipe, passaram as últimas coordenadas e abriram a porta da escola aos eleitores.

- O plano era encerrar a seção vinte minutos antes e desaparecer - contou.

O movimento foi grande durante a manhã. Da porta, Aranha sinalizava para as pessoas entrarem logo e na sala organizava a fila e tirava dúvidas. Só faltava bater palmas para os indecisos votarem mais rápido. Estava visivelmente tenso, olho vidrado no relógio. O campo, em Nogueira, ficava a 10 quilômetros da escola, no Retiro, e os amigos já estavam avisados de sua presença na primeira partida. O grande problema seria convencer o vice, homem sério, aposentado do Banco do Brasil, a encerrar a votação às 16h45m, 15 minutos antes do previsto. Só na marra, lançando mão da autoridade de presidente.

- Quando a sala deu uma esvaziada falei para a equipe ir desmontando o acampamento - disse, às gargalhadas.

Claro, ninguém entendeu nada. Ainda faltavam 40 minutos, mas o objetivo era preparar o terreno. Adiantou o relógio e rezou. Dois companheiros da pelada entraram para votar e no final o alertaram para não se atrasar. Atirou-se sobre a dupla antes que falassem demais. Alguns minutos depois, iniciou o show. Aproveitou a sala vazia e começou a gritar "encerrou!", "liberados!". Alguns mesários não pensaram duas vezes e viraram fumaça, outros exigiram explicações e o vice precisou de água com açúcar.

- Fechei a casa, coloquei a urna no Fusca e me mandei para o jogo - falou.

Os amigos Flavinho Botelho, Salim, Edmundo, Maurinho, Bocão e o saudoso Tony não entenderam nada quando Aranha entrou correndo no clube, carregando uma urna. Ofegante, ele convocou Benildo, o faz tudo do clube, e mais um grandalhão para tomarem conta do "saco". Deu R$ 15 para cada e foi jogar, olho no padre e outro na missa. O campo estava um tapete e Aranha deixou o seu, de placa, logo aos cinco minutos. No fim da segunda partida, tomou banho e se mandou para entregar a urna no SESC, onde acontecia a apuração.

- A contagem estava atrasada por minha causa. Chegando lá quase fui preso - disse.

Após horas de confusão e a presença do pai, irado, constataram que a urna estava intacta. Aranha alegou problemas gástricos, enjoo e fortes dores de cabeça. Foi liberado e levou a maior bronca da vida. Completamente arrependido, ficou sozinho, encostado no Fusca. Arrasado, precisava de ombros amigos. E sabia onde encontrá-los! Entrou no carro, acelerou e ainda chegou a tempo do churrascão no Campestre.

A quem interessa o Projeto Sarney? - MIGUEL REALE JÚNIOR


O Estado de S.Paulo - 06/10


A comunidade jurídica unanimemente se manifesta contrária ao projeto de Código Penal que tramita no Senado Federal por proposta do seu presidente, José Sarney. A reação à pretensão de se impor à Nação um Código Penal feito às pressas, que atinge a segurança e a liberdade de todos, se fez imediata ao se tomar conhecimento do texto.

Em seminário promovido pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), o maior encontro nacional de estudiosos do Direito Penal, foi lançado manifesto com mais de 2 mil assinaturas. Nesse manifesto se acentuava o preocupante uso de conceitos e termos jurídicos com impropriedade e o traslado piorado de tipos penais da legislação esparsa.

Em encontro promovido no Rio de Janeiro pela Escola da Magistratura e pelo Ministério da Justiça, presentes penalistas de todo o Brasil, emitiu-se carta aberta na qual se destacou a notável pobreza teórica do projeto, razão pela qual se concluía pela radical negação da proposta como um todo.

Em Ato em Defesa do Direito Penal realizado dia 24 último no salão nobre da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, 19 entidades, as mais representativas do mundo jurídico, como a OAB federal, o Ministério Público de São Paulo, a Defensoria Pública, o Instituto dos Advogados Brasileiros, a Associação dos Advogados de São Paulo, bem como outras organizações que congregam advogados ou promotores, lançaram nota ao Senado na qual se apontava ser o projeto um conjunto normativo destituído de técnica jurídica, sem sistema e com graves deficiências, seja ao conceituar institutos da teoria do crime (por exemplo: tentativa, coautoria), seja ao criar tipos penais, concluindo-se haver apenas um único caminho: sobrestamento de sua tramitação.

Todos, em uma só voz, se levantam contra o projeto, mas o Senado insiste em manter a votação em prazo exíguo, com desculpas as mais esfarrapadas. À questão de por que se ter realizado o trabalho em apenas seis meses, a resposta é: assim determina o Regimento do Senado. Ao se indagar o motivo pelo qual não houve uma comissão revisora, como sempre se deu ao longo do tempo com relação a anteprojetos de código, a resposta é a mesma: o regimento do Senado não prevê tal comissão.

Acima da prudência e do bom senso, elege-se o regimento como uma tábua mandamental. A quem se deve responsabilizar pela prepotência de fazer o Senado surdo e cego diante de tantos alertas e manifestos?

Ao ler o projeto, não se espante com o absurdo constante de um artigo: leia o seguinte. Além dos esdrúxulos tipos penais já muitas vezes lembrados - como o de molestamento de cetáceo -, cabe trazer para conhecimento do leitor outras aberrações jurídicas.

Ao se definir o denominado estado de necessidade (que justifica a ação realizada para salvar um direito posto em perigo certo e atual), elimina-se um dado essencial: a inexistência de outro meio de evitar o perigo. É o caso dos náufragos que disputam uma única boia: por não haver outra maneira de impedir o perigo de afogamento, legitima-se um náufrago a tomar para si a boia. Só se justifica essa ação se não houver outra forma de proteção do direito à própria vida. Mas o projeto inova, não mais exigindo que a ação lesiva de terceiro (o outro náufrago) seja o único modo de evitar o perigo. Assim, se existir outro meio de preservar o direito, nem por isso, pelo projeto, deixará de se reconhecer o estado de necessidade. Fica ao alvitre do agente escolher o modo mais fácil de se salvar, mesmo que venha, desnecessariamente, a causar a morte de terceiro.

Cria-se o crime de corrupção no setor privado (objeto, aliás, de meu último artigo nesta página), mas se faz de modo totalmente errado. Ignora-se que a corrupção pode ser praticada por qualquer empregado ou diretor, em descumprimento do dever de probidade para obter vantagem indevida, prevendo-se no projeto, todavia, que há corrupção apenas se o agente for representante legal da empresa - artigo 167 -, tornando-se, então, a figura penal letra morta.

O projeto define gestão fraudulenta - artigo 354 -, um dos crimes apontados no processo do mensalão e punido pela atual lei dos crimes financeiros com a pena de três a 12 anos de reclusão. Mas, ao fazê-lo, consegue piorar a redação legislativa já falha, ao estatuir que constitui gestão fraudulenta praticar ato fraudulento na gestão de instituição financeira. Ora, uma figura assim descrita pode ser tudo; porém é punida com pena de um ano a quatro anos de prisão, favorecendo boa parte dos mensaleiros, visto a lei mais benéfica retroagir.

Cria o projeto o crime de terrorismo, consistente em causar terror na população com o fim de forçar autoridades públicas a fazer o que a lei não exige, realizando sequestros, saques, sabotamento de meios de comunicação, etc. Mas considera que não há crime de terrorismo se a conduta individual ou coletiva for de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade. Assim, os atos de terror dos movimentos sociais de sem-teto ou sem-terra poderão ser lícitos.

Lembro, também, o crime de genocídio, bem definido na Lei n.º 2.889/1956, mas que se tipifica no projeto - artigo 459 - como ato pelo qual se vem, com o propósito de destruir um grupo, a lesionar ou matar apenas uma única pessoa!

Por fim, vejam só: a briga de galo é crime segundo o artigo 395, punindo-se quem participa de confronto de animais com dois a seis anos de prisão, exatamente a pena da lesão corporal grave, quando se causa a alguém enfermidade relevante e incurável ou cegueira de um olho. Mas se o animal morre a pena dobra: quatro a 12 anos de prisão!

O Projeto Sarney é um passeio pelo absurdo. A quem interessa levar avante essa proposta, mesmo em face das denúncias de suas graves impropriedades?

Caiu a ficha? - VERA MAGALHÃES - PAINEL


FOLHA DE SP - 06/10


Ante a série de decisões monocráticas de ministros do TSE liberando candidatos barrados pela Lei da Ficha Limpa nos tribunais regionais, a Procuradoria Geral Eleitoral prepara pacote de recursos ao pleno da corte. A ideia é reformar as decisões no transcorrer do segundo turno. Os casos mais simbólicos são os de Renato Amary (PMDB), de Sorocaba (SP), e Rosinha Garotinho (PR), de Campos (RJ), liberados pelos relatores José Dias Toffoli e Marco Aurélio Mello, respectivamente.

#2010feelings Em conversa ontem, Dilma Rousseff e Lula previram um segundo turno entre José Serra (PSDB) e Fernando Haddad (PT) em São Paulo. "Aí vai ser guerra armada", avalia um ministro.

GPS O PT convocou para terça-feira uma reunião com os candidatos que passarem adiante na disputa para discutir com Lula as cidades que o ex-presidente vai visitar.

Suspense Celso Russomanno reservou o auditório do Club Homs, na avenida Paulista, para ato amanhã à noite. Indo ou não ao segundo turno, o candidato do PRB deve reunir correligionários para agradecimento público.

Talk-show Com a proibição da propaganda na TV, o PT fará hoje uma mobilização de aliados de Fernando Haddad na internet. O "Conexão 13" será transmitido ao vivo pelo site da campanha e terá participação de deputados, vereadores e dirigentes.

Lá e cá Em resposta aos petistas que acusam o governo paulista de promover campanha publicitária casada do metrô com as eleições, tucanos mapearam 15 campanhas federais veiculadas em setembro -4 no MEC, ocupado até janeiro por Haddad.

Sem selinho Depois do beijo que recebeu de eleitora durante caminhada no centro, Serra foi abordado anteontem por três apoiadoras em evento na Vila Sabrina. "Queremos beijá-lo, mas não na boca", disse uma delas.

Ponto final Dilma Rousseff não alimentará a troca de farpas com Aécio Neves, potencial candidato tucano à Presidência em 2014. A avaliação no Planalto é a de que a presidente "já deu seu recado" no comício de Patrus Ananias na segunda-feira.

Ressaca 1 Depois de desbancarem oposicionistas nas eleições de 2010, senadores governistas que disputam prefeituras de capitais amargam resultados insatisfatórios. Dos 4 postulantes, 3 devem ser derrotados amanhã.

Ressaca 2 Humberto Costa (PT) tem 16% em Recife e Inácio Arruda (PC do B) tem 3% em Fortaleza, segundo o Datafolha. Wellington Dias (PT), ex-governador do Piauí, está em terceiro lugar em Teresina, com 15,6%, segundo o instituto DataCerto. A única que deve ir ao segundo turno é Vanessa Grazziotin (PC do B), em Manaus.

Última... Diante da expectativa de que o placar pela condenação de José Dirceu e José Genoino por corrupção ativa será elástico, os advogados de ambos ainda acreditam que o STF pode absolvê-los da acusação de formação de quadrilha no mensalão.

... que morre Os defensores acham que Rosa Weber e Cármen Lúcia vão repetir que não houve formação de quadrilha, e sim co-autoria. Como Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli devem ser pró-absolvição, bastaria um voto para haver empate, cuja definição seria arbitrada depois.

Retórica Interlocutores de Lewandowski dizem que, quando admitiu a possibilidade de rever o voto em alguns itens, o revisor estava apenas querendo se mostrar aberto a teses diferentes da sua, mas que não há nenhum caso concreto em que ele esteja reavaliando as decisões.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio
"Pelo raciocínio do senador, Pelé, Carlos Drummond e Fernando Sabino não seriam mineiros. Todos eles saíram do Estado."

DO DEPUTADO ANDRÉ QUINTÃO (PT-MG), sobre Aécio Neves ter questionado o domicílio eleitoral da "mineira" Dilma Rousseff, que vota em Porto Alegre (RS).

contraponto


Suprema campanha
Em comício realizado anteontem à noite em Jundiaí com as participações do governador Geraldo Alckmin e do candidato tucano Luiz Fernando Machado, o prefeito Miguel Haddad (PSDB) citou Joaquim Barbosa.

-Queria pedir palmas para o ministro, que vem conduzindo com isenção o julgamento do mensalão.

Surpreso com os efusivos aplausos ao relator do processo no STF, um dos participantes do evento emendou, às gargalhadas:

-Não é por nada, mas acho que o candidato deveria ser esse Joaquim aí! Ainda dá pra trocar?

Reconstruindo Cristo no Brasil comunista - MARCELO RUBENS PAIVA


O Estado de S.Paulo - 06/10


Marx acreditava que o capitalismo continha em si o germe da própria destruição - com suas contradições internas, como a exploração extrema do proletário, o regime se desdobraria em tamanha injustiça que não seria mais sustentável e daria lugar a uma nova forma social.

Na teoria, a revolução era iminente. Na prática, o capitão brasileiro Luís Carlos Prestes se aproveitou da insatisfação de proletários, camponeses, antifascistas e burgueses progressistas, arregaçou as mangas e, apoiado pela Internacional Comunista, liderou um levante em novembro de 1935.

No Recife e em Natal foi instalado um governo revolucionário provisório. No Rio de Janeiro não houve, como se esperava, sublevação espontânea. O movimento foi derrotado em dias e recebeu o pejorativo nome de Intentona.

Foi o mais perto que o Brasil chegou da utopia socialista. E se tivesse dado certo? Estaria no Wikipédia:

Depois da revolução, o tema do debate de abertura do Politburo carioca foi: o que fazer com aquela estátua de braços abertos sobre a Guanabara que representava o ópio do povo.

O líder Prestes não poderia acordar no Catete, dar um "guten tag" para a primeira-dama, Olga Benário, ler a edição matinal da Classe Operária, maior e único jornal em circulação, já que todos os outros foram empastelados, e ver da varanda "o suspiro da criatura oprimida" (Marx).

Ocorreram discussões acaloradas no Comitê Central. Os ilustres comissários do povo propuseram:

1. Demolição irrevogável da estátua com o uso de dinamite.

2. Substituição por outra do mesmo tamanho de Marx e Engels. Seria uma obra de engenharia utópica, já que os dois filósofos gorduchos não caberiam no topo da montanha.

3. Substituição da estátua por uma de Prestes, este, sim, baixinho e leve. Mas o próprio levantou dúvidas quanto ao culto precoce à sua personalidade.

4. Substituição por uma de Lenin. Figura já muito batida e explorada pelos camaradas russos.

5. Trocar por um grande trator em homenagem às fazendas comunitárias.

6. Trocar por uma foice e um martelo.

Mas um jovem arquiteto, que não aparentava a idade que tinha, figura influente nas fileiras do partido, Oscar Niemeyer, propôs transformar o turbante da estátua num macacão, incluir um capacete sobre a cabeça, erguer o braço esquerdo e fechar os dedos da mão.

Em 1941, no aniversário de cinco anos da revolução, a tropa de voluntários que embarcava para defender Stalingrado e Leningrado do cerco nazista desfilou no Aterro do Povo e saudou a antiga estátua do Cristo Redentor, rebatizada como Impávido Trabalhador.

O regime não teve muitos problemas com a literatura revolucionária. Afinal, a maioria dos autores, como Oswald de Andrade, Jorge Amado, Graciliano Ramos e Dias Gomes, era das fileiras do partido. Apenas um pornógrafo, Nelson Rodrigues, porta-voz da crise do proletário suburbano, deu trabalho aos censores.

Nas artes plásticas, Portinari liderou a estética do realismo socialista tropical. O Cinema Novo rasgou o protocolo alienante do cinema americano e, influenciado por Eisenstein, filmou a grande tomada do Campo dos Afonsos pelas tropas lideradas por Prestes e a invasão do Paraguai, das Guianas e das Ilhas Malvinas, que passaram a fazer parte da União das Repúblicas Socialistas Brazucas.

A censura encontrou problemas num movimento pequeno-burguês iniciado no final dos anos 1950 em Ipanema. Alguns pensaram em banir de vez aquele ritmo que misturava jazz com samba e subsidiar outro que usava balalaica, tambores e chocalhos.

Porém, o que mais deu trabalho foi intervir nas letras daqueles que preferiam uisquinho a vodca.

Ninguém chegou a ser mandado pro trabalho forçado no Gulag Marajó. Prontamente modificaram as músicas. Garota de Ipanema virou Trabalhadoras de Ipanema Uni-vos!, e sua letra substituída por "olha, que coisa mais determinada, mais cheia de metas, é ela a operária que vem e que passa, com o balanço eficiente da linha de produção..."

Indignado mesmo ficou o consultor do povo, J.R. Tinhorão, com a música O Pato. Propôs a substituição da letra por "o trator vinha arando eficientemente, ram, ram, quando o camponês sorridente, comemorou a colheita, colheita, colheita".

O autor João Gilberto só não foi expurgado porque um poeta também simpático aos ideais da revolução, apesar de estar sempre de porre, Vinícius de Moraes, interveio em carta pessoal ao partido, comovente e repleta de clichês marxistas, que dizia: "Que eu possa me dizer da Internacional Socialista: que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinita enquanto dure".

Anos depois, como se não bastassem os probleminhas na Europa com a Primavera de Praga, revoltas estudantis e a decadência do capitalismo exemplificada pelo esvaziamento das barbearias da vanguarda revolucionária, o Comissariado começou a se preocupar com a má influência de uns cabeludos que organizavam um movimento chamado Tropicália. Apesar de não entender "nada, nada!", mandou alguns deles colherem cacau na Bahia e prendeu uma banda chamada Mutantes, provocativa e niilista.

Nos anos 1980 se iniciou uma détente que fez vista grossa à explosão do rock brasileiro, cujos refrões "você não soube reformar", "a gente não sabemos votar pro comitê central", "que união das repúblicas é essa?" e "ideologia, não quero uma para viver" foram espantosamente escutados nas rádios estatais.

Prestes veio a falecer em 7 de março de 1990, desapontado com a queda do Muro de Berlim, o Nobel para Gorbachev e o fim do futebol arte. O Cavaleiro da Esperança se tornou o líder mais tempo à frente de um país, 55 anos, recorde imbatível. Seu concorrente direto, Fidel Castro, ficou "míseros" 49 anos. Apenas um político da República do Maranhão, José Sarney, pode ainda quebrá-lo.

No velório de Prestes, todos perceberam: questão de meses o colapso da URSB e URSS. Não deu outra.

O governo posterior, de Roberto Freire, foi substituído pelo de Aldo Rebelo, que baniu estrangeirismos russos, que levou um golpe do pagodeiro Netinho, que rachou com chefe da polícia política, Zé Dirceu, o mais radical dos extremistas, e mergulhou o país no caos.

Por fim, uma ruptura no regime reintroduziu a economia de mercado no Brasil. O primeiro McDonald's foi aberto no Palácio do Povo, antigo Copacabana Palace. Foi após comer um Big Mac que o poeta Ferreira Gullar, ex-membro do PC, rasgou a sua carteirinha e saudou o novo regime declamando: "Dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola, picles num pão com gergelim. Vem, capitalismo, vem, vim!"

O próprio Oscar Niemeyer, gozando de boa saúde e ainda sem aparentar a idade que tinha, foi incumbido a desentortar o braço do Cristo.

Ueba! Teclo, confirmo e vomito! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 06/10


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Já tô com saudades do Levy Fidelix e do Eymael! A gente cria apego! E eu vou votar embriagado. Prefiro acordar de ressaca do que de remorso! Amanhã eu vou votar às 7h! Vou acordar o mesário! Vou bater lá na casa dele: "Acorda! Eu quero votar!". Ops, vomitar. Teclo, confirmo e vomito!

Ou então toma um Omeprazol antes de votar. E ainda solta três peidinhos na cabine pro próximo eleitor. Rarará! E as velhinhas vão levar a cola viva: as netas. E eu tô louco pra ver a Marta votando! Na eleição passada ela levantou os braços e ficou dando rodopio. Parecia destaque de carro alegórico!

E na eleição passada eu nem lembro em quem votei porque levei a cola emprestada. E um amigo levou a cola no bolso e, quando puxou, viu que era a lista do supermercado: seis papaias, granola e um engradado de cerveja. Foi o melhor voto da vida dele! E a preguiça? Não tem drive-thru pra votar? Você entra de carro, grita o número e joga ketchup! E a urna não parece um micro-ondas? Um micro-ondas cívico!

E a "Avenida Brasil"? A Gritaria Brasil! A casa do Tufão é super bem localizada: em um segundo ele tá na creche, no puteiro e na marina!

E a manchete do Sensacionalista: "Lewandowski absolve Carminha". Rarará! E o Joaquim Barbosa parece a minha sogra! Idêntico! E esta: "Fábrica lança cerveja com testículo de boi". Caparam o tufão!

E a Carminha: "Eu sou cristã". Da turma do Eymael. Uma democrata cristã! A Carminha é uma democrata cristã! Rarará! E o Leleco: "Meu filho, não caia mais nas histórias da Carminha". E o Tufão: "Não se preocupe, pai, o boi tá acordado". Rarará! Frase antológica do Tufão: "O boi tá acordado!".

E o Max é filho do Roberto Leal com o Kadu Moliterno. Rarará! É mole? É mole, mas sobe!

Votem em mim! Pelo PGN. Partido da Genitália Nacional! Chega de hipocrisia! Sexo de noite e sexo de dia! Mais ética na demagogia! Roubei, mas não fui eu! Prometo fazer na vida pública o que eu faço na privada! Vou gritar como aquela candidata baiana da Ilha de Itaparica: "Me ajeita que eu te ajeito!". Essa é a moral de todas eleições: me ajeita que eu te ajeito.

A situação tá ficando psicodélica. E adorei este candidato de Mococa: Neto da Exótica! Nóis sofre, mas nóis goza.

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Mais inflação - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 06/10


A inflação de setembro foi mais ou menos o que se esperava: avanço do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 0,57% em relação ao de agosto. A acumulada no ano (até setembro) é de 3,77% e em 12 meses, de 5,28%.

Dizer que esse número está dentro do que já era esperado não significa que seja bom. Mostra somente que a economia começa a trabalhar com mais tolerância em relação aos preços.

A inflação vai embicando para alguma coisa acima de 5,5% neste ano, descolando-se do centro da meta (4,5%). Isso tem o seu lado ruim, porque vai gerando também comportamentos defensivos, mais ou menos nas mesmas proporções por parte dos reajustadores de preços.

Os analistas criticam alguns dados negativos da economia brasileira quando os comparam aos padrões internacionais. Um deles é o nível dos juros. O Brasil se mantém como economia que está entre as que pagam os juros mais elevados do mundo.

E, no entanto, o Brasil também é uma das economias que ostentam um dos índices de inflação mais altos do planeta (veja tabela no Confira). O Banco Central gosta de lembrar que a crise internacional concorre para aumentar certas distorções na economia brasileira. Por exemplo, reduz exportações e tende a trazer mais moeda estrangeira, o que pressiona o câmbio interno.

Mas a crise global também tem lá seu lado bom - digamos assim. Um deles é que achata a inflação nos países avançados. Esse aspecto positivo deveria contribuir para que também a economia brasileira apresentasse números mais civilizados de inflação. Mas não é o que acontece e o Banco Central não lamenta isso.

A inflação brasileira está sendo acelerada e deverá fechar o ano mais próxima do teto do que do centro da meta, mesmo numa conjuntura de redução internacional dos preços. Significa que os fatores locais estão sobrepujando os globais na formação da inflação no Brasil.

São as despesas públicas que vêm se expandido bem acima do pretendido, fato que começa a ser reconhecido pelo Banco Central. É o câmbio, agora mais rígido, a R$ 2 por dólar, que não parece capaz de amortecer a alta internacional dos alimentos. É a correção dos salários acima do índice de produtividade da mão de obra - como vem apontando o Banco Central. E é, ainda, na prática, a flexibilização do regime de metas de inflação que leva o governo Dilma a tolerar índices bem mais altos.

Em outras palavras, a aceleração da inflação no Brasil resulta das escolhas na política macroeconômica feitas pela equipe econômica e é dessa maneira que tem de ser entendida.

Houvesse o mesmo grau de comprometimento de há alguns anos com o combate à inflação, podia-se esperar que o Banco Central, na próxima reunião do Copom, agendada para esta quarta-feira, estivesse propenso a puxar os juros para cima. Mas os tempos são outros. Na execução da política monetária, a meta dos juros ficou mais forte do que a de inflação e não é mais descabida a hipótese de que a opção seja por mais um corte, desta vez de 0,25% ao ano - o mesmo que já foi admitido pelo Banco Central como sendo de "máxima parcimônia".

Previsões do Planalto - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 06/10

Relatório diário sobre as eleições, produzido para a presidente Dilma, dizia ontem que em Belo Horizonte vai dar Márcio Lacerda no primeiro turno. Pelo mapa, também saem eleitos amanhã: Eduardo Paes, no Rio; José Fortunati, em Porto Alegre; Tereza Surita, em Boa Vista; Paulo Garcia, em Goiânia; Rui Palmeira, em Maceió; Carlos Eduardo, em Natal; e Carlos Amastha, em Palmas.

Voto a voto em São Paulo
No relatório do Planalto, trabalha-se com a hipótese de que José Serra (PSDB) e Fernando Haddad (PT) lutarão a cada voto pelo direito de enfrentar, no segundo turno, o candidato do PRB, Celso Russomanno. Contrariando as pesquisas, avalia que a segunda vaga em Recife não está decidida e que Humberto Costa (PT) ainda pode desbancar Daniel Coelho (PSDB). No caso de Manaus, prevê que o tucano Arthur Virgilio chegará na frente de Vanessa Grazziotin (PCdoB). Dois prefeitos de capitais estão sendo acompanhados com lupa: Amazonino Mendes (PDT), de Manaus, pelo apoio ao PSDB; e, João Henrique (PP), de Salvador, pelo apoio ao DEM.

“Imagina se o PT não tivesse o (ex-presidente) Lula. Com este julgamento no STF (do mensalão) sendo transmitido ao vivo pela TV!”
Cândido Vaccarezza Deputado federal (PT-SP)

De olho nas urnas
A presidente Dilma convocou a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) para fazer com ela avaliação dos resultados das eleições no começo da manhã de segunda-feira. É o único compromisso de Dilma no pós-eleição.

Hipnotizados!!
Numa das eleições mais radicalizadas do Brasil, as claques dos candidatos Vanessa Grazziotin (PCdoB) e Arthur Virgílio (PSDB), no período que antecedeu o debate de quinta-feira à noite, suspenderam os gritos de guerra e as provocações para assistir, no telão em frente ao prédio da Rede Amazônica, ao capítulo da novela “Avenida Brasil”. 

No escurinho do cinema...
A ministra Marta Suplicy (Cultura) convenceu a presidente Dilma a retomar as sessões de cinema no Palácio da Alvorada. A primeira sessão será em outubro, e o filme escolhido é “O palhaço”, de Selton Mello, indicado do Brasil para o Oscar.

Diretas no Poder Judiciário
A campanha das diretas já da Associação dos Magistrados Brasileiros chegou a dez estados, apesar da resistência dos desembargadores que se revezam nas presidências de tribunais. A AMB quer que os juízes tenham o direito de disputar a administração nas cortes de Justiça. A entidade faz lobby no Congresso para aprovar emenda à Constituição que altera o processo eleitoral.

Abrindo a caixa-preta
O Dnit lançará nos próximos dias o Boletim Eletrônico de Medição (BEM), que vai apontar o ritmo exato de avanços e desembolsos das obras do PAC sob o comando da autarquia. Começará com os 107 maiores empreendimentos.

A CPI na encruzilhada
O comando da CPI do Cachoeira está na expectativa de receber a quebra do sigilo bancário de 12 empresas ligadas à organização para avaliar se pede a prorrogação da CPI. Seu término está previsto para 4 de novembro.

SOBRE o apagão parcial, a presidente Dilma pede para registrar: “O ministro Edison Lobão (Minas e Energia) não está na marca do pênalti”. Então, tá!

Graciliano para prefeitos - XICO SÁ


FOLHA DE SP - 06/10


O TRIBUNAL Superior Eleitoral deveria tornar leitura obrigatória aos 15.600 candidatos a prefeito no país o livro "Relatórios", a prestação de contas do escritor Graciliano Ramos enquanto jovem prefeito de Palmeiras dos Índios (AL), entre 1929-30.

Leitura com direito a ditado e prova oral. Se possível castigo de palmatória para os reprovados. Cada frase do velho Graça, como era chamado, vale por toda a Lei da Ficha Limpa.

Repare nesta pérola sobre obras de iluminação pública: "A prefeitura foi intrujada quando, em 1920, aqui se firmou um contrato para o fornecimento de luz. Apesar de ser o negócio referente à claridade, julgo que assinaram aquilo às escuras. É um bluff. Pagamos até a luz que a lua nos dá."

Comunista, o escritor enviou o seu texto, considerado hoje uma obra-prima da crônica de costumes, ao então governador Álvaro Paes, que ficou impressionado com o valor literário do deveria ser apenas mais um documento da burocracia administrativa.

Sobre o cemitério, escreve: "Pensei em construir um novo cemitério, pois o que temos dentro em pouco será insuficiente, mas os trabalhos a que me aventurei, necessários aos vivos, não me permitiram a execução de uma obra, embora útil, prorrogável. Os mortos esperarão mais algum tempo. São os munícipes que não reclamam."

Os "Relatórios" foram publicados em uma coedição da Fundação de Cultura do Recife com a editora Record. A edição tem apresentações do advogado e escritor José Paulo Cavalcanti Filho, integrante da Comissão da Verdade, e do jornalista Joel Silveira.

Imagine um atual prefeito, candidato à reeleição, reconhecer a ineficiência do ensino municipal. Graciliano, com seu humor árido qual a paisagem sertaneja, não temia a sinceridade.

"Não creio que os alunos aprendam ali grande coisa. Obterão, contudo, a habilidade precisa para ler jornais e almanaques, discutir política e decorar sonetos, passatempos acessíveis a quase todos os roceiros."

Enxuto nos gastos como a sua escrita, Graciliano relata cortes em despesa. Sobre a estrada que liga Palmeiras dos Índios à sua Quebrangulo natal, foi enfático: "Original produto de engenharia tupi, tem lugares que só podem ser transitados por automóvel Ford e lagartixa".

CAPA DA REVISTA VEJA


A hora do voto consciente - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 06/10



Se fossem verduras e legumes, os prognósticos sobre a eleição em São Paulo feitos pelos politólogos ao longo desta campanha dariam uma boa salada. Poucas vezes houve tanta divergência de interpretações sobre a intenção de voto e o desempenho dos candidatos como na atual disputa paulistana, o que torna extremamente difícil antecipar o resultado. Tal cenário de confusão, em que nada é o que parece e intenções de voto migram de lá para cá ao sabor de picuinhas e diz-que-diz, reflete muito mais os problemas dos postulantes que suas virtudes. Nada menos que 37% dos eleitores não sabem dizer em quem vão votar, segundo a pesquisa do Datafolha que mede a intenção espontânea - aquela em que o eleitor deve dizer o nome de seu candidato. Em meio a esse desanimador cipoal eleitoral, porém, não se deve perder de vista a importância política desta eleição: o Município de São Paulo é o principal objetivo do PT em todo o País e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na missão que se atribuíram de liquidar a oposição e de se tornarem hegemônicos no Brasil.

A grande surpresa da reta final foi a queda abrupta de Celso Russomanno (PRB), que perdeu 10 pontos porcentuais em duas semanas, segundo o Datafolha divulgou na quinta-feira. Com seus 25%, ele aparecia tecnicamente empatado com José Serra (PSDB), que tinha 23%. A candidatura de Russomanno despencou do mesmo modo como havia subido, isto é, como bom aventureiro ele não tinha um patrimônio eleitoral sólido no qual pudesse sustentar sua dianteira. As explicações para a liderança do "menino malufinho" variaram, mas a mais exótica delas foi atribuir-lhe poder de sedução sobre um certo "eleitor-consumidor", graças a seu passado de paladino na TV dos consumidores lesados. Em poucos dias, porém, ele espantou sua freguesia, e o Datafolha mostra que os votos que ele perdeu foram pulverizados entre os seus adversários - ou seja, Russomanno era o candidato de insatisfeitos de qualquer partido à direita e à esquerda. Com isso, até o azarão Gabriel Chalita (PMDB), em quarto lugar, animou-se a se considerar no páreo.

Outras hipóteses sobre a extrema instabilidade do cenário se acumularam ao longo da campanha. Russomanno estaria liderando, por exemplo, em razão da "fadiga de material", como sugeriu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, referindo-se à polarização entre PT e PSDB em São Paulo e também ao "cansaço do eleitorado com a predominância do PSDB por longo tempo".

O fator religioso também foi bastante mencionado. A proximidade de Russomanno com os evangélicos da Igreja Universal, a afinidade de Serra e de Chalita com os católicos e a suposta ofensa de Fernando Haddad (PT) aos religiosos graças ao famoso "kit gay" foram invocadas como elementos importantes na eleição. Nada disso, porém, foi capaz de mobilizar os eleitores - as pesquisas indicaram que a maioria deles não leva em conta questões de fé na hora de escolher seus candidatos.

Do mesmo modo, os levantamentos demonstraram que os eleitores não pretendem votar pensando no escândalo do mensalão. Isso significa que a explicação para a estagnação da candidatura de Haddad deveria ser procurada em outro lugar - talvez no fato de que a eleição municipal não leva em conta questões nacionais, como pretendia Lula, que até a última pesquisa não conseguira transferir seu formidável capital popular para o candidato que inventou.

A ironia é que um ingrediente importante dessa salada eleitoral foi introduzido pelo próprio Lula, ao estimular o crescimento do PRB de Russomanno e da Igreja Universal. O modelo lulista, que inclui abraçar Paulo Maluf e o bispo Edir Macedo, aposta na confusão ideológica, levando ao esvaziamento da política e abrindo caminho ao mais raso dos populismos.

Amanhã estará nas mãos do eleitor paulistano, portanto, o poder de impedir que tal situação prospere. É na cabine de votação que os cidadãos interessados em abortar o arrivismo político, representado por Russomanno, e o aparelhamento do Estado a serviço de um partido e de seu projeto hegemônico, como pretende fazer o lulismo em São Paulo, poderão exercer o enorme poder que a democracia lhes confere.

Voto útil - RAUL JUSTE LORES


FOLHA DE SP - 06/10

Qual é o grande plano de transformação da cidade de São Paulo dos candidatos a prefeito que pedem voto útil? Um peso-pena da política, Celso Russomanno, pode não ter equipe nem a menor ideia do que fazer com a cidade, mas PT e PSDB precisam recuperar o tempo desperdiçado em apenas amaldiçoar o adversário.

São Paulo é refém, há décadas, da ausência do poder público em impor limites e critérios a incorporadoras, empreiteiras, ao lobby das montadoras de carros e da segurança privada.

Juntas, essas quatro indústrias ignoram conceitos básicos de infraestrutura e paisagem públicas. PT e PSDB garantem que mudarão essa relação de poder?

São Paulo precisa de um prefeito-estadista, desses que em quatro ou oito anos mudam a fisionomia do lugar para sempre, que fazem 50 anos em cinco. Nova York, Bogotá, Seul, Barcelona, Medellín, Madri e Cidade do México tiveram prefeitos assim. Nem precisa ser cidade rica.

Nos últimos 24 anos, petistas, demotucanos e malufistas tiveram oito anos cada um para governar a cidade. Nenhuma grande transformação. Apenas um declínio constante e realizações medianas.

O Cidade Limpa foi melhor que a Operação Belezura, e a arquitetura da reurbanização de favelas da gestão Kassab, quem diria, é infinitamente superior a qualquer Minha Casa, Minha Vida.

Marta Suplicy fez 72 km de corredores de ônibus, mas ignorou ciclovias; Serra-Kassab fizeram uma centena de ciclovias e ciclofaixas, mas imperdoavelmente engavetaram corredores.

Os CEUs de Marta tinham melhor projeto em vários sentidos que os construídos por Serra-Kassab. Mas a qualidade da educação não decola.

A revitalização do centro da cidade é um fracasso à direita e à esquerda. Os inúmeros projetos de habitação de PSDB e PT que reaproveitariam dezenas de prédios ociosos ali mal saem do papel. Virada Cultural sozinha não evita as ruas vazias nos fins de semana durante o ano.

A aprovação de uma dúzia de arranha-céus e shoppings em plena marginal saiu dos governos Marta e Serra-Kassab, os mesmos que não conseguiram reter o êxodo empresarial do centro. Eles precisariam ser bem mais diferentes entre si para que as ameaças na linha "ou nós ou as trevas" impactassem os eleitores.

Que o susto Russomanno-PRB acelere uma urgente reforma política. Não será nas próximas duas semanas que PT e PSDB farão o dever de casa, mas que se preparem para 2016. Além de mais amor, São Paulo precisa de muito mais ousadia e capacidade de execução, em falta nessa embolada disputa. Voto útil agora rima com falta de opção e de paixão.

Como é fácil a vida dos professores - ALBERTO CARLOS ALMEIDA

FOLHA DE S. PAULO - 06/10


A principal avaliação, senão única, à qual são submetidos os professores de nossas universidades federais ocorre por meio das pós-graduações. A quantidade e qualidade de suas produções científicas é medida, e a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) confere notas para cada curso de pós-graduação.

A distribuição de recursos entre as pós-graduações ocorre de acordo com tais notas: quanto mais elevada elas são, mais acesso a bolsas de estudo, financiamentos para viagens etc. tais cursos recebem. É muito pouco, considerando-se o quanto nós brasileiros, todos, inclusive os mais pobres, pagamos para sustentar este enorme sistema público universitário.

Fui professor do departamento de ciência política da Universidade Federal Fluminense entre 1993 e 2005 e tive a chance de ser testemunha ocular de como é fácil a vida dos professores de universidades púbicas.

Não há um rigoroso controle externo sobre o que é feito ou o que se deixa de fazer. Se falta isso, imagine metas de produtividade.

Vi em muitas oportunidades vários professores deixarem de dar inúmeras aulas e nada acontecerem com eles. Os alunos não têm a quem recorrer. Eles podem reclamar com o respectivo departamento de ensino ao qual o professor está vinculado. Como são todos pares e muitas vezes um professor pode precisar do apoio político de outro, eles nada fazem para coibir os faltosos.

Não dar aulas é um mal visível. Há os menos visíveis, porém com consequências muito negativas.

Muitos professores dão aulas, mas enrolam: iniciam 15 minutos mais tarde e terminam 15 minutos mais cedo do que o horário regular, ficam dando suas opiniões pessoais em sala de aula em vez de ensinar conteúdos, não se atualizam com a finalidade de melhorar seus cursos etc. A falta de cobrança externa resulta em acomodação e, em muitos casos, a preguiça se manifesta.

Sendo assim, a primeira meta a ser estabelecida é tão óbvia quanto necessária: dar todas as aulas do início ao fim com conteúdo denso e útil para os estudantes.

Isso se mede por meio da produtividade: é preciso que seja estabelecido um rigoroso processo de avaliação do estudante, por meio de indicadores, desde quando ele entra na universidade até os primeiros anos após sua formatura, com a entrada no mercado de trabalho.

Tenho tido a chance de trabalhar em um projeto que faz exatamente isso, o projeto Siga realizado pela Unianhanguera, e os benefícios são evidentes. Indicadores desta natureza permitem detectar e identificar as causas de problemas como estudantes desestimulados e evasão.

Os professores das universidades federais não querem esse tipo de avaliação, pois seria fazer um raio-X sobre o resultado de seu trabalho. Eles não querem ser controlados.

O nosso sistema de universidades federais custará em 2012 quase R$ 28 bilhões. Um sistema tão caro precisa dar uma grande contribuição ao país. Não é isso que vemos.

Os professores são juridicamente funcionários públicos, e grande parte deles se comporta como tal no sentido pejorativo da expressão: não trabalham ou trabalham muito pouco.

É por isso que o resultado do que eles fazem precisa de controle externo por meio de avaliações abrangentes e rigorosas, que incluam metas de produtividade a elas vinculadas, e os recursos precisam ser alocados em função de tais avaliações.

Há um conflito de interesse: os professores não querem isso, e a sociedade quer que o recurso que ela coloca nas universidades seja utilizado de maneira eficiente. Por enquanto, quem tem vencido esse conflito são nossos professores funcionários públicos.

Lavagem no direito - WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SÃO PAULO - 06/10


Nas sessões de julgamento do STF, tudo se passa em público e raso, sob a luz de transmissões pela televisão



É relativamente comum que escrevedores profissionais não gostem de certas palavras ou de modismos literários. Monteiro Lobato, uma das grandes marcas literárias do Brasil no século 20, detestava galicismos. Lobato é respeitado e respeitável por muitos motivos, mas sua implicância com os galicismos só foi superada pelo uso dos anglicismos.

Gostar ou não gostar de palavras ou de estrangeirismos corresponde ao exercício da liberdade, que enuncio em causa própria. Confesso, por exemplo, que não gosto da palavra lavagem. No interior era a comida para os porcos. Embora também fizesse referência ao branqueamento dos tecidos, predominava na definição do que então se chamava (educadamente) de clister.

Nos dicionários da língua portuguesa ou de vocábulos próprios do direito, o termo não era vinculado a casos de corrupção na administração pública, hoje frequentadores diários das manchetes impressas e eletrônicas. Nas primeiras edições do Aurélio e do Houaiss o vocábulo aparecia sem corresponder à acepção popularizada "mensalão". No sentido em que a palavra passou a ser comum na mídia brasileira, ganhou popularidade depois que o cenário nacional se agitou com desvios e trapalhadas de políticos, levando vantagens financeiras sem serem apanhados pelas rodas da Justiça. Estavam confiantes na inexpugnabilidade das suas versões relacionadas com financiamento de campanhas. Agora terão que inventar novos caminhos.

A demora na revelação foi grande, no universo dos fatos administrativos. A definição atualizada de lavagem deve parte de sua expansão ao estudioso Walter Maierovitch, que a definiu, no direito penal, como o crime consistente na falsidade do lançamento contábil e/ou documental para dar aparência lícita a dinheiro oriundo de ato negocial ilícito. É a versão que Maria Helena Diniz incluiu em seu exemplar "Dicionário Jurídico".

O retardamento não foi causado por uma crise de vocábulos na língua oficial do Brasil (Constituição, art. 13) ou na linguagem dos juristas. A definição percorre caminhos abertos pela esperteza gerada por "heróis" de uma dezena de termos que o Houais relaciona, como aldagrante, caloteiro, falcatrueiro, trapaceador, velhaco, vigarista e assim por diante.

Nas sessões de julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) o conteúdo do resultado final ainda é imprevisível. Trata-se de evento no nível do Judiciário, bem original, pelo número de envolvidos, que vai à casa das dezenas. Revela caminhos, intervenções e resultados tão policialescos que não pareciam viáveis numa primeira apuração apenas judicial. Não há violência. Não há tortura. Não há ameaças. Tudo se passa em público e raso, sob a luz de transmissões diretas pela televisão. Boa parte das descobertas decorreu de denúncias vindas de alguns dos envolvidos, mais provavelmente (e aqui me sirvo de expressão muito antiga) quando apanhados com a boca na botija.

Nada obstante a crítica vigorosa aos culpados, não se deve generalizar, sem limites justos, a extensão da adequada repulsa do eleitorado aos políticos que traem os princípios do direito e da moral. Em todos os casos, sempre se deverá separar o joio do trigo, mesmo nestes tempos em que o joio parece dominar o mercado da política.