Foi apenas uma decisão liminar, mas foi o suficiente para produzir uma aflição generalizada no governo e nos economistas que acompanham as contas públicas. Se o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmar que a correção da dívida dos estados é por juros simples, todos os débitos teriam que ser recalculados, os indicadores fiscais teriam que mudar, e até as aplicações financeiras.
Se existe algo do qual o Brasil não precisa é mais uma confusão. Mas foi isso que passou a ter desde que, na última quinta-feira, por 9 a 2, o STF concedeu liminar ao mandado de segurança impetrado por Santa Catarina. O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, pediu ao Supremo que seja julgado o mérito o mais rápido possível. Ontem, o Rio Grande do Sul recebeu a mesma decisão liminar, e Minas Gerais e Alagoas também entraram na Justiça. Pela decisão, provisória, os estados podem pagar o que acham que devem, de juros das dívidas à União, e o Tesouro não pode aplicar qualquer sanção nem colocá-los como inadimplentes.
O que Santa Catarina quer é que os juros que incidem sobre a dívida sejam juros simples e não compostos. Se isso for aceito, muda-se todo o ordenamento que rege dívidas e créditos porque toda a economia funciona com juros compostos. Uma dívida longa e cara tem um crescimento forte exatamente pela prática comum dos juros compostos. Eles valem também para qualquer aplicação financeira.
A Fazenda fez o cálculo e concluiu que, se prevalecer esse entendimento, a União terá um custo extra de R$ 313 bilhões. No governo Fernando Henrique, o Tesouro assumiu as dívidas de todos os estados e das maiores cidades com os mais variados credores. Passou a ser credor e refinanciou a juros menores do que eles pagavam. Ao todo, o Tesouro teve um gasto, com o diferencial do que paga pela sua dívida e o que pode cobrar dos estados, de R$ 209 bilhões de 1997 a 2013, pelas contas do assessor econômico do Senado Pedro Jucá Maciel, especialista em contas públicas. O governo Dilma reabriu esse acordo aceitando o pedido dos estados de trocar o IGPM + 6% por IPCA + 4%.
Essa troca teria que começar a valer em 31 de janeiro de 2016 e os novos contratos estão sendo fechados. O estado de Santa Catarina alega que não foi informado anteriormente sobre o quanto deveria pagar de juros. Quando chegou a conta, questionou o Ministério da Fazenda sobre os cálculos, e alega que não obteve resposta. Diante disso, resolveu entrar com mandado de segurança no STF para pagar o que acha correto, sem entrar para a lista de inadimplentes da União, o que impossibilitaria o estado de receber repasses do governo.
- Santa Catarina nos procurou com a tese de que o correto seria o pagamento de juros simples. Não é que nós não demos resposta, é que nós não demos a resposta que o estado queria, que era admitir a tese deles como correta - diz o secretário do Tesouro, Otávio Ladeira.
O mandado de segurança de Santa Catarina foi concedido por 9 a 2, mas sem avaliação do mérito. O ministro Luiz Fux sugeriu que fosse concedida também uma liminar para que Santa Catarina pudesse pagar a conta que acha justa, sem entrar para a lista de inadimplentes, e isso foi aprovado também pelo STF. Segundo a assessoria do STF, o ministro Fachin já colocou o tema na pauta, para o julgamento do mérito, mas quem decide as votações é o presidente Ricardo Lewandowski.
- Na redação da Lei 148 está registrado que a correção será pela variação acumulada da taxa Selic. E nos parece óbvio que isso representa juros compostos, porque é o que sempre foi usado. Se a Justiça decidir que terá que ser juros simples, todos os devedores vão querer a mesma coisa. A remuneração das aplicações financeiras terá que ser revista. Os indicadores fiscais de dívida e meta terão que ser recalculados - diz o secretário do Tesouro.
Se isso for adiante, será o começo de um grande terremoto em todo o mercado de crédito no Brasil. Seria também, como diz Ladeira, um enorme benefício para os estados mais endividados, que são exatamente os maiores. Piauí, por exemplo, já pagou a dívida. São Paulo representa 44% da dívida total. Os quatro maiores são 80% da dívida. Mas a confusão não é apenas entre os estados e a União, tem potencial para atingir qualquer relação entre devedor e credor na economia brasileira. Uma baita confusão.
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