segunda-feira, abril 14, 2014

Nôach - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 14/04

Os eleitos de Deus só têm problemas; a solidão os assola, o sofrimento os persegue

O Deus de Israel não gosta de covardes. Homem, mulher, criança, todos são chamados à coragem, à dor e a tomar decisões difíceis.

Noé (Nôach), foi um desses heróis. Erich Auerbach, no seu "Mímesis", afirma que Deus testa seus heróis e heroínas, levando-os ao limite do insuportável, para que, sobrevivendo ao teste, descubram por que foram eleitos. Deus funda, assim, a ideia de autoconhecimento na literatura ocidental.

"E os que vieram, macho e fêmea, de toda criatura vieram, como Deus lhe havia ordenado; e o Eterno o fechou para protegê-lo. E foi o dilúvio quarenta dias sobre a terra, e multiplicaram-se as águas, e alcançaram a arca, e levantou-se de sobre a terra" (Gênesis, 7; 16-17, edição hebraica).

O filme "Noé", de Darren Aronofsky, é sobre eleição. "Eleição" é um conceito, muitas vezes, pouco compreendido pelo mundo contemporâneo, maníaco por felicidade "projetos do self" e sucesso.

Os eleitos pelo Deus de Israel só têm problemas; a solidão os assola, o medo e o sofrimento os persegue. Erich Auerbach entende muito mais de "eleição" na literatura israelita do que muito rabino, pastor e padre por aí, obcecados por vender autoajuda espiritual. "Dificilmente, um deles não sofre, como Adão, a mais profunda humilhação...", afirma Auerbach.

O diretor do filme, faz licenças poéticas, e algumas delas (não tenho como saber o quão consciente ele estava quando as fez) muito sofisticadas, levando em conta a "dramaturgia" do Velho Testamento, como falam os cristãos quando se referem à Bíblia hebraica.

Uma delas, muito pontual, é o uso da pequena tira de couro que o pai de Noé, e depois o próprio, enrola no braço: uma referência direta ao "tefilin" (filactério). A palavra hebraica tem sua raiz em "tefilá", que significa prece. Hoje, ela "virou" um cordão de couro ligado a duas caixinhas que o judeu amarra daquele jeito e também na cabeça (é bem maior do que mostra o filme).

Uma das preces ali contidas é o famoso "Shemá Israel", a qual lembra aos judeus que Deus é um só: "Shemá Israel, Adonai eloheinu, Adonai echad" (Ouve Israel, Adonai é nosso D'us, Adonai é Um"), na tradução feita pelo movimento religioso judaico Chabab.

Outra liberdade de roteiro está na longa discussão acerca das mulheres e da infertilidade da personagem que casará com Sem, filho mais velho de Noé. Na narrativa bíblica sobre o dilúvio não existe esta controvérsia que domina o filme. Sem, Cam e Jafé, filhos de Noé, já entram na arca com suas mulheres.

Mas, se para o homem bíblico o drama é o coração reto que serve a Deus, para a mulher, o drama é a fertilidade. Muitos criticam esse enfoque porque entendem que o homem tem um drama moral acerca da liberdade da vontade (tema muito bem trabalhado no filme) e a mulher tem um drama "fisiológico", portanto, alheio à liberdade.

Mas, ao enfrentar o mal da infertilidade e ao ser objeto de milagre (como no filme e em vários casos na Bíblia), a mulher revela sua vocação de ser a (desesperada) terra (in)fértil onde Deus deixa sua marca.

O medo da infertilidade no mundo semítico antigo acompanha muitas heroínas, como Sara, mulher de Abraão, e Rachel, mulher preferida de Jacó (mais tarde, chamado Israel, pai das 12 tribos).

O profeta Isaías, 54:1-55:5, compara as agonias e posteriores alegrias da mulher infértil (ou desamparada ou solitária) às águas de Noé: "Canta, ó estéril que não deste à luz; rompe em cânticos, e clama com alegria, tu que não tiveste dores de parto; porque mais serão os filhos da mulher solitária do que os da casada, diz o Eterno".

Adiante, o profeta compara a promessa de Deus a Noé, de que não mais lançará águas sobre a face da terra, com a promessa feita à infeliz de que Ele não terá mais ira contra sua revolta nem a repreenderá.

Sabe-se que Deus escolhe Rachel como a que "amolece" Seu coração, quando Ele fica irritado com o povo israelita. Está aí o mistério da dor feminina que encanta até o Eterno.

Quando você ouvir alguém dizer que a Bíblia é um livro bobo, saiba que você está diante de um ignorante. Boa semana.

Gasto público e cultura nacional - FABIO GIAMBIAGI

O GLOBO - 14/04

Quase todos são contra a ‘gastança’, mas muita gente acha natural se aposentar perto dos 50, ter amigo que ‘arrumou um cargo no governo’ ou ter um primo ‘encostado no INSS’


Há algo de errado com o Brasil. Eduardo Giannetti, que há alguns anos me honrou escrevendo a “orelha” de um dos meus livros, utilizou nela a expressão “Leviatã anêmico” para se referir ao Estado brasileiro. Trata-se de uma síntese feliz da situação do Governo em nosso país. Não o Governo FH, Lula ou Dilma Rousseff, e sim o Governo como instituição. De fato, ainda no ensino médio, o aluno e futuro cidadão aprende as funções de cada um dos Três Poderes, seguindo as boas normas do que recomenda a teoria, mas quando já adulto observa e avalia o mundo em que ele se encontra imerso, descobre que na vida real, no Brasil, o Executivo não executa, o Legislativo não legisla e a Justiça não julga. A falta de funcionalidade do Estado brasileiro pode ser sintetizada nessa única frase. E, não obstante, o contribuinte tem gastado cada vez mais recursos para sustentar esse Estado.

Vamos aos números: em 1991 — primeiro ano para o qual se dispõe de estatísticas fiscais arrumadas com os conceitos e a desagregação atuais — o governo federal gastava 13,7 % do PIB com as chamadas “despesas primárias”, ou seja, o gasto público exceto os juros da dívida. Em 2013, isso chegou a 22,8 % do PIB. Em 22 anos, tivemos uma expansão da despesa, como proporção do PIB, de nada menos que 9,1 % do PIB — ou 0,41 % do PIB a mais a cada ano. O Brasil está na pole position do expansionismo fiscal mundial. Ao mesmo tempo, permitimos aberrações como as seguintes, apenas para citar três das mais flagrantes dentre elas:

- Em 2003, a taxa de desemprego foi de 12,3 % e, em 2013, de 5,4 %. Não obstante isso, a despesa real com seguro-desemprego no Brasil teve um aumento real no período de inacreditáveis 158%. Que o governo se vanglorie de, supostamente, melhorar a gestão pública, quando esse disparate continua acontecendo, seria motivo de riso — se não fosse razão, como diria Nelson Rodrigues, para “chorar lágrimas de esguicho” pelo desperdício de recursos públicos. E não se faz nada;

- A despesa com benefícios previdenciários e assistenciais de um salário-mínimo, entre 1997 e 2013, passou de 1,4 % para 3,7 % do PIB, supostamente para combater a miséria, quando pelos dados da PNAD, de cada cem aposentados e pensionistas que recebem exatamente um salário-mínimo, apenas 1 (leu corretamente, leitor, eu não disse 10: disse 1) encontra-se entre os 10% mais pobres da população, onde se concentra a extrema pobreza. O aumento dos benefícios de um salário-mínimo é, de longe, o programa de combate à pobreza mais ineficiente do mundo. E ninguém fala nada;

- No Brasil, as mulheres se aposentam pelo INSS por tempo de contribuição, em média, com 52 anos, algo que deixa atônito qualquer observador externo que se debruce sobre nossa Previdência Social, benefício esse que em 1994 — ano do Plano Real — afetava 300 mil pessoas e que hoje é usufruído por mais de 1,5 milhão de pessoas. E la nave va, no país do carnaval.

O governo se mete em tudo e, como raras vezes atua bem, justifica a frase do sempre sarcástico Delfim Netto, que ferinamente costuma lembrar que, “se o governo compra um circo, o anão começa a crescer”. O fato é que o governo só faz aumentar e, entretanto, qualquer que seja a função pública ligada a algum serviço que cabe ao Estado prestar, as razões para insatisfação do cidadão comum são óbvias: a nossa educação é precária; a saúde é sempre “top” em todas as avaliações da opinião pública acerca das queixas da população; o cidadão se sente inseguro ao sair na rua etc.

É preciso repensar o Estado brasileiro. Um dos problemas é que a demanda por mais gasto público é parte da cultura nacional. Quase todos os brasileiros são contra a “gastança”, mas muita gente acha natural se aposentar perto dos 50 anos, ter um amigo que “arrumou um cargo no Governo” ou ter um primo “encostado no INSS”. É necessário que esse tema entre na agenda nacional. O ponto de partida é criticar esse processo. Para isso, nossa oposição faria bem em lembrar a velha frase do ex-ministro Gustavo Capanema, de que “pouco importa que a oposição não tenha fundamento ou seja injusta; importante mesmo é que ela ponha o Governo em apuros”. Está na hora de alguém questionar seriamente esse processo contínuo de aumento do gasto público.

Livro de Tiradentes - PAULO GUEDES

O GLOBO - 14/04
O excesso de impostos deflagrou a bem-sucedida rebelião das colônias americanas e inspirou a malograda conspiração mineira
"Esta é a história de um livro. É a história de uma malograda rebelião republicana e anticolonialista em Minas Gerais. É a história de como os conspiradores de Minas se inspiraram na bem-sucedida guerra de independência americana contra a Grã-Bretanha e nos primeiros documentos constitucionais dos Estados Unidos da América. É a história do fracasso da tentativa, por parte dos conspiradores, de acabar com o domínio português no Brasil. É uma história da complexa interação transatlântica entre representantes intelectuais do Brasil, da América do Norte e da Europa entre 1776 e 1792", registra Kenneth Maxwell na introdução de "O livro de Tiradentes: transmissão atlântica de ideias políticas no século XVIII" (2013).
"Os conspiradores viram a bem-sucedida revolução americana e os textos constitucionais americanos como modelos do que eles queriam realizar no Brasil. Foi essa conexão que enervou as autoridade portuguesas quando essa conspiração foi descoberta em 1789", prossegue Maxwell. Como relata, pouco antes de ser preso, em 10 de maio de 1789 no Rio de Janeiro, ciente de que estava sendo seguido, Tiradentes entregou a um portador seu exemplar de uma coletânea das leis constitutivas das colônias inglesas confederadas sob a denominação de Estados Unidos da América Setentrional, tendo como anexos os atos de independência da confederação, o recenseamento das 13 colônias e as constituições de seis dessas colônias. Foi esse exemplar, publicado com a ajuda do governo francês e dedicado a promover as experiências constitucionais americanas na Europa, que se tornou conhecido como "O livro de Tiradentes".

Um tema central, que ainda assombra a economia brasileira contemporânea, era o excesso de impostos. "Os conspiradores de Minas reconheciam a pertinência e a importância da revolução americana porque consideravam os impostos que Portugal lhes cobrava semelhantes aos que os britânicos tentavam impor a suas colônias na América. A quinta parte da produção de ouro era devida à Coroa." Joaquim Silvério dos Reis, acusado de "doloso, fraudulento e falsificador" pela "Junta da Fazenda" de Minas, "um dos maiores contratadores e também um dos mais endividados, resolveu livrar-se de suas dívidas denunciando a conspiração da qual fora um dos líderes", fulmina Maxwell.


Intervencionismo obstrui o crescimento - RAUL VELLOSO

O GLOBO - 14/04

Política econômica praticada nos últimos tempos perdeu funcionalidade


A tentativa de impor tarifas artificialmente baixas e o excesso de interferência estatal vêm provocando um preocupante desequilíbrio entre oferta e demanda no mercado de energia elétrica. Daí até o pibinho é apenas um passo, agravando a difícil situação em que nos encontramos há quase três anos e meio. Breve disponibilizarei em minha página eletrônica (raulvelloso.com.br) livro sobre a crise, que vou apresentar no dia 12 de maio, no Fórum Nacional, abordando uma das principais facetas do modelo intervencionista em vigor no Brasil.

Há cerca de um ano e meio, seduzido pela possibilidade de pôr em prática uma redução média de 20% na tarifa paga pelo consumidor final no mercado regulado, o governo ofereceu às usinas hidrelétricas a renovação antecipada de suas concessões, em troca de uma redução média de 70% em seus preços. A presunção era que, tratando-se de usinas mais antigas, as despesas de capital já estariam praticamente amortizadas, mas da teoria à prática há uma grande distância.

Diante de condições consideradas inaceitáveis, três concessionárias de peso decidiram recusar a proposta. Além disso, alguns empreendimentos que deveriam estar gerando energia desde 2012 nunca saíram do papel. Some-se também a falta de chuvas em 2013, que levou à necessidade de acionar geradoras de origem térmica, provocando significativo aumento de custos. Para cobrir o buraco resultante, o governo teria emprestado, em 2013, cerca de R$ 10 bilhões às distribuidoras, segundo a consultoria PSR, a serem pagos pelo consumidor em cinco anos, a partir de 2014. Só que o início do pagamento dessa fatura foi adiado para 2015, provavelmente pelo temor de desgaste político num ano de eleições.

Para completar o quadro, ao fim de 2013, as distribuidoras teriam de recontratar energia em função do vencimento de contratos firmados em 2004. Tratava-se, pois, de um problema com data certa para ser resolvido. No entanto, o governo não conseguiu viabilizar leilões em quantidade suficiente para garantir a recontratação da energia vincenda. A consequência foi a expressiva descontratação de 3.700 MW de energia, que as distribuidoras tiveram (e ainda têm) de ir buscar no mercado spot diariamente, a um custo que, atualmente, é de R$ 822/MWh, muito acima dos cerca de R$ 100 que vigiam nos contratos.

É óbvio que as distribuidoras não têm condições de suportar essa dupla adversidade — falta de contratos de energia para suprir seu mercado e preço spot nas alturas. Ou seja, o governo deixou de atacar o cerne do problema, permitindo um reajuste realista de tarifas, para buscar soluções heterodoxas, que não só não resolvem o problema (exceto no curtíssimo prazo) como o amplificam.

A ideia “criativa” divulgada mais recentemente consiste na formação de um pool de bancos públicos e privados para financiar o rombo das distribuidoras, hoje previsto em R$ 10,8 bilhões, mas que pode chegar, segundo consta, a R$ 25 bilhões. Na essência, essa proposta obriga os consumidores de energia a se endividarem, pagando juros que, mais cedo ou mais tarde, serão incorporados à conta de energia, a fim de evitar um desgaste inconveniente a um governo que busca freneticamente sua reeleição. Em adição, com a negativa do reajuste de tarifas de acordo com o aumento de custos, deixam de ser gerados os incentivos corretos para a indispensável redução da demanda no montante necessário para o reequilíbrio com a oferta, aumentando a probabilidade de um cenário com racionamento.

O fato é que as autoridades não parecem acreditar nas sinalizações que o sistema de preços proporciona, contrariando séculos de experiência e a consolidação do mercado como a melhor solução para reger as relações econômicas de qualquer país. Por isso, ou pela mera busca de ganhos eleitorais, as recentes intervenções no domínio econômico podem conduzir o Brasil a uma situação de permanente baixo crescimento. A verdade é que a política econômica praticada nos últimos tempos perdeu funcionalidade, fixando-se em tentar resolver problemas por ela mesma criados.

A lista não é exaustiva, mas, em vez de usar os tradicionais instrumentos da política monetária, o governo optou por controlar a inflação via preços administrados, como os da gasolina e da própria energia elétrica, deixando que a bomba estoure depois. Daí a brutal redução na capacidade de investimento da Petrobras, da Eletrobras e das demais empresas do setor elétrico, além da piora das expectativas dos agentes econômicos em relação à atuação da política monetária.

Em vez de reduzir o excesso de demanda doméstica para impedir a apreciação do câmbio real, o governo tenta garantir a competitividade de nossa indústria. Elege alguns setores para se beneficiarem de desonerações tributárias e de crédito subsidiado do BNDES, e assim contribui para deteriorar a situação fiscal e gerar incertezas na condução da política macroeconômica. Em vez de estabelecer uma política que estimule a formação de poupança doméstica, amplifica os programas de transferência de renda e estimula o crédito ao consumidor.

Crimeias brasileiras - RUBENS RICUPERO

GAZETA DO POVO - 14/04

As anexações do Uruguai, no começo do século 19, e a do Acre, 100 anos depois, inspiram reflexões talvez pertinentes à anacrônica incorporação da Crimeia pela Rússia. Os paralelos históricos mancam sempre de uma ou duas pernas, mas algo se pode extrair de analogias, ainda que imperfeitas.

A exploração oportunista de ocasião favorável é idêntica no caso uruguaio e da Crimeia. A diferença, essencial, residiu na pretensão luso-brasileira de absorver o povo da Cisplatina, de língua e cultura distintas. O resultado foi a desastrosa guerra contra a Argentina e a independência do Uruguai.

O Brasil abandonou de vez o objetivo português de expansão até o Rio da Prata. Contudo, o envolvimento nas querelas uruguaias acabaria por gerar as intervenções armadas que culminaram com a de 1864, causa imediata da Guerra do Paraguai, a mais mortífera da história sul-americana. O preço em sangue e dinheiro, ressentimento e atraso econômico se mostrou absolutamente desproporcional aos objetivos originais.

O Acre se presta melhor à comparação. Embora pertencente à Bolívia, sua população era quase exclusivamente brasileira, mais até que a russa, que partilha a Crimeia com minorias significativas de outras nacionalidades. Dizia-se no passado que ele havia sido o nosso Texas: rebelião vitoriosa contra o governo nominalmente soberano e, em seguida, anexação ao vizinho de onde provinha a população revoltada.

Nesse ponto termina o paralelo. No Texas, a anexação provocou a guerra mexicano-americana (1846-1848), com perda de mais de um terço do território do México para os EUA. No Acre, sem guerra, negociou-se até conseguir, pelo Tratado de Petrópolis (1903), a transferência do território ao Brasil mediante compensações financeiras (o equivalente hoje a cerca de US$ 250 milhões), concessões territoriais menores e compromisso de construção da Ferrovia Madeira-Mamoré e outras facilidades.

Ao rejeitar como “conquista disfarçada” a anexação pura e simples, o barão do Rio Branco considerou-a como “procedimento em contraste com a lealdade que o governo brasileiro nunca deixou de guardar (...) com as outras nações (...) aventura perigosa, sem precedentes na nossa história diplomática”.

Preferia “transigir que ir à guerra”, pois “o recurso à guerra é sempre desgraçado”. Acreditava que “as combinações em que nenhuma das partes perde e, mais ainda, aquelas em que todas ganham serão sempre as melhores”.

É óbvio que a Bolívia só cedeu devido à vitoriosa rebelião dos habitantes e ao uso pelo Brasil de meios legítimos de poder, isto é, sem imposição da guerra e mediante compensações relativas. Pode parecer pouco, mas em diplomacia essa diferença com a Crimeia é incomensurável.

Do Uruguai ao Acre, o Brasil aprendeu e evoluiu. A Rússia continua refém da tradição imperial que presidiu à conquista de seu território. Dentro dele há mais de cem povos diferentes, alguns em franca revolta, como os do Cáucaso, aos quais não pode oferecer a autodeterminação que exigiu para a Crimeia. Ocupamos nos Brics as duas primeiras letras; fora disso, nossas tradições diplomáticas são antípodas.

A crise do circo - RENATO JANINE RIBEIRO

Valor Econômico - 14/04/2014

#naovaitercopa pegou fogo no país do futebol


Pão e circo, diziam os romanos. Talvez esteja aí a essência da política, em todos os tempos. Por um lado, proporcionar ganhos materiais - pelo menos, a sobrevivência. Por outro, inventar fantasias, desejos, essa esfera da vida que não é objetiva, que não se mede, mas compete em importância com o interesse econômico. As pessoas não são loucas, não votarão sistematicamente contra suas vantagens. Por isso, quem quer arrochá-las sempre busca um pretexto, um tema nacionalista, religioso ou moralista. Aqui entra o circo, geralmente alegre, até exultante, mas às vezes sinistro. Quase tudo o que apela à imaginação humana pode dar em circo.

Lula pensou coroar três mandatos sucessivos do PT, marcados pela inclusão social em larga escala, inicialmente denominada "Fome Zero," com duas enormes festas, a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Sem maldade nenhuma: depois do pão, o circo. Depois da fome saciada, a festa.

Deu errado. Deu? Ninguém poderia imaginar, um ano atrás, que a hashtag #naovaitercopa pegasse fogo no país do futebol. OK, até penso que a maioria dos brasileiros prefira os jogos da Copa às manifestações. Pode ser que estas últimas estejam sendo superdimensionadas. Mas mesmo assim é triste a esquerda (ou centro-esquerda, como considero mais exato) reagir aos gritos nas ruas evocando os que falam mais em jogos do que em política - os que ficam em casa, os que não soltam a voz, os que veem TV, em vez dos que protestam. "Maioria silenciosa" sempre foi um termo de direita, convém mal à esquerda.

A expressão "pão e circo" costuma ter sentido pejorativo. Entende-se: numa certa altura da história de Roma, quando a grande cidade já dominava praticamente todo o Mediterrâneo, a cidade - ou melhor, seus ricos, os patrícios, os que mandavam - dispôs de recursos para aplacar uma plebe que, no passado, várias vezes ameaçara sua dominação. Isso se obtinha distribuindo-se comida (o "pão") e promovendo-se espetáculos, entre os quais lutas de gladiadores. Aqui está a essência do populismo, que seus atuais críticos conservadores esquecem: ele é uma forma de privar o povo, os pobres, do poder que desejaria ter. O populismo é conservador. Chavez, Lula ou mesmo Vargas não são populistas no sentido de dar pão e circo no lugar de uma coisa maior - porque eles efetivamente melhoraram a condição dos pobres. Já em Roma, distribuir pão e circo foi um meio de não fazer a reforma agrária e de preservar o poder em mãos das velhas classes dominantes.

A rigor, não há sociedade política sem pão e sem circo, sem a satisfação material e a midiática - que substituiu, faz tempo, a espiritual, a tal ponto que várias religiões hoje são tributárias da mídia. Em princípio, é positivo que se preste maior atenção ao pão, porque ele diz respeito ao real interesse das pessoas. Cinquenta ou cem anos atrás, teríamos pregadores dizendo que não, que deveríamos priorizar a alma; hoje, esse tipo de discurso, nas democracias, só tem sucesso nas regiões culturalmente atrasadas dos Estados Unidos. Bill Clinton falava de pão quando adotou o mote "É a economia, estúpido!" Já seu sucessor, o segundo Bush, fez das guerras com os muçulmanos o seu circo, rapidamente perdendo o capital de simpatia obtido com o 11 de setembro.

Não é fácil dizer onde está o interesse real das pessoas, onde estará o seu pão, com os "upgrades" que pode ter numa sociedade desenvolvida. Políticas sociais, que a esquerda aplaude, a direita contesta. O circo também nem sempre é fácil. Até porque em nossa sociedade ambos, pão e circo, foram privatizados. A renda da maioria hoje vem da economia privada - ainda que os governos, com suas políticas, cumpram o papel crucial de estimular ou travar a economia. Já o circo pertence à mídia. O Big Brother, que recém terminou sua 14ª edição anual, é o exemplo mais escarrado. Mas ele embota o sentido crítico das pessoas? Atende a interesses políticos? Favorece a dominação?

As pessoas cultas dirão sim à primeira pergunta, independentemente de sua preferência partidária, mas se dividirão nas outras. Para a esquerda, reduzir o senso crítico da maioria favorece o controle da sociedade pelas classes proprietárias. Já os liberais não verão assim. Mas provavelmente enxergarão a Copa do Mundo como o grande circo do PT e, por isso, só por isso, não porque torçam contra a seleção canarinho, não verterão lágrimas se o circo não for um sucesso de audiência.

Melhor não mentir a si próprio. Qualquer partido que dispute a hegemonia no País adoraria sediar aqui a Copa. Mas quem fez isso foi o PT. Só que esse episódio coincide com a crise dos circos, pelo menos os flagrantes, em nossa política. Essa queda do circo talvez seja sinal de um certo amadurecimento dos costumes. Lamento que o declínio do papel político positivo da festa prejudique um partido que promoveu a inclusão social em escala inédita, um trabalho inconcluso, não por demérito do PT, mas pela dificuldade de uma tarefa que é demandada no Brasil pelo menos desde 1580 (eu dato a luta pela justiça social dos inícios do quilombo dos Palmares). Mas isso aconteceria, cedo ou tarde. Cobrar padrão FIFA para a saúde, a educação, a segurança e o transporte públicos hoje é um slogan contra o PT - pondo-se de lado a culpa dos Estados e municípios em temas que, na maior parte, são de sua responsabilidade constitucional - mas é também uma mudança cultural de monta, que veio para ficar. Isso, só podemos saudar - mesmo aqueles que irão aos estádios e torcerão pelo Brasil e pela festa. O povo quer mais pão, com manteiga ou mesmo convertido em brioche, e menos circo.

Espera longa, talvez inútil - LUÍS EDUARDO ASSIS

O Estado de S.Paulo - 14/04

O Deserto dos Tártaros, de Dino Buzzati, é um livro sobre a inutilidade da espera. Giovanni Drogo, o protagonista, passa a vida se preparando para uma batalha decisiva, que dará sentido a tudo, mas que não acontece. Aqui também, à nossa maneira, esperamos por um grande acontecimento. O ano de 2014, pelo menos na economia, parece já ter terminado. Viveu pouco, coitado, menos de um trimestre. Nada de importante acontecerá daqui em diante.

A inflação anualizada deve estourar o teto da meta nos próximos meses, caindo um pouco a partir de então. Fechará acima do ano passado (5,9%), mas abaixo de 2011 (6,5%). O crescimento será pífio, mais uma vez abaixo de 2%, bem menos que os 3,6% previstos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para o aumento do PIB global. Nos quatro anos de mandato da presidente Dilma Rousseff, o produto terá crescido menos de 8%, ante 14,4% de crescimento mundial. Estamos ficando para trás.

Aguardamos a redenção para 2015. Os mais animados imaginam que, sem o constrangimento imposto pelas eleições, o novo governo - principalmente se houver alternância no poder - terá disposição para pôr em marcha um amplo programa de reformas capaz de lançar o País numa rota de crescimento acelerado. Será mesmo?

São de duas naturezas os embaraços que o novo governo terá de deslindar no próximo ano. Há, em primeiro lugar, o legado do governo Dilma. A atual administração já não tem mais pejo em admitir que manobra para segurar os preços da energia elétrica e da gasolina até o próximo ano. Apenas esses dois itens pesam quase 8% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e a correção da sua defasagem poderá custar, considerando os efeitos indiretos, quase dois pontos porcentuais na inflação. A correção desse atraso exigirá juros mais elevados, que pressionam o déficit nominal, o que demandará um esforço genuíno de contenção de gastos - já que as promessas esgotaram seu poder de iludir. Não será simples desarmar essa armadilha. Mas isso apenas corrige distorções recentes. Impede o desmantelamento da economia, mas não nos coloca na rota do crescimento. Se quisermos ir adiante e crescer em compasso com os países emergentes, é necessário mais, muito mais.

É aqui que nos defrontamos com o segundo "imbróglio": não mais os equívocos do governo Dilma, mas os gargalos estruturais que impedem que o País decole, já que as condições internacionais favoráveis que prevaleceram no governo Lula não mais se repetirão.

É consensual hoje a ideia de que, sem capacidade ociosa e com baixo nível de desemprego, a aceleração do PIB nos próximos anos dependerá do aumento da produtividade. Isso implica recuperar a capacidade de investimento do Estado. É aqui que a coisa pega. Em tese, do ponto de vista de um marciano, existiria a alternativa de aumento da carga tributária. Mas isso não tem sentido nem viabilidade, já que trabalhamos mais de quatro meses por ano apenas para pagar impostos. Em 2012, a carga tributária brasileira já era 17 pontos porcentuais acima da média da América Latina e também superior à dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Há quem pense, alternativamente, num choque de gestão que reduza o desperdício e recomponha a capacidade de gasto. Melhoria da eficiência é sempre bom, mas o resultado será marginal e a conta não fecha. Corte dos juros também é lembrado por alguns nefelibatas. Gastando menos com juros pode-se gastar mais com coisas úteis, pensam. Mas essa aventura é tola. A experiência com os cortes iniciados em 2011 mostrou que os juros não são altos por maldade do Banco Central e que uma redução injustificada cobra alto custo em termos de inflação.

Um avanço significativo na produtividade geral da economia está na dependência de reformas estruturais que reflitam um projeto nacional voltado ao crescimento. Isso, por sua vez, não será possível sem uma discussão ampla que avance na direção de uma mudança no pacto social que contratamos há tempos, o que implica, entre vários outros exemplos, a reforma na Previdência Social, a desindexação da economia, a modernização da legislação trabalhista, a mudança nas regras de reajuste do salário mínimo e a adoção incondicional da meritocracia no sistema educacional.

Entre 2003 e 2013, pelas contas do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), para uma inflação acumulada de 87%, as despesas do INSS subiram 711% e o custeio de programas sociais teve aumento de 995%. Ao mesmo tempo, o superávit primário necessário para garantir a solvência de longo prazo da dívida pública aumentou para 2,5% do PIB. É preciso economizar mais, mas o disparate é que também é preciso gastar mais e melhor.

Nem quem acredita em duendes imagina que temas espinhosos como este poderão frequentar os debates eleitorais. Também é questionável se um novo governo terá audácia e liderança para conduzir este projeto, até porque nosso presidencialismo de coalizão lhe corta as asas. Daí decorre que qualquer alteração de fundo que crie condições para o crescimento acelerado também pressupõe mudanças no acerto político que transforma o exercício de poder num mero leilão de cargos e favores em troca de apoios circunstanciais e efêmeros.

A conclusão é simples e desagradável: estamos empacados e nada acontecerá em 2014. Mas, se não iniciarmos agora uma discussão profunda que redefina prioridades para o uso dos recursos públicos, nada também acontecerá nos próximos anos. Não estamos fazendo piquenique à beira de um vulcão. O que nos ameaça não é uma crise, mas uma pegajosa mediocridade. Ou seremos capazes de engendrar um novo pacto social que sustente um vigoroso crescimento ou ficaremos presos por longo período na armadilha que combina baixo crescimento e inflação alta. Como Giovanni Drogo, esperaremos em vão.

Flerte com a recessão - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 14/04

SÃO PAULO - Os governantes culpam os céus. Falta chuva, a lavoura padece, a comida encarece, a inflação perturba, e as represas das águas de beber e de energizar se esvaziam, dizem. Mas a história não é bem essa. Muita areia e pouco caminhãozinho, os males do Brasil são.

Quando o mau clima restringe a oferta de alimentos, eles ficam mais caros e empurram o custo de vida, certo? Nem sempre. Depende da reação do consumidor.

O salário estagnado, a escassez de crédito na praça e a perspectiva de ficar desempregado promovem um certo tipo de comportamento. Se o tomate encareceu, evito o tomate. Se gastei mais no supermercado, deixo de ir ao cabeleireiro. O somatório desses ajustes domésticos inibe a escalada inflacionária.

A conduta selecionada, contudo, é diferente em momentos de baixo desemprego, acesso fácil aos empréstimos e alta dos vencimentos. Não deixo de comprar tomate nem de cortar o cabelo e coloco lenha na fogueira da inflação. O Brasil ainda está mais próximo desta situação hipotética que da descrita no parágrafo anterior.

O apetite pelo consumo também influencia o nível dos reservatórios, que é a diferença entre a água que entra e a que sai. Falta chuva, mas o quadro preocuparia menos se o consumo de água e energia não tivesse avançado rapidamente nos últimos anos, como efeito da alta na renda e no crédito dos brasileiros.

No caso da eletricidade e da água, entretanto, os preços ao consumidor não refletem o progressivo gargalo na oferta. Governos estaduais e o federal se endividam e arrocham empresas estatais para mascarar o efeito da cavalgada de custos. O cidadão não recebe estímulo para reduzir o consumo, e a situação piora.

O remédio, dizem os economistas mais informados, passa por anos de crescimento baixo, mas dificilmente por uma recessão. Será? Começo a ter dúvidas.

Novas regras contra importações desleais - SÉRGIO LEO

 VALOR ECONÔMICO -14/04

A China deve ser, mais uma vez, o alvo principal das medidas

Governo e empresas brasileiras preparam-se para uma nova etapa em matéria de defesa comercial, dispostos a usar com maior empenho um instrumento ainda pouco conhecido no país. Mais uma vez, a China deve ser o alvo principal - embora não o único - das medidas que têm como objetivo impedir que mercadorias e matérias-primas entrem no mercado brasileiro com preços artificialmente baixos. A novidade são as chamadas "medidas compensatórias", para punir importados beneficiados por subsídios ilegais em seus países de origem. O Ministério do Desenvolvimento vai editar, ainda neste ano, um decreto para regular o tema.

Essas medidas, em geral, tomam a forma de aumento de tarifas para produtos específicos, beneficiados por subsídios na origem. No fim da década de 90, o coco ralado vindo da Ásia e da África foi sujeito a tarifas de 55% como punição e proteção aos produtores brasileiros ameaçados por concorrência desleal. A China, parceiro do Brasil no grupo Brics (que reúne, além dos dois, Índia, Rússia e África do Sul) está no radar das indústrias interessadas em obter medidas compensatórias contra a concorrência. Os chineses já são afetados por medidas compensatórias nos EUA, União Europeia, Canadá e Austrália.

Papel especial de impressão, sais de fosfato, manufaturados de ferro como tubos, pias de aço, células fotovoltaicas e torres de energia eólica, alguns já submetidos a elevadas taxas de importação, estão entre os produtos com taxação punitiva imposta pelos americanos contra a China. Pagam alíquotas que chegam a 374%. Os EUA são responsáveis por mais da metade das medidas compensatórias hoje aplicadas no mundo. São 32 medidas, 30 delas contra a China. O Canadá aplica contra os chineses 10 das 13 medidas que têm em vigor.

Dos instrumentos de defesa comercial aplicados entre 1995 a 2008 pelo G-20, o grupo das economias mais influentes, apenas 6% eram de medidas compensatórias. Esse número aumentou para 9% no período entre 2008 e 2013. Há um crescimento claro no uso desse tipo de mecanismo, constata o especialista da Confederação Nacional da Indústria, Fabrizio Panzini. E a China é uma das razões dessa tendência.

Com o reconhecimento obrigatório da China como economia de mercado a partir de 2016, em acordo na Organização Mundial do Comércio, os países perderão facilidades que têm hoje para aplicar, sobre produtos chineses, medidas antidumping. Hoje, as investigações para constatar dumping (preço abaixo do normal) em importações chinesas podem usar como comparação preços em outros mercados.

O secretário de Comércio Exterior, Daniel Godinho, confirmou ao Valor a intenção de editar até o fim do ano o decreto com as medidas compensatórias e iniciar, em breve, consultas para aperfeiçoar outro mecanismo de defesa, as salvaguardas (usadas em caso de forte onda de importações que ameacem o produtor local). Ele afirma que um dos objetivos da regulamentação é facilitar e simplificar o acesso ao mecanismo.

Os importadores também terão medidas que os beneficiem, adianta ele: o governo quer acabar com a exigência de que as petições e respostas dos exportadores estrangeiros sejam obrigatoriamente em português, e poderá aceitar documentos em inglês, língua franca do comércio internacional. "Temos obrigação de tornar os processos mais fáceis para todos", garante Godinho. "Vamos simplificar ao máximo."

A CNI e pelo menos mais 20 associações de indústria pressionam o governo para que as mudanças tragam medidas preventivas capazes de brecar importações suspeitas antes mesmo do fim das investigações. Como já acontece no caso das atuais investigações antidumping, os empresários querem a possibilidade de medidas preventivas, em caso de fortes indícios de irregularidade. Godinho indica que esse pedido deve ser atendido no novo decreto.

"A medida preventiva é prevista na OMC; é preciso no mínimo seis meses para adotar medida provisória e ela pode valer por até quatro meses", lembra ele. "No caso das medidas compensatórias, as regras são um pouco mais complicadas", ressalva. É necessário criar um depósito ou fiança para o importador.

Godinho alerta para outras dificuldades no uso das medidas compensatórias, como a complexidade na verificação dos subsídios e seus efeitos sobre o comércio de produtos determinados. Desde 2011, houve, no país, pedidos para abertura de nove investigações. Seis foram abertas e três afetam importações asiáticas e africanas de matérias-primas petroquímicas.

A indústria brasileira quer que o decreto traga menos exigências para abertura de investigações, em caso de setores com grande número de empresas afetadas, onde é mais difícil verificar os efeitos das importações desleais. Quer também regras que facilitem a definição do que é subsídio punível com as medidas, explicitando, por exemplo, que o apoio conferido pelos países a suas estatais exportadoras as sujeitam a medidas compensatórias.

Poder aplicar medidas para compensar movimentos acentuados da taxa de câmbio faz parte dos desejos do setor privado brasileiro. Também se pede que a compensação seja calculada, como na Europa, com base na "margem cheia", o valor total da vantagem conferida pelo subsídio, e não só pela perda verificada nos competidores nacionais.

A modernização das medidas de defesa comercial tem elementos para agradar até os potenciais prejudicados, países estrangeiros, caso seja cumprida a promessa de mais agilidade e transparência nos processos. Ela não pode, porém, servir para abrigar anseios meramente protecionistas, que, em longo prazo, só contribuem para preservar a lamentável falta de competitividade do país.

A era do medo - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 14/04

BRASÍLIA - A valentia demonstrada em público por muitos nos últimos dias não passa de fachada. O sentimento que predomina em Brasília, salvo algumas exceções, é de temor em relação ao que pode vir por aí de uma CPI da Petrobras e, principalmente, da Polícia Federal.

O medo só fez aumentar na última sexta-feira, depois que a PF iniciou a segunda fase da operação Lava Jato, focada em operações da petroleira. Naquele dia e no fim de semana, as conversas entre atores políticos e empresariais versavam sobre o risco de perda de controle.

Sinal de que há muita coisa arquitetada de forma nada republicana em negócios com a estatal que, se vier a público, pode complicar a vida de muita gente tida como boa nos gabinetes da capital federal.

Não é de hoje que o corpo técnico da estatal, aquele não se mete em relações políticas para galgar cargos, reclamava do uso político da Petrobras e dos consequentes negócios feitos por essa turma na empresa.

Lembro de ter ouvido, de um deles, que as negociatas ganharam proporções insuportáveis. Pedi informações para levantar algumas delas. Resposta: coisa de profissional, não deixam rastros. Mas um dia a casa cai, desabafou ele. Talvez tenha chegado tal momento.

Daí o medo que toma conta de Brasília, principalmente daqueles que, nos últimos anos, apadrinharam diretores na estatal. Daí que, em nome da sobrevivência, tudo indica que deve ser acionada a tropa de choque governista para sufocar qualquer tipo de investigação. Ainda mais em ano eleitoral.

A politicalha diz que a presidente Dilma não havia compreendido que, mesmo livre de qualquer conexão com malfeito na estatal, seu governo corre o risco de ser uma das vítimas de uma devassa na Petrobras.

Como explicar, por exemplo, o apoio em sua campanha de aliados que se lambuzaram na estatal. Daí que, em nome da eleição, o medo deve vencer a valentia. A conferir.

Eleito para perder - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

O Estado de S.Paulo - 14/04

A eleição presidencial de 2014 é boa de perder. Nada indica que o eleito este ano terá quatro anos fáceis pela frente. Muito ao contrário. A crise de energia ainda não chegou ao auge. Tampouco a crise de abastecimento de água. E há um El Niño nascendo no Oceano Pacífico, pronto para alterar o regime de chuvas no Brasil, com secas no Norte e Nordeste e mais calor no Sudeste.

Somem-se todos os desarranjos da economia: inflação mal resolvida, juros em alta, capital especulativo entrando e saindo de uma hora para outra, gastos públicos, mas investimento em baixa. A lista é grande, e sugere a necessidade de um freio de arrumação. Se a freada vier em 2015, quanto tempo será preciso para reacelerar?

Fernando Henrique Cardoso ganhou uma eleição assim em 1998. A freada, na forma de desvalorização do real, veio logo no começo do segundo mandato. Quatro anos não foram suficientes para a economia engatar nem uma terceira marcha, quanto mais deslanchar. O resultado foi 12 anos de governos do PT - alimentados pelo contraste econômico entre os últimos quatro anos de governo tucano com os primeiros oito do governo petista.

Essa mágica está perdendo a graça, porém. A comparação que o eleitor faz hoje é do PT com o PT, de Dilma Rousseff com Luiz Inácio Lula da Silva. Do presente com o passado imediato, não com o remoto. Lula é e continuará sendo a grande assombração da campanha pela reeleição da presidente. Cada aparição, cada entrevista do padrinho reforçará no eleitor dúvidas sobre a afilhada.

O "volta, Lula" prevalecerá, então? Não, se os instintos de sobrevivência política do ex-presidente estiverem intactos. O roque de Dilma por Lula implica admitir o fracasso de ambos - dela como gestora, dele como responsável por sua eleição. Mesmo que venha embrulhado em alguma razão de saúde, o risco de parecer uma manobra aos eleitores não é nada desprezível.

Mais arriscado ainda é se a chicana der certo. Lula estaria disposto a sacrificar o começo de um eventual novo governo com medidas impopulares na esperança de recobrar o crescimento econômico em tempo de buscar o quinto mandato seguido do PT? Arriscaria o status de mito político por quatro anos no poder sob condições bem menos favoráveis do que as que teve?

Uma aventura assim só se encara se a alternativa for pior. Será o caso? Todos os sinais detectáveis nas pesquisas indicam que 2014 é uma eleição mudancista em todos os níveis de governo. Dois em cada três eleitores querem mudanças profundas. Dilma lidera a corrida presidencial porque de 25% a 30% dos que querem mudança ainda acreditam que ela é a mais apta a fazê-las.

Essas estatísticas enchem a oposição de esperança, mas, ao mesmo tempo, mantêm Dilma como favorita. Se a presidente conseguir convencer os mudancistas simpáticos a ela de que pretende mudar, terá boas chances de se reeleger. Seria o quarto mandato seguido do PT - feito inédito no Brasil. Nada mal.

A outra opção é a oposição ganhar a eleição e herdar a crise energética, o desarranjo econômico e a necessidade de ser impopular - pelo menos no começo do mandato. O PT pularia para a oposição e faria tudo o que acusa os opositores de fazerem hoje - mas, provavelmente, com mais competência. Numa campanha em 2018 Lula teria 72 anos. FHC tinha 71 ao lhe passar o poder.

O mesmo vale para Eduardo Campos (PSB). Se perder e sobreviver ao relento político, o pernambucano poderá voltar em 2018 como alternativa ao dualismo PT-PSDB. Com a diferença de que terá só 53 anos.

Essas divagações vão além dos quatro anos, que é o horizonte da maioria dos cálculos políticos e eleitorais no Brasil. São, portanto, para o padrão nacional, de longo prazo. E, como disse John Maynard Keynes, no longo prazo estaremos todos mortos.

Lula contra a imprensa livre - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 14/04

Em entrevista a blogueiros, o ex-presidente defendeu controle da imprensa e disse querer “reescrever a história” do mensalão



Na terça-feira passada, o ex-presidente Lula repetiu um gesto de 2010, quando ainda ocupava o Planalto, e concedeu uma entrevista a uma série de blogueiros escolhidos a dedo: todos assumidamente de esquerda, vários recebendo verba de publicidade governamental (as prefeituras petistas de São Paulo e Guarulhos são as presenças mais comuns), e que só não são completamente chapa-branca porque fazem, sim, suas críticas ao governo: quando avaliam que as ações do Planalto não estão levando o país ao socialismo com a rapidez que esses blogueiros gostariam de ver. Enfim, uma trupe responsável por fazer propaganda política travestida de “jornalismo” ou “análise da grande imprensa”. Com uma plateia tão simpática, Lula deitou e rolou, sem a menor vergonha de deixar claro qual o seu projeto para o Brasil – e o que disse deveria deixar de cabelos em pé todo brasileiro comprometido com a democracia.

A imprensa livre foi o maior alvo de Lula ao longo de toda a entrevista. Enquanto estava no Planalto, ele até tratava do tema, mas deixou para seu ministro Franklin Martins o papel de desferir os ataques mais diretos à liberdade de imprensa, levando não poucos a imaginar que se tratava de uma briga particular de Martins, plataforma da qual Lula manteria certa distância. Mas o ex-presidente desfez na terça-feira qualquer ilusão que pudesse haver a respeito de sua posição pessoal sobre o assunto. “Perdemos um tempo precioso e não fizemos o marco regulatório da comunicação nesse país (...) Temos de retomar com muita força essa questão da regulação dos meios de comunicação do país. O tratamento à Dilma é de falta de respeito e de compromisso com a verdade”, afirmou o ex-presidente.

Para Lula, são os blogs chapa-branca, e não a imprensa livre, que mostram a verdade ao leitor. “Acho que os meios de comunicação no Brasil pioraram do ponto de vista da liberdade, do ponto de vista da neutralidade, e agora que vocês [os blogs] tão fortemente conquistaram a neutralidade da internet, têm de começar a campanha para conquistar a neutralidade dos meios de comunicação para eles pelo menos serem verdadeiros. Podem ser contra ou a favor, mas que a verdade prevaleça”. Difícil imaginar que tipo de “neutralidade” ofereceriam os entrevistadores de Lula.

Como prova da “manipulação” provocada pela imprensa, Lula não podia deixar de citar o mensalão. “A imprensa construiu quase que o resultado desse julgamento”, disse o ex-presidente, achando “indescritível” que “uma CPI que começou investigando o desvio de R$ 3 mil em uma empresa pública [no caso, os Correios], que era dirigida pelo PMDB e que investigava um cara do PTB, terminou no PT”. Insistindo, contra toda a evidência, que não houve mensalão, Lula diz que a história do escândalo precisa ser reescrita “e, se eu puder, vou ajudar a recontá-la”. De reescrever a história o ex-presidente entende bem, já que, durante seus oito anos de mandato, fez parecer que seu partido havia fundado o Brasil em 2003, ignorando que boa parte dos bons resultados socioeconômicos que colheu foi plantada por seus predecessores na Presidência.

Lula ainda defendeu uma ruptura institucional, ressuscitando a ideia de Constituinte exclusiva para a reforma política, uma aberração que Dilma Rousseff lançou no auge dos protestos de 2013 e que, felizmente, foi abortada. “Sou favorável à Constituinte exclusiva para fazer a reforma política. Não tem outro jeito”, defendeu o ex-presidente, cuja agressividade atual contrasta fortemente com o Lula “paz e amor” de 2002 – e não é difícil descobrir qual deles é o verdadeiro.

“Devemos preferir o som das vozes críticas da imprensa livre ao silêncio das ditaduras”, disse Dilma Rousseff em um dos trechos mais felizes do seu discurso de posse, em 2011. Por mais críticas que tenhamos à presidente, este é um ponto no qual ela se mostra muito mais comprometida com a democracia que seu antecessor e criador. Mas, como bem mostrou a reunião de emergência entre ambos no dia 4 para discutir a crise na Petrobras, é impossível saber quem realmente manda. Que Dilma tenha força para se manter fiel ao discurso e impedir que prevaleça a visão lulista, sem compromisso com os valores da democracia.


Mais álcool na gasolina - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 14/04
Preocupado com o calendário eleitoral e vendo a inflação disparar, apesar do aperto na política monetária (aumento dos juros), o governo recebeu como presente a sugestão de usineiros para aumentar o percentual de etanol anidro na gasolina. Um ano depois de ter sido aumentada de 20% para 25%, a participação do combustível na mistura pode passar nas próxima semanas para 27,5%. Os entendimentos entre os ministros da Agricultura, Neri Geller, e de Minas e Energia, Edison Lobão, estão avançados, com o aplauso da equipe econômica, para a qual é um alívio qualquer medida que retarde a corrida dos preços.
É mais uma demonstração de como tratar com desprezo e visão de curtíssimo prazo programa que tinha tudo para ser um orgulho e uma bandeira do Brasil. Desde que passou a praticar uma política de preço político para a gasolina - com prejuízos para a Petrobras e o país -, o governo acabou inviabilizando a progressão do etanol da cana e de outras origens. O hidratado (aquele que vai da bomba para o tanque dos carros) é rejeitado pelo consumidor quando o preço passa de 70% do da gasolina. Nos últimos anos, os usineiros ficaram com o biocombustível encalhado, incapaz de concorrer com o preço subsidiado do derivado do petróleo.

Por isso, recolheram os projetos de investimentos em novas usinas e destinaram a maioria da cana colhida à produção de açúcar. Afinal, é assim que funciona uma empresa privada que, diferentemente da Petrobras ou de qualquer estatal, não tem o dinheiro do povo para cobrir prejuízos. Enquanto a produção de etanol decaiu, o crédito a perder de vista e a redução localizada de impostos inundaram as ruas do país de carros. A maioria (62%) dotada de mais um milagre brasileiro: o motor flex, capaz de usar álcool, gasolina ou os dois em qualquer proporção.

Do lado dos usineiros, o aumento do percentual do etanol anidro na gasolina faz sentido, pois trata-se de venda sob contrato com as distribuidoras. Isso dá a eles uma das coisas que mais tem faltado no negócio do etanol: segurança (a outra é lucratividade para bancar novos investimentos). Mas, assim como o adiamento forçado do reajuste da gasolina para evitar impacto inflacionário, essa é, também, uma motivação de curto prazo.

São medidas assim que explicam por que, depois de criar, em 1975, o Pró-Álcool - uma das raras e brilhantes soluções para a crise do petróleo que abalava a economia mundial naquela época -, o Brasil chegou à vergonhosa situação atual. Não apenas continuamos a tratar mal o programa do qual deveríamos ter orgulho, como estamos pagando o mico por não conseguirmos atender a demanda interna e ter de importar etanol dos Estados Unidos, a quem criticamos por produzi-lo a partir do milho (mais caro).

Não é só o país que perde com essa falta de visão e de planejamento de longo prazo. Mais dia, menos dia, o consumidor também paga o pato. De saída, os proprietários de 38% da frota nacional, cerca de 14,5 milhões de automóveis e comerciais leves movidos só a gasolina, terão problemas para ligar e acelerar o motor de seus carros. E todos os demais deixam de contar com a alternativa confiável, mais barata e menos poluente do etanol, fazendo do motor flex uma inutilidade sob o capô da incompetência.

Adeus CPI - PAULO BROSSARD

ZERO HORA - 14/04

Por que será? Por que os dados a serem revelados seriam inconfessáveis e chocantes?



Outro dia, falava eu em uma espécie de esquecimento que vem se notando entre nós, no tocante aos nossos usos e instituições e não imaginava estivesse a mim reservado assistir ao fenômeno em sua nudez. O que vem de ocorrer quanto às comissões parlamentares de inquérito é um duro e penoso exemplo disso.
A partir da Constituição de 1946, a criação e funcionamento da CPI se tornou vulgar e ninguém morreu por isso. Pois, agora, o país viu as forças do governo, com a pública e explícita solidariedade do presidente Luiz Inácio, esmagarem a CPI destinada a apurar fato certo e determinado, de notória gravidade, relacionado com a escabrosa circunstância de estar envolvida a senhora presidente da República: nada menos que o malcheiroso escândalo da refinaria de Pasadena.
A inegável gravidade da ocorrência chega a ser ululante. A partir daqui, uma casa do Congresso ou o chefe do Poder Executivo ou alguém por ele, às escâncaras, poderão fazer abortar qualquer CPI, ainda quando justificada e conveniente, senão necessária. E, dessa forma, os nossos usos e costumes estarão recuando. Saliente-se, nada tenha sido feito às ocultas, mas à luz do sol, ao meio dia. Em verdade, adeus às CPIs.
Não ignoro que o nosso texto constitucional facilita o abuso, o que não explica nem justifica a desfaçatez com que a novidade foi projetada e consumada. Assim começaram as deformações que levaram à ruína a República Velha e depois dela também a Nova. Aliás, é de ser lembrado o que, em 1917, afirmou o senador Rui Barbosa, em conferência sobre Oswaldo Cruz: “A tribuna parlamentar é, hoje em dia, uma cratera extinta” e sua presença no Senado era a de um “corpo estranho”, um ” hóspede impertinente”.
Nos quase 40 anos da denominada República Velha, o voto falso, a falsidade no processo eleitoral, na apuração e na diplomação, foram cadaverizando o país. E os donos do poder de então não perceberam que as instituições se haviam convertido em carniça. O que me parece mais perigoso é que a cúpula dos dirigentes do país nem mesmo sentia o mau cheiro exalado.
Faz poucos dias, não um dos 39 ministros de Estado, mas o ministro da Fazenda afirmara pelos meios de comunicação, e por duas vezes voltou ao assunto, ser necessário promover a restauração da credibilidade do país. Restaura-se o que existiu e foi perdido. Pois bem, nenhum frisson se notou; alguém diria que a palavra do ministro não tem ressonância, então a emenda não é melhor do que o soneto.
Se a palavra do ministro da Fazenda em assunto dessa delicadeza, que diz respeito ao decoro da Nação, não repercute, seria o caso de dizer, se começa a compreender porque os maiorais da República se sentem à vontade para abafar uma CPI sobre tema relevante e nada acontece…
Ao encerrar este artigo, para mim bem amargo, ouço que o presidente Luiz Inácio insistira em proclamar, de maneira categórica, que a CPI não pode ser criada. Por que será? Por que os dados a serem revelados seriam inconfessáveis e chocantes?

'Tapeação' nos aeroportos - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 14/04

Pode ter sido apenas um ato falho, mas a gafe do presidente da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), Gustavo do Vale, ao dizer que é possível "tapear" as atrasadíssimas obras nos aeroportos, para que não atrapalhem os turistas durante a Copa do Mundo, definiu com precisão vernacular a gestão petista na área aeroportuária. "Tapear", conforme o Aurélio, significa "enganar, iludir, lograr, burlar, embaçar".

Vale referiu-se especificamente às obras do Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, região metropolitana de Belo Horizonte. Pelo que se depreende de suas explicações, "tapear" significa isolar os setores ainda inacabados daquele terminal para que o aeroporto possa funcionar, mesmo de modo precário.

"Reconheço que as obras não ficarão com aquilo que prevíamos para a Copa", disse Vale. "Podemos 'tapear' (sic) as obras de modo que melhore a operacionalidade sem terminar ela como um todo. Em determinada área que está em obra, você isola aquela área, mas libera outras áreas onde as obras já terminaram." Isso significa que os turistas serão recebidos em Confins - e em outros terminais - conforme o famoso "jeitinho brasileiro".

Em janeiro passado, o ministro da Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República, Moreira Franco, já admitia, ante as evidências, que seria necessário "construir alternativas" para driblar os problemas nos aeroportos. Até "puxadinhos" de lona e com estrutura pré-fabricada estão nos planos do governo para dar aos terminais condições mínimas.

A declaração do presidente da Infraero, portanto, não é uma aberração. Faz parte do discurso oficial, adotado desde que ficou claro, mesmo para os patrioteiros mais otimistas, que as obras nos aeroportos sofreriam atrasos - apesar dos sete anos que o País teve para se organizar para a Copa. Mas os problemas relativos ao Mundial mascaram questões de fundo, muito mais relevantes, a começar pelo modelo de concessão dos aeroportos.

O caso de Confins é exemplar. O terminal foi arrematado em novembro pelo consórcio BH Airport, formado pelos operadores Flughafen München e Flughafen Zürich em sociedade com a construtora CCR. Assim como aconteceu em outros contratos de aeroportos celebrados pelo governo Dilma, o BH Airport ficará com 51%, enquanto a Infraero deterá 49%.

O problema desse modelo é que ele impõe à Infraero significativa perda de receita - como aconteceu quando foi reduzida sua participação nos lucrativos aeroportos de Guarulhos, de Viracopos e de Brasília, dos quais detinha 100%. Como a empresa administra dezenas de aeroportos deficitários e ainda terá de injetar recursos para pagar sua parte nos investimentos projetados nos aeroportos dos quais será sócia, é presumível que a situação de suas contas, já dramática, torne-se crítica.

Assim, conforme já se admite na Infraero, serão necessários cortes de gastos que vão afetar desde a manutenção de ar-condicionado até o sistema elétrico que alimenta sistemas de auxílios visuais e de navegação aérea, com riscos à segurança. Ademais, conforme constatou o Tribunal de Contas da União, a Infraero ainda não tem estrutura de gestão para administrar sua participação nesses negócios.

Um vexame na Copa do Mundo é, como se vê, o menor dos problemas. Serão apenas 30 dias, nos quais o País será testado em diversas frentes e provavelmente se sairá bem em algumas - talvez seja até campeão - e não tão bem em outras. Pouco importa. O que interessa é que os atuais problemas nos aeroportos são apenas parte de um erro muito mais amplo: o modelo de concessão transformou a lucrativa Infraero - que nunca foi eficiente - numa empresa em crise.

Na solenidade em que assinou o contrato de Confins, Dilma disse que o objetivo desse modelo danoso é "providenciar a modernização" do setor. Eis, portanto, o que é "tapeação": empreender uma "privatização" que, para não parecer privatização, onera os cofres públicos, prejudica estatais e não resulta necessariamente em melhoria dos serviços.

Temeridade fiscal - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 14/04
Congresso ignora riscos de revisar dívida de Estados e municípios em meio à deterioração das contas públicas; Planalto se omite
É um tanto estranha a passividade recente do governo federal na tramitação do Projeto de Lei complementar que muda os encargos financeiros das dívidas dos Estados e municípios.
Aprovado pela Câmara dos Deputados no ano passado, o projeto passou nesta semana por comissões do Senado e segue para o plenário. A alteração principal, e a mais polêmica, é a redução dos juros de forma retroativa.

No ano passado o Planalto chegou a patrocinar a iniciativa, para aliviar em especial a Prefeitura de São Paulo, com óbvio objetivo eleitoral. A deterioração das contas públicas, porém, forçou um recuo.

Agora, novamente, o Congresso se move sem que se perceba objeção do Executivo. À luz da baixa credibilidade atual da política econômica, é temerário passar a impressão de que se aceita um afrouxamento da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Entre 1997 e 2000, a União assumiu as dívidas de Estados e municípios, que se comprometeram com várias metas fiscais. O pagamento do débito seria em 30 anos, com reajuste pelo IGP-M mais juros que variam de 6% a 9% ao ano.

Se aprovado, o projeto mudará o indexador, a partir de janeiro de 2013, para IPCA mais 4% ao ano, ou para a taxa básica Selic -o que for menor. Ademais, o saldo devedor será recalculado desde o início dos contratos com base na Selic.

O resultado será um belo desconto no valor principal, para alguns casos. Estima-se que a dívida da Prefeitura de São Paulo, que paga juros de 9% ao ano além da correção monetária, cairia de R$ 54 bilhões para R$ 30 bilhões. Haveria, assim, espaço para a tomada de novos empréstimos.

A redução dos juros tem sua razão de ser, pois são muito elevados para o padrão atual da economia. É correta, portanto, sua revisão -daqui para a frente.

A mudança retroativa, contudo, é preocupante, pois estimula endividamento adicional. A dívida consolidada do setor público crescerá. A mensagem de frouxidão nas contas torna-se clara.

A despeito dos méritos eventuais do projeto, o momento não é propício. Além da insegurança que reina na economia, o ano é de eleições, e ajustes protelados cobrarão seu preço em 2015. Será necessário um forte aperto orçamentário, e não apenas do governo federal.

Estão pendentes, ainda, outras matérias que envolvem relações entre os entes da Federação, como a reforma do ICMS e os critérios de partilha, o que certamente demandará recursos da União.

O ideal é considerar esses assuntos de forma integrada. Quanto às dívidas, o melhor é aguardar e voltar ao tema após o pleito.

Desserviço ao país - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 14/04

Os 50 anos do movimento de 31 de março de 1964, marco de um período de anomalias institucionais impostas ao país pela ditadura militar então instaurada, têm dado margem a uma profusão de iniciativas para lembrar a data e episódios decorridos ao longo daquele momento político de exceção. Do ponto de vista da História, rememorar fatos pode ser salutar para evitar a repetição de atos que desserviram ao país. Mas é preciso distinguir, nesse olhar para trás, entre o que acrescenta positivamente à memória de uma nação (trazendo para o presente e projetando para o futuro os ensinamentos do passado) e aquilo que, como expressão de um revisionismo em si, está destituído de representatividade. Neste caso, as portas da discussão se abrem para sentimentos menos nobres, como interesses políticos, vendetas etc.

É nesse terreno que vicejam as tentativas de rever, e até mesmo anular, a Lei de Anistia. Instrumento jurídico que resultou de delicada costura política entre os generais e uma oposição fortalecida nas ruas e nas urnas, já nos estertores de um regime que, não obstante, ainda dispunha de considerável poder dissuasório, a anistia de 1979 tem um pressuposto inegociável — o perdão recíproco, tanto a agentes públicos envolvidos em atos reprováveis quanto a militantes de organizações da esquerda armada, num leque que também incluía opositores de todos os matizes ao regime militar. E válido somente para crimes cometidos até à data de promulgação da Lei.

O mais recente ensaio de revisão dos efeitos da lei deu-se semana passada, com a aprovação, na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, de um projeto que propõe tornar nulo o perdão a militares, policiais e civis envolvidos em atos como tortura, morte e desaparecimento de guerrilheiros/terroristas. A julgar pelo fracasso anterior de proposições semelhantes, e pelos lastros políticos e jurídicos que amparam o grande pacto de remissão de 79, é pouco provável que esse seja bem sucedido.

Mas, mesmo como gesto simbólico, com poucas chances de produzir efeitos, iniciativas como essa vão contra um dos mais importantes legados da lei — a pacificação de um país que então procurava caminhos para a normalização democrática sem traumas, objetivo que se completou com a promulgação da Constituição, em 1988.

O Brasil que saiu de um longo período de anormalidade merece hoje que suas forças políticas mirem à frente, no caminho da consolidação do estado democrático.

Ademais, é preciso que seja respeitado tudo aquilo que baliza a Lei de Anistia. Ela resultou de um acordo do qual participou amplamente a oposição. Com todos os seus artigos, está lastreada por decisão soberana do Congresso e por pareceres do Supremo Tribunal Federal. São, todas essas, instâncias que lhe conferem legitimidade política e histórica.

Gol de mão - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 14/04

O intolerável grau de aparelhamento do Estado brasileiro pelo PT chegou às instituições de pesquisa, guardiãs do conhecimento e da informação que serve ao desenvolvimento do país. O Brasil corre o risco de entrar na mesma rota que levou a Argentina a perder credibilidade quanto às suas estatísticas oficiais.

O episódio recente em torno do IBGE passou a muitos a impressão de que o instituto estaria dando um perigoso passo na direção dos problemas que minaram o Instituto Nacional de Estadística y Censos (Indec), do nosso vizinho, cujos dados sobre inflação e PIB são considerados tão corretos quanto o célebre gol de mão feito por Maradona contra a Inglaterra.

Se a "mão de Deus", expressão usada pelo próprio atacante para descrever o lance, ajudou a Argentina a ganhar o jogo, seu uso nas estatísticas não melhora em nada a vida dos argentinos. Não saber o que de fato se passa na economia de um país afugenta novos investimentos, com impacto negativo sobre o desenvolvimento.

O IBGE entrou em convulsão depois que o PT colocou em dúvida a nova metodologia usada pelo órgão, que, ao ampliar a base de pesquisa, traz novos dados, por exemplo, sobre o desemprego no país. Era o que faltava: o partido querer atribuir à sua base aliada a tarefa de avaliar metodologia de pesquisa.

Apesar da contestação de vários profissionais, a Pnad Contínua teve sua divulgação adiada para depois das eleições. Assim, é preciso concordar com Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE: a suspensão em momento eleitoral levanta suspeitas sobre a falta de autonomia do órgão.

Dias antes, o sinal vermelho já havia sido acendido no Ipea. A informação de que o instituto abriu, em 2010, escritório na Venezuela, e que lá tem produzido textos em apoio ao chavismo, surpreendeu muita gente. Especialmente os que já lamentavam que, apesar da resistência profissional de tantos dos seus membros, o Ipea estivesse sendo usado para tentar dar sustentação a "verdades" petistas. Nos mesmos dias, a imprensa denunciou a crise na Embrapa com as nomeações políticas.

O assunto é grave. Instituições brasileiras, com credibilidade conquistada através do merecido reconhecimento do país ao trabalho de inúmeros pesquisadores e profissionais, não podem ter interrompida esta importante trajetória.

Precisamos defender a autonomia das nossas instituições, diante de qualquer pressão política. Elas pertencem ao país e não ao governo. Até porque, depois do Ipea, do IBGE e da Embrapa, alguém pode ter a ideia de interferir no Inep para controlar os dados de educação e no CNPq para patrulhar as pesquisas.

O Brasil não merece isso.

Marina, o vice que faz diferença - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 14/04
E assim se passaram seis meses desde que Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente do governo Lula, filiou-se ao PSB e anunciou seu apoio a Eduardo Campos, pré-candidato do partido à sucessão da presidente Dilma Rousseff. Naquela ocasião, em particular, Marina disse a Eduardo que seria sua vice caso isso o ajudasse a se eleger. Esta tarde, em Brasília, Marina dirá que é candidata a vice de Eduardo.

NA ELEIÇÃO DE 2010, com pouquíssimo dinheiro para fazer campanha e apenas um minuto de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, Marina teve um desempenho surpreendente. Em percentuais redondos, Dilma conseguiu 47% dos votos válidos no primeiro turno; José Serra, 33%; e ela, 19%.

MARINA VENCEU NO Distrito Federal. Derrotou Serra no Amapá, no Amazonas, em Pernambuco e no Rio. E empatou com Serra no Ceará. Nos três maiores colégios eleitorais, colheu 20% (São Paulo), 44% (Rio) e 21% (Minas Gerais) dos votos. Imaginou concorrer outra vez em outubro próximo. Mas não registrou seu partido, a Rede, em tempo hábil.

FOI POR ISSO QUE procurou abrigo no PSB. A mais recente pesquisa do instituto Datafolha apontou Marina, no momento, como o único nome que seria capaz de levar a eleição presidencial para o segundo turno. Contra Dilma (39%) e Aécio (16%), ela reúne 27% das intenções de voto. Está destinada a ser a maior eleitora de Campos.

A PEDIDO DE UM PARTIDO, pesquisa feita por telefone no último dia 10, no Distrito Federal, ouviu 2.329 eleitores. Respostas à pergunta sobre como evoluiu a situação do Brasil "nos últimos anos": está cada vez pior (63%), cada vez melhor (15%) e igual (22%). Aprovam a administração Dilma 25,6%. Desaprovam 64,8%.

INTENÇÃO DE VOTO PARA presidente: Dilma, 22%; Aécio, 22%; Eduardo, 15%; e nenhum, 35%. Intenção de voto com os prováveis vices: Dilma e Michel Temer, 22%; Aécio e Aloysio Nunes, 21%; Eduardo e Marina, 40%. Votos brancos, nulos e "não sabem", 17%. Marina e Eduardo planejam visitar até junho as 150 maiores cidades do país.

EM ENTREVISTA À "VEJA", Mauro Paulino, diretor do Datafolha, disse que a alta rejeição à classe política, o desejo de mudança do eleitorado e a Copa do Mundo fazem desta eleição a mais imprevisível desde a primeira pelo voto direto depois dos 21 anos da ditadura militar. A aversão aos políticos elegeu Collor em 1989. Agora ela é maior.

O DESEJO DE MUDANÇA É compartilhado por sete de cada dez brasileiros. Seis em cada dez acham que a inflação vai aumentar. Caiu de 87% para 78% o percentual dos que se orgulham de ser brasileiros. É a primeira vez que isso acontece nos últimos 13 anos. E o percentual dos que afirmam ter vergonha de ser brasileiros cresceu de 11% para 20%.

SÓ 60% DOS BRASILEIROS ouviram falar de Aécio Neves, pré-candidato do PSDB a presidente da República, mas não o conhecem. São 75% os que apenas ouviram falar de Campos. Os dois são bem avaliados onde são conhecidos. Campos é o candidato de oposição com mais chance de atrair os eleitores descontentes, observa Paulino.

A IMPORTÂNCIA DOS PARTIDOS foi nenhuma para eleger Collor. O PSDB era pequeno quando elegeu Fernando Henrique presidente. O PT também, quando Lula se elegeu pela primeira vez. O PSB de Campos é um partido pequeno, embora tenha sido o que mais cresceu nas eleições municipais de há dois anos. A dupla Campos e Marina é de fato uma possibilidade real de poder.

SEGUNDA NOS JORNAIS

- Estadão: Planejamento falho adia operação de 70 usinas
Folha: Pequenos trechos concentram 20% das mortes nas estradas
Globo: Ex-diretor receberia até 50% em contratos fechados
Correio: #vaitrabalhardeputado: Câmara gasta mais do que 11 cidades do Entorno juntas
Estado de Minas: Tudo azul – Campeão no Mineirão… Bicampeão no Mineirinho
Jornal do Commercio: Aos pés de Magrão
Zero Hora: É tetra!
Brasil Econômico: “Energia precisa de realismo tarifário”