domingo, março 24, 2019

EU VOTEI CONTRA O PT - OS TRÊS PATETAS E UM JUMENTO!

A Direita não precisa de guru, já temos as idéias. Precisamos de HOMENS para implementa-las e não de twiteiro sem-noção



UM GOVERNO CONTRA AS REFORMAS


Parece não haver aprendizado - SAMUEL PESSOA

FOLHA DE SP - 24;03

O ministro Sergio Moro dá sinais de que se considera ainda um juiz


É natural que uma nova elite política passe por um processo de aprendizado.

A eleição de Jair Bolsonaro representou profunda transição política. Não somente temos uma nova elite política no comando do Executivo nacional como houve troca na direção ideológica. Após um longo domínio de partidos de esquerda ou de centro-esquerda, foi eleito um presidente com claro discurso liberal na economia e conservador nos costumes.

Como escrevi há três semanas, Bolsonaro se meteu em uma armadilha da qual está difícil sair. Na verdade, não é possível saber se ele deseja sair.

Governo de regime político multipartidário, independentemente de ser parlamentarista ou presidencialista, será de coalizão. Esse é um fato da vida. Não é possível lutar contra ele.

No presidencialismo multipartidário brasileiro, há dois tipos de moeda de troca legais. Compartilhar poder em torno de um programa, que envolve negociar cargos e posições no gabinete após a negociação de um programa e projeto de país, e a liberação de emendas em contrapartida ao apoio do parlamentar a projetos de interesse coletivo.

A evidência empírica da ciência política brasileira é que os presidentes que compartilham mais o poder, construindo coalizões mais programáticas, usam menos intensamente a liberação de emendas. (ver capítulo 3 de "Making Brazil Work", de Marcus Melo e Carlos Pereira.)

Possivelmente —e a evidência empírica aqui não é tão clara, em razão da natureza do fenômeno—, o nível de corrupção também será menor.

Na campanha eleitoral, Bolsonaro demonizou a parte mais nobre da política.

O problema maior é que não há sinais de que esteja havendo um processo de aprendizado. Pelo contrário, as declarações do presidente ao desembarcar em Santiago no Chile, na semana passada, sinalizam que ele dobra a aposta na estratégia de governar apartado do Congresso Nacional, isto é, da política.

A dificuldade de Bolsonaro de descer do palanque e governar faz com que a lua de mel seja desperdiçada em temas laterais e, mais recentemente, em discussões públicas muitas vezes internas ao governo.

O governo se recusa a tocar a política da forma tradicional por considerar que perderá sua base popular de apoio. Paradoxalmente está perdendo a sociedade por não o fazer. A forte queda da popularidade noticiada na semana passada ilustra esse fato.

Para piorar a situação, o ministro da Justiça, Sergio Moro, dá sinais de que se considera ainda um juiz. Juiz assina a sentença e cumpre-se. Ministro envia projeto de lei para o Congresso e negocia. Fazer cobrança pública ao presidente da Câmara não parece ser muito efetivo.

A sociedade passou dois anos no governo Temer discutindo a reforma da Previdência. Os políticos estão cientes da gravidade da situação fiscal. Há clima para aprovação.

Por outro lado, o governo está com a faca e o queijo na mão. O presidente Temer deixou a casa bem arrumada e o caminho —a depender de uma solução para o problema fiscal— livre para uma retomada do crescimento, mesmo que pouco brilhante.

Difícil imaginar que as atrapalhadas do governo poderão colocar tudo a perder. Mas é para lá que parece que estamos caminhando.

A política não arrumará a situação fiscal por gravidade. Sem tocar a política, nada será aprovado.

Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.

'Parece que o pau está comendo' - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 24/03

Ideólogo do bolsonarismo prega agitação, propaganda e democracia direta tuitada


"O poder no Brasil está em guerras", se escrevia aqui, no domingo passado (17). "Parece que o pau está comendo", disse na sexta-feira (22) o ministro Paulo Guedes (Economia), que fazia troça da semana de confrontos explícitos entre as turmas do poder.

Gente no centro do governo, porém, fazia teoria do conflito e da importância da rebelião das massas para o sucesso do governo de Jair Bolsonaro.

Filipe Martins, assessor da intimidade presidencial, um ideólogo do bolsonarismo e de seu núcleo de agitação e propaganda, pregou no Twitter nove teses sobre a missão da "ala antiestablishment" do governo: derrubar a "oligarquia" atiçando as massas, por meio de pressão popular direta, o que substituiria a "velha política". Leia mais abaixo um resumo desse manifesto bolsonarista, também um grito de guerra dentro e fora do governo.

Nesta semana, ficaram mais graves os atritos entre o Supremo e os procuradores militantes; entre Congresso e Planalto. O líder lava-jatista, o ministro Sergio Moro (Justiça), chocou-se com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que, por sua vez, abdicou do posto de articulador-geral parlamentar de Bolsonaro.

Maia estava sendo flagelado pelas falanges de Bolsonaro nas redes insociáveis, caçado por ser um representante da "velha política" e, em última análise, por tentar reunir uma coalizão parlamentar de apoio ao governo ou, pelo menos, à reforma da Previdência.

Mas os remendos de coordenação política que havia se desmilinguiram na semana passada.

Para piorar, no Chile, Bolsonaro dissera que a governabilidade e acordos políticos baseados em divisão de poder (cargos) criam situações propícias à corrupção.

O presidente e o núcleo ideológico de seu governo estão afinados. Trata-se do grupo comandado por seus filhos Carlos e Eduardo, que puseram Filipe Martins no cargo de assessor de assuntos internacionais de Bolsonaro, todos eles muito ligados ao influenciador digital Olavo de Carvalho.

Essa "ala antiestablishment do governo", apelido dado pelo próprio Martins, disputa o comando do Itamaraty com os militares, procura dominar o Ministério da Educação e tentou controlar a Secretaria de Comunicação, que ocupa oficiosamente por meio de contas nas redes sociais. Acredita que o bolsonarismo é uma revolução nacional e popular; que seu instrumento é a democracia direta tuitada.

"Há uma tentativa" de isolar e difamar a "ala antiestablishment" do governo, tuitou Martins, na sexta-feira. O ataque a esse núcleo puro do bolsonarismo teria como objetivo "quebrar a mobilização popular" que elegeu Bolsonaro e o dispensou da aliança com os "donos do poder".

Esse movimento seria o combustível do sucesso do governo, a "única forma" de fazer reformas liberais, aprovar o pacote anticrime e preservar a Lava Jato, argumenta Martins.

A mobilização popular, por sua vez, depende da "agenda de ideias e valores da ala antiestablishment do governo". A cooperação com os oligarcas e a aceitação da velha política não seriam meios de "romper com o sistema patrimonialista que existe há 500 anos".

É preciso, pois, que as diferentes alas do governo se organizem de modo a reforçar a pressão popular ao ponto de que os integrantes do sistema político temam por sua sobrevivência política. "É necessário, em suma, mostrar que o povo manda", proclama Martins.

É um chamado para um levante virtual das falanges da ultradireita.

Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

"Não tem governo" - ELIANE CANTANHÊDE

O Estado de S.Paulo - 24/03


Rodrigo Maia: “É um governo vazio, sem ideia, sem proposta, sem articulação”


Mais uma semana infernal no Congresso, no Executivo, no Judiciário, no mercado e, muito especialmente, no twitter. Começou e terminou com o presidente Jair Bolsonaro ajustando as posições brasileiras às de Donald Trump, enquanto o Brasil pegava fogo. Mais um ex-presidente preso, o presidente da Câmara em pé de guerra e os filhos do presidente desgovernados nas redes sociais.

A maior vítima é a reforma da Previdência, que sofreu vários solavancos: críticas no Congresso à proposta dos militares, considerada mais branda do que para outras categorias; parlamentares do PSL comemorando a prisão de Michel Temer, maior nome do MDB; a queda de 15 pontos na popularidade de Bolsonaro no Ibope; a desarticulação do governo com sua base.

Nada, porém, foi tão nocivo às chances da reforma da Previdência quanto os ataques de bolsonaristas e até do governo ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que é, nada mais, nada menos, a peça principal para a aprovação da proposta no Congresso.

De pavio curto, como se sabe, Maia não gostou quando o ministro Sérgio Moro se reuniu com a “bancada da bala” e disse que iria insistir na tramitação do pacote anticrime o quanto antes. Maia, que tinha acertado com Bolsonaro dar prioridade à Previdência e deixar o pacote Moro para o segundo semestre, deu um pulo. E avisou que não falava com funcionários, só com o chefe. Ou seja, não falava com Moro, só com Bolsonaro.

O clima piorou quando Carlos Bolsonaro, o 02, usou a trincheira da internet para defender Moro e atacar o presidente da Câmara com insinuações. A coisa mudou de figura. E de patamar. Nesse meio tempo, Maia ameaçou não receber o projeto dos militares e abandonar a articulação da reforma, furioso com uns e outros. Inclusive os que usaram a prisão do padrasto da sua mulher, Moreira Franco, para atingi-lo.

Quando liguei para ele, Rodrigo Maia contra-atacou: “Não tem governo. É um governo vazio, que não tem ideia, proposta, articulação”. E continuou: “Para dissimular, criou esse confronto do bem contra o mal, do bonito contra o feio, do quente contra o frio. Eles são o bem, os bonitos, os quentes. E nós, os políticos, somos os maus, os feios. É só para manter a base ultraconservadora na internet”.

Bolsonaro sabe que a reforma da Previdência é questão de vida ou morte para o País e para o governo dele, mas finge que não queria, que não é com ele. “Ele tira o corpo fora e vende a imagem de que nós é que estamos obrigando o governo a fazer a reforma”, diz Maia.

Ainda na sexta-feira, o filho 01, senador Flávio Bolsonaro, tentou consertar o estrago (pelo twitter...) e elogiou o presidente da Câmara: “Assim como nós, ele está engajado em fazer o Brasil dar certo”. Maia devolveu o elogio, mas com ressalva: “O Flávio é bom, mas ele é do Parlamento, não do Executivo”.

É assim que o governo, em vez de aglutinar, vai dividindo, afastando, criando atritos, dificultando não só a reforma da Previdência como a sua própria vida. O 01 tem mais noção política e mais responsabilidade, mas o 02 e 0 03 precisam lembrar que Bolsonaro não governa para seus eleitores, muito menos para os eleitores genuínos (que votaram efetivamente nele, não contra o PT). Governa para todos.

O Planalto não pode correr o risco de perder o apoio de Maia, porque ele abriria uma longa fila de adversários, o DEM, o PSDB, o MDB, parte dos evangélicos do PRB e vai por aí afora. O que sobraria? O PSL, novo inexperiente e dividido?

O pior é que a culpa da guerra de guerrilhas na internet sempre cai sobre os filhos, mas Maia tem uma certeza: “É tudo patrocinado por ele”. Quem é ele? Jair Bolsonaro.

Bolsonaro e sua estranha diplomacia sem Estado - ROLF KUNTZ

O Estado de S.Paulo 24/03

Presidente, no Brasil, é chefe de governo e de Estado. Falta explicar os termos ao presidente



Depois de prestar vassalagem a seu ídolo e modelo Donald Trump, o presidente Jair Bolsonaro foi a Santiago com a anunciada intenção de enterrar a quase esquecida Unasul, uma irrelevante invenção bolivariana, e participar da criação de um bloco proposto pelo colega chileno Sebastián Piñera. Nenhuma das duas visitas tem relação clara com interesses de Estado. As duas foram motivadas por objetivos ideológicos e até religiosos, sem conexão com os atributos essenciais da entidade conhecida como República Federativa do Brasil. Essa entidade é laica e sua Constituição garante, além da “livre manifestação do pensamento”, a “liberdade de consciência e de crença”. É uma aberração, portanto, a ideia de uma diplomacia cristã, proclamada pelo embaixador Ernesto Araújo, ocupante formal do posto de ministro de Relações Exteriores. Na tradição do Itamaraty, violada algumas vezes no passado e simplesmente ignorada no atual governo, a diplomacia se faz em nome do Estado.

O chanceler e seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro, estão muito longe dessa tradição. Isso foi comprovado de forma indisfarçável na visita presidencial a Washington. Na Casa Branca ele falou de um Brasil engajado com os Estados Unidos. Não falou de afinidades ou simplesmente de interesses comuns, mas de engajamento, numa condição de clara subordinação. Além disso, a afinidade, se fosse mencionada, seria entre países ou ente governantes? A hipótese correta, nesse caso, é a segunda.

O presidente brasileiro confunde a relação entre ele e Trump com a relação entre os dois Estados soberanos ou mesmo entre os povos do Brasil e dos Estados Unidos. O presidente Trump nem sequer teve a maioria dos votos populares. Perdedor nesses votos, ele foi escolhido por um colégio eleitoral constituído a partir de resultados obtidos em diferentes Estados, como determina a regra eleitoral americana.

O presidente brasileiro parece desconhecer esses dados ou menosprezá-los. Em sua visão, os valores trumpianos devem representar os da verdadeira cultura americana, embora ele mesmo, Bolsonaro, nem se expresse dessa maneira. Longe dessas e de outras distinções, ele ignorou sua posição de autoridade estrangeira ao defender a construção de um muro na fronteira com o México e as ideias de Trump sobre imigração – temas de disputa entre americanos.

Como se isso fosse pouco, ainda afirmou, depois da reunião na Casa Branca, acreditar “piamente” na reeleição do presidente Trump. Um de seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro, mais poderoso que o chanceler Araújo, havia posado para fotos, alguns meses antes, com um boné de campanha do presidente americano. Acompanhando o pai em Santiago, esse filho profetizou ser necessário o uso da força para afastar o ditador venezuelano Nicolás Maduro. Em Washington, Bolsonaro pai evitou dizer, depois da conversa com Trump, se apoiará ou deixará de apoiar uma intervenção armada na Venezuela. Quem discordar da palavra vassalagem pode substituí-la por algum termo talvez mais preciso. Mais difícil será mudar os fatos e a história da visita a Washington.

A mesma preocupação essencialmente ideológica e religiosa marcou a ida a Santiago. O próprio Bolsonaro reconheceu estar morta há muito tempo a Unasul (União de Nações Sul-Americanas), símbolo irrelevante do bolivarianismo e da diplomacia chavista, apoiada pelo brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Mas como poderia deixar de mencionar essa experiência fracassada e inócua?

Para Bolsonaro, o Prosul (Foro para o Desenvolvimento e Progresso da América do Sul), associação proposta pelo presidente chileno, Sebastián Piñera, deverá promover “democracia, liberdade e prosperidade”. O próprio Piñera usa linguagem mais cautelosa, nega o objetivo de substituir ideologicamente a Unasul e fala de um “foro de diálogo, de encontro e de colaboração”, desenhado para valorizar “a integração e o desenvolvimento de todos”.

Os objetivos e formas de operação do Prosul ainda são pouco claros. Além disso, a integração sul-americana mal começou. As experiências mais bem-sucedidas, até agora, são as de associação com fins econômicos. A Aladi abriu caminho para a constituição do Mercosul e, mais tarde, da Comunidade Andina e da Aliança do Pacífico, fundada por Chile, Colômbia, Peru e México. O Mercosul começou bem, mas encalhou por causa da aliança desastrosa entre o kirchnerismo e o lulismo.

Os presidentes Mauricio Macri, da Argentina, e Michel Temer, do Brasil, ensaiaram um esforço de reparação e de recuperação do bloco, mas pouco avançaram. O governo Bolsonaro nunca mostrou interesse em continuar esse trabalho. Ao contrário, tem tratado o Mercosul como irrelevante e isso foi comprovado, mais uma vez, pela programação das duas primeiras viagens do presidente brasileiro ao exterior.

Os interesses particulares e ideológicos do kirchnerismo e do lulismo quase liquidaram o Mercosul. Governantes mais pragmáticos, mais competentes e mais comprometidos com interesses de Estado poderiam reanimar esse bloco e iniciar outros esforços de integração regional – entendidos, de preferência, como criação de condições para uma inserção global eficiente e competitiva. Nenhum governo pode esgotar esse tipo de tarefa. Empreendimentos desse tipo envolvem compromissos de Estado, mantidos acima das mudanças de governos e partidos.

No caso do Brasil, o avanço nessa direção dependeria de uma recuperação da tradição diplomática. Seria preciso restabelecer a diplomacia como atividade de Estado. Isso dificilmente será feito enquanto o presidente for incapaz de distinguir os valores e objetivos de grupos e de partidos dos valores e interesses da República.

Num regime como o brasileiro, o chefe de governo é também chefe de Estado. O presidente Bolsonaro tem mostrado escasso conhecimento e quase nenhum preparo para qualquer das duas funções típicas da Presidência. Se essa é a condição do chefe, como esperar uma diplomacia exercida em nome de interesses de Estado?

A janela pode se fechar - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 24/03

Planalto parece dar um passo para a frente e dois para trás


Quem sabe o susto imenso da última semana não ajude a evitar o desastre?

A expectativa de que o país conseguiria encaminhar uma agenda de reformas para interromper a degradação das contas públicas e evitar a volta da recessão foi solapada por uma proposta inoportuna e conflitos disfuncionais.

Em meio às negociações sobre a reforma da Previdência, o governo enviou ao Congresso uma proposta para as carreiras dos militares que procura corrigir distorções acumuladas por mais de uma década.

Difícil imaginar momento mais inadequado. Afinal, a Câmara começava a discussão sobre a nova Previdência, que reduz benefícios de servidores públicos e aumenta o tempo de contribuição dos trabalhadores formais do setor privado.

No debate público, as percepções são tão relevantes quanto os fatos. É verdade que os salários dos militares estão defasados em comparação com outras carreiras do setor público. Também é verdade que o atual governo congrega militares nos principais cargos como não se via desde os anos 1980.

Qualquer aprendiz de político poderia antecipar que a proposta seria mal recebida. O governo parece conceder benefícios para as tropas enquanto propõe sacrifícios para os demais. Não é bem assim, mas o protagonismo na política pública cobra seu preço.

Quem lidera um país deve dar o exemplo. Se os militares querem estar à frente da política pública, então deveriam saber que têm de arcar com o ônus de não propor, neste momento, a recomposição de perdas de tantos anos.
Bolsonaro entrega proposta para Previdência dos militares

Como se não fosse suficiente, a nova política parece jogar o bebê fora junto com a água do banho. Certamente a corrupção é inaceitável.

No entanto, tratar o presidencialismo de coalizão como equivalente à corrupção é condenar a vida cotidiana por conta das suas possíveis patologias. Algo como proibir os automóveis pela existência de motoristas psicopatas.

A boa política, a negociação sobre a agenda do governo e a nomeação dos seus gestores, permite à sociedade mediar conflitos e construir soluções. Seu benefício colateral é impedir o desastre das guerras.

O Planalto parece estar em uma estranha dança de um passo para a frente e dois para trás. Faz gestos para negociar a reforma e, ao mesmo tempo, revela-se conivente com o desprezo pela boa política.

Sabemos que o presidente foi omisso sobre as reformas na campanha e tem um histórico de defender interesses corporativos com a virulência dos sindicalistas. Pois bem, agora lidera o governo e há um país que ameaça sangrar. Gestos de boa vontade e diálogo com a oposição são fundamentais para enfrentarmos os nossos graves desafios.

Há uma janela de oportunidade, mas ela pode se fechar.

Marcos Lisboa

Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.

Certa deterioração - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 24/03

Erros, desatinos e trepidações ameaçam cacife político do presidente e reformas


Sintomas de deterioração política em torno do presidente da República se avolumaram nos últimos dias. Erros e desatinos originados no Planalto e em sua vizinhança se somaram a litígios novos, ou redivivos, espocados em outros núcleos de poder da República, com efeitos secundários na governabilidade.

Enquadra-se nesse caso a prisão do ex-presidente Michel Temer (MDB), de fundamentação duvidosa. Há coincidências com a operação que, em maio de 2017, expôs a tenebrosa conversa entre o então presidente Temer e o empresário Joesley Batista —gravíssima, sem dúvida, mas tratada com visível açodamento pela Procuradoria.

À época, tal como agora, procuradores, policiais e magistrados —privilegiados por regimes salariais e de aposentadoria sob questionamento no Congresso— produziram um fato capaz de prejudicar o andamento da reforma da Previdência Social.

A diferença, desta vez, é que o corporativismo da elite do funcionalismo pode contar com a ajuda, aparentemente involuntária, do presidente da República.

Foi assinado por ele o projeto que pretende elevar a remuneração dos militares, generoso a ponto de praticamente esterilizar a poupança esperada com as novas regras propostas para as pensões.

A caixa de Pandora dos pedidos de equiparação, da parte de outras categorias que se consideram especiais e merecedoras de aumento salarial ou proteção na aposentadoria, está prestes a ser aberta. Assim começaram a morrer, no Brasil dos últimos 30 anos, muitas iniciativas para sanear as contas públicas e combater desigualdades.

O chamado bolsonarismo, no entanto, vai muito além nas suas atitudes estúpidas, que costumam percorrer um trajeto mais ou menos curto até se voltarem contra os interesses do próprio presidente.

É o caso de provocações baratas contra o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o mais efetivo defensor das reformas orçamentárias entre os chefes de Poder.

Diante do deserto que se descortina na capacidade de articulação parlamentar do Executivo, alvejar Maia só reduz as chances de sucesso no Legislativo dessa agenda crucial para o futuro do país e para o sucesso político de Bolsonaro.

O custo de colocar panos quentes, como fez o círculo presidencial após perceber o estrago, sempre supera o de controlar a máquina de dizer e fazer bobagens a seu redor.

O presidencialismo brasileiro funciona mal quando o chefe do Executivo é uma fonte de incertezas. As grandes tacadas da administração, como é a Previdência para Bolsonaro, não andam sem grande dedicação pessoal do mandatário.

Isso porque todos sabem que é dele o maior triunfo nas vitórias, assim como é ele quem arca com o preço mais elevado nas derrotas.

FUJA DO FINAL FELIZ - GUILHERME FIÚZA

GAZETA DO POVO - PR - 24/03

"O Brasil despencou no ranking de felicidade da ONU. Encontra-se agora 16 posições abaixo da que estava quando Dilma Rousseff ainda era presidente. A felicidade da ONU é para os fortes.

Deve estar aí a explicação para o fato de que Dilma, a feliz testa de ferro do maior assalto da história, continua solta por aí. Só pode ser a proteção invisível do escudo inexpugnável da felicidade. Desde que ela foi deposta, o bom observador notou a escalada da tristeza nacional refletida nos olhos marejados da ONU – especialmente enquanto a entidade soltava, por meio daqueles seus diligentes subcomitês, os alertas internacionais “Lula livre”.

É muito triste mesmo você usar a sua milionária máquina burocrática em favor de um ladrão simpático – e absolutamente honesto – para, no final das contas, constatar que ele continua vendo o sol nascer quadrado. O novo relatório da ONU deveria trazer na capa uma epígrafe sintetizando a filosofia da esperança que nunca morre: “A chave da felicidade está logo ali, na mão do carcereiro”.

Faltou a epígrafe, mas o Brasil não tem do que se queixar em relação a essa organização amiga dos amigos, companheira dos companheiros. A ONU fez tudo que estava ao seu alcance para ver os brasileiros felizes – particularmente aquele mesmo ladrão simpático, picareta do coração, que quando ainda não estava em situação de xadrez andou se encontrando por aí com uns ovos voadores muito mal-educados.

Foi quando Dilma, a nossa última musa da felicidade, alertou a ONU com uma sagacidade quase profética: o ônibus do Lula ia passar por uma área perigosa do Paraná e ela estava preocupada com o que poderia acontecer… Vejam o que é a intuição de uma mulher sapiens. Não deu outra: em lugar dos ovos, tiros atingiram um ônibus da caravana petista – não o que levava o ex-presidente, por coincidência – e mesmo ninguém sabendo dizer onde, quando, por que ou como aquilo aconteceu, a ONU avisou ao mundo, praticamente em tempo real, que tentaram matar o Lula.

O atentado mais misterioso da história, sem uma única testemunha, virou manchete no mundo inteiro como uma ameaça à democracia brasileira em ano de eleição presidencial. No centro de tudo, a vítima das vítimas, o pobre milionário mais querido do planeta, o filho do Brasil e enteado da ONU que queria ser candidato para não ser preso. Cada um com seu projeto de felicidade.

Durante a eleição, um dos adversários do PT, mais especificamente o candidato que liderava as pesquisas, foi esfaqueado em praça pública. Dessa vez, a testemunha do atentado era todo mundo – dava até para ver a lâmina entrando e saindo da barriga por vários ângulos. Mas a tentativa de assassinato deve ter coincidido com o dia de folga da ONU: ela só foi se manifestar sobre o assunto umas 24 horas depois, dizendo basicamente que aquilo não se faz (poderia pelo menos ter explicado que lugar de faca é na cozinha, mesmo que isso não esteja previsto na Convenção de Genebra).

Estardalhaço em tempo real não é para qualquer um – só com amor de mãe e aviso da Dilma, a musa da felicidade.

Vale dizer, a propósito, que depois do impeachment a ONU virou uma espécie de testemunha ocular da infelicidade brasileira. Reforma trabalhista acabando com a mamata dos sindicatos? Não interessa. Segundo a ONU, um golpe elitista e autoritário nos direitos do trabalhador. Medida de controle fiscal para acabar com a orgia contábil do PT? Nada disso: segundo a ONU, a PEC do Fim do Mundo ia deixar crianças com fome nas escolas da periferia.

Como não amar uma entidade dessas, tão dedicada a cuidar incondicionalmente da felicidade dos seus pilantras de estimação? O que mais pode desejar um povo do que ser roubado por gente com boas conexões em Nova York, onde não se perde a ternura jamais?

O que terminou de azedar a situação do Brasil no ranking foi a retirada do apoio ao ditador gente boa da Venezuela (cujo massacre a ONU nunca viu mais gordo) e a turnê fracassada de um exilado profissional do PSOL – estrela cadente da agência internacional de felicidade.

Se os brasileiros fizerem a reforma da Previdência e tirarem suas contas do buraco, provavelmente serão diagnosticados no ranking da ONU com depressão profunda. O jeito é continuar fugindo do final feliz."

Só ‘vontade de Deus’ não basta - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 24/03

Cada dia que passa é um dia a menos que o governo tem para articular sua base com vista a aprovar a reforma da Previdência



Cada dia que passa é um dia a menos que o governo tem para articular sua base com vista a aprovar a reforma da Previdência, mas o Palácio do Planalto e seus operadores políticos parecem longe de compreender a urgência do problema. As advertências de deputados e senadores ao governo deixaram de ser apenas murmuradas e passaram a frequentar discursos e entrevistas em que as queixas são expostas de maneira explícita. Hoje parece haver um consenso segundo o qual o presidente Jair Bolsonaro precisa mudar o modo como negocia o apoio para a reforma, sob o risco, cada vez mais concreto, de ser derrotado.

A questão central é que os parlamentares que apoiam a reforma e se dispõem a liderar o esforço por sua aprovação estão cada vez mais descontentes com o fato de que o próprio Bolsonaro não se apresenta para defender com vigor a proposta. Não são poucos os que temem arcar sozinhos com o ônus político da reforma enquanto o presidente hesita ante a natural impopularidade do tema – quinta-feira passada, por exemplo, Bolsonaro disse que, “no fundo, não gostaria de fazer a reforma da Previdência”, embora reconheça que seja necessária.

O fato é que Bolsonaro parece raciocinar ainda como deputado, condição que o tornaria mais suscetível à pressão de suas bases, e não como presidente, que deve governar para o conjunto da sociedade, com coragem para tomar medidas que podem eventualmente desagradar a seus eleitores.

A julgar pela desorganização de sua articulação política – até mesmo um dos filhos do presidente, o vereador carioca Carlos Bolsonaro, diz ter sido designado para fazer contatos com deputados em nome do pai –, soa otimista a previsão oficial de que a reforma da Previdência possa ser votada ainda no primeiro semestre e de que faltariam pouco menos de 50 votos para aprová-la, como disse o ministro da Economia, Paulo Guedes.

O governo dá a impressão de apostar que Bolsonaro, por ter sido eleito pela “vontade de Deus”, como disse na recente visita aos Estados Unidos, aprovará no Congresso todas as pautas de seu interesse sem necessidade de negociação. Não é o que pensam, contudo, os principais parlamentares empenhados na aprovação da reforma. Para esses políticos, só a “vontade de Deus” não basta quando se trata de convencer três quintos da Câmara a aprovar uma emenda constitucional, especialmente a que endurecerá as regras para a aposentadoria.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, por exemplo, alertou que a Casa “não tem 320 liberais” e que será preciso convencer até 280 deputados que não foram eleitos com a agenda da reforma da Previdência.

Se já não seria tarefa simples mesmo para experimentados articuladores, essa empreitada tende a ser muito mais complicada se o governo não se dispõe a fazer política. Até deputados da chamada bancada evangélica têm reclamado da falta de diálogo. Ademais, quando o presidente da República se reúne com parlamentares para ouvir reivindicações com vista a obter apoio à reforma e em seguida vai às redes sociais se queixar de que “a velha política” está “querendo nos puxar para fazer o que eles faziam antes”, manda uma mensagem ambígua sobre sua disposição para negociar.

Ao dar a entender que todas as demandas dos parlamentares são fisiológicas, o presidente colabora para criar um clima de fricção com o Congresso. Não surpreenderá se alguns dos parlamentares que hoje colaboram abertamente com o governo para costurar apoio à reforma da Previdência passarem a ficar reticentes, à espera de um suporte mais explícito do presidente. O próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ameaça abandonar a articulação se continuar sob ataque das milícias virtuais bolsonaristas e dos filhos de Bolsonaro, sob o olhar complacente do pai.

Não basta a Bolsonaro dizer que a aprovação da reforma da Previdência vai acontecer só porque seu governo adotou “uma maneira diferente de negociar”, em que “o sentimento patriótico e a busca do consenso são fundamentais”, como escreveu em artigo publicado no jornal Valor. Como deveria saber qualquer iniciante na vida política, apelos patrióticos podem até animar eleitores e militantes, mas não costumam ser suficientes para arregimentar apoio no Congresso, ainda mais quando o presidente da República pede votos a favor, mas age como se fosse contra.