sábado, outubro 06, 2012

Inovar o protecionismo - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 06/10

O novo regime automotivo é protecionista. Não é para beneficiar o consumidor. É mais uma encarnação da mesma velha política que eleva os muros contra os carros importados e dá o mercado interno como sesmaria para as indústrias instaladas no Brasil. O IPI mais alto para os importados será uma segunda tarifa de importação, o que é proibido pela Organização Mundial de Comércio (OMC).

As montadoras brasileiras ganharam mais cinco anos para competir com os carros importados. É isso que estabelece o novo regime automotivo. As importadoras terão cotas anuais de importação sem IPI - outra irregularidade pela OMC - que em alguns casos representam a importação de um mês. As empresas no Brasil terão que comprovar ao governo, de ano em ano, que cumprem o prometido. Serão monitoradas.

A ideia inicial era medir a emissão de poluentes por quilômetro rodado, como é feito na Europa. As montadoras não gostaram, então eles mudaram pela eficiência energética, que é uma forma indireta de se reduzir a emissão. O problema é que muitas dessas empresas têm nos seus mercados de origem carros mais eficientes do ponto de vista do consumo de combustível do que teremos em 2017.

O governo apresentou uma conta de quanto será a economia do consumidor caso a meta de três quilômetros a mais por litro seja atingida dentro de cinco anos. É um belo exercício da modalidade chute livre. O especialista em mercado automotivo Stephan Keese, sócio da consultoria Roland Berger, lembra que isso pode deixar o carro mais caro:

- A tecnologia já existe, mas o motor custa mais caro e isso deve ser repassado ao custo do veículo.

O que torna a chutometria mais implausível é o fato de que o preço do combustível no Brasil deixou de responder a qualquer lógica de mercado. É o que o governo precisa para segurar a inflação e o quanto a Petrobras aguenta. A estatal, na atual gestão, tem avisado que não aguentará para sempre.

Luiz Carlos Mello, ex-presidente da Ford e hoje no Centro de Estudos Automotivos, acha que estamos em pleno retrocesso:

- O governo formalizou um quadro de restrição à importação. Guardadas as devidas proporções, voltamos ao período anterior a Collor. Naquela época, era proibido importar. Agora não é mais, só que a importação terá um custo altíssimo.

O Brasil como membro da OMC assumiu compromisso de ter alíquota máxima. Esse número é resultado de uma negociação que leva às "alíquotas consolidadas". A do Brasil é 35%, e o carro já paga o teto. O que se fez nos últimos tempos foi reduzir o IPI para o carro produzido aqui. Assim, um imposto interno virou segunda tarifa de importação. Essa dupla barreira começou a ser contestada pelos parceiros, mas era temporária. O que o governo fez foi institucionalizá-la através de um programa de metas de desempenho e investimento em pesquisa.

A exigência de investimento em pesquisa e desenvolvimento no Brasil será de 0,15% da receita operacional bruta. Depois aumentará até 0,5%. Mello não acredita muito nessa pesquisa.

- Vamos supor que a Petrobras monte um centro de pesquisa no Mar do Norte. Esse centro tomará decisão sem passar pelo Rio? É claro que não.

O decreto levantou dúvidas e está sendo avaliado por especialistas. Pode vir a ser fonte de mais burocracia num país que nunca foi leve nesse campo.

Perde a conta quem tentar listar as medidas para favorecer a indústria automobilística. Elas voltaram com força em 2009, sob pretexto da crise. Até o Banco Central entrou no grupo das bondades, quando liberou R$ 18 bi de compulsório para a compra de veículos. O governo está convencido de que vai acelerar o crescimento assim. O que conseguiu até agora foi parar o trânsito das cidades.

Nenhum comentário: