segunda-feira, abril 09, 2012

No fundo do poço - CARLOS ALBERTO SARDENBERG


O Estado de S. Paulo - 09/04/12


O programa foi o seguinte: quatro dias de treinamento, num hotel, para 300 funcionários da Administração dos Serviços Gerais - o equivalente, no governo americano, a um Ministério da Administração no Brasil. Custo: algo como R$ 1,5 milhão, o que dá R$ 1.250 por pessoa/dia, pensão completa.

Nem é tanto assim, considerando que se tratava de um hotel cinco-estrelas em Las Vegas, incluindo-se no programa aulas e cursos variados. Mas a chefe da Administração, Martha Johnson, renunciou a seu cargo, na semana passada, e seus dois principais assessores foram demitidos - tudo por causa dessa despesa.

Ocorre que uma auditoria interna encontrou alguns, digamos, exageros. Por exemplo: R$ 5.800 para um "mentalista", que leu as mentes do pessoal; e nada menos do que R$ 135 mil para técnicos que ensinaram como montar uma bicicleta.

Para um órgão que se dizia empenhado em programas de cortes de gastos e promoção de eficiência não caiu bem.

Ocorre que toda a coisa foi montada em escalões médios. A ministra-chefe não participou diretamente, não ordenou a despesa nem assinou os cheques. Aliás, os funcionários diretamente responsáveis foram suspensos e estão sendo processados. Não há suspeita de roubalheira. Trata-se apenas de desperdício de dinheiro público.

Foi o que bastou. A ministra demitiu seus assessores diretos e renunciou. Explicação: a direção é responsável pelos atos dos funcionários; a cúpula é responsável por toda a organização.

Já por aqui, no Brasil, o Ministério da Pesca foi apanhado recentemente, por reportagem deste Estadão, num gasto muito mais complicado do que a festança americana. Trata-se da compra de 28 lanchas, por R$ 31 milhões.

Tanto o Ministério não precisava daquele tipo de embarcação - para vigilância da costa - que está transferindo os barcos para a Marinha e para a Polícia Federal. E, até a semana passada, 23 lanchas estavam paradas, dois anos depois da compra. Mais: o dono da empresa que vendeu as lanchas para o governo é ligado ao Partido dos Trabalhadores (PT) e doou R$ 150 mil para a campanha eleitoral petista em Santa Catarina, em 2010.

O ministro da Pesca na ocasião da compra, Altemir Gregolin, é político petista, de Santa Catarina. Em 2011, foi substituído pela senadora Ideli Salvatti, também de Santa Catarina, candidata a governadora naquela eleição em que o vendedor das lanchas doou os R$ 150 mil. Durante a campanha, Ideli participou de solenidade de assinatura dos contratos de aquisição das embarcações.

Explicação dos envolvidos: não tem nada de mais.

Dizem: Ideli não pediu a doação; o dinheiro não foi para a campanha dela, mas do partido (por acaso, o partido dela); quando ela se tornou ministra da Pesca, a compra já estava feita, não havia mais o que fazer; não se pode dizer que a compra foi equivocada ou suspeita; não há nenhuma relação entre o negócio e a doação; o doador doou porque quis; e também não há nada contra os funcionários que administraram o negócio, embora a operação tenha sido condenada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Ou seja, a ministra americana foi uma idiota. Demitir-se por causa de uma despesinha de R$ 1,5 milhão? E o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que exigiu as providências, certamente aplicou um rigor exagerado. Quer mostrar o quê? Que a faxina lá é maior do que aqui?

Por um plágio

Pelos mesmos critérios de Brasília, o ex-presidente da Hungria Pal Schmitt também é um idiota.

Imaginem que o cara renunciou por ter sido acusado de plágio numa tese acadêmica apresentada 20 anos atrás, quando ele nem sonhava em entrar para a política.

Nenhuma denúncia de roubo, nenhuma doação eleitoral suspeita, nem sequer uma investigação sobre gastos exagerados. Apenas isto: a sua tese de doutorado, de 1992, se parece muito com o trabalho de um outro acadêmico.

Schmitt nega o plágio, diz que vai se defender, mas renunciou dizendo que o debate público sobre o caso impedia o exercício correto da Presidência.

Poucos meses atrás, aconteceu a mesmíssima situação com o então ministro da Defesa da Alemanha, Karl-Theodor Guttenberg. Renunciou, envergonhado, em meio a um debate nacional sobre a sua ética, ao ser apanhado numa suspeita de plágio acadêmico. Só isso.

Se fosse aqui, não lhes aconteceria nada. No Congresso Nacional e no Executivo, prevalece a ideia de que atos cometidos antes do exercício do mandato e do cargo não justificam punições e/ou demissões.

O ministro fez consultorias "estranhas"? Mas ele não era ministro. O deputado bateu uma carteira? Espera lá, ele nem era candidato por ocasião daquele roubo.

Por aí se vê, aliás, como é mais escandaloso o caso do senador Demóstenes Torres. Ele nem pode argumentar que tudo ocorreu antes do exercício do mandato. Foi tudo como parlamentar.

É verdade que, até aqui pelo menos, não há suspeita de roubo ou de malversação de dinheiro público. A denúncia é "apenas" de prática de lobby, que não é regulamentado, mas também não é crime, e de serviços de advocacia particular para um contraventor.

Se o senador não tivesse feito carreira como defensor da ética e da ordem, talvez o caso acabasse esquecido. Imagine se o personagem dessa história fosse o... (o leitor coloque aqui um nome de sua escolha), a reação seria: "Não se podia esperar outra coisa".

Mas logo o Demóstenes Torres, o senador da ficha limpa! Convenhamos: estamos no fundo do poço.

A formação do Brasil - LYA LUFT

REVISTA VEJA

Sempre me preocupam posições aleatórias ou radicais, com ou sem fundo ideológico, com respeito à formação étnica e cultural do Brasil (ainda existe realmente o ideológico, ou tudo é jogo do grande partido do PIP, o Partido do Interesse Próprio, que às vezes parece ser o preponderante neste país?). Temos oficialmente o Dia do Índio e o Dia do Negro. Divulgam-se e se promovem programas, disciplinas, mil atividades quase sempre relacionadas ao índio e ao negro. Mais do que justo. O primeiro, porque foi o morador desta terra, quando aqui chegamos e o destruímos. O segundo, porque com seu sangue, sofrimento e trabalho duro construiu parte disso que somos e provou que não somos nada santos, pois tínhamos escravos - como boa parte do mundo tinha, incluindo tribos africanas e povos dos mais variados que, vergonha, opróbrio, escravizavam grupos vencidos em guerras.

Esse triste capítulo passou. Deixou marcas, como todos os males deixam, mas estamos trabalhando, eu acho, num país com menos preconceito e mais respeito pelas diferenças, sejam quais forem. Diga-se de passagem, o preconceito pode ser de gênero, de etnia, de classe social, com mão dupla ou várias mãos. Cansei de ouvir dizer que "os brancos de olhos azuis" não querem o bem deste país. O que pode ser mais discriminatório?

Porém, eu gostaria que houvesse mais disciplinas, festejos, ensinamentos, referências aos outros povos e raças que nos fizeram. Os portugueses, italianos, alemães, japoneses, árabes, poloneses, judeus, e tantos mais, sobretudo aqueles que nos povoaram, fizeram crescer, que nos civilizaram e ainda sustentam com suor, trabalho - e às vezes lágrimas - até o dia de hoje. Que nos tornam esse país vasto e, contraditório, problemático, pré-adolescente, que ainda somos - com todos os encantos e disparates que essa fase da vida costuma oferecer.

E gostaria que não só pequenas comunidades em cidades grandes ou no interior comemorassem a cultura de determinados grupos, mas que isso fizesse parte da agenda oficial. Por que não o Dia do Alemão, do Judeu, do Árabe, do Italiano, por exemplo? Do Polonês ou do Português, por exemplo? Pois todos merecem todos contribuem igualmente, todos à sua maneira foram sacrificados, às vezes vilipendiados, não entendidos. Todos sofreram. Meus antepassados, já escrevi isso mais de uma vez, vieram da Alemanha há quase 100 anos, passaram privações inimagináveis em navios, embora não acorrentados. Foram convocados para povoar, no meu caso, uma região bem aqui no sul do Brasil, onde foram largados de mãos vazias de recursos e ouvidos cheios de promessas não cumpridas. Receberam umas poucas ferramentas, nada mais. Enfrentaram tribos hostis, animais ferozes, natureza e clima estranhos, doenças desconhecidas e isolamento devido ao idioma. As criancinhas morriam em quantidades assustadoras, os doentes eram tratados com chás e orações, pequenos cemitérios cresciam como cogumelos. Aos poucos mandaram buscar mais pessoas, médico, pastor, padre, professor, e foram-se construindo casas, povoados, vilas, hoje florescentes cidades de todos os tamanhos. Apesar das dificuldades da língua, foram-se aclimatando, e se consideram tão brasileiros quanto eu, de cinco ou mais gerações nesta terra amada. Isso deve merecer consideração especial.

Escrevo isso como poderia escrever se tivesse antepassados japoneses ou árabes, judeus ou italianos. A gente quer a sensação não apenas de ser brasileiro, amar este país complicado, e lutar por ele, mas de ter isso reconhecido de uma forma mais clara e melhor. Vamos aprender danças e rituais indígenas, comidas e cultos e palavras africanas, mais do que certo: pois somos resultado e mistura de tudo isso. Mas vamos, então, ter outras datas, referências, homenagens e aprendizados mais amplo e mais justos sobre as culturas e etnias que igualmente nos formaram como somos hoje, e vão continuar, cada uma do seu jeito e no seu ritmo, promovendo o país com que tanto sonhamos, onde todos têm hora, voz e vez garantidas e apreciadas.

Número demais - J. R. GUZZO

REVISTA VEJA


A revista The Economist tomou algum tempo atrás uma decisão muito interessante: decidiu que não iria mais publicar nenhum número oficial fornecido pelas autoridades econômicas da Argentina. O motivo é que não dá para acreditar, há anos, em quase nenhum dado que vem do governo argentino. Seus números são patentemente suspeitos, ou incoerentes, ou incompreensíveis – ou pura e simplesmente falsos. Publicar para quê, se no fundo é tudo mentira? Para a Argentina, obviamente, tanto faz. Seus governantes vão continuar fabricando e divulgando as cifras que bem entenderem, sem a mais remota preocupação com o fato de que a revista inglesa não acredita neles; é duvidoso, por sinal, que estejam interessados em saber se os próprios argentinos acreditam ou não naquilo que dizem. Os jornalistas da Economist, de qualquer forma, deixam de perder seu tempo tentando encontrar algum nexo nos dados econômicos da presidente Cristina Kirchner. Toda a imprensa mundial, na verdade, talvez fizesse um bom negócio se deixasse de dar tanta atenção às cifras econômicas que saem de dentro dos governos, da Argentina e de muito país levado a sério por este planeta afora. É, realmente, um mundo de trevas. Se Dante resolvesse acrescentar mais um círculo aos nove que colocou no inferno de sua Divina Comédia, é possível que esse décimo patamar ficasse reservado às estatísticas oficiais.

O Brasil, felizmente, parece que não tem, com os seus dados oficiais, problemas equivalentes aos da Argentina. Mas teria, com certeza, um bom lugarzinho reservado na fornalha infernal mencionada aí acima. Quem, fora do governo, ou mesmo dentro dele, consegue desembaralhar a numeralha que Brasília faz desabar quase todo dia, sem dó nem piedade, em cima deste país? Não dá. Os números saídos do governo misturam dinheiro que ainda não existe com dinheiro que já não existe mais. Somam parafuso com mandioca e obtêm, no total, sandália havaiana. Desafiam a matemática de Euclides. Podem revogar a regra de três e a prova dos noves, ou transformar raiz quadrada em raiz redonda. Sabe-se da existência, na matemática, dos números irracionais; parecem ser os preferidos dos nossos burocratas. Há uma confusão contínua de verbas federais que reencarnam como estaduais ou municipais – ou fazem a viagem ao contrário, ou, então, transitam de um lugar para outro sem que se saiba nunca onde realmente estão, ou sequer se existem. O bom-senso, em todo esse processo, acaba sempre ficando como "opção inválida". Pascal em pessoa, se lhe jogassem em cima a maçaroca de cifras usinadas pelo governo, iria esquentar a cabeça por um tempo e, ao fim, diria algo assim: "Quer saber? Não entendi nada desse negócio aqui".

Essa confusão toda, naturalmente, não é neutra. Tira-se grande proveito dela, e não é preciso chamar nenhum prêmio Nobel para deduzir que o grande beneficiário da confusão é quem a produz – o próprio governo. Uma das suas ferramentas preferidas é o PAC, esse monumento de classe mundial na arte de engambelar o público com números oficiais. Num artigo recente na Folha de S.Paulo, e para ficar num exemplo só entre dezenas de outros, o senador Aécio Neves observou que o PAC inclui, como investimento do governo, 75 bilhões de reais devidos ao financiamento de imóveis. Em português claro, isso quer dizer o seguinte: o dinheiro que o cidadão está tirando do próprio bolso, para pagar as prestações do imóvel que comprou, é contado em Brasília como verba aplicada pelo governo em obras do PAC. O resultado é um angu mental em que se ouve muita gente boa dizer, por exemplo: "Uma coisa não se pode negar: o governo está investindo um colosso em habitação. Nisso a Dilma é craque". O que sobra, no nevoeiro fechado das cifras que vêm lá de cima, é a impressão de que o governo não sabe o que está falando, a imprensa não sabe o que está publicando e, a população não sabe o que está acontecendo. E o Brasil para todos.

Nós estamos num estado comparável apenas à Grécia: a mesma pobreza, a mesma indignidade política, a mesma trapalhada econômica, a mesma baixeza de carácter, a mesma decadência de espírito. Nos livros estrangeiros, nas revistas, quando se fala de um país caótico e que, pela sua decadência progressiva, poderá vir a ser riscado do mapa da Europa, citam-se, em paralelo, a Grécia e Portugal.

Quem escreveu as linhas acima foi Eça de Queiroz. Data de publicação: 1872, em As Farpas. Gênio, entre outras coisas, é isso: está quase sempre com a razão, mesmo 140 anos depois.

Olho nos banqueiros e nos políticos! - PAULO GUEDES

REVISTA ÉPOCA


É o aumento de produtividade que garante os ganhos salariais dos trabalhadores, a competitividade das empresas e a prosperidade de um país. A produtividade crescente, resultado de investimentos públicos e privados nas mais diversas dimensões, é a própria síntese de uma dinâmica de crescimento econômico com base na ampliação do mercado interno.

Essa perspectiva de que o crescimento é indissociável da produtividade foi perdida em meio à grande crise contemporânea. Macroeconomistas e financistas afogaram-se no tsunami de liquidez que ajudaram a promover. Insistem na receita de crédito fácil e dinheiro barato, na vã tentativa de reverter o declínio econômico estrutural. "Aumentar a produtividade de uma economia a longo prazo deveria ser o principal objetivo da política econômica", afirma Michael Porter, especialista em estratégia competitiva e gestão empresarial, em recente artigo sobre a perda de competitividade da economia americana, publicado na Harvard Business Review (março de 2012). "Esforços do governo para estimular a demanda não garantem a prosperidade de um país. Criar empregos sem melhorar a produtividade não aumenta o padrão de vida dos trabalhadores e a competitividade das empresas a longo prazo." De acordo com Porter, precisamos de instituições políticas eficazes; um regime fiscal sensato; um ambiente de negócios que estimule o empreendedorismo e a inovação; investimentos na infraestrutura de transporte, comunicação, logística e informação; mercados de capitais eficientes e educação de qualidade em todos os níveis.

Ele compreende que, com a globalização, ampliaram-se os horizontes geográficos e os incentivos das empresas americanas para segmentar suas cadeias produtivas e redistribuir a localização de suas fábricas em diversos países. "Em princípio, pode ser melhor para os Estados Unidos quando um estágio de baixo valor adicionado na produção de manufaturas é transferido do Meio-Oeste americano para o Brasil, e o crescimento brasileiro então cria demanda para produtos americanos de alto valor adicionado", diz Porter.

Não é bem isso o que está ocorrendo. Não estamos recebendo transferências em massa de parques produtivos americanos. Enfrentamos, ao contrário, uma ameaça concreta de desindustrialização. A disponibilidade abundante de recursos naturais sempre assegurou ao Brasil uma vantagem comparativa clássica na exportação de commodities. Exportamos, na verdade, terra, água e sol, em forma de produtos minerais e agrícolas. Temos matérias-primas essenciais à formação de cadeias produtivas industriais de amplo alcance, da agroindústria aos manufaturados, dos petroquímicos ao aço.

Mas começam aí as dificuldades das empresas brasileiras. Estão ameaçadas mesmo indústrias convencionais de baixo valor adicionado: têxtil, de sapatos, de móveis, de brinquedos, de construção e outras mais que empregam mão de obra pouco qualificada. Isso porque as vantagens competitivas numa economia moderna dependem, fundamentalmente, da qualidade das políticas públicas.

O regime fiscal, expansionista há décadas, trouxe uma trajetória de juros explosivos e câmbio sobrevalorizado. O manicômio tributário aumentou a taxa de mortalidade das pequenas e médias empresas. Excessivos encargos sociais e trabalhistas condenaram ao desemprego a mão de obra menos qualificada. A insuficiência de investimentos públicos e a regulamentação inadequada tornaram deficientes a infraestrutura e a logística, emperrando as cadeias produtivas. As fontes de capital de risco e a qualificação do capital humano são insatisfatórias para setores mais especializados.

Um alerta ao Brasil: cuidado com o que eles fazem! O importante para o crescimento é a produtividade

"A decisão de onde instalar suas fábricas é, sob muitos aspectos, um verdadeiro referendo sobre a competitividade do país", afirma Porter. "Quando uma empresa construir sua fábrica na China ou na Polônia, em vez de fazê-lo nos Estados Unidos ou no Brasil, está na prática respondendo a uma questão: que país pode torná-la mais capaz de ter sucesso nos mercados globais? Essa decisão quanto ao local de instalação das fábricas se traduz em melhores empregos, mais investimentos, mais arrecadação de impostos e mais desenvolvimento econômico. Os governos dos países mais dinâmicos competem ferozmente pela atração desses negócios. E os Estados Unidos não estão conseguindo atrair decisões de investimento em volume suficiente para sustentar a criação de empregos e o aumento dos salários."

Se a mais dinâmica economia do mundo está preocupada com a possibilidade de não se tornar suficientemente atraente para os investimentos que aumentam a produtividade e trazem a prosperidade a longo prazo, o que devíamos nós, brasileiros, estar pensando? Temos de aproveitar que o mundo parou para conserto. Devido aos excessos dos financistas anglo-saxões e aos abusos da social-democracia europeia, ganhamos uma janela de oportunidade, um prazo de alguns anos para reduzir nossa distância em relação às economias avançadas.

Com poucas, mas fundamentais, reformas, podemos criar um ambiente propício a uma reindustrialização acelerada à base de capitais de risco. Mas não apenas atraindo investimentos nacionais e estrangeiros para empresas nas indústrias convencionais, como as manufaturas. Elas podem certamente recuperar sua vantagem competitiva com rapidez, pois os encargos sociais e trabalhistas eliminaram os benefícios da mão de obra barata. Um bom ambiente de negócios e a melhoria do capital humano por meio da educação atraem também novas tecnologias e investimentos em setores de alto valor adicionado.

Temos de evitar as armadilhas que aprisionaram a civilização ocidental nos dois lados do Atlântico Norte. "Desde os anos 1990, os americanos mascararam seu problema de estagnação da produtividade por meio de uma maciça ampliação de crédito, contribuindo para a bolha imobiliária e a crise financeira de 2008-2009", afirma Porter. Os europeus disfarçaram sua estagnação produtiva nas promessas demagógicas e financeiramente irresponsáveis de uma despreparada social-democracia hegemônica. Alerta aos brasileiros: cuidado com os banqueiros e os social-democratas. O importante é a produtividade.

A ilusão fiscal de Brasília - CARTA AO LEITOR - REVISTA VEJA

REVISTA VEJA

Uma reportagem desta edição de VEJA explica os estímulos à indústria dados pelo governo brasileiro na semana passada e mostra que as escolhas dos instrumentos de ajuda foram as piores e as mais caras possíveis. As medidas anunciadas são pontuais. Elas podem até dar um alivio financeiro momentâneo às fábricas brasileiras com dificuldades crescentes de concorrer na economia globalizada, mas nem sequer resvalam na remoção dos grandes entraves estruturais que impedem o aumento da produtividade da indústria brasileira.

O pacote passou ao largo do que efetivamente é preciso fazer para tornar competitivos os produtos manufaturados no Brasil, ignorando que nossas fábricas não conseguem competir com o produto importado, tampouco ganhar mercados lá fora, porque são obrigadas a arcar com uma carga fiscal que beira os 40% do produto interno bruto (PIE) - a maior entre todos os seus concorrentes diretos. Nossos produtos não são competitivos também porque as empresas brasileiras pagam, proporcionalmente à renda per capita, o mais alto preço por mão de obra especializada do mundo, a mais cara energia elétrica e as mais exorbitantes tarifas de telecomunicação de voz e dados.

A manufatura brasileira não poderá entrar na corrida global por mercados enquanto tiver de gastar o triplo, ou até mais, de tempo e dinheiro que seus concorrentes para se adequar ao complexo, impenetrável, ilógico e contraditório conjunto de regras, regulamentos e portarias do labirinto legal brasileiro.

Anunciado pela presidente Dilma Rousseff, por Guido Mantega, ministro da Fazenda, e por Marco Maia, presidente da Câmara dos Deputados, o pacote da semana passada é, ao mesmo tempo, uma confissão de impotência diante dos verdadeiros desafios brasileiros e uma rendição aos grupos de pressão que conseguiram adiar temporariamente o encontro com a realidade de sua inadequação competitiva global. O governo vai oferecer 45 bilhões de reais de crédito barato à indústria, dinheiro a ser repassado pelo BNDES, que recebe recursos caros captados pelo Tesouro no mercado financeiro, pagando um dos mais altos juros do planeta - e, para piorar, sem autorização do Congresso Nacional. A conta do subsídio vai ser mandada aos brasileiros que pagam impostos. É uma triste combinação de ilusão com crueldade fiscal.

Tsunami em Angra - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 09/04/12

A Comissão Nacional deEnergia Nuclear recebeu relatório da Eletronuclear em que diz que as duas usinas brasileiras, Angra 1 e 2, têm melhores condições do que tinha a usina de Fukushima Daiichi, no Japão, para enfrentar catástrofes naturais como o tsunami que atingiu há um ano a Terra do Sol Nascente.

Segue...

Entre as questões avaliadas estão os recursos de que a central nuclear brasileira dispõe para desligamento seguro em situações de perda de todo o suprimento de energia elétrica, como aconteceu na usina japonesa, e da possibilidade de utilização da água do mar para resfriamento dos reatores.

Cardeal do Rio

Dom Eusébio Scheid, ex-arcebispo do Rio, completa 80 anos em dezembro. Isso abre caminho para que Dom Orani, o atual titular da diocese fluminense, seja promovido a cardeal antes da visita do Papa.

Meu dente

José Serra passou os feriados de molho. Descansa de uma cirurgia dentária.

No mais

Se o processo de desindustrialização continuar, o Brasil arrisca cair numa versão tupiniquim da piada velha, lembra- se?, de Ronald Reagan: — O operário da indústria têxtil que ficou sem emprego veste sua camiseta chinesa e vai para a fila do Bolsa Família.

O PIB da paz
Veja como a segurança pública tem grande importância na indústria turística. O hotel Sheraton da Avenida Niemeyer, em São Conrado, teve aumento de 50% em sua ocupação desde que a PM retomou o Morro do Vidigal.

UM GRUPO DE amigos da Lapa, o bairro boêmio do Rio, anda preocupado com uma vizinhança nada amistosa. É que, após o carnaval, uns ambulantes transformaram o imóvel no- 94 da Rua do Lavradio (o sobrado do meio) em depósito de produtos. As trancas de uma das portas de enrolar, repare no detalhe, foram retiradas, facilitando o acesso ao edifício que no século XIX abrigou o teatro-circo da Real Companhia Equestre Inglesa e, anos mais tarde, parte da antiga “Tribuna da Imprensa”. Alô, Eduardo Paes!

Sagrada família de Zu
Vem aí o primeiro romance de Zuenir Ventura. Chama-se “Sagrada família”. Sai em julho pelo selo Alfaguara. Segundo o editor Roberto Feith, “é uma espécie de Amarcord literário, inspirado na infância e adolescência do mestre Zu no alto da Serra fluminense”. O livro é também um retrato lírico do Brasil dos anos 40 e 50.

Famélicos no ar

O Brasil não só inventou o avião com Santos Dumont, mas também a companhia de baixo custo com passagem alta. No voo JJ 3611 da TAM (Rio- Natal), nos feriados, tinha assento por até R 2.500. Em três horas de voo... um polenguinho e um saco bem pequeno de biscoito.

Esta turma sabe

Cresceu 18% o número de candidatos chineses às universidades americanas este ano. Em 2011, já havia aumentado 21%. Eles estudam, principalmente, engenharia, administração e geociências.

Calma, gente
Um grupo de meninas adolescentes fez críticas a alguns professores do Colégio Qi da Tijuca no Facebbok. Um pai araponga imprimiu os comentários e foi dedurar ao colégio. As meninas, acredite, foram ameaçadas de suspensão.

Aliás...

O colégio só recuou depois que alguém avisou a direção que violação à correspondência é um crime grave e só pode ser feita com autorização judicial.

Ponte aérea

Os governadores Cabral e Alckmin, e os empresários Eduardo Eugênio e Paulo Skaf, presidentes, respectivamente, da Firjan e da Fiesp, lançam hoje no Palácio Bandeirantes um programa de MBA para diretores das escolas públicas do Rio e de São Paulo.

Ordem ou tradição?

Quinta ocorreu uma “escolha de Sofia” no Leblon. É que a Guarda Municipal queria levar a carrocinha do Moraes, aquele tradicional sorveteiro da Zona Sul que por anos e anos teve loja em Ipanema. No fim, o povo cercou o sorveteiro e os guardas resolveram ir embora.

Para concluir...

Ingressos das Olimpíadas de Londres foram parar no... mercado negro. A revelação é da BBC de Londres, que mostrou irregularidades praticadas por revendedores estrangeiros dos bilhetes. Deve ser terrível viver num país onde o esporte é uma bagunça.

PROGRAMAÇÃO ESPORTIVA NA TV


7h - Mundial de motocross, etapa da Holanda, Bandsports

11h - Tottenham x Norwich, Campeonato Inglês, ESPN

11h - Newcastle x Bolton, Campeonato Inglês, ESPN HD

13h20 - West Ham x Birmingham, Campeonato Inglês (2ª divisão), ESPN

14h - Caja Laboral x Real Madrid, Liga Espanhola de basquete, Bandsports

16h - Fulham x Chelsea, Campeonato Inglês, RedeTV!, ESPN Brasil e ESPN HD

16h - Málaga x Racing, Campeonato Espanhol, ESPN

16h15 - Sporting x Benfica, Campeonato Português, Bandsports e Sportv

19h - Nacional feminino de basquete, final, Sportv

As viúvas de Demóstenes - LEONARDO CAVALCANTI

CORREIO BRAZILIENSE - 09/04/12




A imagem de desilusão de quem acreditou no senador aproxima-se à daquela mulher que descobriu a amante do marido no dia do enterro. Ao se envolver com o bicheiro Cachoeira, o político goiano está fora das referências positivas dos eleitores brasileiros. Melhor assim


Demóstenes Torres tinha lá seus fãs. Melhor, uma infinidade deles. E não só entre os goianos, que o reelegeram com mais de 2 milhões de votos em 2010. Sem exageros, o senador do DEM era um dos principais representantes de um grupo de pessoas cientes da necessidade do contraditório, das ações e denúncias contra os governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

É impossível saber o universo de eleitores, mas eles bem ou mal repercutiam as declarações do goiano. Na prática, dependiam dele como arauto, afinal o camarada tinha currículo brilhante no Ministério Público. E o início da vida parlamentar contribuiu para reforçar a imagem positiva do político, presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a mais importante da Casa.

Temos uma série de viúvas de Demóstenes espalhadas pelo país. Mas não aquelas que guardam respeito pelo companheiro ao longo da vida. Refiro-me à mulher que descobre a amante do marido no dia do enterro. A boa imagem do camarada acaba ali. Ao se envolver com o bicheiro Cachoeira, o senador agora está fora das referências positivas dos eleitores. Melhor assim. Toda desgraça é pouca para quem enganou o cidadão, mesmo que tal coisa sirva mais uma vez de lição: acreditar piamente em políticos com discursos moralistas ao extremo só pode dar nisso, desilusão. Já temos exemplos demais.

Denúncias
Mas há outro aspecto da queda de Demóstenes, talvez mais emblemático. Desde a chegada a Brasília, em 2003, ele sempre foi procurado por jornalistas para repercutir reportagens. As frases eram exatas, claras e contundentes contra a corrupção. E, além do mais, tinha vasto espaço na mídia para publicar artigos. Nas listas dos mais influentes, lá estava ele, independentemente da qualificação dos jurados.

O senador era um formador de opinião, na melhor acepção do termo. Aliás, os próprios admiradores do goiano poderiam receber tal alcunha. Repito: o fato — ou a existência — dessas pessoas é positivo, afinal a democracia precisa do contraditório, do grito de que algo está errado. Assim, Demóstenes se fez, e se transformou num dos principais quadros de uma debilitada oposição aos petistas.

E aí está a maior perdedora com a desgraça de Demóstenes: a oposição. A caixa de ressonância segura dos partidos adversários do Palácio do Planalto perdeu um dos melhores componentes. E aqui não estou a dar espaço a lamentos. Ao contrário. A dificuldade do DEM e das demais legendas é de ordem prática. A partir de agora, terão de jogar com menos um, desequilibrando ainda mais as partidas.

O problema é que — ao contrário de um atleta expulso, obrigado a abandonar o campo de imediato, depois de fazer uma jogada perigosa — Demóstenes parece querer insistir no mandato. Assim, permanecerá ali, sendo lembrado todos os dias. Para piorar as coisas, o início do seu esquisito nome próprio é igual ao do partido de que se desfilou na semana passada. Uma desassociação difícil.

Outra coisa
Por mais que o clima de cassação tenha invadido o Senado, o processo é longo. E encostará no período da campanha eleitoral, o que já interfere diretamente na disputa dos municípios goianos e deverá atrapalhar o discurso da oposição ao Palácio do Planalto pelo menos nas capitais. O único alento para os adversários dos petistas em outubro é que o Partido dos Trabalhadores não precisa de inimigos para se atrapalhar. Os camaradas se atrapalham sozinhos. É só assistir com mais cuidado às atuais negociações para os palanques nas principais cidades brasileiras. Não faltam exemplos.

“Sempre se pode formar a opinião pública num duplo processo, de baixo para cima e vice-versa, através dos líderes de opinião, tanto em nível local como nacional”

Trecho de Dicionário de Política, de Norberto Bobbio, Nicole Matteucci e Gianfranco Pasquino.

Laboratório eleitoral - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO


O Estado de S.Paulo - 09/04/12


Hábitos online antecipam o que acontece no mundo real? Além de oráculo, a internet é também pitonisa do comportamento humano? Tem resposta para tudo e ainda prevê o futuro? Cientistas acham que sim - e estão tentando provar. Alguns conseguiram associar as altas e baixas das ações na Bolsa de Valores ao ritmo do Twitter, outros demonstraram que as buscas no Google preveem surtos de doenças antes dos epidemiologistas.

Não é mágica, é vício. O comportamento humano segue padrões coletivos. São rotinas compartilhadas por milhares, às vezes por milhões de pessoas. De tão grandes ou esparsas são difíceis de identificar a olho nu. O que os cientistas têm feito é compilar bilhões de dados dispersos pelos internautas e tentar dar sentido a eles.

Quando alguém está doente e tem acesso à internet, há uma chance de pesquisar sintomas na web para fazer seu autodiagnóstico e, eventualmente, seu autotratamento. É por isso que anualmente se repete um pico de buscas pela palavra "gripe" no Google - sempre de abril e maio, entre os brasileiros. Mas quando há uma epidemia (real ou virtual) as pesquisas explodem, como em 2009, diante do pânico provocado pela gripe suína.

Será que isso se aplica à política?

O eleitor tem hábitos repetitivos como qualquer internauta. O Google Trends - uma ferramenta que mede o volume de buscas por palavras ou expressões no Google - mostra que, ao contrário dos políticos profissionais, os comuns mortais não se ocupam meses a fio com quem será o novo prefeito, tampouco pensam com antecedência em quem votarão para vereador. O eleitor médio só se preocupa com a eleição por um curto período de tempo.

Se as pesquisas no Google são um termômetro do interesse do público, pode-se dizer que as eleições municipais começam a despertar o eleitor a partir da segunda metade de junho, quando as buscas pela palavra "prefeito" na internet começam lentamente a superar a média dos meses anteriores. Isso coincide com o período das convenções partidárias para oficializar as candidaturas.

O interesse entra em uma curva ascendente, mas pouco inclinada, durante o mês de julho. Em agosto, a curiosidade se acelera após o horário eleitoral começar, até que há um salto abrupto na segunda quinzena de setembro, quando triplicam as buscas. O auge ocorre nos dias imediatamente anteriores e posteriores à eleição.

Essa curva é muito semelhante ao histórico de pesquisas de intenção de voto e reforça a ideia de que a corrida eleitoral é uma prova de 100 metros: a maioria dos eleitores escolhe seu candidato apenas na reta final. Apesar disso, a história revela padrões de votação que se repetem. Se não dá para prever o nome do eleito, é possível ao menos projetar o comportamento geral do eleitor antes mesmo de ele saber em quem vai votar.

Como todo hábito, a decisão do voto pelo eleitor funciona como um looping de três fases. É deflagrada por uma deixa: no Brasil, o início do horário eleitoral no rádio e na TV. Transforma-se num processo: a conversa com amigos e familiares para se informar sobre quem são os candidatos e avaliar suas chances. E termina com a expectativa de uma recompensa: eleger seu candidato ou derrotar o candidato do qual se gosta menos.

A disputa em São Paulo será um raro laboratório eleitoral. As duas principais forças partidárias experimentarão fórmulas opostas para tirar proveito dos hábitos eleitorais do paulistano. O PT de Lula testa os limites do petismo ao lançar um desconhecido. O PSDB de Geraldo Alckmin aposta em mais do mesmo. Fernando Haddad é o experimento. José Serra é o grupo de controle.

Se Haddad chegar ao segundo turno, o PT provará que o hábito de um em cada três paulistanos de votar em candidatos do partido é forte o suficiente para viabilizar qualquer um. Provará também que a corrida eleitoral só começa de fato quando o eleitor assiste às primeiras propagandas de candidatos na TV ou ouve os spots de rádio. Porque será o único jeito de o desconhecido petista se tornar conhecido da maioria.

Se Haddad não só chegar ao segundo turno, mas também for eleito, ficará provado que foi a soma da rejeição individual de Marta Suplicy à rejeição ao PT que fez a ex-prefeita perder as duas últimas tentativas de voltar à Prefeitura de São Paulo.

Porém, se Haddad for o primeiro petista a não chegar a um segundo turno paulistano, aí será preciso rever a hipótese de que o eleitorado é tão previsível assim. Não será o primeiro tropeço da ciência do comportamento. Os cientistas espanhóis que tentaram prever o mercado financeiro pelos humores do Twitter conseguiram apenas perder menos do que a maioria. Não ganharam um euro sequer.

Bobagens comparativas - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 09/04/12


SÃO PAULO - Poucas coisas são mais tediosas que o debate ideológico entre economistas. De um lado estão os que postulam, há 80 anos, a supremacia da racionalidade do governo sobre a confusa alocação de recursos do mercado.
Tal pendor estatista, realimentado após a crise de 2008, já recebeu um choque da realidade. Governos entupidos de deficits e dívidas atravancam a retomada. Ou se equilibram ou serão os vetores, na melhor das hipóteses, de uma longa pasmaceira.
Do outro lado estão os liberais puro-sangue. Como os Bourbon do chiste, nada aprenderam do cataclismo provocado pela finança selvagem.
Lançam agora ataques primitivos às medidas de apoio à indústria do governo brasileiro. O pacote decerto veio cheio de defeitos. Falta clareza sobre o critério para eleger beneficiários; o conjunto tem fraca coerência interna e baixo alcance.
Nossos liberais, contudo, miram outro alvo. Para eles, o Brasil não precisa ter tanta indústria assim. Poderia especializar-se na produção de minério, petróleo e comida e comprar quase todo o resto de quem fabrica com mais eficiência no exterior.
A roça, o poço e a mina constituiriam as nossas "vantagens comparativas" -termo celebrizado pelo britânico David Ricardo (1772-1823). Vantagens comparativas, ensina entretanto a história, sempre foram conquistas híbridas das nações, que envolveram instituições econômicas, políticas e até militares.
Quão restrito seria o leque ideal de vantagens comparativas para países com populações gigantescas, como China, Índia, EUA e Brasil? Um punhado de produtos, com preços sujeitos a oscilação brusca, asseguraria a estabilidade dessas sociedades?
Em especial quando EUA, China e Europa bagunçam o coreto dos preços mundiais, com grossos incentivos a seus produtores, é de uma ingenuidade atroz advogar que o Brasil se resigne ao papel de eficiente produtor de meia dúzia de commodities.

Tiros a esmo - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 09/04/12


Ao debater os problemas que envolvem a indústria brasileira, lembrei-me da definição do saudoso maestro Tom Jobim -definitivamente, o Brasil não é um país para principiantes. Para responder às pressões por providências contra o grave processo de desindustrialização em curso, o governo não conseguiu livrar-se da síndrome da emergência e do improviso. A imprensa relata que, na véspera do lançamento do pacote, a equipe econômica varou a madrugada escalando montanhas de números e definindo, às pressas, algumas medidas.
Esta marca da atual gestão desaguou na cena em que, em plena solenidade de apresentação das medidas, a presidente inquire publicamente o ministro da Fazenda, evidenciando, no mínimo, falta de sintonia e conexão entre as diversas áreas do governo.
Apesar de algumas iniciativas (como as desonerações tributárias e redução do custo do crédito) caminharem na direção correta, há uma percepção generalizada de que as medidas de apoio à indústria são pontuais, temporárias e não resolvem o problema estrutural da perda de competitividade. Elas trazem três problemas centrais:
Primeiro, a desoneração da contribuição previdenciária patronal sobre a folha de salários deveria ser uma medida muito mais ampla e permanente. A produtividade do setor industrial e da economia depende da qualidade de serviços de outras áreas. Assim, uma política de promoção de competitividade precisa desonerar todos os setores, e não apenas alguns deles.
Segundo, o governo, mais uma vez, aumentou os empréstimos para o BNDES. Como esses empréstimos têm como fonte de recursos o aumento da dívida, essas operações têm um custo fiscal que limita reduções futuras da carga tributária. O problema não é o empréstimo em si, mas a falta de transparência quanto ao seu custo e o fato de o mesmo não passar pelo Orçamento. O Congresso havia aprovado emenda de minha autoria, justamente para trazer esse tema para discussão no Parlamento, mas ela foi vetada pela Presidência.
Terceiro, a perda de competitividade no Brasil está ligada ao crescimento excessivo do gasto público e à elevada carga tributária que não se transforma em aumento do investimento governamental. Ou seja, além de pagar mais impostos, as empresas e os cidadãos não têm acesso a uma melhor infraestrutura, o que aumenta o custo final dos produtos.
Enfim, também aqui vemos o que tem se transformado em outra marca dessa gestão e vem ocorrendo em diversas situações, como, por exemplo, na votação da Emenda 29: o governo opta pelo meio do caminho e perde oportunidades de vencer, definitivamente, importantes desafios. O risco é que, andando tão devagar, o país acabe sem sair do lugar...

Indústria perdida - GEORGE VIDOR


O GLOBO - 09/04/12

A indústria de brinquedos produz no país apenas 30% dos produtos que põe em oferta no mercado brasileiro. Importa os demais 70%. A indústria de eletrodomésticos da chamada linha branca (geladeiras, fogões, máquinas de lavar roupa, etc ) tem mais consumidores a cada dia; só que, na fabricação, passou a usar maior quantidade de chapas de aço importadas. E aço é o que não deveria faltar por aqui.
As siderúrgicas brasileiras compram minério de ferro mais barato que seus concorrentes no exterior. Várias delas têm minas próprias e são autossuficientes em energia elétrica. São quase vizinhas de seus principais clientes. O único insumo importante que precisam importar é o carvão metalúrgico. No entanto, além de perder espaço para as chapas importadas pela indústria de eletrodomésticos, muitas vezes não conseguem chegar a um acordo para a venda do aço usado na montagem dos cascos de navios. E nem sequer produzem trilhos agora encomendados em larga escala por extensas ferrovias em construção ou ampliação.
A carga tributária sobre os produtos industriais é pesada, mas os fabricantes de eletroeletrônicas de Manaus veriam com bons olhos um aumento de IPI, que recairia mais sobre os concorrentes importados, enquanto eles desfrutam de incentivos fiscais.
Enquanto alguns segmentos (máquinas e equipamentos, por exemplo) amargam diante da valorização do real, outros crescem a um ritmo de 7,5% sem quase se importar com o câmbio, como é o caso do setor de cerâmica.
O momento é mesmo confuso para a indústria brasileira, que ficou meio sem rumo. Não há um diagnóstico único, nem mesmo uma solução que seja denominador comum. Até o câmbio, que parece provocar uma choradeira geral, não é unanimidade.
O programa Minha Casa, Minha Vida ataca um dos graves problemas sociais do Brasil que é o elevado déficit habitacional. O programa mostra que será possível eliminar o déficit ainda durante esta década.
O maior desafio do programa é a construção de milhões de unidades para famílias com renda de até três salários mínimos. Por causa dos subsídios ao comprador, necessários pela incapacidade das famílias de baixa renda pouparem, a construção deve ser feita como uma linha de montagem industrial e ao menor custo possível. Os imóveis são relativamente pequenos (42 metros quadrados) e agrupados em conjuntos habitacionais para milhares de famílias, com mesmo padrão de renda. Para evitar que se transformem em guetos de pobres, os empreendimentos vêm sendo organizados como condomínios de classe média, com a missão de cuidar da manutenção dos prédios e áreas comuns, assim como zelar para que não haja uma descaracterização arquitetônica dos projetos.
Mas esse risco não pode ser totalmente descartado em face da opção adotada para a construção da maior parte dessas unidades habitacionais: paredes de concreto, sem isolamento térmico. Embora os futuros moradores sejam de renda baixa, não se pode tirar deles a alternativa de um dia usufruírem do conforto proporcionado pelo ar refrigerado, nas noites calorentas de verão. Os empreendimentos com paredes de concreto não têm previsão para aparelhos de climatização e nem há instalações elétricas para tal.
O mais adequado seria o uso de paredes estruturais de tijolos, mas isso pode esticar o tempo de construção, e também a necessidade de mais mão de obra, o que encarece a construção. É uma situação meio do tipo "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come". Mas não adianta esconder o problema e executar o programa olhando apenas para as estatísticas. Mesmo para os políticos que hoje colhem os frutos da execução do Minha Casa, Minha Vida, essa questão pode virar um bumerangue.
Uma outra dúvida é se a indústria brasileira de cerâmica conseguiria atender ao aumento de demanda do Minha Casa, Minha Vida se o tijolo substituísse o concreto nas paredes dos empreendimentos para as famílias de baixa renda. É provável que sim, pois, ainda que 90% das 6.900 fábricas sejam pequenas, as indústrias estão bem distribuídas pelo território nacional e ficam próximas ao mercado consumidor, a uma distância máxima de 250 quilômetros, na região Norte.
A indústria de cerâmica usa como matérias-primas a argila e a água. Dependendo do processo de queima, faz-se tijolo, telha, azulejo ou porcelanato. No Brasil, as empresas maiores têm créditos de carbono, porque usam resíduos de madeira (de fábricas de móveis, por exemplo) ou agrícolas em seus fornos, e com isso evitam que sejam jogados em aterros sanitários e passem a emitir o poluente gás metano. Uma outra característica interessante do setor é que a maioria dos empregados (cerca de 300 mil) vive em casas construídas junto às indústrias. Em diversos municípios, são a única fonte de emprego formal no setor privado.
A hidrelétrica de Jirau, em construção, fica a 130 quilômetros do centro de Porto Velho. A outra grande hidrelétrica em construção na região, Santo Antônio, fica a sete quilômetros. Em Jirau, fora do horário de trabalho, não há muito o que fazer. Esse é um problema comum em grandes obras, isoladas ou distantes de centros urbanos. Por causa dessa experiência - e das dificuldades de manter tamanha multidão entretida - os construtores da futura usina de Belo Monte, no Pará resolveram contratar o máximo possível de casais locais, evitando a concentração masculina. À noite, os cursos de alfabetização (antes as empreiteiras não contratavam analfabetos) ajudam a ocupar os que ficam isolados nos canteiros da obra.

Muito antes - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 09/04/12


RIO DE JANEIRO - No fim de seu reinado, que coincidiu com o fim do século 19, a rainha Vitória, da Inglaterra, foi apresentada ao projeto do submarino, um navio que viajava debaixo d'água e, de lá, disparava contra o inimigo. Vitória ficou chocada: "Quer dizer que o inimigo não verá nossa bandeira?". Era um golpe baixo e ela não quis saber. Mas isso, claro, foi muito antes dos aviões-robôs.
No Campeonato Carioca de 1913, Belfort Duarte, jogador do América, pôs a mão na bola dentro da própria área e impediu um gol do adversário. O juiz não percebeu. Belfort se acusou e exigiu que ele marcasse o pênalti contra sua equipe. E ele marcou, para desespero dos meninos Vicente Celestino, Lamartine Babo e Mario Reis, que já eram torcedores do América. Mas isso, claro, foi antes de Maradona, Messi e outros que acham normal fazer gols com a mão.
Até 1950, as rádios americanas não admitiam tocar a mesma gravação mais de uma vez a cada 24 horas. "Imagine o ouvinte perceber que já ouviu aquele disco há poucas horas!", eles alegavam. Mas isso, claro, foi antes do Top 40, da "payola" (jabá) e do roquenrol.
Nos anos 70, os clubes brasileiros não admitiam corromper seus uniformes com marcas comerciais. O que os torcedores diriam ao ver seus craques reduzidos a homens-sanduíche anunciando pneu, refrigerante ou óleo de carro? Mas isso, claro, foi antes de começarem a oferecer até o fundilho dos calções para imprimir marca de gilete ou de camisinha.
Em outros tempos, políticos e contraventores se mantinham a certa distância, sabendo que aquela intimidade era perigosa. Mas isso, claro, foi antes de o senador Demóstenes Torres (GO) e o empresário de caça-níqueis Carlinhos Cachoeira frequentarem as mesmas contas bancárias -e de, antes deles, muitos outros já terem feito o mesmo sem ser apanhados.

Quem perde com Demóstenes - RENATO JANINE RIBEIRO


Valor Econômico - 09/04/12


Quem saiu perdendo com a queda do senador Demóstenes Torres? Parece óbvio que a primeira vítima é o partido que ele liderou no Senado. Demóstenes angariou tal prestígio na oposição que, com exagero, seu nome até estava sendo cogitado para concorrer ao Planalto, num fantasioso voo solo do DEM. Mas o Democratas, embora perdendo seu orador mais destacado, foi rápido no gatilho. Em uma semana, afastou-o. De olho nas eleições deste ano, o partido espera ganhar votos com a imagem de uma agremiação que, se preciso, corta na carne. Mas o máximo que ele pode querer é estancar a hemorragia, sem conseguir voltar ao tempo em que tinha boa saúde e, na reeleição de FHC, em 1998, atingia a maior bancada de deputados federais. Talvez o episódio precipite o fim do DEM, que se incorporaria a outro partido, provavelmente o PSDB.

Quem mais perde, com as denúncias éticas contra o senador, é a oposição e sua estratégia principal. Os partidos oposicionistas se dedicaram, desde o segundo ano de Lula na Presidência, a acusar o governo federal de corrupto. A certa altura, a estratégia aparentou dar certo. José Dirceu foi cassado. Em meados do primeiro mandato, Lula parecia estar ameaçado. Até se sugeriu que o PSDB o pouparia da vergonha de um "impeachment"; em troca, Lula renunciaria a postular a reeleição, em 2006. Hoje, essa hipótese parece insensata. Lula conseguiu uma popularidade invejável. As duas eleições presidenciais realizadas em sua administração consagraram sua liderança. O impacto das denúncias de corrupção contra o governo se reduziu significativamente. Elas ainda mobilizam certos setores da sociedade, em especial a classe média e, sobretudo, em São Paulo. São fortes na imprensa de oposição. Pouco mais que isso.

O PT coloca a oposição na defensiva ética

O episódio do senador Demóstenes é, na verdade, o ponto culminante de uma reversão de curso. Por vários anos, acusações de corrupção choveram contra o PT e seus aliados. Desde o ano passado, porém, elas se têm dirigido também contra a oposição. Deixo claro, desde já, que não avalizo nenhuma denúncia; sei que há órgãos com a competência, ou jurídica ou técnica, para saber quais procedem e quais não. Não é meu caso. Apenas posso notar o impacto das acusações sobre a opinião pública. Ora, o fato é que na campanha de 2010 a candidata Dilma Rousseff acusou de malfeitos um antigo executivo do Rodoanel, em São Paulo; depois, saiu o livro "A Privataria Tucana", que acusa o ex-governador José Serra de envolvimentos ilícitos; e, agora, vemos cair o senador de Goiás, que era a voz mais ativa da oposição no Parlamento. Evidentemente, os acusados se declaram inocentes. E podem sê-lo. Mas assistimos a um movimento que antes não existia. De 2004 a 2009, a oposição reinou sozinha nas denúncias de corrupção. Nos últimos dois anos, porém, a esquerda começou a acusar líderes tucanos e demistas. A queda do senador é o efeito até agora mais claro dessa mudança nos papéis de acusador e acusado.

Ou seja, durante uns cinco anos, os defensores do governo evitavam a questão da corrupção. Esta, que fora tema essencial do PT na oposição, tornou-se assunto delicado, para ele, uma vez no governo. Desde o caso de Waldomiro Diniz - ironicamente, tendo como interlocutor o mesmo Carlos Cachoeira que hoje é a chave do noticiário contra a oposição - os partidos governistas minimizaram a importância da corrupção, contestaram as intenções de quem a denunciava, disseram que todos faziam isso e/ou encontraram suas causas nos modos de financiamento das campanhas políticas. Desses argumentos, o que aponta os vícios de nosso sistema partidário pode ser correto. Mas todos eram alegados com incrível mal-estar. Contudo, no último ano, os partidos do governo obtiveram munição para discutir no próprio campo adversário. Saíram da defensiva e passaram ao ataque. Nos primeiros embates, não chamaram maior atenção. A oposição continuou a denunciar, satisfeita de encontrar nos ministérios alvos que não eram cândidos. Porém, desde o livro do jornalista Amaury Jr., a situação começou a mudar. Repito que não endosso suas palavras. Apenas observo que o PSDB ainda não aproveitou a chance de responder sistematicamente a seus ataques, com uma refutação, item por item, cabal, do que ele disse.

O livro em questão pode ser contestado. O incontestável é a proximidade do senador com uma pessoa que os jornais não se pejam de chamar de criminoso. Essa se torna uma vitória dos partidos governistas no campo mesmo para o qual a oposição levou o debate político, o da corrupção nos negócios públicos. O que exige, da oposição, que tente devolver a discussão sobre os rumos do Brasil para projetos de país. Se assim agir, o escândalo terá feito bem a nossa vida política.

Contudo, não se pode dizer que o lado governista ganhou a contenda. Venceu a batalha, mas a guerra... A má fama dos políticos acaba afetando a todos. Converso muito com pessoas que não conheço, das mais variadas classes. Mesmo que eu não levante a questão política, ela surge. Noto um descontentamento com todos os partidos. Na verdade, a acusação de corrupção domina quase toda a vida republicana no Brasil. A República Velha, Getúlio, a democracia de 1946, a ditadura militar e a democracia de 1985, todas elas, tiveram por mais constante tema de crítica política a corrupção. Houve algumas exceções. A mais recente foi o PT, até chegar ao poder e, navegando em seu vácuo, o PSDB, também até a Presidência. Desde então, vivemos num país desapontado com os políticos e, em decorrência, com a política. Essa, a derradeira má contribuição do senador Demóstenes: deixar-nos ainda mais blasés.

Origem da religião na pré-história - LUIZ FELIPE PONDÉ


Folha de SP – 09/04/12

Na Bíblia, primogênitos foram mortos e muitos deles eram crianças inocentes, não?


Muitos leitores me perguntaram o que aquela peça kafkiana cujo título era “Páscoa” queria dizer na coluna do dia 2/4/2012.

O texto era simplesmente isto: a descrição de um ritual religioso muito próximo dos centenas de milhares que devem ter acontecido em nossa Pré-História.

Horror puro, mas é assim que deve ter começado toda a gama de comportamentos que hoje assumimos como cheios de significados espirituais. Entender a origem de algo “darwinianamente”, nada tem a ver com a “cara” que esse algo possui hoje. Vejamos o que nos diz um especialista.

O evolucionista Stephen Jay Gould (1941-2002), num artigo de 1989 cujo título é “The Creation Myths of Cooperstown”, compara a origem mítica do beisebol (supostamente nascido em território americano e já “pronto”) com a explicação evolucionaria do beisebol.

Gould está fazendo no texto uma metáfora do que seria uma explicação evolucionária de um esporte. Ele narra como o beisebol “evoluiu” a partir de comportamentos humanos casuais que na origem consistiam apenas em bater com prazer em frutas redondas ou em cabeças com pedaços de pau, e que a forma final aconteceu na Inglaterra e não nos EUA, muito tempo depois.

A revolta dos americanos orgulhosos de sua mítica criação do beisebol, com a “tese monstruosa” do evolucionista Gould, foi óbvia.

Segundo ele, o que caracteriza a diferença entre conhecer a origem darwiniana de algo, por exemplo, a religião, e fazer mitos sobre ela, é saber que antes de tudo o sentido que a ela damos hoje em dia (religião = “o Bem”?) nada tem a ver com sua origem e que sua evolução deve ter ocorrido a partir de fragmentos desconexos de comportamentos, afetos e ideias, derivados dos subprodutos fisiológicos das mutações genéticas e físicas que sofremos em nossa pré-história.

Cerca de 500 anos atrás praticávamos canibalismo cerebral ritualístico e colocávamos as cabeças íntegras em posições geométricas como numa espécie de santuário.

Achados semelhantes datados de cerca de 300 mil anos atrás, no Paleolítico – como o que descrevo ao final do texto da semana passada -, apontam para rituais semelhantes (ver “A Prehistory of Religion, Shamans, Sorcerers and Saints”, de Brian Hayden, Smithonian Books, Washington, 2003).

Praticávamos canibalismo ritualístico de cérebros humanos, e crianças sempre foram mais fáceis de serem capturadas -claro, de outros bandos. Tirávamos os cérebros com cuidado para depois colocarmos as cabeças em posições geométricas e com elas fazíamos algo como o que hoje chamamos de santuário.

Semana passada foi Páscoa. Este ano, ela coincidiu com a semana que começa o Pessach, Páscoa judaica. Quando Jesus jantava com seus apóstolos na Quinta-Feira Santa, Ele celebrava o Pessach.

Para os judeus, essa data representa a saída da escravidão do Egito. Para os cristãos, a Páscoa também celebra a liberdade do povo de Israel, mas ressignificando-a como uma liberdade não só política, mas a liberdade da alma diante das várias escravidões da vida.

Os hebreus pintaram as portas com sangue de cordeiro, seguindo a ordem de Deus, para que o anjo da morte não matasse seus primogênitos como mataria os dos egípcios. Esta era a última das pragas que levaria os hebreus à liberdade.

Primogênitos seriam mortos e muitos deles eram crianças inocentes, não?

Cristãos comem o corpo e bebem o sangue de Cristo, um inocente. E “nós” o matamos ou você duvida de qual lado você estaria na história?

Aqueles que pensam que nossos ancestrais monstruosos nada nos ensinam, se enganam.

O grau de parentesco entre a “páscoa” deles e a nossa não é tão distante assim. Celebramos a morte de crianças (egípcias antigas), bebemos sangue e comemos o corpo (simbolicamente) de um inocente, mas isso tudo pra nós representa vida, liberdade.

Afinal, o que teria representado para nossos patriarcas o que eles faziam? Seriam as crianças que eles comiam as “crianças egípcias” deles? Ou seriam elas seus “cordeiros inocentes” por serem crianças?

Enfim, duas certezas: a “Páscoa” melhorou muito nos últimos 300 mil anos e Darwin ainda é diabólico.

O "mestre", o senador e esse trem aí - EUGÊNIO BUCCI


REVISTA ÉPOCA


Cachoeira conversava com Demóstenes na língua do Nerso da Capitinga. Parece bobo, leso, mas é o capeta

Depois do barulhento sucesso dos diálogos entre o senador Demóstenes Torres e o empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, reproduzidos caudalosamente nos jornais, nas revistas, na televisão e na internet, fica no ar essa ressaca, esse mal-estar, essa ansiedade um tanto difusa, sem horizonte. Que ambiente sombrio, infecto, que desalento! A gente tem a sensação de que, no Congresso Nacional, todos os fios de todas as meadas querem nos levar à corrupção. Ninguém tem mais certeza alguma sobre a reputação de mais ninguém. Até agora, de certo, certo mesmo, só sabemos que Demóstenes e Cachoeira conversavam na língua do Nerso da Capitinga.

Desse personagem, o Nerso, o leitor certamente vai se lembrar. Inventado e interpretado pelo ator Pedro Bismarck, Nerso é uma estrela dos programas humorísticos de TV: um caipirão de pança farta que ficou célebre pelo modo mineiro-goiano de mastigar as sílabas, como um capiau praguejando, conversando com o capim no meio do pasto. Com seu jeito de bobo, Nerso dá nó em pingo d'água. Parece leso, parece pastel, mas é o capeta.

Demóstenes, eleito pelo DEM de Goiás, nunca teve nada de Nerso, é verdade. Em suas performances moralizantes, em seus ilibados pronunciamentos, desfilava de abotoaduras e lenço decorativo no bolso do paletó. Mas, agora sabemos, dentro de sua compostura hipercerimoniosa, vivia escondido o matuto. Durante as obscuras conversações por celular, agora amplamente divulgadas, de vez em quando sapecava um "trem bão".

"Cê entendeu?", ele pergunta a Cachoeira, a quem chama de "mestre". "O trem lá não andou nada." Aqui, o parlamentar usa o vocábulo "trem" de acordo com a melhor sintaxe de nersodacapitinguês. "Trem", no solerte idioma, significa algo como negócio, arranjo, acerto - de preferência, suspeito. É o trem que invariavelmente lesa outrem. Esse trem é a substância de tudo o mais. Tanto assim que a principal ocupação de Demóstenes e Cachoeira é fazer o trem andar. São maquinistas de ferrovias ocultas. Quando eles pronunciam essa sílaba forte, trem, falam de coisa grande, de locomotivas valiosíssimas. Hoje, relendo as transcrições que viraram peças literárias de domínio público, a gente sente um certo frio na espinha ao ler tanto trem. Até mesmo Nerso da Capitinga ficaria amedrontado: "Cé besta, sô!".

Afinado com Demóstenes, Cachoeira também é fluente em nersodacapitinguês:

- Nós não estamos pagando o cara lá com esse trem, uai? Que demora é essa?

Cachoeira não se conforma. Se tem trem na linha, como é que o trem não sai?

À medida que vamos avançando na leitura do vasto material, aprendemos que a acepção semântica do substantivo trem não varia: designa o comércio de vantagens inconfessáveis. Diz Sua Excelência, Demóstenes:

- Tô achando que esse trem de IBAMA não vai resolver nada pra ele, não. Tô às ordens, mas acho que é melhor ir por cima. Eu tenho acesso bom à Ministra.

Nesse ponto, o trem precisa pegar uma via elevada. "Ir por cima" significa saltar de escalão. Se o "trem" não atinge as metas empresariais no nível de planície (o IBAMA), será necessário apelar ao ministério, que é mais próximo do Planalto. Aí, sim, o "trem" vai andar. Aí, sim, toda essa trenzaiada dos quintos dos infernos vai engatar.

São incontáveis "os trem". Isso mesmo, "os trem", sem "s" no final. Pelas transcrições desse formidável "Discurso dos Trem", com vagões descarrilados, enfileirados ou parados, fica evidente que o substantivo "trem" dispensa flexão de número. Um trem, dois trem, três trem. A razão disso talvez seja dificultar o trabalho dos investigadores da Polícia, que terão depois dificuldades de aquilatar a quantidade de trens.

Tome-se, nesse quesito, a seguinte pérola de Cachoeira:

- Você teve com ele ontem pra olhar aqueles trem que eu te pedi?

Pobre Nerso da Capitinga. Por tráfico de influência linguística, foi parar nos anais do Congresso e nas folhas corridas da Polícia Federal. Ele que se cuide. Considerando a linha sinuosa em que se perdem os processos judiciais contra políticos no Brasil, nosso Nerso pode virar o azarão do jogo. Se bobear, dirão que a culpa foi dele. Os outros se safarão felizes, como turistas no trem da alegria.

No final, dirão que "os trem eram inocente". Invocarão a memória de Raul Seixas, que cantou o trem zen: "Ói, óia o trem, vem surgindo de trás das montanhas azuis, olha o trem". Que a Justiça não caia nessa. O trem de Raul era luminoso, libertador. Era o trem das 7. Esse aí, esse trem do senador e do "mestre", é um maldito trem fantasma.

Nação e estrangeiros - DENIS LERRER ROSENFIELD


O ESTADÃO - 09/04/12


O mundo atual caracteriza-se, cada vez mais, por uma percepção aguda de que os recursos do planeta são finitos. Cabe, evidentemente, a pergunta sobre se essa percepção corresponde ou não à realidade, pois a própria vigência do capitalismo tem mostrado, no curso de sua história, o surgimento de novas formas de exploração da terra e de novos instrumentos científicos e tecnológicos. Em todo caso, nossos governantes se orientam por essa percepção, que se torna uma espécie de guia da ação política.

Surge, daí, uma preocupação legítima desses governantes quanto à propriedade de terras, pois ela acaba sendo inserida num contexto não só econômico, mas geopolítico - ela vem a ser identificada com a soberania nacional. Convém, todavia, distinguir entre uma política legítima de defesa do interesse nacional e posições nacionalistas estreitas, que podem vir a ser um empecilho para o desenvolvimento econômico nacional.

O mundo globalizado não dá guarida a nenhum tipo de nacionalismo estreito, sob pena de o país que o adotar ser o mais prejudicado. O Brasil faz parte desse mundo, ocupando a sexta posição internacional em termos de PIB. Mais precisamente, o País necessita dos capitais internacionais para seu desenvolvimento - condição para a criação de empregos, o aumento da renda e da competitividade.

Ao se voltar para a questão da propriedade de terras brasileiras por governos estrangeiros, por exemplo, o novo parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) inscreve-se numa preocupação legítima de defesa do interesse nacional. Consequentemente, torna-se necessário regulamentar o investimento na compra de terras de tal modo que obedeça a critérios que ordenem a especulação com tais propriedades e o investimento de empresas estatais em nosso país. Caberia, aliás, distinguir entre empresas estrangeiras privadas e empresas estrangeiras estatais, pois seguem objetivos claramente distintos.

Esse novo parecer da AGU alterando o anterior, no entanto, distinguiu empresas brasileiras de capital nacional de empresas brasileiras de capital estrangeiro. No contexto anterior, as duas haviam sido equiparadas, com os mesmos benefícios e obrigações, sempre em claro respeito à lei nacional.

A situação terminou por se complicar ainda mais, pois tal mudança de legislação se fez tão somente por um ato administrativo da AGU, não tendo passado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Foi introduzida, por assim dizer, da noite para o dia uma nova regra que alterou completamente a área de atuação das empresas brasileiras de capital estrangeiro. Note-se que elas operavam normalmente no País e, de repente, foram remetidas à completa insegurança.

O governo está agora debruçado sobre essa questão, assim como a Câmara elabora novo projeto de lei visando a equacionar o imbróglio criado. As idas e vindas se têm multiplicado nestes últimos meses, sem que uma solução satisfatória até agora tenha sido apresentada. Conviria, assim, fazer a distinção entre duas ordens de questões: 1) o estabelecimento de uma regra de transição e 2) critérios para uma solução definitiva do problema.

A necessidade de uma regra de transição diz respeito à insegurança jurídica criada. A própria imagem do País está em questão, pois não se deve, administrativamente, com um parecer que contradiz outro, anterior, do mesmo órgão estatal, alterar abruptamente as regras do jogo mediante norma infralegal. Empresas brasileiras de capital estrangeiro com investimentos em curso não sabem mais como agir. E empresas com investimentos previstos, licenças ambientais já concedidas e negócios em andamento se veem, assim, impedidas de seguir adiante. Os prejuízos econômicos para o País montam a dezenas de bilhões de dólares, incluindo, entre outros, os setores florestal, de papel e celulose, cana-de-açúcar e etanol.

Logo, seria necessária a formulação de uma regra de transição - que poderia ser feita administrativamente ou até por medida provisória - que contemplasse as empresas brasileiras de capital estrangeiro com investimentos em curso. Estas deveriam comprovar tais investimentos por meio de projetos, licenças ambientais, licenças de instalação, protocolos de intenções junto a governos municipais e estaduais ou negociações de compra de terras (contratos particulares de compra e venda). O parecer da AGU não se aplicaria a elas e a segurança jurídica seria restabelecida, tendo ainda como efeito um grande ganho de imagem para o País.

Uma vez restabelecida a segurança jurídica, num trabalho que se apresenta, atualmente, como conjunto entre o governo e a Câmara dos Deputados, conviria estabelecer alguns critérios que, ao mesmo tempo que assegurassem a soberania nacional, sinalizassem uma abertura para o mundo. Mas há que fazer a distinção entre empresas brasileiras de capital estrangeiro com investimentos produtivos diretos no País e investimentos especulativos ou operados por empresas estrangeiras de capital estatal. O Brasil precisa ter um cadastro nacional de propriedades, instrumento confiável que permita não só a regulamentação do setor, mas torne transparente, publicamente, uma base de dados da estrutura fundiária nacional.

Poder-se-ia, igualmente, pensar na aplicação do princípio de reciprocidade. Ou seja, países que não permitem que empresas privadas brasileiras comprem terras em seu território não poderiam exigir tratamento diferente do Brasil. Inversamente, países que acolhem empresas brasileiras na compra de terras teriam aqui tratamento equivalente. Com isso se evitaria qualquer retórica antiempresarial, mostrando um País aberto a tratamentos internacionais equitativos. Exceções seriam tratadas como tal, em função do interesse nacional. Trata-se, aliás, de um princípio amplamente utilizado no mundo diplomático.

O Brasil necessita, urgentemente, do equacionamento dessa questão.

O pacote e a dúvida - PAULO GUEDES


O GLOBO - 09/08/12

A ameaça da desindustrialização disparou um novo pacote em defesa dos setores mais atingidos pela concorrência dos importados. O governo aprofundou sua estratégia de desoneração da folha de pagamento em indústrias convencionais, como têxtil e vestuário, couro e calçados, hotéis, móveis, plásticos, material elétrico, autopeças, ônibus, naval e aeronáutica.

Os excessivos encargos trabalhistas e previdenciários são armas de destruição em massa de empregos nacionais. São 50 milhões de brasileiros sem carteira assinada, condenados à baixa produtividade dos mercados informais. Esses encargos são, na verdade, impostos sobre o uso da mão de obra, atingindo principalmente os trabalhadores menos qualificados, os jovens sem experiência de trabalho, ainda em busca do primeiro emprego, e os trabalhadores mais idosos que se desatualizaram.

Apesar desse esforço defensivo em meio à guerra mundial por empregos, deflagrada pela grande crise contemporânea, estamos ainda longe das políticas públicas que assegurem a criação de empregos e o aumento da produtividade do trabalhador brasileiro e da competitividade de nossa indústria. O regime fiscal expansionista há décadas trouxe uma trajetória de juros explosivos e câmbio sobrevalorizado. O manicômio tributário aumentou a taxa de mortalidade das pequenas e médias empresas. A insuficiência de investimentos públicos e a regulamentação inadequada tornaram deficientes nossa infraestrutura e a logística das cadeias produtivas industriais. As fontes de capital de risco e a qualificação do capital humano são insatisfatórias para setores mais especializados. E os encargos sociais e trabalhistas eliminaram os benefícios da mão de obra barata.

Há também o risco de uma gradual perda de credibilidade da política macroeconômica. O afrouxamento simultâneo das políticas monetária e fiscal em 2008-2009 foi uma fulminante e bem-sucedida resposta à grande recessão global. O Brasil escapou de um buraco negro da produção e do emprego, crescendo 7% em 2010, coincidentemente um ano de eleições presidenciais. Mas, em 2011, tivemos forte desaceleração econômica, crescendo apenas 2,7%.

Estamos mais uma vez baixando os juros e os impostos simultaneamente em 2012. É uma resposta legítima ao estado anêmico da economia? Ou apenas manifestação dos lamentáveis ciclos políticos, oportunísticas manipulações macroeconômicas pré-eleitorais?

Lista de pendências - VERA MAGALHÃES

FOLHA DE SP - 09/04/12



PT e PSB adiaram para depois da Páscoa a conversa para tentar fechar um acordo de apoio recíproco em várias cidades, do qual a "joia da Coroa" é São Paulo. A cúpula do PSB levantou e levará à mesa vários casos de recusa dos petistas em apoiar seus candidatos.

O PSB tem 14 deputados federais candidatos a prefeito. Por enquanto, nenhum com apoio do PT. O partido do governador Eduardo Campos tem pré-candidatos em 15 capitais. Dessas, só há aliança com o PT em Belo Horizonte (MG). Por fim, dos seis governadores socialistas, dois têm candidatos nas capitais de seus Estados -e não conseguem aval do partido de Lula para eles.

No telhado Em almoço há pouco mais de uma semana, Campos já preveniu o prefeito Gilberto Kassab (PSD) que, apesar dos problemas, a tendência é o PSB fechar com Fernando Haddad (PT), e não com José Serra, (PSDB).

Meio cheio... Kassab tem dito a interlocutores que está otimista quanto às chances de o PSD conseguir, no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a divisão do fundo partidário -e, posteriormente, mais tempo na propaganda eleitoral gratuita na TV.

... meio vazio Já os advogados dos partidos contrários avaliam que o fato de o relator Marcelo Ribeiro ter pedido parecer à vice-procuradora-geral eleitoral, Sandra Cureau, que já deu decisões contra o PSD, é um indicativo de maus lençóis para o prefeito.

Profissão... O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) apresentou consulta no TSE para saber se o veto a candidaturas dos "prefeitos itinerantes" -que transferiam o domicílio para cidades vizinhas para se candidatar de novo -se estende a parentes.

... político Com a consulta, Cunha quer saber do TSE se o familiar deste prefeito também deve ficar inelegível. "Em São Gonçalo, por exemplo, a prefeita foi reeleita e tenta lançar o irmão em Itaboraí, cidade vizinha", diz.

Unindo forças Os governadores Geraldo Alckmin (São Paulo) e Sérgio Cabral (Rio) assinam hoje com Fiesp e Firjan, no Palácio dos Bandeirantes, convênio para criação de curso de especialização MBA em gestão Empreendedora Educação.

Outra pauta O presidente do DEM, José Agripino, tenta virar o disco da crise Demóstenes Torres (sem partido-GO) com uma agenda positiva no exterior. Ele se encontra com representantes do PP espanhol e do PSD português, partidos que integram a IDC (Internacional Democracia Cristã), entidade da qual o DEM faz parte.

Velório Petistas e peemedebistas que assistem de camarote à derrocada do senador envolvido no caso Cachoeira apelidaram de "viúvas do Demóstenes" os que admiravam o goiano, como Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), Pedro Taques (PDT-MT) e Ana Amélia (PP-RS).

Teste A eleição em Campo Grande (MS) será uma prova de fogo para a Lei da Ficha Limpa. Os principais candidatos a prefeito, Edson Girotto (PMDB) e Vander Loubet (PT), respondem a processos em tribunais superiores que podem ser julgados antes de outubro.

SOS A deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ) e o senador Pedro Taques apresentaram proposta para que o Congresso debata a fiscalização de hospitais privados. Eles se baseiam no caso do filho do presidente da Embratur, Flávio Dino, que morreu em fevereiro após crise de asma em um hospital de Brasília.

tiroteio

O governo contraria a tradição e faz nomeações ao gosto de Serra. E, assim, a máquina estadual trabalha para, em 2014, ficar livre do candidato a prefeito.

DO DEPUTADO FEDERAL JOSÉ MENTOR (PT-SP), criticando o apoio do pré-candidato tucano ao segundo colocado na eleição interna do Ministério Público de São Paulo, Márcio Rosa, nomeado para procurador-geral do Estado.

Contraponto

Cartão de visitas

Em reunião da comissão de juristas do Senado que discute a reforma do Código Penal, o advogado Marcelo Leonardo fez uma sugestão de mudança.

A fala pausada e tranquila do advogado de Marcos Valério no mensalão contrastou com o clima da acalorada discussão que havia acabado de acontecer. O ministro do STJ Gilson Dipp, presidente da mesa, aproveitou a deixa:

-O doutor Marcelo é sempre muito direto e claro em suas intervenções. Se um dia eu precisar de um advogado, eu o escolherei!

Rito sumário - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 09/04/12


“Que decepção, né?” 
(Demóstenes Torres,senador por Goiás, sobre as acusações que podem lhe custar o mandato)

Nas redes sociais, principalmente, há muitas vozes interessadas em desqualificar o discurso contra a corrupção porque ele foi sustentado com raro desassombro nos últimos anos por um político conservador agora suspeito de cometer graves malfeitos fantasiado de paladino da moralidade. O que pretendem com isso? Banalizar a corrupção? Talvez.

Enfraquecer os que a combatem? Pode ser. Aumentar o ceticismo dos que acompanham sem dar valor às denúncias de novos casos de apropriação do dinheiro público? Na mosca! Este é o objetivo principal de coro tão afinado: os políticos são corruptos. Voto porque a lei me obriga. Mensaleiros? Liga não. Tem por toda parte, do PT ao DEM.

Viram Demóstenes Torres? Logo aquele senador careca, ex-gordinho, recém-casado. Lembram do que ele dizia com tanta convicção? E, no entanto, era bandido como os bandidos que condenava, a serem verdadeiras as provas reunidas contra ele pela Polícia Federal. Por Deus: como acreditar nessa gente?

É desaconselhável acreditar em toda essa gente. Mas é injusto não reconhecer que em meio a toda essa gente há uma parcela de gente séria. Pior do que isso: é burrice imaginar que nada temos a ver com a péssima qualidade dos nossos representantes. Ora, só temos. Não somos nós que os elegemos?

Demóstenes é acusado de ter feito parte da quadrilha do bicheiro Carlinhos Cachoeira, que explorava jogos ilegais no Centro Oeste. Na história recente do Senado ninguém como ele fez do combate à corrupção a razão de ser do mandato. Até outro dia, era um homem acima de qualquer suspeita, dono de uma biografia imaculada.

Quem acompanha as operações da Polícia Federal dá testemunho: nada mais comum do que a reunião de muitos indícios de crimes cometidos por muitas pessoas. O que espanta no caso da operação batizada pela polícia de Monte Carlo é a quantidade brutal de indícios reunida contra uma só pessoa com a projeção política de Demóstenes.

“O pior ainda está por vir”, comentou Demóstenes na semana passada durante conversa com um dos seus companheiros da direção do DEM. Foi no dia em que concordou em deixar o partido. O colega insistiu para que fosse mais claro. Demóstenes recusou-se. Perdeu a verve. Tornou-se monossilábico. Receia estar sendo gravado.

Logo que o mundo começou a desabar sobre a sua cabeça, Demóstenes ouviu um apelo dos que trabalham com ele no Senado: “Senador, diga o que está acontecendo. Diga o que é verdade e o que é mentira em tudo isso que se publica”. Demóstenes baixou a cabeça e nada disse. Há quem jure ter percebido um brilho diferente nos seus olhos.

— Ele não se defende nem mesmo entre amigos — conta um deles, amigo de mais de 20 anos do senador. Só há uma pessoa com quem Demóstenes troca ideias livremente: seu advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, defensor de nove entre dez políticos de Brasília às voltas com acusações pesadas e quase sempre incontornáveis.

Kakay está convencido de que absolverá Demóstenes no Supremo Tribunal Federal. Quanto ao Senado, onde ele será julgado por quebra de decoro... Ali está tudo pronto para ferrá-lo. Se depender do PT, uma CPI será instalada na Câmara para investigar deputados e governadores envolvidos com Cachoeira. O governo deu seu o.k.

Amanhã, o Conselho de Ética do Senado elegerá seu presidente. Que em seguida acolherá a representação do PSOL pedindo a abertura de inquérito para a cassação do mandato de Demóstenes por quebra de decoro parlamentar. O relator do inquérito será escolhido por meio de sorteio. E o trabalho começará de imediato.

As cabeças coroadas de todos os partidos, inclusive as do DEM, se puseram de acordo: o rito de cassação será sumário. O Senado só tem a perder se não decidir rapidinho. O voto é aberto no Conselho de Ética. Saberemos quem votou a favor ou contra a cassação. No plenário o voto é secreto. Não se teme uma surpresa. A conferir.

O CNJ e a greve no setor público - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 09/04/12


Ao julgar um recurso administrativo e dois pedidos de providência enviados por serventuários do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 8.ª Região, que abrange os Estados do Pará e do Amapá, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu um importante precedente para a solução do problema da suspensão de serviços e atividades essenciais causado por greves do funcionalismo público.

No ano passado, os serventuários do TRT da 8.ª Região promoveram uma greve de 46 dias e a Corte determinou o desconto dos dias não trabalhados. No recurso enviado ao CNJ, os funcionários reivindicaram o direito de compensar os dias parados, por meio de horas extras, e pediram ao órgão responsável pelo controle do Judiciário que intercedesse nesse sentido junto à presidência do TRT. Por 12 votos contra 3, oCNJ não só considerou legal o corte do ponto dos grevistas, como ainda decidiu expedir um enunciado administrativo para orientar todos os demais tribunais.

De autoria do conselheiro Gilberto Martins, o texto do enunciado será submetido à votação na próxima terça-feira, mas seu conteúdo já foi definido, levando em conta o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal sobre a matéria. Há alguns anos, a Corte decidiu que, enquanto o Congresso não aprovar uma lei complementar que regulamente a greve no poder público, como prevê o inciso VII do artigo 37 da Constituição, prevalecerá a Lei n.º 7.783. Editada em 1989, essa lei disciplina a greve na iniciativa privada e estabelece limites para a suspensão do trabalho nos setores estratégicos - como hospitais, aeroportos, telecomunicações, transporte coletivo, recolhimento de lixo e distribuição de alimentos, medicamentos, gás, energia elétrica e combustíveis. Se esses limites forem desrespeitados, a Lei n.º 7.783 permite aos empregadores demitir os grevistas.

Além disso, o enunciado administrativo do CNJ estabelece que o corte de ponto e o não pagamento dos dias parados estão entre as punições aplicáveis - segundo a discricionariedade dos gestores públicos - a quem desrespeitar os limites fixados pela Lei n.º 7.783 para a suspensão de serviços e atividades essenciais. "Ninguém está cerceando o direito de greve. Todavia, as paralisações impõem um ônus aos que aderem", diz o conselheiro Gilberto Martins. Para ele, o desconto dos dias parados não é uma punição aos servidores públicos, mas o desdobramento natural da greve. "Caso contrário, a sociedade seria prejudicada, pois, além de ficar sem o serviço público durante o período da paralisação, ainda teria de pagar por isso", explica o conselheiro.

A decisão do CNJ coincide com a retomada, no Congresso, do debate sobre a regulamentação do direito de greve do funcionalismo público. Alegando que a edição da lei complementar prevista pela Constituição está atrasada 23 anos, há quatro meses o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) apresentou o Projeto de Lei n.º 710/11, regulamentando a greve no setor público.

O projeto abrange servidores da administração pública direta, autárquica e fundacional dos Três Poderes e em todos os níveis - União, Estados e municípios. Entre outras medidas prescritas pelo projeto está a obrigação de que, nas atividades consideradas essenciais, 80% dos servidores permaneçam trabalhando. Nas demais atividades, o projeto determina que 50% dos servidores continuem exercendo suas funções. Se as exigências não forem cumpridas, a greve será considerada ilegal e os grevistas sofrerão processo administrativo. O projeto também prevê medidas semelhantes às impostas pela Lei n.º 7.783 aos trabalhadores da iniciativa privada, como, por exemplo, a obrigação de informar ao público as reivindicações dos grevistas e de exigir deles medidas para evitar a deterioração de bens, máquinas e equipamentos.

O enunciado administrativo que o CNJ expedirá na próxima terça-feira e o Projeto de Lei n.º 710/11, que tramita na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, têm o mesmo objetivo: acabar com a irresponsabilidade dos líderes sindicais do funcionalismo, que não hesitam em suspender atividades essenciais e em converter a população em refém de reivindicações muitas vezes absurdas e descabidas.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 09/04/12



Inadimplência em faculdades tem nova queda
Depois de quatro anos, a inadimplência no ensino superior no Estado de São Paulo ficou abaixo de 9% em 2011, segundo dados preliminares do Semesp (sindicato de mantenedoras de estabelecimentos do setor de SP).

O principal motivo para a queda é o desenvolvimento do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), que, em menos de quatro meses deste ano, terá mais contratos fechados do que em 2011.

"O índice já havia caído nos últimos dois anos, mas agora a retração é mais acentuada", afirma o diretor-executivo da entidade, Rodrigo Capelato.

A última vez em que o índice esteve nesse patamar foi em 2007, com 8,69%.

"Além da crise econômica, a inadimplência também subiu nos anos seguintes devido ao ingresso das classes mais baixas, que ainda não sabiam como se organizar e não tinham muito acesso a financiamentos", diz.

No país todo, o percentual de devedores também terá queda e ficará em torno de 9%, segundo o Semesp, que passou a calcular o índice nacional em 2009.

O último indicador, de 2010, ficou em 9,58%. Outra consequência da expansão do programa do governo federal é o maior número de inscritos nos vestibulares do país. "Informações preliminares indicam alta de 10%." O Semesp divulgará todos os dados no final deste mês.

DIVERSIFICAÇÃO DO AÇO
A distribuidora Aços F. Sacchelli investirá R$ 46 milhões até o fim deste ano para aumentar sua participação no mercado de aços acabados e no setor de energia.

Até junho, os principais focos da companhia serão a melhoria das operações logísticas em Guarulhos e o aumento da área construída em Jacareí, de 8.000 para 16 mil metros quadrados.

Os investimentos no período serão de R$ 20 milhões.

"Precisamos de mais espaço para estocagem e também faremos mudanças no transporte devido às restrições aos caminhões em São Paulo", diz o presidente da empresa, Wagner Sacchelli.

A nova área na unidade de Jacareí armazenará aço acabado, segmento no qual a companhia investiu outros R$ 15 milhões para atender a demanda das montadoras e do setor de autopeças.

"São peças com maior valor agregado e em expansão no Brasil, apesar de estar bem atrás dos aços laminados." No segundo semestre, a companhia terá um novo braço, voltado para o setor de energia, principalmente petróleo e gás. Até agosto, a distribuidora também espera anunciar a aquisição de três empresas, na Argentina, no Chile e na Venezuela, para iniciar seu processo de internacionalização.

R$ 60 milhões é o valor que a companhia investirá em aquisições no exterior

13 é o número de unidades que a distribuidora tem no país

R$ 20 milhões serão investidos para melhorar as operações logísticas e na ampliação da unidade de Jacareí

16 mil m2 será a área construída para estocagem em Jacareí

Reorganização Os professores de economia Stephen S.Cohen e J. Bradford DeLong, da Universidade da Califórnia (Estados Unidos), analisam, no livro "O Fim da Influência", a perda de poder político e cultural dos EUA sobre outros países após a crise econômica. A obra acaba de chegar às livrarias do país.

Casa de aço A Usiminas vai fornecer pela primeira vez estruturas metálicas para a faixa de zero a três salários mínimos do Minha Casa, Minha Vida. A montagem para 496 apartamentos começa neste mês, em Cachoeiro de Itapemirim (ES). O contrato de R$ 6 milhões foi feito com Premax Engenharia.

ÁSIA COMPETITIVA
A Teikon, empresa brasileira de manufatura de componentes eletrônicos que tem escritório em Shenzhen, na China continental, avalia a possibilidade de abrir outro em Hong Kong, segundo José Ruy Alvarez, presidente da companhia.

"Estamos buscando novos nichos, com a elevação dos salários na China", diz.

O executivo, que esteve recentemente no Vietnã, afirma que novos polos de fornecimento ao setor devem despontar com foco em Indonésia e Camboja. "O chinês é mais robótico e esse mercado é muito volátil."

Há cerca de dois anos, a empresa iniciou um processo de reestruturação, que está agora em fase final. Foram fechadas duas fábricas e uma nova foi inaugurada.

O cenário é de acirrada competição com gigantes como a Foxconn. "Nosso custo do dinheiro é mais alto."