quarta-feira, abril 13, 2016

Os responsáveis - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO - 13/04

Dilma, Mantega, Barbosa e Arno: os nomes da pior crise

A economia brasileira enfrenta, no biênio 2015-2016, aquela que já é considerada a mais longa recessão de sua história. Na verdade, segundo o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da Fundação Getulio Vargas, a recessão começou no segundo trimestre de 2014, ano em que o Produto Interno Bruto (PIB) avançou 0,1%.

O PIB caminha para encolher 8% nestes dois anos. A renda per capita deve contrair 10%. E a recuperação, mesmo que o atual governo sobreviva ao impeachment e dê uma guinada ortodoxa na política econômica ou que um novo governo, com capital político, assuma e decida fazer tudo certinho, será bem lenta porque a desarrumação na área fiscal é grande. O país deve levar alguns anos para colocar a casa em ordem. A década atual está perdida.

Em 25 anos de redemocratização - 1985-2010 -, o Brasil estabilizou a política e a economia depois de passar por experimentos fracassados de controle de preços, decretar a moratória da dívida externa e tornar-se um pária no sistema de crédito internacional, confiscar os depósitos e a poupança da população, assistir à falência do Estado e conviver com inflação crônica e hiperinflação. Não resolver todos os problemas estruturais, mas criou as condições para crescer de forma mais rápida e, assim, começar a combater a pobreza e a diminuir as desigualdades sociais, chagas seculares de sua história.

Mas eis que, quando tudo parecia caminhar bem, um governo eleito democraticamente decidiu mudar o rumo das coisas, apenas porque suas convicções não estavam de acordo com uma política que, apesar de bem-sucedida, considerava "neoliberal". Em apenas quatro anos, a nova administração demoliu a solidez fiscal, âncora do razoável sucesso obtido nos 12 anos anteriores e esteio da confiança de empresários e consumidores na economia.

O Brasil não entrou em crise por causa de fatores externos. A ruína, que em grande medida explica a instabilidade política, foi produzida aqui mesmo. Os principais responsáveis por isso são os seguintes cidadãos:

1. DILMA ROUSSEFF: ainda ministra das Minas e Energia, não se conformou com as opções feitas por Lula na economia. De tanto ouvir suas críticas, o chefe lhe pediu um plano alternativo, que nunca apareceu. Em 2005, promovida à chefe da Casa Civil, rejeitou proposta da área econômica para zerar o déficit público. No segundo mandato de Lula (2007-2010), criou um programa (o PAC) para aumentar a participação do Tesouro e das estatais em investimentos públicos. Incentivou o BNDES a adotar a política de campeãs nacionais, que consistia em escolher e financiar grandes empresas, com dinheiro subsidiado, para que elas se tornassem líderes mundiais. Foi a principal artífice da mudança do regime de exploração de petróleo, de concessão para partilha; da decisão que tornou a Petrobras a operadora única do pré-sal, com presença mínima em 30% do capital dos consórcios; e da política de conteúdo nacional, medidas que, combinadas, quebraram a estatal e paralisaram o setor no país. Em seu primeiro mandato, superindexou o salário mínimo à inflação e ao PIB; suspendeu a autonomia informal do Banco Central; admitiu inflação mais alta; fez intervenção desastrada no setor energético; congelou os preços dos combustíveis e abandonou a disciplina fiscal.

2. GUIDO MANTEGA: ministro da Fazenda mais longevo da história, emitiu os primeiros sinais de mudança em junho de 2007, quando operou para Lula fixar em 4,5% a meta de inflação de 2009, relevando o fato de o IPCA do ano anterior ter ficado em 3,6%, abaixo do alvo oficial. O mercado entendeu que o processo de desinflação terminara ali e que, portanto, não haveria espaço nos anos seguintes para redução dos juros. O ministro trabalhou intensamente nos bastidores para derrubar Henrique Meirelles do comando do BC e aproveitou a crise mundial de 2008 para expandir a oferta de crédito dos bancos estatais e reduzir, na marra, os spreads bancários. No primeiro mandato de Dilma, mesmo perdendo influência para Nelson Barbosa e Arno Augustin, pôs em prática medidas que solaparam de vez a disciplina fiscal, como o fim da exigência de que Estados e municípios cumprissem a meta fiscal e a concessão de desonerações tributárias para estimular o consumo a qualquer preço. Saiu do governo apontado como principal responsável pelo fracasso, a ponto de ser vaiado em locais públicos.

3. NELSON BARBOSA: foi o principal mentor da Nova Matriz Econômica, o conjunto de medidas concebido para relativizar o tripé de política econômica (superávit primário, câmbio flutuante e metas de inflação) e criar um "novo equilíbrio" - câmbio desvalorizado e juros baixos, no lugar de câmbio apreciado e juros altos. Crítico mordaz do ajuste realizado no primeiro mandato de Lula e adversário aberto da política monetária conduzida pelo BC, tirou proveito da crise de 2008 para pôr em prática a ideia que lhe é mais cara: a de que a expansão dos gastos públicos, com a consequente redução do superávit primário, faz o setor privado investir e acelerar a taxa de crescimento. Principal assessor de Dilma, esperou Lula deixar o governo para implodir a política "neoliberal". À medida que a Nova Matriz dava errado, sugeria a diminuição do esforço fiscal. Quando o navio começou a emborcar, pulou fora, alegando divergência com o capitão, mas retornou um ano e meio depois. Como ministro do Planejamento, conspirou para tirar Joaquim Levy da Fazenda, o que acabou logrando um ano depois. Antes, entregou-lhe um corte no orçamento de R$ 69,9 bilhões para não dar R$ 70 bilhões; reduziu a meta de superávit; mandou ao Congresso proposta de orçamento deficitário - medidas que fizeram o país perder o selo de bom pagador de dívidas, obtido sete anos antes -; abriu a porteira para os Estados reduzirem o pagamento do que devem à União etc.

4. ARNO AUGUSTIN: passou despercebido no segundo mandato de Lula, mas, próximo de Dilma, assumiu enorme importância depois, ocupando o mesmo cargo (o de secretário do Tesouro). Nas reuniões com empresários e técnicos, defendeu de forma intransigente a fixação de taxas internas de retorno incompatíveis com o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. É responsabilizado pela "contabilidade criativa", manobra adotada para forjar o cumprimento da meta de superávit primário em 2012, e pelas "pedaladas fiscais", a retenção de repasses de programas federais a bancos estatais, que se viram obrigados a bancar o gasto, descumprindo a Constituição, que veda o financiamento do Tesouro pelas estatais - o objetivo foi o mesmo: mascarar o esforço fiscal.

Algo se mexe na Câmara - ROSÂNGELA BITTAR

VALOR ECONÔMICO - 13/04

Com o governo em acelerada decomposição e a ideia do impeachment avançando, seria de estranhar que o vice-presidente Michel Temer, que deve assumir as funções de presidente caso a titular seja impedida, não tivesse uma equipe forte e uma palavra já pensada para um discurso à Nação, além de um plano formulado para gerir a crise econômica, política e moral do Brasil. Como também a presidente Dilma Rousseff tem, muito mais que seu vice, um plano de medidas que acha lhe irão possibilitar a volta por cima na política, a recomposição de sua base parlamentar, as novas equipes que assumirão especialmente para compor o governo de duplo comando Dilma 2 e Lula 3, e medidas, muitas, já formuladas e prontas para adoção imediata.

É uma disputa eleitoral simples, em que um candidato precisa de 342 votos de deputados federais para ser eleito, e o outro precisa que não se chegue a esses 342 votos para ficar no cargo. Michel Temer, se foi intencional ou não o vazamento de seu rascunho de discurso caso vencesse a disputa (é difícil acreditar que um lance desses tenha saído dos ladinos do PMDB por acaso) não fez nada diferente do vice-presidente Itamar Franco, que assumiu o cargo titular com o impeachment de Fernando Collor.

A sociedade quer segurança, os apoiadores também querem, todos querem saber se haverá um líder capaz de tentar fazer algo imediatamente, e é isso que Temer tentou mostrar com suas duas cartas aos brasileiros, uma escrita e outra oral. Dilma também tem mostrado, especialmente por intermédio do ministroJaques Wagner, uma vez que ela não dá entrevista, não formula programas, não responde a denúncias e críticas, apenas não as aceita e gasta suas energias em discursos políticos vazios de ideias e cheios de slogans de palanque, que sua equipe está trabalhando em medidas caso vença a votação do domingo próximo. Seu discurso de vitória, é claro, está pronto, e os ministros têm salpicado algumas ideias sobre a peça em pronunciamentos recentes.

A diferença de Itamar Franco é que nos idos de 1992, do impeachment do Collor, a tecnologia do celular não existia, e o que o Temer gravou agora ele mandou falar com cada um. O recado era o meio. Evidentemente para dar garantias de que não faria o que a propaganda negativa dizia que ia fazer (como hoje no caso dos programas sociais) e para mostrar que tinha equipe forte e ação de governo já preparada.

Não há mistério no cenário de domingo, e as agonias do momento se devem à propaganda eleitoral negativa. Mas também definido não está.

A incerteza sobre o resultado tem muitas explicações, e uma delas é a própria composição da Câmara dos Deputados. Quem se vendeu, se é que está havendo esse tipo de barganha, já se vendeu, o comércio foi feito. Quanto à votação, várias questões podem definir seu rumo, uma delas diz respeito a uma influência que passou a ser notada esta semana: a das famílias.

Os deputados brasileiros aceitam a liderança do ex-presidente Lula e da presidente Dilma?

São cerca de 250 deputados com menos de 50 anos. Com exceção do PT e do PCdoB, cuja posição a sociedade entende, por ser óbvia, os parlamentares examinarão se vale a pena ou não seguir essas lideranças. Alguns estão em primeiro mandato, há um número grande com dois mandatos apenas, e, segundo levantamentos recentes, uma maioria com menos de 50 anos e menos de três mandatos.

Mais suscetíveis, portanto, às pressões da família, dos amigos, do público de restaurantes e da rua, com uma carreira política pela frente, do que dos esquemas das eleições municipais ou das ordens partidárias. Muito se falou que a pesquisa que coloca Lula em primeiro lugar na disputa eleitoral de 2018 sensibilizaria esses políticos pela perspectiva de continuidade de poder, mas logo se viu discussões, entre novatos, que Lula, presidente, foi colocado numa lista em confronto com candidatos sem recall de governo. Lula vai ser comparado com o quê? Se 20% dos parlamentares conhecerem o governo Juscelino, são muitos; se 10% souberem como foi o de Getúlio, são demais. É um presidente, em ação, contra uns nomes que não estão em campanha.

Lula, que não pode ser investigado por um juiz de primeira instância, negocia o apoio à presidente Dilma, que não tem compromisso com nada. Mas ambos estão no comando, e podem ficar agora e a partir de 2018.

Portanto, é uma questão de querer ou não prosseguir sob a liderança desse grupo.

Algo se mexe esta semana no sentido de abalar posições que se imaginavam conquistadas para o governo, e pode ser o casamento entre a jovialidade do grupo que vai votar o impeachment com um certo destemor de mudar os líderes do processo de recuperação da crise do país. Antecipá-la para agora, e não esperar 2018 até chegar um novo governo para mudar tudo.

A negociação do apoio a Dilma, conduzida especialmente por Lula, estava, até a semana passada, dada como eficaz. Houve uma mudança, porém, a certeza evaporou, e o comportamento do governo tem sido o de perder votos, não de ganhar.

Centrar a tese de defesa no slogan do golpe, a esta altura do processo constitucional que se desenrola com acompanhamento atento do Supremo Tribunal Federal, não tem justificativa. Menos ainda comove o discurso político que tenta atribuir o impeachment a uma vingança de Eduardo Cunha, presidente da Câmara. Se foi, ele não saiu um milímetro do rito por causa desse sentimento. Cunha pode e já foi acusado de muitos crimes, e deverá pagar por eles no momento de seu devido processo, mas nenhum relacionado à função de presidente da Câmara e à condução da denúncia do impeachment. Ele nada está fazendo, também, diferente do que fez o presidente da Câmara de 1992, Ibsen Pinheiro.

E ainda se quer fazer crer que o impeachment está muito embolado, o que não é verdade. Melhor fará o governo se correr para buscar argumentos e defesa consistentes para recuperar o prejuízo desta semana.

O impeachment está avançando apesar da propalada tese de que está tudo uma bagunça. Já se viu que essa é uma ideia da predileção de quem não quer o impeachment. Voltando à síntese: se os deputados quiserem a liderança de Lula e da Dilma, não terá impeachment. Se perceberem que é uma roubada, haverá impeachment.

O efeito manada - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 13/04

Efeito manada leva partidos inteiros para o impeachment. O que mais o governo temia está acontecendo: o efeito manada está levando partidos inteiros para o impeachment, tornando inúteis os ministérios, as diretorias, todas as miçangas que o cacique Lula está oferecendo em cena aberta em Brasília.

Já não acreditam que haverá governo na segunda-feira próxima para cumprir o prometido, e mais do que isso, não acreditam que, havendo governo, o prometido será cumprido. Essa desconfiança básica do PT e, sobretudo, da presidente Dilma, é o que move o xadrez em Brasília contra o governo.

Com a decisão do PP de sair do governo, e a tendência do PMDB de fechar questão a favor do impeachment, forma-se a maioria de 342 votos necessários para aprovar o impeachment na Câmara. Isso sem contar com a debandada que pode ocorrer no PSD e no PR, que já liberaram suas bancadas para a votação.

A prisão do ex-senador Gim Argello, companheiro de caminhadas matinais da presidente, e o veto de uma juíza federal a que seu novo ministro da Justiça permaneça no cargo foram duas pedras de bom tamanho surgidas ontem no caminho tortuoso da presidente Dilma.

Indicado com apoio do Palácio do Planalto para uma vaga do Tribunal de Contas da União (TCU), Argello sofreu um boicote silencioso dos ministros, que ameaçaram nos bastidores rejeitá-lo. Seu nome teve que ser retirado às pressas, num acontecimento inusitado em Brasília.

É claro que, faltando algumas horas para a votação final, tudo pode acontecer, numa terra em que tanto vazam gravações feitas para incriminar quanto as que incriminam sem que essa fosse a vontade expressa, embora possa ser a expressão de um ato falho de um vice ansioso para assumir seu lugar na História.

A reação da presidente Dilma, tentando transformar a gafe de Temer em ato de alta traição, é apenas parte da luta política que os petistas cismam de travar, embora a disputa pareça estar se decidindo contra eles.

Nada indica que a população se indignará com a revelação de que o vice-presidente já se prepara para assumir o cargo, mesmo porque já se sabia que ele estava operando nos bastidores.

Numa eleição direta, é possível que a atitude pudesse mudar votos, mas esse eleitorado segregado aos partidos obedece a critérios mais pragmáticos. A pressão das bases é pela saída de Dilma, e poucos são os que, como Marina, se batem por "nem Dilma, nem Temer".

A realidade se impõe, tanto que a própria Marina tentou levar seu partido para a admissibilidade do impeachment na comissão, e foi boicotada pelo deputado Alessandro Molon, que pressionou o único delegado do partido a votar contra.

Se fosse verdade que os eleitores preferem Dilma a Temer, por causa do histórico fisiológico do PMDB e, sobretudo, devido à ação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, as pesquisas de opinião mostrariam isso com clareza, e não indicariam que 60% da população quer o afastamento de Dilma.

A tentativa de colocar Cunha como o potencial vice-presidente de Temer parece uma boa sacada, mas é muito rocambolesca para ser levada a sério, mesmo porque, caso Temer venha a ser atingido pela ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), provavelmente Cunha já estará fora da presidência da Câmara, porque o resultado deve acontecer só em 2017, ou foi derrubado pelas diversas ações que correm no Supremo contra ele.


Por fim, as teorias da conspiração dominam Brasília. A falta de garra dos petistas e associados no plenário da Comissão pareceu a muitos sinal de que jogaram a toalha. Gritaram muito, mas não trabalharam para obstruir a votação, coisas em que eram especialistas nos seus bons tempos.

Muitos estranham também que no dia em que começava a ser decidida a sorte do governo na Câmara, Lula tenha ido ao Rio receber as homenagens de artistas e populares na Lapa. Parece já preparado para o pós-impeachment.


Espaço público e lei - ROBERTO DAMATTA

O GLOBO - 13/04

A meu ver, magistrados deveriam manter a velha postura de renunciantes do mundo e evitar a celebrização


Somos alérgicos ao igualitarismo. Se um guarda nos detém por alguma coisa, ficamos injuriados. As filas nos ofendem e esperar é um insulto. Preferimos ajuntamentos nos quais podemos encontrar um conhecido e um balcão a nos dividir das pessoas comuns.

A iconografia do século XIX mostra à exaustão a ocupação “caseira” do espaço público. Escravos em torno das fontes que congregavam os não-cidadãos. Os “pobres”, como até hoje os chamamos numa categorização cultural segmentada na qual todos nos encaixamos e que se repete de modo segmentar, não existem sem os ricos. Há, pois “pobres” entre os “ricos”, e “ricos” entre os “pobres”. Eis uma divisão perene, já que em todo lugar nos hierarquizamos. A igualdade produz a desigualdade e há rua na casa e casa na rua. Até mesmo o Congresso Nacional, onde todos são “excelências”, há um “alto” e um “baixo” clero!

A escravidão combinada com a aristocracia branca revela como o trabalho também se segmentava pela identificação do trabalhador com o seu ofício. Assim, eram o verdureiro, o padeiro, o pedreiro, o marceneiro, a costureira, o sapateiro e o açougueiro quem trabalhava com essas mercadorias. Vale lembrar que “brasileiro” era quem extraia pau-brasil.

O trabalho só virou categoria quando criamos um mercado livre da escravidão e a consciência de um “serviço público". Foi, provavelmente, a gramática do socialismo que condensou essas profissões no papel de “trabalhador”. Passamos então a ler a sociedade como constituída de “classes sociais" tentando colocar no fundo, as velhas categorias. Agora, “senhores” eram “patrões”, “chefes” e “diretores” num mundo republicano mais individualizado.

Mas até hoje temos empregados domésticos que passam de pai para filho e são membros ativos, se não queridos, da casa, embora não sejam da família.

Alguns chamam isso de “paternalismo” mas nenhuma categoria define exclusivamente um sistema. No caso do escravismo brasileiro, o regime republicano fundiu ex-escravos com assalariados e com instituições políticas que tanto entraram na casa, quanto saíram da casa para a rua.

Criou-se uma “ética relacional" fundada num sicofantismo desenfreado. Práticas capitalistas impessoais e desumanizadoras foram adotadas mas não se pode imaginar uma separação radical entre o patriarcalismo hierarquizado da casa e as compulsões igualitárias e impessoais da rua e do mercado. O resultado tem sido o populismo e a mentira como parte da “política”.

Chamei isso de “dilema brasileiro". O viés aristocrático foi reprimido mas não entramos no universo capitalista que impessoaliza as relações de trabalho (coisa má) e a igualdade perante a lei (coisa boa). A crise brasileira tem como eixo essa recusa a aceitar o igualitarismo competitivo do mercado, realizando-o debaixo de velhos compadrios de família e, hoje em dia, de incompetência ideológica, e recusando com veemência a igualdade. Não percebemos como um lado neutraliza o outro!

O capitalismo não tem epifanias, mas a regra da lei as promove. Seguir a lei é, como ensinou um insuspeito E. P. Thompson, capital. Regra da lei?, perguntaria um marxista ignorante. Como, se a lei já nasce tendo um lado? Mas onde, cara-pálida, não há lado?

Numa democracia liberal a regra da lei é o abrangente que equilibra fortes e fracos. No nosso caso, um governo imoral e uma população incestuosamente assaltada. Sem a lei, é impossível punir e caminhar. A excepcionalidade da Lava-Jato é fazer com que a lei seja realmente igual para todos, num país onde abundam recursos e leniência para os poderosos.

Não é preciso acentuar que a lei é feita para realizar a Justiça, a qual, por seu turno, exige o contraditório, o que não é fácil num sistema marcado pelo esperado perdão dos superiores que canibalizam seus cargos. Dai o imperativo da institucionalização que garante legitimidade por meio da imparcialidade. A regra da lei jaz na busca verdadeira dessa distância que, por sua vez, não pode estar sujeita ao tempo. A Justiça não pode tardar num país onde governar transformou-se num dispositivo de poder e de enriquecimento ilícito.

A meu ver, magistrados deveriam manter a velha postura de renunciantes do mundo e evitar a celebrização. Eles só deveriam aparecer “togados” — esse símbolo de uma difícil isenção. Algo admirável num sistema marcado por interesses, mas esperançoso de uma rara vitória da Justiça.

De caso bem pensado - DORA KRAMER

ESTADÃO - 13/04

À primeira vista, o vice-presidente da República fez uma bobagem ao gravar o ensaio do discurso que faria (fará?) no caso de aprovação do impeachment da presidente Dilma Rousseff. O áudio se tornou público e o “vacilo” de Michel Temer virou o assunto do dia e motivação para o ataque frontal de Dilma a Temer, ontem. Presidente e vice estão em guerra aberta.

Ao contrário do que disse logo ao saber do áudio e repetiu no discurso presidencial, não houve queda alguma de máscara, uma vez que não havia mascarados entre ambos os contendores. O jogo contra e a favor do impeachment ocorre à frente de todos e o espetáculo não é bonito de se ver.

Voltando ao episódio que rivalizou com a aprovação do pedido de impedimento na comissão especial, uma segunda leitura – menos apressada e levando em conta o tipo de político que é o vice – mostra com toda clareza que a divulgação foi intencional. Mais ou menos como ocorreu com aquela carta dirigida à presidente em que, entre outras queixas, reclama de ser mera peça de decoração, de não privar da confiança de Dilma e do fato de nem ele nem ministros do PMDB terem acesso a decisões de governo.

Na época Michel Temer disse que a mensagem não era para ter sido divulgada e seus aliados chegaram a responsabilizar o Palácio do Planalto. Assim como agora, inicialmente o texto foi visto como um erro de cálculo de Temer que, segundo interpretações, teria ficado na posição de menino-chorão. A assessoria da presidente tratou logo de disseminar essa versão e o vice foi ironizado.

De modo precipitado. A precipitação é má conselheira, pois pode produzir o equívoco. Na vida, muitas vezes; na política, sempre. Se há uma característica que não está no “chip” de Temer é a afobação. Cuidadoso ao extremo às vezes da omissão, é frio feito peixe. Não diz uma palavra a mais do que aquilo que realmente está querendo dizer e faz seu jogo mexendo as peças de olho no efeito do lance seguinte.

Hoje pode perfeitamente alegar que a já famosa carta é indicador claro de que não pode ser responsabilizado junto com Dilma por possíveis atos ilícitos do governo. Afinal, um vice apenas não influi nem contribui. Se não priva da confiança da presidente, é claro que ela não dividiu com ele suas decisões. Se o PMDB foi alijado do núcleo de poder, o partido em tese não tem nada a ver com “isso tudo que está aí”.

Tudo muito bem pesado e medido antes de ser escrito. Note-se que o elenco de recados certeiros também esteve presente no áudio: mostra-se um homem ponderado em momento conturbado, propõe o diálogo, a pacificação dos ânimos, toca em todos os pontos passíveis de correção no governo e fala aos setores interessados. Ou seja, todos, empresários, trabalhadores, movimentos sociais, pobres e ricos.

Não se esqueceu de nada. Disse o que as pessoas (ao menos a maioria) querem ouvir. Se ele vai ter oportunidade de fazer são outros quinhentos a serem contabilizados a partir de domingo próximo. Se efetivamente vai fazer, tampouco é possível saber. Mas, a intenção era fazer aquele discurso a fim de se mostrar preparado para o que der e vier. Como se propôs oficialmente a se preservar, Temer estava impedido de convocar uma entrevista coletiva para anunciar suas pretensões.

Ora, então um político que foi três vezes presidente da Câmara, tem mais de 70 anos de idade e décadas dedicadas ao ofício, iria gravar a prova do crime? E mais: apertar uma tecla de telefone por engano? Coincidências existem, mas na área de trabalho das raposas elas são raríssimas exceções. E vejam o caro leitor e a prezada leitora que o grupo de WhatsApp onde o vice-presidente cometeu a “gafe” havia sido criado na véspera.

Seria de acrescentar, com finalidade específica.


A jurisprudência do berro - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 13/04

A presidente Dilma Rousseff foi fragorosamente derrotada na Comissão Especial do Impeachment na Câmara. Mesmo diante do rolo compressor do Palácio do Planalto, que incluiu manobras mirabolantes para modificar a composição da comissão a seu favor e que ofereceu até terrenos na Lua para os deputados que se dispusessem a defender a petista, o placar de 38 votos a 27 pela continuidade do processo contra Dilma não dá margem a nenhuma dúvida: o impeachment está em pleno curso, pois é esse o desejo da maioria absoluta dos brasileiros. Resta à ainda presidente espernear – e ela resolveu fazê-lo da pior maneira possível, em franco desafio aos demais Poderes, denunciando histericamente um “golpe” onde só há o pleno respeito ao que prevê a Constituição. Em seu desespero ante o iminente despejo do Palácio da Alvorada, Dilma abandonou os últimos vestígios de dignidade que ainda lhe restavam.

Num desses eventos que o Planalto tem programado a respeito de qualquer coisa ou de nada, Dilma saiu do sério ao vituperar o vazamento de um discurso que o vice-presidente Michel Temer preparava para o caso de o processo de impeachment passar no plenário da Câmara. Atribuiu ao vice-presidente a liderança de um complô para derrubá-la, em conluio com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Os dois foram chamados por ela de “chefe e vice-chefe do gabinete do golpe”. Para a presidente, o vazamento da fala de Temer prestou-se a “difundir a ordem unida da conspiração”. O pecado de Temer foi explicitar o que fará se for chamado a assumir a Presidência – o que é apenas natural para quem ocupa aquela função –, e se erro cometeu foi o de acalmar a Nação que vinha sendo sobressaltada pela tigrada que, ante a iminência da derrota de Dilma, espalhou que o sucessor acabaria com programas sociais, violaria direitos adquiridos e iria além, muito além do saco de maldades de Collor.

Se alguém está pisando na Constituição é Dilma Rousseff e seus prepostos. Nem é preciso mencionar os crimes que ela cometeu ao autorizar as pedaladas fiscais, maquiando as contas públicas para enganar o País e ganhar a reeleição no grito, pois esses delitos são os que constam no processo de impeachment ora em curso e são bastante conhecidos.

Mas Dilma vem cometendo outros atentados à Constituição e ao decoro.

Para salvar seu mandato, Dilma decidiu lotear o governo, entregando cargos e verbas somente aos deputados que se comprometam a votar a seu favor – e o pagamento só será feito contra entrega.

Essa negociação, que deprava a administração pública como jamais se viu na história do País, é tão vergonhosa que está sendo feita na penumbra de um quarto de hotel, comandada pelo chefão petista Luiz Inácio Lula da Silva, que oficialmente não ocupa nenhum cargo no governo, mas ganhou procuração irrestrita para agir em nome da Presidência – como se fosse ele, e não Dilma, o eleito por 54 milhões de brasileiros.

Dilma não se acanha de usar todo o aparato do governo federal como se fosse sua propriedade. Todos os dias, em evidente violação das regras constitucionais, a petista faz da Presidência um palanque, no qual acusa o Congresso de tramar o tal “golpe” e o Judiciário de ser força auxiliar dos “conspiradores”. Além disso, para se defender no processo de impeachment, Dilma explora os serviços de José Eduardo Cardozo, o advogado-geral da União – que, pela Constituição, existe apenas para representar a União, jamais a presidente da República. Dilma também não se sentiu constrangida em nomear Lula para um Ministério, dando-lhe foro privilegiado para escapar do juiz Sérgio Moro. A manobra para proteger o chefão petista e obstruir a Justiça foi tão evidente que a nomeação foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal.

A lista das afrontas de Dilma à Constituição, portanto, é extensa. A esta altura, o País já sabe muito bem quem está atentando contra as instituições. Cabe ao Congresso não permitir que tal golpe triunfe, impedindo que os aventureiros petistas, liderados por Dilma e Lula, instituam a jurisprudência do berro e, com isso, destruam os pilares da democracia brasileira. Para isso, basta que os parlamentares, ao avaliarem o processo de impeachment, sigam o que está previsto na lei.

Anatocismo e vergonha na cara - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 13/04

Se algo custa inicialmente R$ 10 e seu preço aumenta em 10% no primeiro ano, o valor passa a R$ 11. Novo aumento de 10% fará com que o produto passe a custar R$ 12,10, ou seja, 21% em dois anos (não 20%).

Caso o PIB de um país seja originalmente R$ 100 e sua taxa média de crescimento seja de 4% ao ano, ao final de dez anos o produto alcançará R$ 148 (e uns trocados), não R$ 140.

Por fim, se uma população de bactérias dobra de tamanho a cada hora, ao final de um dia teremos pouco menos de 16,8 milhões de bactérias para cada indivíduo original.

Em todos esses exemplos as taxas de expansão são "compostas", isto é, o crescimento incide não apenas sobre o valor inicial (como seria o caso do crescimento "simples") mas sobre o valor inicial adicionado do próprio aumento a cada período. Exatamente por esse motivo tal crescimento é conhecido como exponencial. É o poder do expoente que fez o PIB per capita da Europa Ocidental saltar de US$ 1.200 para US$ 21.700 (mais de 17 vezes!) entre 1820 e 2008 crescendo à taxa aparentemente modesta de 1,6% ao ano.

Crescimento exponencial é um fato da vida e ainda estou para ver quem esteja preparado a devolver os rendimentos de sua aplicação num CDB ou caderneta de poupança, sobre os quais incidem juros compostos.

Isso obviamente não impediu o Estado de Santa Catarina de pedir que sua dívida com o governo federal seja atualizada por juros simples por meio de mandado de segurança junto ao STF.

O tribunal decidiu liminarmente a favor do Estado (mais recentemente a favor do Rio Grande do Sul também), sem ainda discutir o mérito do argumento, o que não impediu seu secretário da Fazenda de comemorar o resultado, afirmando não dever mais nada para a União e que "a vitória de hoje vai dar uma autonomia financeira muito grande para Santa Catarina", ou seja, que o Estado há de gastar ainda mais.

Não é preciso dizer que outros Estados já saboreiam a possibilidade de "autonomia financeira", preparando o terreno para nova crise, 20 anos depois de terem sido mais uma vez resgatados pelo governo federal, com o dinheiro, é bom lembrar, de todos os contribuintes, inclusive (e principalmente) daqueles de Estados que não se beneficiaram da renegociação das dívidas estaduais.

Trata-se, enfim, de apenas mais um aspecto da política de Robin Hood às avessas, em que Estados mais pobres transferiram renda para os mais ricos e agora, em vez de receberem de volta, ficam novamente a ver navios.

Aliás, em que pese o choramingo dos Estados, a verdade é que sua dívida para com a União, reestruturada pela lei 9.496/97, vem em trajetória nítida de queda, de um pico equivalente a 13% do PIB no início de 2003 para menos de 8% do PIB em fevereiro deste ano. Essa trajetória não sugere que a dívida seja "impagável", como argumentado, muito pelo contrário.

Apesar disso, o governo federal não apenas permitiu que Estados aumentassem seu endividamento, em particular o externo (que saltou de US$ 6 bilhões em 2008 para quase US$ 30 bilhões no começo deste ano), como também cedeu a esses, permitindo nova rodada de renegociação de suas dívidas. Colheu, em troca, apenas ações como a de Santa Catarina, que, se julgadas procedentes pelo STF, hão de jogar o país numa crise fiscal sem precedentes.

O problema não é o anatocismo; apenas a falta de vergonha na cara.


Flores - MONICA DE BOLLE

ESTADÃO - 13/04

Flores, revisões do crescimento, pólen, reuniões de primavera do FMI e do Banco Mundial em Washington DC. O que se projeta para o horizonte próximo é espelho do que há tempos se diz sobre o estado da economia mundial. “Demasiado lenta por tempo demasiado” é como o FMI caracteriza a expansão mundial no seu mais recente World Economic Outlook (“Panorama Econômico Global”).

A dor - as reformas que muitos países ainda têm de fazer - deve curar algumas lástimas, mas o crescimento é pouco, o comércio frustra, e o investimento é flor que não nasce em parte alguma. As incertezas, a geopolítica, as convulsões sociais, as crises políticas matam o investimento mundo afora antes que possa florescer. Antes fosse de plástico. As flores de plástico não morrem.

Acompanhando o FMI, o Peterson Institute for International Economics acaba de divulgar suas projeções para o crescimento das principais economias do planeta, como faz regularmente duas vezes ao ano, durante as reuniões das instituições de Bretton Woods. Trocando em miúdos, a expansão da atividade na Europa não deve passar de 1,5% nos próximos dois anos; o Japão dos samurais monetários e das taxas de juros negativas não haverá de crescer mais do que 0,6% ou 0,7%; a Inglaterra e os EUA, onde as medidas de estímulo monetário excepcionais nos anos posteriores à crise financeira internacional tiveram mais sucesso, deverão expandir-se em ritmo próximo daquele que é considerado seu potencial, ao redor de 2%. Flores desenxabidas.

Na China, o crescimento deve minguar de cerca de 7% em 2015 para uns 6% em 2017. Trata-se, porém, de desaceleração gradual, não de desastre anunciado. É pouco provável que ocorra na China a catástrofe econômica que os mercados e os eternos pessimistas volta e meia enxergam, ainda que a divulgação dos Panama Papers possa vir a causar alguma turbulência política. A China torna-se, cada vez mais, uma economia cujo pilar principal são os serviços, não a indústria ou a produção de bens manufaturados. O setor de serviços, hoje, representa mais da metade da economia chinesa. Tal transformação, contudo, traz consequências negativas para o resto do mundo, ainda que não seja o caso de se cortar pulsos e punhos. Exemplo disso é a evolução recente do volume de importações chinesas de bens: entre 2012 e 2014, o crescimento médio anual das importações chinesas situava-se em torno de 10%; hoje, ele está próximo de zero. Os países que mais sofrem? Em ordem decrescente: a Austrália, a Coreia do Sul, o Japão, o Brasil. Para esses países, a China da atualidade não é flor vibrante, mas erva daninha.

Erva daninha nasce em terra arrasada? O Brasil tornou-se aquele país que se sobressai em qualquer tabela comparativa, recessão seguida de recessão, ano após ano, o desastre. É difícil para quem não viveu a hecatombe brasileira entender como chegamos a esse ponto. Artigo recente de Robert Samuelson publicado no Washington Post para o qual contribuí como fonte afirma: “O que o Brasil ensina é que a promessa dos ‘países emergentes’ não passava de ‘wishful thinking’”. A presunção era a de que esses países, sobretudo os Brics, iriam estreitar o hiato em relação às sociedades mais avançadas. Adotariam novas tecnologias, expandiriam seus sistemas de educação, aprimorariam a administração local.

O que se perdeu nessa visão simplista foi a relevância das diferenças nacionais - dos valores, das instituições, da política - para garantir o crescimento sustentável”. A Índia, de acordo com as projeções do Peterson Institute, deve crescer 7,5% ao ano, em média, no biênio 2016-2017. E vejam que há problemas de sobra na Índia: uma matriz energética precária, governos frágeis sustentados por coalizões esquisitas, grandes gargalos de infraestrutura. Mas está comprometida com o fortalecimento de instituições e políticas que garantam a estabilidade macroeconômica. Está, também, engajada em diálogos intensos com parceiros regionais e com os EUA para aumentar sua inserção global, aprimorando laços de comércio e de investimento direto. A Índia cresce, o Brasil padece.

No Brasil, as flores têm cheiro de morte.

ECONOMISTA, PESQUISADORA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

Outro surto de loucura - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 13/04

No desespero, Estados querem resolver sua situação fiscal com mágica financeira. Querer "requebrar" o país inteiro. 


Imagine-se que o leitor tenha a boa sorte e a prudência de haver acumulado alguma poupança, aplicações financeiras, "investimentos". Imagine ainda que, um certo dia, chegue uma carta assustadora do banco: o leitor não tem mais aquele dinheiro que imaginava poupado até ontem. Tem muito menos. Talvez tenha de devolver algum para o banco.

Não, não foi um erro. Uma decisão de alguma suprema e etérea corte de Justiça acabou de restaurar uma norma comercial de leis do Império, herdada de tempos medievais, que proíbe a cobrança de juros compostos, "juros sobre juros". Era assim que o dinheiro da sua aplicação financeira vinha rendendo, era assim que vinha sendo capitalizado. No entanto, essa corte de Justiça abstraída da realidade decidiu que valem apenas juros simples.
Revolta? Colapso financeiro? Tumulto nas relações financeiras? Insegurança jurídica?

Pois bem. É o que acaba de acontecer com a dívida de Estados com a União. Em decisão provisória, o Supremo Tribunal Federal decidiu na quinta-feira passada que o Estado de Santa Catarina pode, por enquanto, recalcular sua dívida com o governo federal com base em juros simples. O Rio Grande do Sul obteve a mesma liminar. Alagoas e Rio de Janeiro pretendem também buscar o maná picareta. Se valer para todo o mundo, o prejuízo federal pode ir a centenas de bilhões.

Como se sabe, no caso da capitalização composta, "juros sobre juros", a taxa de juros de um empréstimo, por exemplo, incide sobre os juros que não foram pagos, mas incorporados à dívida original. Tomei emprestados R$ 100, a uma taxa de juros de 10% ao ano, por dois anos. Ao final do primeiro ano, a dívida é de R$ 110 (R$ 100 do empréstimo, mais R$ 10 de juros não pagos no primeiro ano). Ao final do segundo ano, a dívida é de R$ 121 (R$ 110 mais 10% sobre esse valor: R$ 11).

Pode-se fazer a coisa de outro modo: pedir taxas de juros simples mais altas e outras maluquices complexas e ineficientes extintas em quase qualquer lugar do planeta. Até a rudimentar caderneta de poupança rende "juros compostos".

Em mais um capítulo da regressão brasileira às selvas, alguns Estados querem aplicar o truque a fim de se safar magicamente de suas dívidas. O artifício é ainda mais louco e inacreditável quando se lembra que o governo federal, a União, assumiu a dívida impagável dos Estados nos anos 1990, deu um desconto, refinanciou, tudo a fim de evitar uma quebra catastrófica, entre outros problemas.

Para assumir tais compromissos, o governo federal, a União, tomou dívida a "juros compostos" no mercado. Pior ainda, os Estados que conseguiram os maiores refinanciamentos eram os mais ricos. No entanto, os juros da dívida federal são pagos pelo país inteiro.

A coisa toda em si mesma já é muito descarada, mas pode ficar ainda pior caso não se contenha essa demência. Uma eventual decisão definitiva do Supremo em favor dessa demanda alucinada pode provocar efeitos em cascata, criar "precedentes", provocar tumultos e tentativas de revisões de relações financeiras variadas.

No desespero, Estados querem resolver sua situação fiscal com mágica financeira. Querer "requebrar" o país inteiro.


Baita confusão - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 13/04

Foi apenas uma decisão liminar, mas foi o suficiente para produzir uma aflição generalizada no governo e nos economistas que acompanham as contas públicas. Se o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmar que a correção da dívida dos estados é por juros simples, todos os débitos teriam que ser recalculados, os indicadores fiscais teriam que mudar, e até as aplicações financeiras.

Se existe algo do qual o Brasil não precisa é mais uma confusão. Mas foi isso que passou a ter desde que, na última quinta-feira, por 9 a 2, o STF concedeu liminar ao mandado de segurança impetrado por Santa Catarina. O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, pediu ao Supremo que seja julgado o mérito o mais rápido possível. Ontem, o Rio Grande do Sul recebeu a mesma decisão liminar, e Minas Gerais e Alagoas também entraram na Justiça. Pela decisão, provisória, os estados podem pagar o que acham que devem, de juros das dívidas à União, e o Tesouro não pode aplicar qualquer sanção nem colocá-los como inadimplentes.

O que Santa Catarina quer é que os juros que incidem sobre a dívida sejam juros simples e não compostos. Se isso for aceito, muda-se todo o ordenamento que rege dívidas e créditos porque toda a economia funciona com juros compostos. Uma dívida longa e cara tem um crescimento forte exatamente pela prática comum dos juros compostos. Eles valem também para qualquer aplicação financeira.

A Fazenda fez o cálculo e concluiu que, se prevalecer esse entendimento, a União terá um custo extra de R$ 313 bilhões. No governo Fernando Henrique, o Tesouro assumiu as dívidas de todos os estados e das maiores cidades com os mais variados credores. Passou a ser credor e refinanciou a juros menores do que eles pagavam. Ao todo, o Tesouro teve um gasto, com o diferencial do que paga pela sua dívida e o que pode cobrar dos estados, de R$ 209 bilhões de 1997 a 2013, pelas contas do assessor econômico do Senado Pedro Jucá Maciel, especialista em contas públicas. O governo Dilma reabriu esse acordo aceitando o pedido dos estados de trocar o IGPM + 6% por IPCA + 4%.

Essa troca teria que começar a valer em 31 de janeiro de 2016 e os novos contratos estão sendo fechados. O estado de Santa Catarina alega que não foi informado anteriormente sobre o quanto deveria pagar de juros. Quando chegou a conta, questionou o Ministério da Fazenda sobre os cálculos, e alega que não obteve resposta. Diante disso, resolveu entrar com mandado de segurança no STF para pagar o que acha correto, sem entrar para a lista de inadimplentes da União, o que impossibilitaria o estado de receber repasses do governo.

- Santa Catarina nos procurou com a tese de que o correto seria o pagamento de juros simples. Não é que nós não demos resposta, é que nós não demos a resposta que o estado queria, que era admitir a tese deles como correta - diz o secretário do Tesouro, Otávio Ladeira.

O mandado de segurança de Santa Catarina foi concedido por 9 a 2, mas sem avaliação do mérito. O ministro Luiz Fux sugeriu que fosse concedida também uma liminar para que Santa Catarina pudesse pagar a conta que acha justa, sem entrar para a lista de inadimplentes, e isso foi aprovado também pelo STF. Segundo a assessoria do STF, o ministro Fachin já colocou o tema na pauta, para o julgamento do mérito, mas quem decide as votações é o presidente Ricardo Lewandowski.

- Na redação da Lei 148 está registrado que a correção será pela variação acumulada da taxa Selic. E nos parece óbvio que isso representa juros compostos, porque é o que sempre foi usado. Se a Justiça decidir que terá que ser juros simples, todos os devedores vão querer a mesma coisa. A remuneração das aplicações financeiras terá que ser revista. Os indicadores fiscais de dívida e meta terão que ser recalculados - diz o secretário do Tesouro.

Se isso for adiante, será o começo de um grande terremoto em todo o mercado de crédito no Brasil. Seria também, como diz Ladeira, um enorme benefício para os estados mais endividados, que são exatamente os maiores. Piauí, por exemplo, já pagou a dívida. São Paulo representa 44% da dívida total. Os quatro maiores são 80% da dívida. Mas a confusão não é apenas entre os estados e a União, tem potencial para atingir qualquer relação entre devedor e credor na economia brasileira. Uma baita confusão.


Líderes têm de contribuir para clima de tranquilidade - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 13/04

Seja ou não aprovado o impeachment na Câmara, partidos e grupos políticos precisam exercitar a convivência com opiniões contrárias, essência da democracia



Assim como se venceu a primeira etapa do processo de impeachment sem sobressaltos, com a aprovação do voto do relator contra a presidente Dilma, na segunda-feira, que tudo continue da mesma forma na votação em plenário da decisão da comissão especial, prevista para domingo.

Os cuidados com a segurança nas ruas são fundamentais, e todos precisam contar com a sensatez e a capacidade de convivência entre opiniões políticas e ideológicas contrárias, a partir do bom exemplo dos líderes dos dois lados. Como é característica da democracia.

Neste sentido, em especial líderes petistas que assumiram discursos agressivos e ameaçadores em alguns momentos, eles precisam agora contribuir para o apaziguamento do país, e independentemente do resultado da votação em plenário.

As instituições já demonstraram estar fortes o suficiente para desestimular quem deseja voltar ao tempo de se tentar impor projetos políticos “na marra”. Mas todas as forças políticas são corresponsáveis pela manutenção da tranquilidade.

Caso os defensores do impedimento da presidente consigam sair vitoriosos no domingo, o exercício da tolerância continuará crucial. Como estabelece a lei, neste caso a presidente será imediatamente afastada do cargo, o vice Michel Temer tomará posse, e começará a contar o prazo de até seis meses para o julgamento propriamente dito de Dilma, pelo Senado, sob a supervisão do presidente do Supremo Tribunal, ministro Ricardo Lewandowski.

Por tudo o que o país já viveu desde a restauração do Estado Democrático de Direito, com a promulgação da atual Constituição em 1988, inexistem motivos para intranquilidade.

Na tramitação em si do processo, um bom sinal é que foi rejeitado o primeiro recurso encaminhado ao Supremo, por um deputado do PDT, nesta fase de proximidade da apreciação do impeachment pelo plenário da Câmara. Ele pedia intervenção da Corte na escolha da ordem de votação das bancadas regionais. O ministro Edson Fachin, com acerto, considerou esta uma questão afeta apenas ao Legislativo. Demonstra haver na Corte o cuidado de não interferir em assuntos do Congresso, nesta hora, tampouco servir a intenções protelatórias no julgamento da presidente.

Situação e oposição saíram com espíritos opostos da votação de segunda-feira. Os defensores do impeachment, animados com a tendência de redução da base do governo. E o Planalto, com declarações otimistas de praxe, mas incapazes de esconder preocupações com estas batidas em retirada.

Não se deve esquecer que o Planalto perdeu numa comissão formada por indicações das lideranças partidárias. E mesmo assim foi derrotado por 11 votos. Mas nada que não possa ser revertido a favor de Dilma em plenário. Afinal, os defensores do impeachment precisam conseguir no mínimo 342 votos firmes contra a presidente, dois terços da Casa.

O Brasil fora do jogo - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 13/04

A economia brasileira encolheu 3,8% no ano passado e deve encolher mais 3,8% em 2016, enquanto a produção global deve aumentar 3,2%, segundo as novas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI). O cenário é um pouco mais sombrio que o apresentado em janeiro e pode piorar, se os riscos - principalmente financeiros - se materializarem. Governos podem recorrer a medidas para reforçar o crescimento e torná-lo mais seguro, mas para isso devem dispor de algum espaço nas políticas monetária e fiscal. Não é o caso do governo brasileiro e isso fica claro, mais uma vez, no Panorama Econômico Mundial publicado pelo Fundo.

A presidente Dilma Rousseff conseguiu converter o Brasil numa espécie de pária entre os países emergentes e em desenvolvimento. A maior parte desses países cresce mais que o grupo dos mais desenvolvidos. Alguns foram severamente afetados pela baixa dos preços dos produtos básicos. Apesar disso, ainda avançam e exibem algum dinamismo. A China, envolvida numa política de reorientação econômica, perdeu impulso nos últimos anos, mas seu Produto Interno Bruto (PIB) aumenta em ritmo próximo de 6,5%.

Só dois Brics estão em recessão, o Brasil e a Rússia. Mas o recuo da economia russa deve-se à queda do preço do petróleo e às restrições que lhe foram impostas, como consequência da invasão da Ucrânia, pelas maiores potências ocidentais.

Na América do Sul, só o Equador, afetado pelo câmbio e pelo preço do petróleo, e a Venezuela, arrasada pela administração bolivariana, exibem desempenhos piores que o brasileiro. Na maior parte da vizinhança, o crescimento continua, a inflação é menor que no Brasil e quase todos têm espaço para manejar a política monetária.

No Brasil, esse espaço é praticamente nulo, embora a alta de preços tenha arrefecido no último bimestre. As projeções apontam para 2016 um resultado melhor que o de 2015. No mercado há previsão de corte de juros no fim do ano, mas dirigentes do Banco Central (BC) continuam negando essa possibilidade.

Especialistas continuam prevendo inflação anual superior a 7%. Na melhor hipótese, o número dificilmente ficará abaixo do limite de tolerância de 6,5%. Entre 2011 e 2014, a taxa oscilou na vizinhança de 6%, mesmo com a compressão política de preços como os da gasolina, da energia elétrica e do transporte público.

O resultado da tolerância à inflação elevada foi a explosão de 2015. Dirigentes do Banco Central podem ter assimilado a lição. Não é o caso dos principais líderes do PT nem de Dilma. Dirigentes partidários pressionam por uma redução de juros. A manutenção da taxa básica em 14,25% já tem sido criticada por analistas como concessão do Comitê de Política Monetária (Copom). Um corte, no entanto, teria sido escandaloso e os chefes do BC têm mantido a compostura.

“No Brasil”, segundo os autores do Panorama, “as autoridades deveriam perseverar nos esforços de consolidação fiscal para favorecer uma retomada da confiança e do investimento.” Sem espaço para afrouxar a política fiscal, resta ao governo uma tarefa mais básica - reconquistar credibilidade e recriar um ambiente estimulante para os negócios. Para levar a inflação à meta de 4,5% em 2017 será necessária uma política monetária apertada. Mas também será preciso cuidar do potencial de crescimento, e para isso, de acordo com o relatório, o governo terá de promover reformas estruturais. São mudanças indispensáveis à elevação da produtividade e do poder de competição. Será importante incluir nessa política as concessões na área de infraestrutura.

Com pouca possibilidade de cortar gastos, o governo precisará de “medidas tributárias no curto prazo”. Não há, de acordo com os analistas do FMI, como evitar um aumento de impostos, mas eles não detalham o tipo de tributo necessário. Não há endosso à recriação do imposto do cheque. Mas a solução do problema fiscal só virá com a eliminação da rigidez orçamentária e de “mandatos insustentáveis do lado do gasto”. Como um governo fraco poderá avançar nessa tarefa politicamente complicada? Nada se diz sobre isso no relatório. É assunto exclusivo dos brasileiros.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

LULA JÁ ADMITE QUE GOVERNO DILMA CHEGOU AO FIM

Após participar de manifestação que reuniu três mil pessoas no Rio de Janeiro, nesta segunda-feira, o ex-presidente Lula teve uma conversa dramática com amigos e artistas que o acompanhavam. Entre um copo e outro, chegou a avaliar que “o governo Dilma chegou ao fim”. Mas ele estava mais interessado em saborear mais um resultado de pesquisa Datafolha que o agradou, situando-o bem na disputa presidencial.

CALOU FUNDO
Lula fez a avaliação sobre “o fim” do governo Dilma sob o impacto da votação da comissão do impeachment, duas horas antes.

HOSTILIDADE
Quando percebeu que fracassariam entendimentos com partidos como PP e PRB, já hostis a Dilma, Lula entregou os pontos.

DISCURSO PROFANO
“Se tivesse preocupado em reverter votos favoráveis ao impeachment, ele não estaria na parte profana”, ironiza o tucano Bruno Araújo (PE).

CHANCE ÚNICA
Até a oposição considera que a melhor chance de sobrevivência de Lula e o PT é voltarem à oposição após o impeachment de Dilma.

PP REJEITA 3 MINISTÉRIOS E CAIXA PELO IMPEACHMENT
O governo jogou pesado para manter o apoio do Partido Progressista. Em troca dos votos do PP contra o impeachment, Dilma e o “ministro sub júdice” Lula ofereceram primeiro o Ministério da Saúde, depois acrescentaram o Ministério da Integração Nacional e até incluíram a presidência da Caixa Econômica Federal. Mas, em vez de empolgar, a oferta provocou revolta nos deputados. Era tarde demais para eles.

DILMA PEGA MAL
Dilma e Lula queriam dar a posse simultânea, nos três novos cargos do PP, primeiro na quarta (6), depois nesta quarta (13). Ninguém aceitou.

NÃO DAVA MAIS
Os deputados do PP colecionam histórias de desprezo e grosserias de Dilma, por isso as tentativas de entendimento foram inúteis.

EVITANDO A DERROTA
Apesar de apoiar Dilma, o presidente do PP, Ciro Nogueira, disse que “não conduziria o partido à derrota”. E acatou a vontade da bancada.

OBJETIVO FINAL
A 28ª fase da Lava Jato, batizada de Operação Vitória de Pirro deve chegar em Alagoas. A força-tarefa investiga a ligação do ex-senador Gim Argello ao financiamento de campanhas eleitorais no Estado.

RENAN NÃO PODE PROTELAR
O presidente do Senado, Renan Calheiros, se recusa a dar prazo para análise do impeachment, se for aprovado na Câmara. Mas, a rigor, Renan não tem o que fazer porque esta no regimento interno: ele deve instalar a comissão no dia seguinte à notificação da Câmara.

SABOREANDO A FAMA
Os 15 minutos de fama do presidente da Comissão do Impeachment subiram à cabeça do deputado Rogério Rosso (PSD-DF), que agora circula nas ruas de Brasília sob escolta de carro com 4 seguranças.

TANTO POR TÃO POUCO
Deputados do PMDB ainda ministros do governo Dilma, Marcelo Castro (Saúde) e Celso Pansera (Ciência e Tecnologia) só lideram os próprios votos, dois, contra o impeachment.

PIXULECO PEDE PASSAGEM
Os partidos de oposição pediram ao governador do DF, Rodrigo Rollemberg (PSB), a autorização para carros de som e inflar bonecos como o Pixuleco e Dilma, com roupas de presidiários, no domingo.

A ÚLTIMA QUE MORRE
Os ex-ministros Henrique Alves (Turismo) e Mauro Lopes (Secretaria de Aviação Civil), do PMDB, ainda aparecem como ministros no portal do Planalto. George Hilton (Esporte), do Pros, foi defenestrado do site.

APENAS LINHA AUXILIAR
O processo do impeachment serviu para desfazer mitos. Confirmou, por exemplo, que PSOL e Rede ainda não desencarnaram das origens, e, no Congresso, são apenas linhas auxiliares do PT de Dilma e Lula.

FIM DA LINHA
“Com o desembarque do PP, acabou para o governo”, garante o deputado Paulinho da Força (SD-SP), sobre o rompimento do PP com o governo Dilma, que deve ser anunciado nesta quarta-feira (13).

PENSANDO BEM...
...“fora Cunha” não quer dizer “fica Dilma”.