domingo, novembro 21, 2010

MERVAL PEREIRA

Balões
Merval Pereira 
O Globo - 21/11/2010

Entre o que ela diz e o que dizem que ela pensa, há uma enorme diferença que apenas o anúncio de seu Ministério inicial poderá esclarecer. Os balões de ensaio lançados nos últimos dias dão conta de que a presidente eleita, Dilma Rousseff, parece inclinada a fazer o que assustava o mercado financeiro no candidato oposicionista José Serra: retirar o poder do Banco Central para colocá-lo em sintonia com o Ministério da Fazenda.
Teria optado por Guido Mantega na Fazenda e descartado Henrique Meirelles no Banco Central, lugar que seria ocupado por um burocrata de carreira.
O que seria uma clara decisão de centralizar a política econômica em suas mãos, na busca de objetivos que dificilmente são convergentes: crescimento médio de 5,5% do PIB ao ano, redução da taxa de juros real a 2% ao ano e diminuição da dívida com redução do superávit primário.
O que parece estar novamente em jogo é a discussão sobre o nosso PIB potencial, que em outros momentos provocou um debate técnico entre Mantega e Meirelles.
Em 2007, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, comemorou o anúncio do crescimento do PIB de 5,4% afirmando que estava sendo derrubado um mito de que o PIB potencial do Brasil era de 3,5%, nível acima do qual começaríamos a ter problemas de inflação e de "hiato de produção", isto é, falta de produtos e, no nosso caso, até mesmo apagão de energia.
Quando assumiu o ministério, em março de 2006, Mantega vinha de uma disputa com o Banco Central exatamente sobre o PIB potencial e garantiu no discurso de posse que levaria a economia "até o limite do seu potencial de crescimento", que ele dizia ser mais próximo de 5% do que dos 3,5%, um limite psicológico nunca explicitado, mas com que trabalhava a equipe econômica do ex-ministro Antonio Palocci.
A presidente eleita, Dilma Rousseff, aparentemente comprou a briga de Mantega, assumindo como factível um crescimento médio de 5,5% sem provocar inflação.
O mercado, porém, continua apostando no limite anterior, talvez um pouco ampliado para 4% ou no máximo 4,5% de crescimento.
O aquecimento da economia está levando a que as projeções para a inflação deste ano já estejam na casa dos 6%, o que obrigaria o Banco Central a ter que elevar a taxa de juros já no início do novo governo, coisa que parece não agradar à presidente eleita.
Além do mais, para aumentar as contradições, ao mesmo tempo em que o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, anuncia metas para conter os gastos públicos, aparentemente ecoando antigas posições do ex-ministro Antonio Palocci, já se anuncia também a disposição do governo de manter aumentos do salário mínimo bem acima da inflação, apesar da regra que limitaria esse aumento, e ampliar o Bolsa Família para casais sem filho, quebrando de vez o tênue compromisso que ligava o auxílio assistencialista a uma ideia de emancipação da segunda geração de famílias carentes.
O projeto inicial do Bolsa Família era exatamente permitir que os filhos de pessoas excluídas, tendo cuidados com a educação e a saúde na infância - as chamadas condicionalidades -, pudessem entrar no mercado de trabalho.
Dar o Bolsa Família diretamente para os casais carentes sem filhos é acentuar o seu caráter assistencialista, uma espécie de retribuição a um nicho eleitoral que se destacou na recente eleição, especialmente no Nordeste, que o sociólogo Candido Mendes chama de "o povo de Lula".
Na sua palestra no seminário da Academia da Latinidade que se encerrou na sexta-feira no Rio, ele defendeu a tese, que desenvolve com mais aprofundamento no recente livro "Subcultura e mudança, por que me envergonho do meu país", de que na vitória de Dilma há uma relação simétrica entre "o país pobre e seu aperfeiçoamento social imediato".
Sem constrangimentos, Candido Mendes associa a vitória de Dilma diretamente ao Bolsa Família, tratando com naturalidade a enxurrada de votos que a presidente eleita recebeu no Norte e no Nordeste, onde tirou cerca de 12 milhões de votos em relação a seu adversário.
Segundo Candido Mendes, "são votos ligados à experiência do benefício social para esses 42 milhões de brasileiros e à consciência do ganho irreversível de seu bem-estar".
Essa seria a base para o "desenvolvimentismo" que é reafirmado pela permanência de Guido Mantega no Ministério da Fazenda sem o Banco Central para contrabalançar ou pelo menos sem a força política que teve no governo Lula.
Assim como no início do governo o presidente Lula tinha uma meta básica como o Fome Zero, que acabou se transformando em uma marca propagandística que acabou gerando o Bolsa Família, a presidente eleita, Dilma Rousseff, parece ter dois objetivos definidos no campo social, além de manter e ampliar os programas assistencialistas: tornar realidade o programa Minha Casa, Minha Vida, parte do PAC, e fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS).
Não é por acaso que começaram a surgir logo depois da eleição de Dilma Rousseff diversas propostas de aumento de arrecadação do governo, desde a recriação da CPMF até mesmo a legalização dos bingos.
Será preciso elevar a arrecadação do governo para manter todas essas ações assistencialistas e aumentar os investimentos, no mínimo para que possamos mesmo realizar a Copa do Mundo de 2014 e sediar as Olimpíadas no Rio em 2016.
Uma ideia que volta e meia ronda os governos, e começa a surgir novamente neste, é aumentar a taxação sobre o lucro dos bancos e criar o imposto sobre as chamadas "grandes fortunas".
Seria uma maneira de aumentar os ganhos do governo com um cunho social que teria apoio na sociedade.
Tudo, no entanto, está em processo de decisão. O papel que o ex-ministro Antonio Palocci terá no futuro governo é crucial. Ele já esteve colocado em ministérios da área social, e hoje parece certo que ocupará um gabinete no Palácio do Planalto, mas mais perto da política do que da economia.

CELSO MING

Pagou, a imagem chegou
Celso Ming
O Estado de S. Paulo - 21/11/2010

Os números parecem exuberantes. E, em certo sentido, realmente são. Os serviços de TV paga apontaram avanço de 21,4% no acumulado dos nove primeiros meses do ano. E as perspectivas até o final do ano são ainda melhores: crescer 25% e terminar 2010 com mais de 9,3 milhões de assinantes. Os dados são da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Um salto de 25% é um resultado excelente em qualquer área da atividade econômica. Mas pode passar uma impressão errada. É que o mercado de TV por assinatura no Brasil tem progredido muito lentamente. Um estudo de 2000 da Anatel previa que, em 2005, haveria 16,5 milhões de assinantes do serviço no País. Cinco anos depois, chega-se a pouco mais da metade disso.
Levantamento realizado pela consultoria PTS, dirigida pelo especialista Otavio Jardanovski, mostra que a penetração da TV paga no Brasil é de apenas 13%. Na vizinha Argentina é de 56% e nos Estados Unidos, de 53%.
Esse baixo alcance tem uma série de explicações. A TV aberta chega com bom sinal a aproximadamente 95% dos lares brasileiros e os telespectadores parecem satisfeitos com a programação oferecida. O governo também não fez questão de estimular a TV por assinatura porque esse tipo de serviço nunca foi considerado prioritário. Além disso, alas de orientação nacionalista entendem que esta é uma área que favorece a produção estrangeira de conteúdo em detrimento da local.
O principal fator que permitiu o avanço do setor nos últimos três anos foi o crescimento da renda da população. É o já conhecido fenômeno da ascensão econômica da classe C, que puxou o consumo em praticamente todos os segmentos. Mesmo assim, o negócio continua fortemente concentrado. A Net controla algo em torno de 47% do mercado e a Sky, 26%. A fatia restante é dividida entre pouco mais de meia dúzia de operadoras.
O objetivo das empresas hoje é reduzir os custos para baixar tarifas e atrair mais interessados, especialmente entre a população das classes emergentes. A estratégia adotada há alguns anos é vender pacotes integrados com internet e telefonia, montados conforme o perfil do cliente: o combo pode ter todos os canais disponíveis e conexão veloz à internet, ao custo de mais de R$ 300 por mês; ou apenas a programação básica e uma conexão mais lenta, que sairá por R$ 35 mensais.
A superação do fator econômico não é tudo. Há sérios obstáculos técnicos. Um deles é a falta de liberação de novas licenças. A última aconteceu em 2001. Apenas 479 entre os 5,6 mil municípios do Brasil dispõem de rede de TV a cabo ou por MMDS (micro-ondas). É o que deixa espaço para o crescimento da TV por satélite, que não depende da instalação de quilômetros de cabos para funcionar.
Novas outorgas não estão sendo concedidas aparentemente porque a Anatel espera pelo desfecho da tramitação do Projeto de Lei Complementar 116, o antigo PL 29, que regulamenta o setor. Já aprovado pela Câmara dos Deputados, o PLC 116 aguarda agendamento para votação no Senado. Esse projeto abre espaço para as operadoras de telefonia e, por isso, encontra forte resistência das líderes do mercado, NET e Sky, que temem perder espaço. / COLABOROU ISADORA PERON
"Vergonha"
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, reagiu mal ao relatório da Iata que considerou a infraestrutura dos aeroportos brasileiros como "um desastre" e "uma vergonha". Jobim disse que essas acusações não passam de "terrorismo" e que a Iata só defende o ponto de vista das empresas e não dos passageiros.
Filas que falam
Por ser VIP, Jobim talvez não saiba o que acontece com os usuários. É só passar algumas horas pela manhã, em qualquer dia da semana, para ver o tamanho das filas de desembarque, filas de espera na Polícia Federal, na Alfândega...
Para que serve o auditor?
A Deloitte insiste em que não está lá para detectar fraudes e que, por isso, não tem nada a ver com o rombo do Panamericano. O problema é que se tratou de uma "inconsistência contábil" que a Deloitte não viu. Se um auditor não consegue enxergar inconsistências contábeis, então para que servem os atestados que passam ao pé de cada balanço?

GOSTOSA

MÍRIAM LEITÃO

O pano de fundo
Míriam Leitão
O GLOBO - 21/11/10

A Europa viverá no futuro próximo uma situação semelhante a que os países latino-americanos viveram. Uma crise da dívida que só será resolvida após uma reestruturação em que os bancos também percam dinheiro. A repartição das perdas é exigência da Alemanha e dos fatos. O reconhecimento disso está elevando o nervosismo nos mercados. Esse será o pano de fundo do começo do governo Dilma.

Crise da dívida soberana de alguns países europeus; baixo crescimento, alto desemprego e paralisia decisória nos Estados Unidos; queda livre da moeda americana. O presidente do Fed, Ben Bernanke, tem sido muito criticado no mundo inteiro pela nova injeção de liquidez no mercado. Mais dólares circulando estão aumentando o risco de formação de bolhas, o que nos levaria de volta à casa um do jogo: bolhas que podem estourar levando a mais crises e risco inflacionário em países emergentes.

O índice de commodities agrícolas medido pela S&P disparou 73% em pouco mais de cinco meses. Saiu de 282.181 pontos, no dia 6 de junho, para 490.634 pontos no dia 9 deste mês, quando atingiu a máxima do ano. Em 10 dias, já caiu 13% até o fechamento de ontem.

Essa disparada coincide com os primeiros sinais de que a economia americana não teria a recuperação forte que se esperava. Foi quando começaram a surgir os primeiros rumores de que haveria uma nova rodada de estímulos econômicos por parte do Fed, que de fato acabou se concretizando. Sob a perspectiva de que haveria mais dinheiro circulando a juros zero, os especuladores correram para o mercado de commodities em busca de rentabilidade. O dinheiro está queimando na mão. O aumento de preços de commodities agrícolas é bom para o produtor brasileiro, mas a volatilidade e as bolhas podem provocar perigosos efeitos colaterais.

O professor José Márcio Camargo, da PUC-Rio, não vê saída para os europeus que não seja a moratória negociada. Ou seja, que os próprios credores aceitem novos prazos e juros para o pagamento das dívidas de Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia. No caso da Irlanda, o contexto não deixa saída: governo endividado, baixo crescimento, deflação e bancos enfrentando uma crise de confiança. O Allied Irish Bank admitiu na sexta-feira que depende cada vez mais dos recursos do Banco Central Europeu.

- Crise fiscal só pode ser resolvida de duas formas: ou o governo devedor paga ou então renegocia. No caso da Europa, estamos vendo aumentar pouco a pouco o diferencial de juros para a rolagem da dívida dos países problemáticos em relação ao risco alemão. O quadro está se agravando lentamente desde o início do ano. O problema da renegociação é que ele vai quebrar a regra de que país desenvolvido não dá calote, então isso pode afetar a credibilidade da União Europeia como um todo - afirmou.

A Alemanha e a França negociaram à parte um acordo sobre a reforma das normas de resgate de países em dificuldades. Prevaleceu na discussão dos dois grandes a exigência alemã de repartição dos prejuízos. Isso aumentou a percepção de risco dos investidores, elevou ainda mais o custo das dívidas soberanas dos países mais frágeis e azedou ainda mais o clima entre os países da região. Segundo uma nota técnica da diretora do Centro Europeu para a Reforma, Katinka Barysch, se a Alemanha concordasse com a prorrogação dos fundos de assistência financeira, sem essa repartição dos custos, a decisão seria bloqueada pela Corte Constitucional da Alemanha.

Bernanke, para se defender das críticas que tem recebido pela decisão de aumentar a liquidez num momento de queda do dólar, disse que a raiz dos desequilíbrios comerciais e cambiais do mundo atual está na subvalorização da moeda chinesa, que representa um crescente risco econômico e financeiro. Ou seja, o tiroteio entre os dois gigantes continua, cada um culpando o outro.

Os dois têm razão: tanto um quanto o outro está, com sua política, ajudando a fomentar a instabilidade. José Márcio Camargo acha que o aumento de liquidez no mercado americano agora não faz sentido.

- Em 2008, fez todo sentido o aumento da base monetária porque o sistema financeiro havia entrado em colapso. O objetivo era destravar o mercado de crédito. Agora, a situação é diferente. Não há falta de crédito, há muita oferta. O que está faltando por lá é demanda por crédito, o que é bem diferente. E isso não será resolvido colocando mais dinheiro em circulação - afirmou.

O governo Lula surfou numa onda de crescimento mundial, aumento do comércio, elevação dos preços dos produtos que o Brasil exporta e aumento do fluxo de investimento. De 2003 até a crise do Lehman Brothers, houve um período enorme de prosperidade. Visto da situação atual, o mundo parecia simples. Hoje, a crise internacional é cheia de sutilezas, riscos, ineditismos.

A economista Monica de Bolle, da Galanto Consultoria, em artigo no seu blog com o sugestivo título "Help", e a citação da letra dos Beatles, disse que 2010 é o ano dos pedidos de socorro dos países. Ela conclui, depois de falar da crise nas economias maduras, que "o Brasil parece muito distante de qualquer possibilidade de crise", mas alerta que até as recuperações jovens e pujantes perdem a vitalidade "especialmente quando abusam de certas substâncias tóxicas como crédito excessivo e gasto público descontrolado."

Num pano de fundo conturbado, o Brasil vai bem, mas anda contratando riscos demais para uma temporada de instabilidade como a que o mundo vive.

FERREIRA GULLAR

Arte sem arte
FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SÃO PAULO - 21/11/10

Considero uma piada achar que todas as pessoas têm o mesmo talento artístico de Da Vinci e de Van Gogh

NÃO TENHO a pretensão de estar sempre certo no que escrevo, nas opiniões que emito, muito embora acredite seriamente nelas.
Não foi à toa que, de gozação, me apelidaram de profissional do pensamento, por tanto atazanar os amigos com minhas indagações e tentativas de explicação. Por isso também volto a certos temas, desde que descubra, ao repensá-los, modos outros de enfocá-los e entendê-los.
Se há um tema sobre o qual estou sempre indagando é a situação atual das artes plásticas, precisamente porque exorbitaram os limites do que -segundo meu ponto de vista- se pode chamar de arte. Sei muito bem que alguém pode alegar que arte não se define e que toda e qualquer tentativa de fazê-lo contraria a natureza mesma da arte.
Esse é um argumento ponderável e muito usado ultimamente, mas acerca do qual levanto dúvidas. Concordo com a tese de que arte não se define, mas não resta dúvida de que, quando ouço Mozart, sei que é música e, quando vejo Cézanne, sei que é pintura. Logo, a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de definir o que é arte não elimina o fato de que as obras de arte têm qualidades específicas que as distinguem do que não o é.
Do contrário, cairíamos numa espécie de vale-tudo, numa posição insustentável mesmo para o mais radical defensor do que hoje se intitula de arte contemporânea.
Isto é, o sujeito teria de admitir que uma pintura medíocre tem a mesma qualidade expressiva que uma obra-prima e que ele mesmo teria de se obrigar a gostar indistintamente de toda e qualquer coisa que lhe fosse apresentada como arte. Por mais insensato que possa ser alguém na defesa de uma tese qualquer, não poderia evitar que esta ou aquela coisa que vê ou ouve ou lê tenha a capacidade maior ou menor de sensibilizá-lo, emocioná-lo ou deixá-lo indiferente.
Creio não haver dúvida de que, seja ou não possível definir o que é arte, há coisas que nos emocionam ou nos fascinam ou nos deslumbram e outras que nos deixam indiferentes.
Se se der ou não a tais coisas a qualificação de arte, pouco importa: é inegável que a "Bachiana nº 4" é belíssima e que um batecum qualquer não se lhe compara, não nos dá o prazer que aquela obra de Villa-Lobos nos dá.
Do mesmo, um desenho de Marcelo Grassmann me encanta e um desenho medíocre me deixa indiferente. Mas um artista conceitual -ou que outras qualificação se lhe dê- responderá que esta visão minha é velha, ultrapassada, pois ainda leva em conta valores estéticos, enquanto a nova arte não liga mais para isso. Mas pode haver arte sem valor estético? Arte sem arte?
Essa pergunta me leva à experiência radical de Lygia Clark (1920-1988), sob muitos aspectos antecipadora do que hoje se chama arte conceitual.
Dando curso à participação do espectador na obra de arte -elemento fundamental da arte neoconcreta-, chega à conclusão de que pode ele ir além, de espectador-participante a autor da obra, bastando, por exemplo, cortar papel ou provocar em si mesmo sensações táteis ou gustativas. Assim atingimos, diz ela, o singular estado de arte sem arte.
De fato, esse rumo tomado por alguns artistas resultou da destruição da linguagem estética e na entrega a experiências meramente sensoriais, anteriores portanto a toda e qualquer formulação.
Descartando assim a expressão estética, concluíram que se negar a realizar a obra é reencontrar as fontes genuínas da arte. E, se o que se chama de arte é o resultado de uma expressão surgida na linguagem da pintura, da gravura ou da escultura, buscar se expressar sem se valer dessa linguagem seria fazer arte sem arte ou, melhor dizendo, ir à origem mesma da expressão.
Isso nos leva, inevitavelmente, a perguntar se toda expressão é arte. Exemplo: se amasso uma folha de papel, o que daí resulta é uma forma expressiva; pode-se dizer que se trata de uma obra de arte? Se admito que sim, todo mundo é artista e tudo o que se faça é arte.
Já eu considero uma piada achar que todas as pessoas têm o mesmo talento artístico de Leonardo da Vinci e de Vincent van Gogh ou que esse talento seja apenas mais um preconceito inventado pelos antigos. As pessoas são iguais em direitos, mas não em qualidades.

GOSTOSA

DORA KRAMER

O papel de Lula
DORA KRAMER 


O Estado de S.Paulo - 21/11/10
Na condição de inventor da candidatura e de posse da prerrogativa de mentor de Dilma Rousseff, o presidente Luiz Inácio da Silva tem se comportado como previsto nesta etapa de transição entre a eleição e a posse da sucessora.
Ninguém de bom senso pode imaginar que Dilma possa se tornar independente de Lula de uma hora para outra. Acreditar nisso é se abstrair da realidade e conferir excessivo e precipitado crédito às histórias de distanciamento entre criadores e criaturas.
Essas coisas levam tempo. No caso específico de Dilma, é preciso levar em conta também que determinadas atitudes não são condizentes com a natureza feminina.
O dever de lealdade é mais acentuado nas mulheres, ou há alguma dúvida a respeito?
O caso de Lula como criador também é peculiar: ele detém uma força e um poder de mobilização dentro e fora do partido que sempre lhe assegurarão ascendência sobre Dilma, por mais que os deveres e os prazeres da Presidência a tornem a cada dia mais senhora de si. Isso sem falar que ele sabe fazer política e ela não.
A liderança dela é derivada e isso é um fato.
Nada há de estranho, portanto, que Lula influa decisivamente na composição do ministério. Pode não ser adequado, mas durante toda a campanha os gestos, mais que as palavras (embora estas também), deixaram bastante claro que não haveria solução de continuidade, sendo ela a eleita.
Só por isso não se pode dizer que Dilma será necessariamente uma marionete. Esquisito seria se ela fizesse escolhas à revelia dele.
Quanto à interferência de Lula para barrar o apetite de setores do PMDB no episódio do "blocão", há o óbvio: o presidente é ele até o dia 31 de dezembro.
Antes disso fica difícil fazer análises definitivas sobre qual será mesmo o papel de Lula como ex-presidente pelo simples fato de que a situação concreta ainda não se apresentou. Até lá, o que se faz são suposições.
Conjecturas a esse respeito é o que mais tem sido feito no mundo político. É consenso entre amigos e aliados de Lula que Dilma transitará em terreno complicado: não poderá desagradá-lo, mas também não poderá deixar que o poder lhe seja usurpado.
Nesse aspecto, a iniciativa teria de ser dele, deixando o governo para ela e cuidando da política em duas dimensões: a da própria biografia e a do projeto de poder de seu grupo - vale dizer o PT e área de influência.
Lula cuidará do instituto que levará seu nome, mas gostaria de ocupar algum posto que lhe permitisse liderar programas de ajuda a nações mais pobres, na África, como já se diz. Internamente, funcionaria como referência política nos grandes debates.
Um papel que Fernando Henrique poderia ter cumprido se o PSDB tivesse deixado, mas que com o PT Lula certamente poderá cumprir. Surpreendente na visão de amigos e aliados é a unanimidade da dúvida em relação a uma possível volta em 2014.
Ninguém acha que Lula voltará a disputar eleições. Para não se arriscar a macular o patrimônio da inédita popularidade ao fim de dois mandatos que já lhe garante lugar de honra na História.
Outro patamar. A direção do PMDB avisou nas internas que vai desautorizar quaisquer iniciativas de pressão por cargos sobre a presidente eleita. Não porque o partido não queira participação à altura da parceria que lhe confere a Vice-Presidência da República.
A questão é que nem todos no PMDB compreenderam que tais truques já não são necessários como eram à época em que o partido era um poderoso aliado, mas não passava de um anexo garantidor da "governabilidade".
Quando os idealizadores do "blocão" se juntaram a partidos como o PTB e o PP, que nem sequer se aliaram ao PT na eleição, emprestaram a eles a força e não o contrário como quiseram dar a entender. Reduziram o PMDB ao posto de agregado, subtraindo-lhe importância.
"Pela primeira vez não podemos ser chamados de adesistas, não disputamos espaços, mas dividimos naturalmente o poder conquistado nas urnas", diz o ex-ministro Geddel Vieira Lima, lembrando que ataques a Dilma Rousseff atingem igualmente o vice, Michel Temer.

DANUZA LEÃO


Escala em Dubai
DANUZA LEÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 21/11/10

Viajar era assim: você já se sentia importante ao pegar a passagem, pois ela vinha em envelope de camurça


VIAJAR JÁ FOI FÁCIL - e muito confortável. Era assim: você ligava para a companhia de aviação, era atendida por um ser humano muito gentil, dizia para onde queria ir e em que data.
Não era preciso pesquisar preços, pois eram todos os mesmos. Você ia pegar a passagem na loja e já se sentia muito importante, pois não era, como agora, como um tíquete de supermercado: vinha num envelope de camurça. Se quisesse trocar a data da ida ou da volta, era só telefonar, quantas vezes fosse, e sem pagar um centavo a mais.
A viagem era longa, mas era um luxo: havia sempre alguém que ajudava você com a bagagem de mão, as comissárias de bordo eram lindas e gentilíssimas, e os passageiros ainda ganhavam uma caixa de chocolates suíços e uma caneta - ah, era bem bom.
Viagem tinha a ver com aventura. Quando chegava, você pegava um táxi e ia parando de hotel em hotel, vendo se tinha lugar - sempre tinha. Se estivesse em Paris e resolvesse fazer uma escapada rápida de fim de semana, ia direto para o aeroporto, sem precisar reservar, e conseguia. Se não tivesse lugar no avião para onde pretendia ir, mudava de direção, e tudo dava certo.
Afinal, se a ideia era ir para Londres e acabava parando em Roma, não chegava a ser uma tragédia. Adiava-se a volta sete, dez vezes, e as tragédias eram só duas: o excesso de peso (eram 20 quilos por pessoa) e a alfândega.
Era aquele choro na hora do check-in: "por favor, são só 19 quilos a mais, o avião não vai cair por causa disso, meu dinheiro acabou, por favor, por favor" - e sempre funcionava. Como a alfândega abria todas as malas, era preciso tirar todas as etiquetas de todas as camisetas; quem não fizesse isso tinha que pagar impostos. Duros tempos, mas era bem bom.
O mais seguro era levar travellers (em dólares), olha que coisa antiga. Era de praxe trazer na bagagem um potinho de mostarda de Dijon e dois ou três queijos, que faziam sempre grande sucesso com os amigos. Também se usava contar a viagem, mostrar fotos e programas de teatros e exposições, coisas que ninguém faz mais - acho. Em compensação, não havia milhas, nem cartões de crédito, nem euros, e de país em país se ia trocando de moeda.
Mas as coisas mudaram: outro dia, uma amiga me contou que estava indo. Disse o dia da ida, o da volta, o nome dos hotéis (se desistisse, uma diária seria cobrada), os restaurantes a que ia - já sabendo o que devia comer -, os concertos, shows, museus, tudo reservado pela internet e já pago no cartão.
Estava levando o notebook, para ficar on-line, o celular (mais o carregador e as tomadas para os diversos países) - o roaming já estava feito. Na agenda, com tantos compromissos, não sobrava uma mísera horinha para fazer o que há de melhor, quando se viaja, isto é: nada.
Mas tem mesmo de tudo: conheço uma moça que só viaja pela Emirates. Se quer ir para Paris, Londres ou Nova York, compra uma suíte - é, suíte no avião - na primeira classe, com armário para os casacos, minibar e TV de 23 polegadas com 600 canais, faz uma escala em Dubai e de lá toma outro avião que a leva para onde quer. É caro mas vale e, além disso, ela pensa no futuro: quem sabe não conhece um milionário na viagem?

PS: A Oi ainda não resolveu meu problema.

GOSTOSA

JOÃO UBALDO RIBEIRO

Seremos todos felizes
João Ubaldo Ribeiro 


O Estado de S.Paulo - 21/11/10
Pelo menos no meu caso, a leitura dos jornais vem provocando uma leve tontura, por vezes não tão leve assim. Estou seguro de que os governantes eleitos não pensam em outra coisa que não o bem-estar da coletividade, pois haverá de ter sido esse ideal o que os moveu a candidatar-se, enfrentando a canseira, o estresse e a despesa de uma campanha, para depois padecer sob a rotina estafante e ingrata da vida pública. Sabemos que, até neste talvez enganosamente sereno domingo, estão ocorrendo reuniões pressurosas em todos os cantos do País, buscando o que fazer para começar desde já a trabalhar pelo bem comum. Também sabemos que os eleitos estão agora mesmo se debruçando com afinco sobre diagnósticos, estudos e planos para a solução dos problemas nacionais, querem trabalhar, querem fazer por nós tudo o que prometeram e mais alguma coisa.
Deve ser essa a causa da tontura, que possivelmente atinge alguns de vocês também. Pois não é que, embora saibamos de tudo isso, a leitura dos jornais dá impressão bem diversa? Vai ver, é mais uma armação da marvada mídia, tão frequentemente denunciada. Pois a sensação que se tem é de uma sarabanda frenética, açodada e agoniada de cadê-o-meu, como-é-que-é-o-meu-aí, dê-cá-meus-cargos, quanto-eu-levo-nessa e meus-cinquentinha-por-cento-de-aumento. Fazer alguma coisa pelo povo vem depois, primeiro é preciso o fazedor se fazer, dentro do conceito de servir à pátria atualmente em vigência. "Servir" e "pátria" continuam as palavras-chave, só muda a regência verbal, um pormenor. Não é "servir à pátria", com essa crase enxerida aí, é "servir a pátria", preferivelmente numa baixela de prata. Ou, caso mais encontradiço, "servir-se da pátria". A gramática é maravilhosa, todos deviam estudá-la.
Obra perversa da mídia ou não, o que vemos aqui é o exato oposto da famosa exortação do presidente Kennedy aos americanos, quando ele disse "não pergunte o que seu país pode fazer por você, pergunte o que você pode fazer por seu país". A originalidade brasileira impôs à frase de Kennedy o que Zecamunista me descreveu como "revertério dialético" e aqui todos primeiro querem saber o que o País pode fazer por eles, preferivelmente em dinheiro. É colegiado pra lá, diretoria pra cá, jetom pra acolá, estipêndio, verba, subsídio, numerário, função gratificada, cargo em comissão, cofrão, sacolão, dotação, gratificação, diária, ajuda de custo, auxílio-qualquer coisa, tudo sendo disputado palmo a palmo, numa exibição grotesca e despudorada que, de tão repetida, já nem é notada. E quem reclama é ainda desdenhosamente chamado de moralista, classificação, neste caso, aplicável a quase todo o Código Penal.
E o que poderia ser interpretado como uma notícia amena, agora desperta preocupação. Vocês também devem ter lido nos jornais que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou um novo direito para nós, brasileiros: o direito à busca da felicidade. Não falta muito para entrar na letra da nossa sempre prestigiada Carta Magna. Não é assim muito original, porque vem da Declaração da Independência americana, novidade de 1776. Mas não deixa de ser engraçadinho, maneiro para citar em discursos de posse, formatura, inauguração e movimentos por melhores condições de trabalho. Também serve para adesivos de para-brisas, camisetas e circulares pela internet com os dizeres "Ser infeliz é inconstitucional". E há de ter outros proveitos, vivemos uma época muito inovadora.
Mas, sem querer ser espírito de porco, não posso deixar de lembrar que, hoje em dia, iniciativas para ditar nossa conduta e até nossas opiniões estão ficando cada vez mais comuns. Existem autoridades, em todas as áreas, convictas da existência de um "certo" absoluto para praticamente tudo na vida, desde comer até educar um filho, e esse certo nos deve ser imposto para nosso próprio bem, mesmo que discordemos. De forma semelhante ao que acontece com o moralismo, a acusação aos que se opõem a esses "certos" é a de ignorância e reacionarismo pernicioso.
Aparecerá algum parlamentar que proporá a regulamentação de tão básico direito. Na ausência de uma lei que lhe dê condições de aplicação, o preceito constitucional pode não ter eficácia alguma. Mais ainda, o que é de capital importância, pois sem isso nada aqui vai em frente, a lei regulamentadora resultará na geração de empregos e até mesmo de novos campos do saber. A primeira providência será a criação de uma comissão de notáveis para elaborar um anteprojeto em que se definam não só a felicidade, como os meios lícitos para atingi-la, não devendo, por exemplo, admitir-se o assalto, excetuado, como hoje, o assalto aos cofres públicos, pelas vias consagradas em nosso direito consuetudinário. Não será, com certeza, tarefa simples e já posso antecipar com vivo interesse eletrizantes debates entre, digamos, epicuristas de esquerda e estoicos de direita. A felicidade é uma sucessão contínua de prazeres? É uma casinha pequenina, com gerânios em flor na janela? É uma bela mamata ou suculenta sinecura?
De acordo também com o uso atual, haveria ampla consulta popular, com a subsequente incorporação de dispositivos que levassem em conta a felicidade de minorias e excluídos. E, enfim, depois de muita labuta e controvérsia, teremos o Código da Felicidade e a Agência Nacional da Felicidade, permanente gestora de toda essa área. Serão emitidas normas para a correta felicidade e talvez se crie um juizado especial, para os delitos contra a busca da felicidade. E pode ser que a felicidade venha a ser mais ou menos como o voto, um direito e um dever. Um direito por cujo exercício pagaremos imposto; e um dever por cujo descumprimento pagaremos multa. Confere. 

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Realeza em off
SONIA RACY
O ESTADO DE SÃO PAULO - 21/11/10
Luiz Philippe de Orléans e Bragança resolveu processar a Carta Editorial por danos morais. Não gostou de aparecer na antiga Vogue RG fumando charuto e segurando taça de vinho.
Perdeu. O juiz Paulo Eduardo Razuk entendeu que o príncipe errou na dose. "Se os donos da casa queriam demonstrar poder e exibir riqueza... a presença do apelado era um prato cheio. Se não queria aparecer, deveria guardar postura discreta, como seu saudoso avô... o príncipe D. Pedro Henrique de Orléans e Bragança, que não se deixava exibir", relatou.
E condenou Luiz Phillipe, parente de D. Pedro I, a arcar com honorários de R$ 1.000.
Guerra de togas
A Associação Brasileira de Magistrados acusa Nelson Calandra, ex-presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), de não repassar R$ 171 mil à AMB. A Apamagis afirma que apresentou documentos provando o uso do dinheiro. Ainda assim, dizem que a medida precisaria de autorização prévia da entidade.
Disritmia
Martinho da Vila colocou ponto final em seu livro de memórias, Palavra de Sambista. Sai pela editora Tinta Negra, em fevereiro, quando o sambista completará 72 anos.
Pela vizinhança
Francis Ford Coppola não passará incógnito por Sampa. O Poderoso Chefão chega dia 29 e deixa suas malas no Sofitel da Sena Madureira, na Vila Mariana.
Outro lado
A assessoria da Goldman Sachs no Brasil ligou para dizer que Arthur Villas Boas não foi demitido ou processado.

Isabella Prata aprendeu a percorrer as trilhas das artes. Há 25 anos, ainda como estagiária do MAM e sem os benefícios das leis de incentivo, correu atrás de patrocínio, vendeu projetos, montou exposições. "Não existia dinheiro para nada. O meu estímulo era ver o museu cheio", lembra. Daí para frente não parou mais. Seu aprendizado foi tão rico que resolveu abrir a Escola São Paulo, que completa quatro anos. "Aqui é tudo flexível. O aluno escolhe o tema e busca a melhor opção de horário." Sua proposta parece ter dado certo: ano que vem pretende abrir mais uma unidade em São Paulo.
Responsabilidade social
O projeto Jornada Sensorial, do MAM-SP, completa um ano com oficina de fotografia e monitoria de duas exposições. A de Ernesto Neto, e o Festival de Jardins no Ibirapuera para deficientes visuais. Quinta.
O Torneio Beneficente de Golfe Albert Einstein, organizado por voluntários do hospital, prevê arrecadar R$ 600 mil em doações para Paraisópolis. Sexta, na Fazenda da Grama.
Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi comemoram. As oficinas de cinema na Associação Comunitária Despertar, na periferia de SP, renderam três curtas. Serão exibidos na sala itinerante do Cine Tela Brasil.
Aniversário solidário: a loja Francesca Romana Diana terá venda especial pelos quatro anos da marca. Em prol do Instituto CrediPaz. Segunda, no Shopping Cidade Jardim.
Tudo certo para a 18ª edição do Charity Day, que acontece simultaneamente em 35 países, incluindo o Brasil. Dia 8.
Quanto um evento de quatro dias interfere no aquecimento global? O 19º Seminário Nacional de Distribuição de Energia Elétrica medirá a sua produção de gases do efeito estufa. A partir de amanhã.
Alessandra Campiglia pilota jantar beneficente em torno de Gustavo Kuerten. Na árvore de Natal, bichinhos de tecido da Pucci, que estarão à venda. Em prol do Instituto Gustavo Kuerten.
Raí prestigiará o leilão de banquinhos da Zoo Parade, customizados por vários artistas. A renda arrecadada no evento será revertida para a Fundação Gol de Letra. Amanhã, na Livraria da Vila do Cidade Jardim.
Detalhes nem tão pequenos...

1. De quem são esses olhos? Dica: ela já foi modelo e hoje apresenta Esquadrão da Moda no SBT.
2. Cai bem a ajuda de Santo Expedido antes de encenar Calígula no Teatro Vivo.
3. Não, não era festinha de criança. Mas as apaixonadas por sapatos amam doces.
4. Dizem que a Branca de Neve pegou logo três maçãs no Museu da Casa Brasileira.
5. No desfile de moda no Palácio dos Bandeirantes, só homens repetiram roupa.
6. TV em muitas cores.

CHIQUEIRO

SUELY CALDAS

As microrreformas de Palocci
Suely Caldas
O ESTADO DE SÃO PAULO - 21/11/10



O discurso lido por Dilma Rousseff no dia de sua vitória foi escrito a dez mãos. Mas, sem dúvida, as mais pesadas eram as da própria presidente e as do ex-ministro Antonio Palocci. Controle da inflação, estabilidade econômica, melhoria da qualidade do gasto público, respeito aos contratos, autonomia das agências reguladoras são compromissos que Palocci, quando ministro da Fazenda, herdou da gestão FHC e por eles brigou com o PT e com a própria Dilma até deixar o ministério, em março de 2006. Hoje são compromissos também da futura presidente.

Nos próximos dias Dilma deve anunciar a composição de sua equipe econômica e, no xadrez em montagem, Palocci e Paulo Bernardo despontam como peças-chave, estrategicamente colocadas ao seu lado no Palácio do Planalto para funcionarem como conselheiros, intermediários com os demais ministros, anteparos de pressões políticas, cinturão de proteção a ela e também influentes produtores de ideias e projetos para o governo. Bem aceitos por empresários, pelo mercado financeiro e pela oposição, os dois atuaram em dobradinha no primeiro mandato de Lula.

Dilma ainda não tomou posse, mas eles já recuperaram a dobradinha e começaram a atuar em harmonia. Em entrevista à repórter deste jornal Raquel Landim, Paulo Bernardo avisou que a nova presidente retomará as reformas microeconômicas de Palocci na Fazenda, interrompidas pelo efeito furacão do mensalão no Congresso.

Arquitetadas pelo secretário de Política Econômica na época, Marcos Lisboa, a partir do documento Agenda Perdida, elaborado por um grupo de 17 economistas e cientistas sociais, algumas dessas reformas andaram, entre elas a Lei de Falências e o sistema de crédito popular. Outras paralisaram, como o crédito imobiliário e o encurtamento do trâmite burocrático de abertura de empresas. O conjunto tinha por objetivo "apoiar o crescimento de longo prazo, criar ambientes propícios a novos negócios, aumentar a eficiência do mercado, a produtividade, a renda, o consumo e induzir novos investimentos", como definiu Lisboa (hoje diretor do Itaú-Unibanco) ao Estado, em maio de 2004.

Dessas reformas, a desoneração da folha de salários é a mais importante, mas também a mais complexa e difícil. Hoje os tributos que oneram a folha somam 27,8% assim distribuídos: 20% de contribuição previdenciária; 2,5% destinados ao Sistema S (Sesi, Senai, Sesc, etc.); 2,5% de salário educação; 2% para acidentes e doenças do trabalho; 0,6% para o Sebrae; e 0,2% para o Incra.

Em fevereiro de 2008 o presidente Lula manifestou a intenção de reduzir de 20% para 14% a contribuição previdenciária ao longo de seis anos e eliminar os 2,5% do salário educação, caindo a tributação total para 19,3%. Os sindicatos foram contra. O Ministério da Fazenda vem trabalhando com esses parâmetros, mas até agora não concluiu seu projeto. O obstáculo maior a essa alternativa é que reduzir a alíquota da Previdência aumenta ainda mais o já elevado déficit do INSS.

Em 2004 a proposta de Palocci para desonerar a folha era diferente. A desoneração não era linear e geral, mas seletiva e aplicada só aos salários de baixa renda, justamente para incentivar a legalização de trabalhadores informais que vivem sem nenhum direito trabalhista e sem garantia de aposentadoria na velhice. Com isso a reforma de Palocci isentava as empresas do pagamento de 20% à Previdência até o limite de um salário mínimo e, acima disso, reduzia a alíquota de uma parcela até dois mínimos. Essa eventual perda de receita seria compensada com um tributo sobre valor agregado que seria introduzido gradativamente na economia com alíquotas mais elevadas para setores de capital intensivo que pouco utilizam mão de obra - siderurgia e petroquímica - e desonerados setores de mão de obra intensiva, como têxtil, construção civil e calçados. Tudo seria feito aos poucos e com cuidado, de forma a não aumentar a carga tributária, garantia Lisboa na época.

Há, portanto, duas alternativas em jogo - a de Mantega e a de Palocci. Qual delas irá prevalecer?

*SUELY CALDAS É JORNALISTA, PROFESSORA DA PUC-RIO

CLÓVIS ROSSI

Batom na Fazenda
CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SÃO PAULO - 21/11/10



SÃO PAULO - "The Economist" cobrou de Dilma Rousseff, logo após a sua vitória, que não fosse apenas um "Lula com batom". Ainda que vagamente machista, a expressão é um achado, tanto que foi reproduzida pela mídia local.
Como era inevitável, a manutenção de Guido Mantega no Ministério da Fazenda acabou sendo tratada como o primeiro ato de Dilma-Lula-com-batom. Talvez até seja, porque o presidente não escondeu o desejo de que o ministro permanecesse no cargo. Mas olhando com um pouco mais de perspectiva, a primeira nomeação de Dilma tem uma lógica perfeita.
Vejamos: Mantega e Dilma trabalharam juntos em diferentes prédios da Esplanada dos Ministérios durante oito anos. Nos últimos cinco, foram os dois ministros principais do governo. É lógico supor que atuavam coordenadamente.
É verdade que Mantega, até 2008, foi apenas o gestor do piloto automático na economia, legado por Antônio Palocci. Mas, na crise, que é quando se revelam os bons pilotos de tormenta, assumiu de fato o cargo. De novo, a mais elementar lógica manda dizer que ele, Dilma (e, claro, Lula) agiram em conjunto o tempo todo.
Deu certo. Embora o Brasil tenha perdido um ano de crescimento, saiu da crise mais depressa e mais sólido do que o mundo rico.
Se a dobradinha funcionou na turbulência, ainda que os méritos tenham ficado mais para Lula e Mantega, é natural manter o ministro quando a turbulência é menor e o panorama imediato é favorável.
Afinal, Mantega mostrou-se capaz de administrar tanto o "paloccismo", que fez - e faz - a delícia dos ortodoxos, como o desenvolvimentismo, que é a única outra alternativa hoje disponível no supermercado de propostas do governo, o atual e o futuro.
Mudar só para mostrar que não é apenas "Lula com batom" seria feminismo tolo, não?

GOSTOSA

GAUDÊNCIO TORQUATO

Presidencialismo mitigado? Sem chance
Gaudêncio Torquato


O ESTADO DE SÃO PAULO - 21/11/10
"Quem manda é a presidente, e não blocos partidários", brada o presidente do PT ante a perspectiva de criação de um conglomerado reunindo 202 deputados do PMDB, PP, PR, PTB e PSC. Se é verdade que o Brasil adota como sistema de governo o presidencialismo de coalizão, cujas dinâmica e eficácia dependem do número de partidos e de parlamentares que habitam o planeta governista, a dicotomia sugerida por José Eduardo Dutra não se sustenta. Quanto mais extensa a aliança em torno do Executivo, maior a probabilidade de seu comandante, o presidente, administrar sismos nas frentes congressuais e garantir, assim, a governabilidade. Siglas e blocos, portanto, detêm boa dose de mando na condução do País, mesmo que se reconheça a índole monárquica do presidencialismo brasileiro, que se revela avassaladora nos espaços do Legislativo. A relação de troca, esta, sim, é a medida do equilíbrio entre os dois Poderes. O presidencialismo de coalizão alimenta-se da base política e esta come do seu pasto para engordar. É assim o jogo. Aqui e alhures. Por isso mesmo, qualquer tentativa de atenuar a hegemonia presidencial por nossas bandas soa como loas à utopia.
O presidencialismo mitigado, ou um parlamentarismo à moda francesa ou portuguesa, nos termos debatidos por um grupo de juristas e cientistas sociais reunidos pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Brasília, na semana passada, não parece combinar com os traços de nossa realidade política. Sua arquitetura é mais refinada. Seu escopo, mais plural. Claro, é uma utopia a ser acalentada. É consenso que o modelo parlamentarista abriga uma coleção de adjetivos que emolduram a moderna política: avançado, racional, mais democrático, conectado à realidade, flexível, sensível à dinâmica social. Ocorre que na esfera dos costumes políticos estamos ainda no ciclo da carroça, do trem maria-fumaça, da construção das primeiras estacas éticas e morais. A semente presidencialista, como se sabe, viceja em todos os espaços, dos mais simples e modestos aos mais elevados. O termo presidente faz ecoar significados de grandeza, forma associação com a aura do Todo-Poderoso, com as vestes do monarca, com a caneta do homem que tem influência, poder de mandar e desmandar. Até no futebol o presidente é o mandachuva. O chiste é conhecido: como o ato mais importante da partida de futebol, o pênalti deveria ser cobrado por quem? Pelo presidente.
O jurista que coordena o projeto de reforma política da OAB, Luis Roberto Barroso, até pinça um episódio futebolístico para argumentar não contra o parlamentarismo (como a princípio se pode imaginar), mas contra o presidencialismo. Em 1980, no final do Campeonato Brasileiro, o Flamengo ganhou por 3 a 2 do Atlético Mineiro, em polêmica partida disputada no Maracanã. O árbitro expulsou três jogadores do Atlético, a bagunça tomou o campo e agitou os nervos. No fim, transtornado com o "resultado roubado", Elias Kalil, presidente do Atlético, exclamou aos berros: "Vou apelar para o presidente da República, João Figueiredo! Vou falar pra ele de presidente para presidente!" O presidencialismo, tirado do coldre pelo dirigente do time mineiro, acabou transferindo para o campo parlamentarista o professor Barroso. Não se conformou ele com uso tão destrambelhado do conceito. O culto à figura do presidente e, por extensão, a outros atores com forte poder de mando faz parte da glorificação em torno do Poder Executivo. Tronco do patrimonialismo ibérico. Herdamos da monarquia portuguesa os ritos da Corte: admiração, bajulação, respeito e mesuras, incluindo o beija-mão.
O sociólogo francês Maurice Duverger defende a tese de que o gosto latino-americano pelo sistema presidencialista tem que ver com o aparato monárquico na região. O vasto e milenar Império Inca, com seus grandes caciques, e depois o poderio espanhol, com seus reis, vice-reis, conquistadores, aventureiros e corregedores, plasmaram a inclinação por regimes de caráter autocrático. O presidencialismo por estas plagas agregaria, assim, uma dose de autocracia. Já o parlamentarismo que vicejou na Europa se teria inspirado na ideologia liberal da Revolução Francesa, cujo alvo era a derrubada do soberano. Isso explicaria a frieza europeia ante o modelo presidencialista. A disposição monocrática de exercer o poder vem, no Brasil, desde 1824, quando a Constituição atribuiu a chefia do Executivo ao imperador. A adoção do presidencialismo, na Carta de 1891 - que absorveu princípios da Carta americana de 1787 -, só foi interrompida no interregno de 1961 a 1963, quando o País passou por ligeira experiência parlamentarista.
Portanto, o presidencialismo está fincado no altar mais alto da cultura política. O poder que dele emana impregna a figura do mandatário, elevado à condição de pai da Pátria, protetor, benemérito. Essa imagem ganhou tintas fortes no desenho de nossa cidadania. De acordo com o conhecido traçado do sociólogo Thomas Marshall, os ingleses construíram sua cidadania abrindo, primeiro, a porta das liberdades civis, depois, a dos direitos políticos e, por fim, a dos direitos sociais. Entre nós, os direitos sociais precederam os outros. A densa legislação social (benefícios trabalhistas e previdenciários) foi implantada entre 1930 e 1945, num ciclo de castração de direitos civis e políticos. Portanto, o civismo, o sentimento de participação ficaram adormecidos por muito tempo no colchão dos benefícios sociais. A imagem do Estado e a do governante imbricavam-se ontem como se juntam hoje, bastando olhar os mantos que vestem o presidente Lula. Sob essa configuração, imaginar que o parlamentarismo tenha chance por aqui é apostar que a fada madrinha decidiu deixar o reino da fantasia para nos visitar.
Temos de conviver mesmo com o fardão presidencialista. O que pode ser feito, isso sim, é um sistema para atenuar a força das águas que irrompem do oceano presidencial.
Mas essa é outra história.
JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP E CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO

MELCHIADES FILHO

Dilma e o baú da felicidade
MELCHIADES FILHO
FOLHA DE SÃO PAULO - 21/11/10



Lula sempre teve uma relação próxima com a imprensa.


É vaidoso, gosta de aparecer e sabe que os jornais o ajudaram a conquistar e garantir espaço político, principalmente na reabertura democrática.
Dilma nada tem de frívola e até a campanha manteve distância dos jornalistas, desconfiada ou mesmo convencida de que só atrapalham, quando não representam "o inimigo".
É seu DNA brizolista.
Não é certo, porém, que, em razão das diferenças de personalidade e trajetória, a futura presidente atuará mais ostensivamente do que o padrinho contra as grandes empresas de comunicação do país.
Lula deu bordoadas sucessivas na imprensa não só para atiçar patrulhas e esvaziar denúncias, mas, sobretudo, para reforçar a imagem de pai dos pobres e vítima das elites. Os vilões de outros momentos (usineiros, banqueiros, coroneis etc.) estavam todos no governo. Sobrou para "a mídia".
Dilma não tem perfil para replicar a estratégia. O marqueteiro da campanha não a pintou como coitadinha. Destacou "a mulher que decide".
Outro senão é que Dilma terá de escolher meticulosamente as primeiras batalhas.
A macroeconomia e a aliança com o PMDB já prometem dor de cabeça o suficiente.
Ademais, como todo chefe de governo em início de mandato, ela será pressionada a produzir boas notícias. Por que torpedear justamente quem poderá veiculá-las?
Mas há mais uma razão para Dilma, a despeito do discurso beligerante do PT, não gastar tempo e energia contra a radiodifusão e a grande imprensa: a ofensiva, silenciosa, já foi feita, sob amparo da tendência de mercado.
Neste ano o governo Lula:
* acionou os fundos de pensão estatais e chancelou o acordo que passará a portugueses a "supertele nacional";
* decidiu abrir às teles o mercado da TV a cabo;
* lançou um plano nacional da banda larga, nas mãos de uma estatal com R$ 15 bilhões para escolher quem contratar;
* fechou os olhos à entrada dissimulada de capital estrangeiro na imprensa/internet;
* ampliou a publicidade em órgãos menos independentes. Coordenadas ou não, essas medidas alteram a correlação de forças na iniciativa privada -ampliam a margem de ação de múltis telefônicas e/ou têm potencial para enfraquecer algumas empresas nacionais. As teles investem por ano no Brasil R$ 20 bilhões -oito vezes o patrimônio total do Grupo Silvio Santos.
A aposta no Planalto é que vários empresários brasileiros terão de pedir água e, em troca de barreiras protecionistas, aceitar, senão pedir, mudanças na lei das telecomunicações -ideia que hoje rejeitam. Caberia a Dilma, nesse cenário, arbitrar não apenas a nova conjuntura de mercado, mas também o debate sobre o "papel" da imprensa.


MELCHIADES FILHO é diretor-executivo da Sucursal de Brasília

BRIGA DE QUADRILHAS

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA

Fatura oculta
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SÃO PAULO - 21/11/10

Em intensa movimentação para reajustar os contracheques dos deputados federais e senadores, a cúpula da Câmara descartou na reunião de quarta-feira a ideia de alterar a Constituição para anular o efeito cascata que a medida terá no salário dos 1.059 deputados estaduais e 52 mil vereadores.
Com isso, o gasto extra anual ficará em pelo menos R$ 2,5 bilhões caso os congressistas equiparem seus vencimentos -hoje em R$ 16,5 mil- aos dos ministros do Supremo, que pleiteiam R$ 30,7 mil ao mês em 2011. O custo adicional aos cofres públicos é equivalente a um aumento de cerca R$ 10 no salário mínimo.

Em série A conta deverá ficar mais salgada, já que o cálculo é feito levando-se em conta 13 remunerações anuais nas Assembleias e Câmaras; e muitas seguem a prática do Congresso de pagar 15 salários/ano. Além disso, o vencimento de assessores é, em alguns casos, vinculado ao do parlamentar.

Cenários Caso prevaleça a ideia de apenas corrigir os salários pela inflação acumulada, de 18,95% -tese por ora sem muitos adeptos no Congresso-, o salário subiria a R$ 19,6 mil e o gasto extra para governo, Estados e municípios cairia ao patamar de R$ 550 milhões.

Contas Os deputados Rafael Guerra (PSDB-MG) e Nelson Marquezelli (PTB-SP) foram escalados pela Mesa da Câmara para esmiuçar os cenários de reajuste, que englobarão ainda subsídios de ministros e do presidente da República, esses sem efeito cascata. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), será consultado.

Anote aí Em meio à aglomeração de petistas que tentavam tirar foto com Dilma Rousseff na sexta, o ministro Altemir Gregolin (Pesca) assoprou no ouvido de José Eduardo Cardozo, um dos coordenadores da equipe de transição: "Nós queremos continuar pescando..."

Café... A disputa velada entre tucanos paulistas e mineiros reverbera na corrida pela liderança das bancadas no Congresso. Antevendo o confronto dos senadores eleitos Aécio Neves (MG) e Aloysio Nunes (SP), ala expressiva do PSDB já trabalha por saída conciliadora. São cotados Cássio Cunha Lima (PB), caso reverta o veto do TSE, e Álvaro Dias (PR).

... com leite Na Câmara, aliados de Geraldo Alckmin estimulam Duarte Nogueira (SP) e Bruno Araújo (PE) a postularem o cargo. O presidente nacional da legenda, Sérgio Guerra (PE), também deve entrar no páreo, com simpatia do bloco de Minas.

O retorno 1 Assim que se confirmou a vitória de Dilma nas urnas, o deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS) voltou a frequentar o círculo mais íntimo do vice eleito, Michel Temer (PMDB-SP). Padilha, mais identificado com os tucanos, ficou mais do que em cima do muro durante a campanha.

O retorno 2 O deputado gaúcho, que não se elegeu, mas ficou como primeiro suplente, agora trabalha para que Mendes Ribeiro (PMDB-RS), eleito, seja indicado pelo PMDB para o primeiro escalão do governo Dilma. Assim, Padilha assumiria uma vaga na Câmara.

Barrado Márcio Fortes (Cidades) não foi convidado para o jantar em que a bancada do seu partido, o PP, homenageou o diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, da cota pepista. Deputados da legenda se desentenderam com Fortes e promovem amplo lobby para tirá-lo da pasta.
com LETÍCIA SANDER e FABIO ZAMBELI

tiroteio

"Quem reconhece as Farc como instituição democrática não vê problema em financiar a Saúde com dinheiro dos jogos de azar."
DO DEPUTADO EDUARDO SCIARRA (DEM-PR), sobre a proposta defendida por líderes de partidos governistas de utilizar os recursos provenientes da liberação dos bingos para financiar a saúde pública em alternativa à recriação da CPMF.

contraponto

Barriga de aluguel


O deputado André Vargas (PT-PR) conversava anteontem sobre a campanha com um grupo de jornalistas, quando afirmou:
- Acho que eu era o único "grávido" nesta eleição!
Uma repórter comentou:
- Imagina deputado, vários colegas seus engordaram na campanha!
Vargas, que está acima do peso, emendou na hora:
- Mas eu não tô falando disso. O que eu quis dizer é que a minha mulher está grávida!

CELSO LAFER

Ruth por Ignácio
Celso Lafer 


O ESTADO DE SÃO PAULO - 21/11/10
A biografia é um gênero difícil, posto que exige combinar História e estória. Requer, por isso mesmo, tanto o empenho e a dedicação na pesquisa dos fatos quanto a qualidade de um texto que, numa unidade narrativa, seja capaz de bem contar uma estória de vida. Seguir a ordem cronológica contribui para a tessitura da narrativa e, por isso, é um dos preceitos usuais na elaboração de uma biografia. Permite, com efeito, indicar como uma pessoa, na sua singularidade, foi, no correr do tempo, lidando com o seu potencial de possibilidades no confronto com as múltiplas circunstâncias do seu percurso. Foi este preceito que Ignácio de Loyola Brandão seguiu na elaboração do seu recém-publicado livro Ruth Cardoso - Fragmentos de uma Vida.
Ignácio enfrentou com sucesso o desafio da empreitada biográfica. No seu livro teceu a crônica de uma vida que permite compreender quem foi Ruth Cardoso e explicar a razão de ser mais ampla de sua exemplaridade. Esta se imbrica nos modos como lidou com o desafio da condição feminina no mundo contemporâneo. Soube traçar o retrato da sua biografada mesclando, na sua narrativa, os fragmentos do cotidiano (a sopa de mandioquinha, o dia a dia com Fernando Henrique e os filhos pequenos no exílio chileno, a casa e o jardim de Ibiúna) e os fatos e informações da atividade de uma pesquisadora e professora de Ciências Sociais que, pioneiramente, percebeu e escreveu sobre a mudança na dinâmica dos movimentos da sociedade. O luminoso posfácio de Manuel Castells dá conta da relevância acadêmica dos seus ensinamentos.
Ignácio garimpou, nos documentos e nas múltiplas e diversificadas entrevistas com seus próximos, facetas básicas de uma personalidade de boa e educada sociabilidade, que sabia conversar com as pessoas, mas preservava a sua intimidade. Captou a estatura humana e intelectual de Ruth, que, pela sua ação e pelo seu pensamento, teve voo próprio, independentemente do que foi a trajetória de FHC. Soube contextualizar o Brasil em que ela esteve inserida com a sensibilidade de um cronista que logrou explorar na narrativa o comum de vivências compartilhadas, proveniente da proximidade geracional. Explicou como ela redefiniu, com autonomia, discernimento e criatividade, o papel da mulher do presidente, colaborando, desse modo, na concepção de políticas sociais, distintas do assistencialismo tradicional.
Políbio dizia que o começo é mais da metade e alcança o fim. Uma das virtudes da narrativa de Ignácio é a de, como araraquarense que fez da memória vivida da sua cidade uma das fontes de inspiração da sua obra, explicar como Ruth levou dentro dela, a vida inteira, o significado do que representou para ela o seu lado Araraquara: o de quem gostava "das coisas boas da vida, mas possuía um sentimento ácido em relação a ‘grã-finagens’ e vaidades vazias".
A Araraquara de Ruth, que alimentou a sua eticidade, foi a de uma família de operosa e séria classe média, marcada pela boa e discreta presença de seu pai e impulsionada pela forte e independente personalidade de sua mãe, a professora dona Mariquita, a dos amigos e colegas de infância, de sua escolaridade inicial e do ambiente dos anos 30 e 40 de uma cidade do interior do Estado de São Paulo.
Araraquara está não só no início, mas na origem desta biografia. Foi a entrevista que Ignácio realizou em 1999 para a Vogue, Ruth Cardoso e o reencontro com a cidade desaparecida, o ponto de partida do "retrato de uma araraquarense por um araraquarense".
O tema recorrente que permeia a biografia de Ruth é, como disse, o da lida com a condição feminina no mundo contemporâneo, um desafio de abrangente espectro, pois as transformações desta condição no século 20 foram constitutivas de uma verdadeira revolução. Com efeito, a Revolução Feminina, como a Revolução Industrial, trouxe uma mudança radical, ainda que gradual, nos costumes e no funcionamento da sociedade, não precedida, no entanto, como explica Bobbio, de um evento inaugural. Essa significativa mutação do que era o tradicional propiciou uma crescente presença das mulheres no mundo das profissões, dos negócios, da política e do pensamento, com impacto redefinidor na prévia lógica social dos papéis do masculino e do feminino.
No caso de Ruth, a mutatio rerum acima apontada representou o desafio do buscar e encontrar na sua vida um equilíbrio entre os seus projetos intelectuais e a sua carreira de professora, com identidade e espaço próprios de atuação, e os cuidados mais tradicionais na lida do cotidiano, com a casa, a educação dos filhos, a atenção com netos e o convívio com um marido da projeção intelectual e política de Fernando Henrique.
A exemplaridade com que construiu esse equilíbrio teve desdobramentos que foram além da sua pessoa. Ruth extraiu de sua experiência pessoal e de pesquisadora, e da importância que atribuiu à igualdade de gênero, elementos importantes que instigaram as renovadoras propostas das políticas sociais do governo FHC. O "feminismo prático" de Ruth no trato da emancipação das mulheres contribuiu para a visão da Comunidade Solidária e da Bolsa-Escola. A ênfase no responsável papel da mulher nas famílias brasileiras traduziu-se de modo abrangente no sustentar, pelo acesso ao conhecimento, a extensão, pelo empowerment, da cidadania.
O livro de Ignácio abre-se com uma epígrafe de Sêneca: "Aquilo que terás feito de tua vida, veremos no momento em que a perderás." Ignácio narrou com sensibilidade o que Ruth fez de sua vida, com ressonância nacional e internacional. Com seu talento de escritor, descreveu o momento em que a foi perdendo, seguido pela unanimidade dos sentimentos de pesar e respeito que cercaram o seu falecimento. O livro, ao tangenciar, como seria de esperar, a atuação de FHC, aponta como na dialogada e igualitária convivência do casal Ruth foi uma companheira que engrandeceu a sua vida e a sua obra.
PROFESSOR TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS E DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES NO GOVERNO FHC