domingo, fevereiro 05, 2012

A maldição de Lula - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 05/02/12


Em agosto de 2008, Lula criticou a Vale por encomendar navios no exterior, lembra?, ao invés de ajudar a revitalizar a nossa indústria naval. Roger Agnelli, então presidente da mineradora, justificou a decisão com o argumento de que tinha tentado antes fazer as encomendas em estaleiros brasileiros.

Segue...
Ainda assim, o ex-presidente não se conformou e, ali, começou a implicar com Agnelli.

Agora...
Mês passado, um desses navios importados, o Vale Beijing, construído na Coreia do Sul, sofreu uma rachadura quando navegava no Maranhão. E, na semana que passou, a China proibiu a operação em seus portos desses supernavios da Vale, todos feitos no exterior, inclusive lá.

Feijoada chinesa...
Por falar em China, veja que heresia. A minha, a sua, a nossa feijoada, preferência nacional, tem sido preparada aqui com feijão.... chinês. Gente do setor estima que 80% do feijão preto consumido no Rio, atualmente, venham do mercado asiático — da China, principalmente.

É que...
Como a soja e o milho, por exemplo, têm dado mais lucro, as plantações de feijão vêm perdendo espaço nas lavouras Brasil afora. Além disso, a tonelada do grão que vem do Oriente chega a ser até US$ 180 mais barata em relação à produção local.

Iluminante
Vai se chamar “Iluminante” o especial de Áurea Martins, a cantora da noite, que o Canal Brasil exibe dia 12, com narração de Fernanda Montenegro e participação de Chico Buarque. A Biscoito Fino lançará depois um DVD/CD.

Duelo de titãs
Dilma ainda não decidiu quem vai ocupar a importante diretoria de Exploração e Produção da Petrobras, com a aposentadoria de Guilherme Estrella. A vaga é disputada barril a barril por Carlos Tadeu da Costa Fraga e José Formigli. Ambos agradam Graça Foster, que vai presidir a estatal.

Aliás...
Dilma vem ao Rio dia 13 empossar Graça.

Rumo ao Brasil
Dilma disse a um amigo que teme a vinda de muitos imigrantes europeus, caso a crise se acelere no Velho Continente.

Cena de Angola
A coleguinha Sônia Bridi esteve em Angola e, parada num engarrafamento, ouviu no rádio o seguinte boletim de trânsito, acredite:

— No centro de Luanda, não há trânsito. Está tudo parado. Faz sentido.
Estamos em obras
São tantas obras públicas e privadas no Rio que o mercado de tapume anda aquecido. Um exemplo: Francisco Reis, da LP do Brasil, no Rio, diz que, de 2010 para cá, suas vendas aumentaram em até 30%.

Camarote gay
Pela primeira vez, a Sapucaí terá um camarote... gay. O Candybox, seu nome, vai reunir vips, empresários, artistas e outros do universo LGBT. É parceria do grupo Pacífica com a empresa Super QG.

Fim do Gasômetro
Foi fechado um acordo entre União, Estado do Rio, prefeitura e CEG para permitir que Eduardo Paes incorpore 80% da antiga área do Gasômetro, em São Cristóvão, ao Porto Maravilha. A CEG vai continuar ocupando os 20% do terreno, que, no total, tem 115 mil metros2.

Maratona na Lagoa
Um dos projetos de Eike Sempre Ele Batista é promover uma maratona a nado na Lagoa Rodrigo de Freitas.

Escola Maria Yedda
Eduardo Paes vai homenagear a educadora e historiadora Maria Yedda Leite Linhares, falecida ano passado.
Dará seu nome a uma escola no Jardim Bangu. Merece.

Moda da classe C
Um camelô que vende bolsas piratas Louis Vuitton na Rua Gonçalves Dias, no Rio, agora anuncia assim seu produto:

— Pode parcelar em até dez vezes no cartão! É para atender as novas madames da classe C!

Desocupa - CAETANO VELOSO


O GLOBO - 05/02/12

Quando cheguei à Bahia, na véspera do Natal, fui logo para Santo Amaro ver minha mãe e meus irmãos. Voltei para Salvador para ver meus netos e meu filho mais velho. Meus filhos menores chegaram logo em seguida. Não atentei muito para a cidade de Salvador, seus aspectos atuais e seus clamores. Mas cedo em janeiro já recebi e-mail de um camarada meu daqui com um protesto (e um convite para ir à rua me manifestar) contra a construção de um imenso camarote para o carnaval, gigante que cobria a recém-inaugurada pracinha da praia de Ondina. Parece que a construção dessa praça tinha sido patrocinada pela mesma empresa que agora construía o camarote. Por muitas razões - a menor delas não sendo o fato de Ondina ter sido meu bairro por muitos anos, onde Moreno cresceu e onde Dedé ainda passa os verões -, tive pena de não poder ir à manifestação. Mas fiquei (e ainda estou) fascinado com o nome que o movimento, nascido na internet, ganhou: DESOCUPA SALVADOR.

Era um modo de exigir que o monstro que cobria a praça fosse retirado, mas era também um comentário abrangente sobre a proliferação de camarotes para assistir à grande festa. Pelo menos foi o que pensei e senti logo no primeiro momento. Mas, como veio a se revelar pouco depois, essa abrangência era muito maior e, para além do carnaval e da pracinha, referia-se ao desconforto que os habitantes da cidade sentem em relação ao modo como ela vem sendo tratada pela prefeitura e pelo governo estadual. Há uma queixa no ar que fala sobre o mal-estar que as surpreendentes eleição de Jacques Wagner e reeleição de João Henrique provocam. Não conheço ninguém que exprima desrespeito por Wagner, mas já ouvi, em resposta à observação de que João Henrique se reelegeu porque a herança maldita da reeleição para cargos executivos que FH nos deixou faz com quem seja praticamente impossível quem já está no poder não ganhar de quem tenta substituí-lo: "Jacques Wagner ganhou impedindo a reeleição de Paulo Souto - e agora vemos que Paulo Souto era melhor do que Jacques Wagner." Ninguém respeita João Henrique. Há é um vácuo de liderança com a saída de cena de Antônio Carlos Magalhães. É uma pena. ACM incorporava a velha política, em que o povo seguia líderes personalistas que agiam como se fossem donos dos estados ou regiões. Nada do que ele foi capaz de realizar, com seu talento para escolher quadros técnicos de bom nível e dar-lhes poder seguro para atuar (não importando se isso ferisse o império da lei ou danificasse a imagem do judiciário local), deve ser negado. E o povo deve tornar-se progressivamente capaz de escolher por razões de confiança testável, seguindo ideais de melhora na organização da vida, em vez de agir como um órfão que busca um novo pai.

A eleição de Jacques Wagner já significou algo disso. Mas não há quem não diga, hoje, que ela se deveu ao "fator Lula" - que, ao fim e ao cabo, tem demasiadas semelhanças com o personalismo antiquado. Na internet o número de pessoas que se organizam para ir às ruas e às praças é pequeno. Porém crescente. Claro que quem pensa em protestar contra a construção de um camarote de carnaval não é quem elegeu João Henrique. Essas reeleições automáticas se devem justamente à falta de diálogo consciente a respeito das coisas públicas: nascem da inércia da maioria desavisada, aquela que vota em alguém cujo nome conhece. É neguinho que não resiste à força da celebridade política - e da remota porém perene esperança de que, votando em quem já tem fama de ter poder, habilita-o a contar com alguma ajuda futura.

Mas o DESOCUPA não é tão desvinculado do ânimo popular desorganizado. Mostrando o Pelourinho a Criolo, Ganja Man, Duane e minha querida Mariana Aydar, acompanhei Paulinha Lavigne, que tinha vindo com eles à cidade. Um ladrão nervoso arrancou uma corrente de ouro do pescoço de Paulinha, deixando uma marca vermelha e sumindo na pequena multidão (embora com bem menor presença da classe media, as terças-feiras da Bênção ainda são animadas no Pelô). Uma baiana, vendedora de acarajé, percebendo mais ou menos o que se passara, gritou para mim: "Você tem voz, fale no jornal, diga na entrevista, isso aqui está abandonado." Ela estava triste e revoltada - e descreveu como a decadência já vem vindo há um bom tempo. Prometo a mim mesmo fazer uma entrevista com Clarindo, o elegante dono da Cantina da Lua, para publicar aqui. Mantenho a promessa.

O que me comove é a coincidência poética de, por causa do camarote, as manifestações soteropolitanas terem todas tomado o nome de "desocupa". Acho que é o único lugar do mundo em que o termo foi invertido. Na semana em que eu soube que Marco Polo morreu (ele tinha uma barraca de coco no Porto da Barra, mas nos anos 1970 nos chamou para mostrar a cidade pelo mar, como ele a usava, em seu barco; ao ver como a tudo em Salvador se pode ir de barco - e ele morava numa casa encravada na pedra do forte de São Diogo -, eu lhe disse: "Mas você vive aqui como se fosse em Veneza. Como é seu nome?" - "Marco Polo", me respondeu aquele filho de um policial preto que não tinha ideia de quem eram os grandes homens cujos nomes escolhia para batizar os filhos), toca-me que "desocupar" seja a palavra de ordem. É algo muito baiano. Profundamente. Tem a ver com preguiça, tem a ver com respeito, tem a ver com inventividade. Hoje a polícia está em greve. Mas essa palavra me enche de melancólico otimismo.

A alegria da macacada - HUMBERTO WERNECK


O ESTADÃO - 05/02/12


É claro que você não se lembra, mas já falei (terá sido aqui?Também não me lembro) do Jean-Luc Hennig, o intelectual francês que teve a pachorra de sentar-se para escrever exatamente a respeito daquela parte de sua anatomia que acabara de deposita sobre a cadeira.

Como não tenho a pretensão de achar que minha prosa é inesquecível, aqui vai um repeteco da referência que a ele fiz, meio en passant: embora seja professor de outra cadeira, a de linguística, disciplina que lecionou na Universidade do Cairo, o Jean-Luc notabilizou-se mais por suas pesquisas de vanguarda, ou melhor, de retaguarda, tanto que sua obra mais notória, publicada em Paris em 1995 e ainda inexplicavelmente inédita num país como o nosso, tão suscetível de se interessar pelo assunto, segue sendo a Brev história das nádegas.

Mesmo sem saber quanto de sua sapiência se deve à teoria, haurida no ambiente monacal das bibliotecas, e quanto à prática, consolidada em talvez deleitosos trabalhos de campo, o Jean-Luc pode ser apresentado como o mais saliente bundólogo de que se tem notícia. Sapiência essa que se assenta numa constatação óbvia porém genial, a que ele chegou sabe Deus em que circunstâncias: a bunda nem sempre existiu – foi preciso, conta o Jean-Luc, que um nosso ancestral, três ou quatro milhões de anos atrás, se pusesse de pé sobre as patas traseiras e nessa posição perseverasse, para que a parte posterior de seu lombo fosse aos poucos ganhando redondidades que vêm a ser a característica e, por que não dizê-lo?, o atrativo mor do derrière humano. Tanto quanto os miolos, é esse par de hemisférios que nos distingue na massa das 193 espécies de primatas que macaqueiam sobre a Terra.


A iniciativa do revolucionário stand up, informa o Jean-Luc, nós a devemos ao Australopithecus afarensis, hominídeo que então abundava na Etiópia e na Tanzânia. Quem sabe à própria Lucy, celebridade póstumacujo esqueleto arqueólogos exumariam 3,2 milhões de anos mais tarde, em 1974. O exame dos ossos dessa senhorita, que ao bater as botas (duas ou quatro, conforme se verá ainda nesta frase) andava pelos 20 anos de idade, permitiu saber que ela se comportava indiferentemente como quadrúpede, para subir na árvore, e como bípede, quando, serelepe, saía por aí em terra firme.

Por que a Lucy se pôs de pé, nosso bundólogo não sabe dizer; a julgar, porém, pelo resultado final, não há dúvida de que foi uma grande ideia.Como devido respeito ao imortal arquiteto e aos Poderes da República, o invento bem que mereceria a homenagem de um Niemeyer que plantasse na paisagem, no Planalto ou alhures,não Câmara e Senado, mas dois Senados justa postos. Não é absurdo concluir, literalmente por outro lado,que foi então que nasceu o hoje estigmatizado recurso pedagógico da palmada. Surgiu também, na topografia do corpo humano,uma alternativa para a seringa da medicina.Para não mencionar, claro, as labaredas que o duplo promontório recheado de glúteos veio atear na imaginação do Homo erectus.

Mas convém ir moderando aí as suas fantasias, pois a Lucy, na descrição do Jean-Luc,era um breve contra a luxúria. Não media mais de 1,05 metro, nem seu peso ia além dos 30 quilos. Comtais dimensões,ela seria hoje comparável, na melhor das hipóteses, a um teratológico bonsai. Dificilmente provocaria em nós mais que repulsa, com“seus braços enormes e suas pernas curtas, o rosto praticamente achatado, o crânio reduzido e os olhos esbugalhados”.No dizer rebuscado de um amigo meu, faleciam-lhe nádegas, como hoje as conhecemos.

Menos estimulantes ainda, para nosso paladar erótico, eram seus hábitos, como o de esgravatar a terra para desentocar cupins, seu prato predileto.E nem seu incipiente bumbum devia ser dos mais onvidativos: até que o tosco traseiro do hominídeo viesse a ser o popô que vemos saracotear na Marquês de Sapucaí, a natureza demandaria um bom milhão de anos – melhor esperar sentado, terá rosnado algum daqueles Australopithecus afarensis, talvez o marido da Lucy. É certo, em todo caso, que entre a desbundada macacada havia quem apreciasse semelhante visual – do contrário, aqui não estaríamos, o Jean-Luc e eu, no atual estágio da evolução de espécie, para lhe contar a história.

GOSTOSA


Empregadas Domésticas - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 05/02/12

Ouvi em algum lugar que o número de empregadas domésticas tem diminuído de ano a ano no Brasil. É uma boa notícia. A oferta de empregos aumentou e essas profissionais estão buscando colocação em outros setores, onde possam ganhar mais e alinhavar um plano de carreira.

Pode ser bom inclusive para seus empregadores, que terão que se adaptar a um novo estilo de vida: eles próprios farão os afazeres domésticos, convocando a família inteira para colaborar. Ninguém morre se tiver que cozinhar e lavar uma louça, e me parece digno que os filhos entrem nesse mutirão, se preparando melhor para a vida. Hoje não mexem um dedo porque tem uma Maria que faz tudo por eles.

Pois a Maria, segundo estatísticas, não quer mais ser empregada doméstica, e sim ter um status mais elevado. Quem sabe, ser uma secretária. De fato uma secretária. Muitas pessoas chamam suas empregadas de secretárias, na boa intenção de prestigiá- las. Acho estranho. Então devemos chamar as verdadeiras secretárias de quê? Empresárias?

Pessoas que promovem verbalmente suas funcionárias acreditam estar valorizando-as, mas parece o contrário: demonstram que ser empregada doméstica não é honroso, a ponto de fingirem que elas são outra coisa.

Se eu me referisse à minha empregada como "secretária", creio que estaria revelando desdém a sua real função. Seria o mesmo que chamar o peão-de-obra de engenheiro ou a garçonete de chef de cozinha. Um upgrade de mentirinha.

Algumas empregadas domésticas ainda não são totalmente alfabetizadas. Não dominam o uso do computador. Não controlam a agenda profissional de seus patrões. São exímias cozinheiras, arrumadeiras, braços direitos das famílias, mas não fazem o que uma secretária faz. Assim como secretárias podem não saber fritar um ovo e nem passar direito uma camisa. Uma não substitui a outra. Umanão é melhor que a outra. Ambas são imprescindíveis, cada uma em seu ambiente de trabalho.

Se a palavra “empregada” parece pejorativa, pode-se chamá-la de funcionária, que é o que ela é também. Já chamá- la de secretária apenas expurga a culpa do patrão, que não quer parecer um senhor do engenho, do tipo que tem escravos. Ou seja, ele se utiliza de um eufemismo para provar que respeita todos os direitos trabalhistas da sua funcionária.

Nem se dá conta de que esse pudor com a palavra empregada talvez desmereça as profissionais que tiveram a chance de estudar mais e que fizeram cursos preparatórios para trabalhar numa empresa, e não numa casa de família.

Secretárias não fazem trabalho doméstico, e sim de escritório. Apesar de eu nunca ter lido nenhuma pesquisa a respeito, tenho a impressão de que elas devem se sentir desconfortáveis ao verem as duas funções confundidas.

Eu, às vezes, me confundo. Outro dia me disseram: vou te levar lá em casa para provar o suflê de queijo que a minha secretária preparou. Logo pensei: coitada, fazendo hora extra.

O carnaval do governador - JANIO DE FREITAS


FOLHA DE SP - 05/02/12

Jaques Wagner não cuidou de sustar a eclosão da greve; se fez alguma outra coisa útil, e de seu dever, não se sabe

Os feitos da violência na Bahia mostraram, em sua gratuidade na rua e irresponsabilidade no palácio, o mesmo espírito carnavalesco que, como sempre, há semanas invadiu Salvador por antecipação.

A quebra dos limites que levou aos saques e destruição de lojas, a outros roubos e violências, e mesmo a tantos crimes de morte, não foi causada diretamente pela greve da Polícia Militar. Veio da espontaneidade que tem o motivo único e simples de estar liberado. Para vestir o que quiser ou desvestir-se, cantar e dançar nas ruas, assaltar, encher-se de bebida ou de tóxicos, roubar e saquear, agarrarem-se uns aos outros, soltar-se para o sexo ou para o crime: o carnaval autêntico e o carnaval da violência permitidos pela mesma ausência de impedimentos.

A cota mais pesada de responsabilidade pelos distúrbios criminosos na Bahia cabe ao governador Jaques Wagner, o mais prestigiado por Dilma Rousseff. Não é imaginável que a greve da sua polícia o surpreendesse. Ainda que o fizesse, já no começo da semana estava concretizada e, portanto, evidente.

Logo se comprovava que o governador não adotou medidas preventivas. Não cuidou de sustar a eclosão da greve, não preparou o deslocamento de contingentes policiais discordantes do plano de greve, não se articulou com os comandos militares para eventualidades previsíveis, e não se coordenou com o governo federal para o auxílio da Força Nacional. Se fez alguma outra coisa útil, e de seu dever, não se sabe.


Diante disso, nem importa saber onde estava e o que fazia o governador enquanto a sua PM cuidava de deixar a capital do Estado desprovida de policiamento, como também outras áreas. A seu favor (se é), só o fato de que não esteve sozinho na omissão. Os secretários de Segurança e de Justiça, o comando da PM e várias assessorias o acompanharam na ausência de ação. Os fatos o atestam.

Efetivada a greve e iniciadas suas consequências sobre a população, o governo baiano tardou ainda dois dias, ou algumas horas menos, para adotar providências perceptíveis. Só na quinta-feira foi possível perceber algumas delas, sobretudo a pedida presença de militares nas ruas.

Greves de serviços públicos essenciais, em especial os chamados de saúde (a rigor, falta de) e os de segurança da população, sempre serão polêmicas. Não precisam, porém, ficar nesse limbo em que permanecem no Brasil. Entre direito, abuso, consequências públicas e particulares desrespeitadas pelo poder público, e outras muitas obscuridades artificiosas.

Mas convenientes aos governantes e aos parlamentares, que assim escapam aos ônus eleitorais, em qualquer sentido, da posição definida.


Quando escrevo, as indicações do número de mortos continuavam contraditórias. Mais de 20, por certo. Em circunstâncias também mal definidas. Teriam ocorrido, todas, fossem diferentes a greve e o que se passou à sua volta no governo? Ora, isso não importa aos poderes públicos que têm mais o que fazer. E de preferência o que não fazer.

QUEM SABE?

Pergunta sem resposta: por que um deputado federal se movimenta, como Vicente Cândido, do PT paulista, para que se faça aos fabricantes de cerveja a gentileza de liberar bebidas alcoólicas nos estádios? Não só na Copa: sempre e em todos os estádios.

A proibição foi uma batalha áspera. Já a liberação, exigida na Copa pela casa de negócios Fifa, depende.

A visita da nossa senhora - CARLOS HEITOR CONY

FOLHA DE SP - 05/02/12
RIO DE JANEIRO - Não comentei até agora a visita de dona Dilma a Cuba. Foi muito criticada porque não abordou o problema dos direitos hu manos que são desrespeitados pelo regime dos "brothers" Castro. Direitos que são continuamente violentados não apenas na ilha que se intitula "território livre das Américas". Pensando bem, 75% ou mais dos países que constituem o mundo estão na mesma situação, uns mais, outros menos.

Mas a viagem em si, no meu entender, nada teve de condenável. Lula visitou Gaddafi. O papa João Paulo 2º visitou o Chile em plena era Pinochet e foi duramente criticado porque não conseguiu evitar o seu aparecimento ao lado do ditador na sacada principal do La Moneda, palácio manchado pelo sangue de Allende, assassinado por seu anfitrião. Por falar no papa, ele também visitou Fidel, onde foi bem recebido. Visitou igualmente a Nicarágua, onde foi vaiado.

Nixon visitou a China, abrindo um caminho que, na época, relaxou a tensão mundial. Carter e Reagan visitaram o Brasil em plena ditadura, sendo que Carter pediu um encontro com líderes da sociedade civil. Não tocou nos direitos humanos em público, mas deixou um recado explícito pela abertura do regime e pelo fim das torturas.

Mais espetacular foi a visita de Anwar Al Sadat, do Egito, que praticamente sem aviso prévio, visitou Israel e, pouco depois, assinou uma espécie de paz em separado que irritou o mundo árabe. E não muito depois, ele foi assassinado durante um desfile militar pelos descontentes locais. Yitzhak Rabin, duas vezes premiê de Israel, também seria assassinado por um conterrâneo contrário a qualquer acordo com os adversários.

Dona Dilma, afinal, deixou um recado sobre Guantánamo e sobre o bloqueio que a ilha sofre há anos.

Por fora e por dentro - RENATA LO PRETE

FOLHA DE SP - 05/02/12


O resultado do julgamento do Supremo sobre os limites da atuação do Conselho Nacional de Justiça representou derrota não apenas para os adversários de Eliana Calmon em TJs país afora, mas também para os que se opõem ao trabalho da corregedoria dentro do próprio CNJ. Quem acompanha de perto o órgão desde sua instalação, em 2005, sabe que a atual composição de 15 membros -eles são renovados a cada dois anos- é a que inclui mais conselheiros refratários à simples ideia de controle externo do Judiciário. Vários chegaram ao CNJ com o propósito quase explícito de desidratá-lo. Agora, tendem a perder espaço.

Mergulho Apoiadores de longa data da missão do CNJ ponderam que, uma vez vencida a batalha no Supremo, Eliana Calmon deveria moderar sua exposição e se concentrar no trabalho investigativo. "O apelo à opinião pública surtiu efeito", observa um ministro. "Agora é hora de buscar resultados."

Em família 1 Presidente interino da Casa da Moeda desde a demissão de Luiz Felipe Denucci, há uma semana, por suspeita de desvio de dinheiro, Carlos Roberto Oliveira tem dois irmãos trabalhando no órgão. Um deles é gerente. O outro, gravador.

Em família 2 Na época em que Oliveira chefiava o Departamento de Matrizes, sua mulher foi acusada de furtar um estudo de projeto de cédulas. O órgão abriu uma sindicância e, posteriormente, uma comissão de inquérito analisou o caso.

Outro lado Segundo a Casa da Moeda, a acusação foi leviana e resultou em processo administrativo contra o denunciante "pela prática de ofensa à honra".

Lenda Um cardeal petista observa: a difundida ideia de que no ministério de Lula predominavam políticos, e no de Dilma, técnicos, não encontra respaldo na realidade. Basta cotejar ex e atuais ocupantes das pastas.

Colateral 1 Onda de demissões em indústrias plásticas alarma sindicatos da Grande SP. Os cortes são atribuídos ao fim das sacolinhas em supermercados, vigente desde 25 de janeiro. No eixo de Franco da Rocha, Caieiras e Francisco Morato foram 200 rescisões. O polo fabril tem 4.000 funcionários ligados à produção desse item.

Colateral 2 O quadro é mais dramático nas empresas menores, que alegam incapacidade de quitar direitos trabalhistas diante da súbita queda nas encomendas. Apesar da perspectiva de migração para fábricas de ecobags, o complexo maquinário e o risco de contaminação são entraves às contratações.

Sacolaço Na quinta-feira, sindicalistas pretendem reunir representantes do comércio e da indústria em manifestação contra a medida.

Cartão postal Um mês depois de iniciada a ação policial na cracolândia, preocupa o governo paulista a migração de dependentes para o entorno do Itaquerão. A polícia usa seu QG de inteligência para sufocar o tráfico nas imediações do estádio.

Global Dirigentes do PSTU contabilizam atos em defesa dos moradores do Pinheirinho em 22 países. No Haiti, ativistas entregaram carta a Dilma pedindo a desapropriação do terreno. Nos EUA, o Movimento Ocuppy Wall Street aderiu à causa.

Local Em São José dos Campos, o aluguel social de R$ 500 oferecido pelo governo inflacionou as locações. Cadastrados pela prefeitura não acham nenhum imóvel por menos de R$ 700.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio
Já passou da hora de o governador Jaques Wagner descer das nuvens para tomar conhecimento do que está acontecendo nas ruas de Salvador.

DO DEPUTADO ACM NETO (DEM-BA), sobre as mortes e saques registrados na capital baiana na esteira da greve da Polícia Militar. O petista é usuário frequente de helicóptero, mesmo para deslocamentos dentro da cidade.

Dono do pedaço
Enquanto aguardava para se submeter a mais uma sessão de radioterapia, Lula entrou num consultório qualquer do Sírio-Libanês, na quinta-feira, para conversar com Miriam Belchior, hospitalizada em consequência de uma crise de hipertensão.

De repente, um médico entrou na sala. Ao perceber que ali estavam o ex-presidente e a ministra do Planejamento, desculpou-se. Lula procurou tranquilizá-lo:

-Tudo bem! Você ainda não deve estar sabendo, mas eu já estou atendendo aqui!

Improviso fatal - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 05/02/12


O Brasil continua improvisando nas políticas industrial e comercial. Ao tentar encontrar saídas de afogadilho para o déficit que apareceu na balança, e para o magro número da indústria em 2011, tudo o que se consegue no governo é repetir o cacoete: protecionismo, vantagens para lobbies e corporações. O Brasil precisa de uma política atualizada, modernizante.

Elevar barreiras, quebrar acordos, distribuir dinheiro barato e descontos nos impostos é o que se fazia no Brasil pequeno, fechado e pouco sofisticado dos anos 1970. Não é possível que quatro décadas depois só saiam dos ministérios de Brasília exatamente as mesmas propostas.

Moderno é entender a lógica da integração das cadeias produtivas pelos países para tirar maior proveito delas, apostar nas vocações, incentivar inovação, investir pesadamente em educação, retirar os obstáculos que reduzem a produtividade e competitividade da economia como um todo.
Na ameaça de romper o acordo automobilístico com o México, pelo crescente déficit na balança comercial setorial, ocorreu algo curioso. Normalmente, o governo atende a todos os pedidos das montadoras. Foi assim com a redução do IPI para os automóveis, a elevação do IPI para os carros importados por montadoras não instaladas no Brasil e os frequentes benefícios que são concedidos ao setor.

A indústria automobilística pressionou o governo pedindo vantagens para eles e barreiras para os concorrentes, exibindo para isso os números das importações de automóveis. Falso argumento, porque os maiores importadores são eles mesmos. Estabelecida a barreira e o princípio de que importar é prejuízo, o feitiço voltou-se contra eles mesmos. Agora, o governo quer barrar as importações de carros vindos do México, só que a indústria se organiza de forma integrada no mundo inteiro, distribuindo os modelos por países diferentes e importando de suas próprias fábricas.
A indústria soltou nota e esperneou, agora que o protecionismo que sempre pede volta-se contra suas próprias estratégias. A maioria dos carros importados é das próprias montadoras, como tantas vezes o governo foi alertado pelos que criticaram a elevação do IPI contra o carro importado. A medida foi formatada exatamente para barrar os carros que concorriam com os das montadoras brasileiras, mesmo que representassem uma fração dos que vêm de fora.

Aí fica provada a improvisação. Queriam tanto agradar à indústria automobilística que acabaram desagradando-a fortemente, e ela até soltou nota de protesto.

Luiz Carlos Mello, ex-presidente da Ford no Brasil, e coordenador do Centro de Estudos Automotivos (CEA), explica como a indústria se organizou:
- As empresas nos países são ramos de um mesmo tronco que obedecem à estratégia global das companhias, e isso não é decidido no Brasil. Por estratégia, as empresas decidiram produzir carros diferentes no Brasil, Argentina e México. No Brasil, especializaram-se em produzir carros pequenos e básicos e passaram a importar carros maiores que não são produzidos aqui.

Durante os primeiros anos a estratégia deu superávit para o Brasil no comércio com o México; no último ano virou um resultado negativo de US$ 1,7 bilhão em carros e autopeças. No comércio de derivados de petróleo o Brasil teve um déficit de US$ 10 bilhões. Com o superávit no petróleo bruto, o saldo negativo no setor como um todo cai para US$ 2,3 bilhões. Mas este, pelo visto, não incomoda o governo porque até agora não provocou rompantes de rompimentos de acordos, ou medidas punitivas para a empresa importadora.

O episódio mostra que falta a Brasília uma visão geral, integrada e estratégica de como atuar para enfrentar a perda crônica de competitividade da indústria brasileira, que resultou na fraca produção industrial de 2011 e no enorme déficit comercial da indústria. Distribuir pomadas e curativos a alguns setores não resolve o problema. Escolher campeões – empresas que recebem subsídios para comprar seus concorrentes e sustentar planos de expansão – além de arcaico é indecoroso.

Se o dólar sobe, a indústria suspende a reclamação, os números melhoram e o governo comemora. Quando o dólar cai, como agora, recomeça o choro das empresas, os improvisos do governo e a reabertura do balcão de favores. E é essa gangorra de maior ou menor favorecimento que o governo chama de política industrial.

É preciso, em qualquer taxa de câmbio, enfrentar os gargalos estruturais que atrapalham empresas de qualquer setor, da indústria, inclusive. O custo trabalhista torna onerosa a contratação em qualquer ramo empresarial porque o trabalho é muito tributado no Brasil. Os impostos são muitos, e o cumprimento das obrigações fiscais, um cipoal burocrático. A empresa é punida por pagar seus impostos e contratar trabalhadores. O incentivo é para sonegar e livrar-se da mão de obra através de algum artifício. A logística é deplorável num país que tem dimensões continentais. A agenda é antiga, conhecida e de difícil execução. Só que é a única saída e precisa ser iniciada em algum momento.

Além da economia - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 05/02/12

Um dos painéis mais instigantes do Fórum de Davos discutiu o futuro da economia e incluía dois Prêmios Nobel de Economia – Peter Diamond, do Massachusetts Institute of Technology, e Joe Stiglitz, da Universidade Columbia de Nova York- .Também participaram Robert Shiller, de Yale, e Brian Arthur, do Instituto Santa Fé.

O jornalista Martin Wolff, do Financial Times, foi o mediador do debate , e ele lamentou, no artigo que escreveu, não ter contado com um membro inteiramente comprometido com o pensamento de que os mercados estão sempre certos, da escola chamada "freshwater", particularmente associada com a Universidade de Chicago.

Isso por que três dos participantes, como Wolff descreve, eram da chamada escola de economia "saltwater", céticos da eficiência dos mercados em todas as circunstâncias e que vivem nas costas dos Estados Unidos.

O Professor Brian Arthur, do Instituto Santa Fé, segundo o jornalista do Financial Times, é ainda mais heterodoxo do que eles: se interessa pelo impacto da tecnologia e seus crescentes retornos.

Eu não sou um especialista em economia, mas me interessou muito o olhar amplo com que os economistas passaram a tratar sua ciência, a começar pela definição de que "a economia não é uma ciência exata, por que é feita por humanos".

É uma ciência tão complexa, portanto, quanto complexos são o ser humano e suas motivações.

Nem tudo é computável na vida, e existem mais riscos do que se pode prever.
Houve um entendimento comum de que as inovações rápidas e as alterações do comportamento criaram desafios para os modelos econômicos.

Novas tecnologias também tiveram o potencial de rapidamente desintegrar os sistemas econômicos.

A crítica ao modelo macroeconômico padrão utilizado pelos formuladores de política monetária atualmente, o DSGE (Equilíbrio Dinâmico Geral Estocástico), foi a mesma que vem sendo feita por vários economistas, entre eles o mais destacado é o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, e, no Brasil, em especial por Delfim Netto em seus artigos.

O DSGE ficou tão sofisticado, racional e tão bem absorvido pelos analistas que eclipsou outros modelos.

Os debatedores concordaram que ele falhou em entender a sociedade, na inabilidade de levar em conta o poder político, a cultura e o comportamento das instituições.
Na presente crise econômica, o modelo canônico utilizado demonstrou sua incapacidade de levar em conta fatores como contágio e conexões.

Ficou claro também que o modelo é muito restrito e tem que ser ampliado para avaliar novas fontes de informação e refletir melhor a realidade.

Uma ameaça significativa vem da tendência a ignorar diferenças fundamentais entre presente e futuro.

Outra falha registrada nos debates é não assimilar informações assimétricas e não contemplar a ligação entre instituições e o risco de quebras em cascata.

O desejo dos profissionais de economia de provar que os mercados se auto regulam provocou uma espécie de culto na adoção do modelo DSGE.

Mas a realidade é que os mercados são imperfeitos, como foi demonstrado pela existência de bolhas.

A chegada de novos modelos está ajudando a entender os sistemas econômicos desequilibrados e não harmônicos.

A economia comportamental está trazendo a teoria para mais perto da realidade, e novos campos de estudo, como a neuroeconomia, estão se desenvolvendo rapidamente e prometendo grandes mudanças.

Os participantes recomendaram que se converse mais com cientistas políticos, sociólogos e psicólogos para se avaliar melhor as causas da desigualdade, a economia da felicidade, a importância da cultura, e os efeitos do poder nas decisões.

Felizmente, economistas são pessoas criativas.

Muita imaginação está rolando.

Robert Schiller, por exemplo, diz que lê muito livros de Direito e de História, para poder compreender o que está acontecendo na economia.

A expressão "que mil flores floresçam", da velha tradição chinesa que Mao Tse Tung usou na Revolução Cultural, foi usada também no debate em Davos para definir a necessidade de que não pode existir apenas um modelo geral da economia ou apenas uma abordagem.

Com todas as ressalvas e críticas, os economistas continuam tendo muito a oferecer, e é preciso reconhecer que a economia é muito mais complicada do que parece.
Houve uma advertência no fórum econômico de que ao abandonar os dogmas sobre a infalibilidade dos mercados, há o risco de se abraçar ideias estatizantes, igualmente simplistas.

Em outro painel de Davos, com tema semelhante — a economia do século 21 —, outro grupo de analistas ressaltou a necessidade de rever antigas lições que parecem ter sido esquecidas.

Independente da tendência, os economistas terão que se aproximar do mundo real e se responsabilizar por suas previsões.

Esse questionamento, que já se verifica, segundo os painelistas, nas salas de aula, servirá para que os analistas se obriguem a checar várias vezes seus modelos.
A arrogância dos especialistas foi outra característica abordada nesse debate sobre o futuro da economia.

Esses e outros painéis realizados em Davos deixaram nos que os assistiram a sensação de que uma grande reflexão está sendo feita a nível mundial, abrangendo desde os economistas aos empresários e governantes envolvidos na crise econômica.

Neparlepá - LUIZ FERNANDO VERISSIMO

O ESTADÃO - 05/02/12


A frase era usada como um protesto contra os tempos em que tudo é dito e ouvido por todas as idades

Ne parle pas devant la petite foram as primeiras palavras que a Norinha aprendeu em francês. Ela tinha quatro anos e já sabia algumas palavras em inglês, que ouvia na TV, como yes e lets go., mas as primeiras palavras em francês foram aquelas que sua mãe repetia muito em conversas com seu pai: ne parle pas devant la petite.

Norinha usava seu extenso vocabulário para falar com suas bonecas. “Yes” e “let’s go” e “ne parle pas devant la petite”. E uma vez divertiu um grupo de pessoas que visitavam seus pais parando no meio da sala e gritando:

– Ne parle pas devant la petite!

– Onde foi que você aprendeu isso, menina?!

Todos acharam muita graça. Menos a mãe da Norinha, que ficou preocupada. A Norinha ouvia tudo. Tinha curiosidade sobre tudo. Em pouco tempos estaria perguntando o que significava aquele neparlepá que sua mãe tanto dizia.

Norinha cresceu, aprendeu que “ne parle pas devant la petite” queria dizer “não fale na frente da criança” e nem precisou perguntar pra mãe o que não era para ela ouvir nas discussões do casal, ou quando a conversa ficava só para adultos. O casamento deles estava se dissolvendo, eles queriam poupar a filha disso. E coisas como sexo e as maldades do mundo não eram para os ouvidos de uma criança.

– Vocês esperavam mesmo que eu não fosse notar que o casamento de vocês estava em crise? E que eu acabaria sabendo tudo sobre o que vocês tentavam esconder, não falando na frente da criança?

– Naquele tempo era assim, minha filha. Hoje...

– Hoje? – disse Norinha. – Eu vou lhe contar como é hoje.

E Norinha contou que, quase que por nostalgia, usara a frase da mãe na sua casa. Ela e o marido estavam comentando os excessos de um programa de televisão na presença dos meninos e ela dissera “ne parle pas devant les petits”. E Julio, o marido, dissera:

– Ahn?

– Ne parle pas devant les petits. É uma frase em francês que quer dizer...

– Eu sei o que quer dizer. Mas ninguém mais usa essa frase, Norinha.

– Eu sei. É que...

– Há uns 40 anos essa frase não é usada. Nem na França.

– Eu só acho que certas coisas o Marquinhos e o Lucas ainda não estão em idade de ouvir.

– Eles ouvem na rua. Ouvem na escola. Ouvem em toda parte. É só ligarem a televisão que ouvem tudo.

– Mas não ouvem dos pais deles.

– E você acha isso certo, ou acha uma hipocrisia?

E Norminha disse para a mãe que concordava com Julio, que era uma hipocrisia. Mas que mesmo assim começara a usar a frase, quase como um protesto contra os tempos em que tudo é dito e tudo é ouvido por todas as idades. Só que a frase tem tido um efeito inesperado. Quando ela pede para o marido “ne parle pas devant les petits”, Lucas, o menor, diz:

– Ih... Olha o neparlepá. Lá vem sacanagem.

GOSTOSA


Mano Brown - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 05/02/12


Carlinhos Brown concorre ao Oscar e quer 'ser Brasil' com seus 'erros e tambor desafinado'

No dia 26 de fevereiro, em Los Angeles, se Carlinhos Brown, 49, ganhar o Oscar de melhor canção original, ele já sabe o que vai dizer.

O baiano, nascido Antônio Carlos Freitas, falará às crianças caso a música "Real in Rio", que fez com Sérgio Mendes para o longa "Rio", leve o troféu.

"Vou pedir que elas não desistam dos sonhos. E que isso seja feito na base da disciplina e do respeito aos pais. Porque o conhecimento não está nos ídolos. Ídolo não cuida de ninguém, cuida de suas carreiras e de seus desejos. Escutem seus pais!", diz à repórter Lígia Mesquita.

As chances de fazer esse discurso são grandes. A canção dele e de Mendes enfrenta apenas uma concorrente, a do filme "Os Muppets".

Com a barriga sarada exibida com um colete preto curto, jeans vermelho e sandálias de couro, Brown ensaia com a Timbalada em seu estúdio Candyall Guetho Square, no bairro do Candeal, em Salvador, na última segunda-feira. O grupo, criado por ele no fim dos anos 80, vai gravar um DVD.

Sua figurinista há 12 anos, Val Kaveski, diz que "precisa conversar sobre a roupa do Oscar". "A única coisa que ele me pede é para ficar elegante. Deverá ser um smoking." Ela entrega que o músico é vaidoso e cuida bem do corpo. "Nesse tempo que trabalhamos juntos ele mantém as mesmas medidas."

"Meu interesse sempre foi mais social que ser reconhecido. Reconhecimento é chegar em casa e ganhar um beijo da minha filha", diz ele.

Madalena Freitas, mãe de Brown, comanda um restaurante no Guetho Square. "Agora, sou a mãe do Oscar!", conta, de avental e touca.

Ela lembra que desde pequeno ele demonstrava talento para a música. "Ele tocava em baldes, latas." E que se preocupou muito quando Brown, o mais velho dos nove filhos da ex-lavadeira e de um pintor, optou pela carreira artística. "Tinha medo por ele ser pobre e negro."

Brown aprendeu a ler com 12 anos e estudou só até a terceira série. Começou a trabalhar aos sete anos "carregando água" para ajudar a mãe. Aos 16 anos, "vi que dava pra música" e largou o trabalho. "Limpava cocô no BNDES, era faxineiro. Um dia me irritei, não me pagaram hora extra e fui embora. Comecei a tocar num bar e não parei."

O cantor afirma não ligar para as manifestações de racismo. "Deixo isso com o outro. Nessas horas apelamos para a elegância." Ele acredita que a discriminação racial diminuirá no Brasil. "O rico tá ficando pobre. Uma coisa são os preconceituosos que ainda são ricos e não aprenderam a viver com pouco, então acreditam muito na inferioridade. Por isso machucam quem tem menos ou quem tem uma aparência que sugere inferioridade."

Ele deixa o Guetho para mostrar a sede da ONG Pracatum, na mesma rua. Para e cumprimenta todas as pessoas. "Ô, Marcelo, você cresceu! Virou taxista? Tô velho", diz para um jovem.

"Nunca foi do meu interesse explorar essa imagem do ativista social. Não me agrada transformar ajudas humanitárias em 'We Are the World', em hits populares. Tô mais atrás da ação."

E é o desejo de "atuar no coletivo" que faz com que ele não mude para o exterior. "Esse caminho seria individual." E afirma: "Quero ser Brasil. Não quero ser Rolling Stones. Quero ser Carlinhos Brown com meus erros, com meu tambor desafinado".

Confiante no bom momento do país, afirma que "claro!", votou em Dilma Rousseff. "Sempre sonhei com uma mulher na Presidência. Fui criado pelo matriarcado. E mulher mandando é ma-ra-vi-lho-so!"

Na noite anterior, o cantor fez o show Sarau du Brown, no Museu du Ritmo. Recebeu os convidados Flávio Renegado, Zeca Baleiro, Tuca Fernandes e Thais Gulin, namorada de Chico Buarque, seu ex-sogro. "Ele me ensinou a fazer um acorde de violão de sétima", diz. E avisa: "Não falo de vida pessoal".

Brown foi casado com Helena Buarque, filha do compositor com Marieta Severo. Tiveram quatro filhos: Francisco, 15, Clara, 12, Cecília, 4, e Leila, 2. Ele também é pai de Miguel, 14, e Nina, 21, de outros relacionamentos.

Os garotos estão no camarim. Se preparam para subir ao palco com o pai. Miguel toca bateria e tem uma banda, a Memorise. Francisco diz que fez aulas de guitarra. "Piano aprendi sozinho, de ouvido, na casa da minha avó [Marieta]." Os dois pensam em ser músicos profissionais. "É o que eu sei fazer melhor", diz o mais velho.

No palco, o músico agradece várias vezes a seus patrocinadores. E sua cara enfeita boneco inflável com o logo de um banco e a latinha de uma marca de biscoito. "Não dá pra fazer música sem patrocinadores. São eles que estão me fazendo ir pra avenida no Carnaval. Porque [meu trio] não tem abadá, não tem corda", diz. Também faz uso da Lei Rouanet. "Não pode se cobrar de uma cultura que ela não tenha apoio."

Logo após o Carnaval começa a finalizar mais um disco, "Mixturação". E tem planos de fazer algo com os Tribalistas, seu projeto com Marisa Monte e Arnaldo Antunes, que completa dez anos em 2012. Um segundo disco, "só se a inspiração mandar".

"Seria salutar a gente se organizar e apresentar algo. Tem tanta coisas linda que a gente fez nesse tempo no disco um do outro. E se a gente registrasse pra uma festa? Acho que o público merece."

Os três se encontram frequentemente "onde o destino quiser". Marisa e Arnaldo, afirma, são seus melhores amigos. "São pessoas a quem a gente conta tudo. Somos psicólogos um do outro."

Dona Madalena, que temia pelo começo de carreira do filho, hoje tem "muito orgulho" das letras que o primogênito fez. Como "Magamalabares", famosa na voz de Marisa. "É lindo quem escreve 'Quem tem Deus como império, no mundo não está sozinho', né?"

As ilhas da fantasia - JOSÉ SERRA


O GLOBO - 05/02/12

O governo brasileiro existe em duas dimensões, duas frequências diferentes.

Em uma delas, corre a retórica; na outra, os fatos. As duas programações pouco ou nada têm em comum, mas cada uma serve a um propósito específico. Tomem-se os direitos humanos, que, a presidente anunciou, seriam uma prioridade nas relações internacionais.

O discurso continua ali, chiando como um disco velho, mas, na prática, nada mudou em relação ao período pré-Dilma. Na recente visita presidencial a Cuba, não houve um só gesto, uma só manifestação, que revelasse alguma preocupação do governo brasileiro com relação às violações dos direitos humanos na ilha. Violação simbolizada pela morte recente de um prisioneiro político em greve de fome.

Nosso governo diz que a cooperação econômica é o melhor caminho para promover mudanças democráticas naquele país. Cooperação que, na prática, tem por objetivo dar sobrevida à ditadura que o PT reverencia e que muitos dos seus integrantes lamentam não poder implantar por aqui. Dizia-se que a ditadura em Cuba era apenas um instrumento necessário para evitar a volta do capitalismo. Curiosamente, hoje é a volta do capitalismo que entra na equação para ajudar a manter a ditadura do partido único, que os amigos cubanos do PT defendem e justificam.

Além da alegação sobre as mudanças democráticas e da intenção de dar sobrevida à ditadura, outro fator que explicaria a "cooperação" seriam os bons negócios para as empresas brasileiras que venderão bens e serviços para Cuba.

Tudo coberto, obviamente, pelos empréstimos do BNDES ao governo cubano, que não costuma ser bom pagador em razão da pobreza fiscal e cambial da ilha. Ou seja, tais empréstimos são candidatos a virar doação dos contribuintes brasileiros, que, se fossem indagados a respeito, provavelmente prefeririam destinar esses recursos a fundo meio perdido para alavancar o desenvolvimento das regiões mais pobres do nosso país, criando também demanda para nossas empresas.

Não é demais lembrar que temos o 84, IDH e a 77+ renda per capita do mundo. Na Síria, o Brasil é cúmplice da barbárie praticada contra o povo pelo ditador Bashar al-Assad, que, anos atrás, assinou um acordo de cooperação com o PT. Não se sabe no que exatamente Assad está cooperando com o partido (seus dirigentes deveriam explicar), mas os petistas vêm honrando o compromisso, pois cooperam com Assad para tentar aliviar a pressão internacional contra o tirano. O governo do PT coopera também com o Irã para que o regime dos aiatolás ganhe tempo e se aproxime do objetivo de construir uma bomba atômica.

A presidente da República corteja a comunidade judaica com discursos, mas, na diplomacia, ajuda quem sonha promover um novo Holocausto do povo judeu.

O PT é muito sensível nos direitos humanos quando lhe convém.

Sempre que pode, promove um circo, com a ajuda do governo federal, contra adversários políticos que procuram cumprir a lei.

Mas a violência policial nos governos do PT e de aliados do PT é como se não existisse.
Quando um governador é aliado do PT, pode mandar a polícia bater à vontade, ferir, lesionar, quem sabe matar...

Mas, se é de um partido adversário e tem responsabilidades na segurança pública e na defesa da ordem, saiba que os aparatos petistas irão persegui-lo implacavelmente, ainda que faça tudo certo.

As duas dimensões e duas frequências diferentes do governo brasileiro não se restringem aos direitos humanos. Em relação à economia, por exemplo, no chiado do disco velho, o PT continua pregando contra o "neoliberalismo".

Mas, diante da própria incapacidade de resolver o problema aeroportuário, vai privatizar os aeroportos e oferecer o dinheiro subsidiado do BNDES para as concessionárias fazerem os investimentos.

Financia calúnias contra o processo de privatização dos anos 90, mas inaugura outra modalidade: a privatização do dinheiro público, como nunca antes na história deste país...
Talvez seja esse o tal socialismo para o século 21. Ainda na economia, o governo continua falando em "PAC", o programa que, na teoria, se destinava a coordenar e acelerar o crescimento.

Mas o Brasil tem crescido menos que todos os principais emergentes. O que deveria ser coordenado ficou cada vez mais enrolado, e o que deveria ser acelerado parou ou andou em marcha lenta. Acelerada mesmo, só a propaganda da suposta aceleração.

São dois mundos distintos, o da retórica e o dos fatos, mas que caminham paralelamente, cada um com sua função.

O medo do fim e o sentido da vida - MARCELO GLEISER


FOLHA DE SP - 05/02/12


Para um cientista que gosta do seu trabalho, a busca pelo conhecimento sobre o mundo natural é uma fonte constante de inspiração (e de transpiração!). Os cálculos, o equipamento nos laboratórios e nos observatórios e os computadores são as ferramentas que dão estrutura ao conteúdo do seu trabalho, da mesma forma que a tela, as tintas e o pincel dão estrutura à arte do pintor. Escrevo isso porque recentemente li um artigo em um blog da "Revista de Negócios de Harvard" ("Harvard Business Review") em que o autor, Umair Haque, pergunta o que traz sentido à vida.
No mesmo dia em que li o artigo de Haque, ouvi uma palestra de Anthony Aveni, uma autoridade mundial em arqueoastronomia, especialista nos maias. O tema tratava da famosa "previsão" de que no dia 21 de dezembro de 2012 o calendário Maia acaba e, com ele, o mundo.
Aveni demonstrou a falácia dessa história examinando a "evidência": uma simbologia que deve ser interpretada do mesmo modo que outros fins de calendário dos maias e de outras culturas.
Em termos de causas cósmicas, não há qualquer motivo para alarme. Alinhamentos planetários como o previsto para o fim do ano são irrelevantes e já ocorreram diversas vezes. Só como exemplo, as marés são causadas principalmente pela Lua e pelo Sol. O efeito de Vênus, o planeta mais próximo da Terra, sobre as marés é menor do que um milésimo de centímetro!
Mais interessante é a origem do medo apocalíptico e o modo como ele ocorre em diversas culturas. Isso já examinei no livro "O Fim da Terra e do Céu"* (Cia das Letras, 2001). Aqui, voltamos ao ponto levantado por Haque. Será que o medo do fim reflete um temor de ter desperdiçado a vida? De que ao chegarmos ao fim da linha não teremos nada que nos fará olhar para trás com um senso de realização?
Haque foca seu artigo na busca por algo que dê sentido e valor à vida. Afirma que perdemos tempo demais com trivialidades e que, por isso, julgamos levar uma existência vazia. Deveríamos, sugere, investir mais em criar algo que sobreviva ao "teste do tempo". Para ele, o sentido da vida está no seu legado.
Somos criaturas limitadas pelo tempo, com um início e um fim. O medo do fim, ao menos em parte, vem da falta de controle sobre a passagem do tempo. Não sabemos quando o nosso fim pessoal chegará. Então tentamos manter nossa presença mesmo após não estarmos mais presentes fisicamente. Isso porque só deixaremos de existir quando formos esquecidos. (O que você sabe do seu tataravô ou de outro parente do passado distante?)
Não há nada de elitista nesse legado. Não precisa ser um Nobel, uma sinfonia ou um poema imortal. Ser devoto à família, criar uma receita que passa de geração em geração, melhorar a vida de alguém, inspirar estudantes, tudo dá sentido à vida. A dificuldade dessa discussão está na questão do valor. O que tem valor para mim pode não ter para você e vice-versa.
O que importa é o que se faz com a vida que se tem e não com a vida que um dia não vai existir mais. Se temos saúde, a coisa mais importante é a liberdade. Ser livre é poder escolher ao que se prender. Com apocalipse ou não, uma vida bem vivida será sempre curta demais.

Dever de Estado - DORA KRAMER


O ESTADÃO - 05/02/12


O Congresso aprovou, a presidente da República sancionou e em maio começa a vigorar a lei que obriga o poder público a pôr à disposição da sociedade as informações que lhe forem solicitadas.

É uma lei de difícil execução, implicará a criação de novos mecanismos administrativos, mas colidirá principalmente com a mentalidade do poder fechado em suas razões, na convicção de que o Estado tudo pode e nada deve ao cidadão.

Muito se tem falado sobre essas dificuldades dentro do governo onde ainda reina a incerteza, mas muito pouco ou quase nada tem sido feito na prática em favor da aplicação da lei que tanto pode gerar tensões quanto produzir avanços.

A expressão nítida desse traço de obscuridade e da resistência a ser enfrentada é a maneira como o governo federal vem lidando com as demissões e admissões de ministros e dirigentes de estatais.

Não se obedece ao pressuposto de que é obrigação do governante dar informações e um direito do cidadão recebê-las. Auxiliares presidenciais vão e vêm sem que se saibam exatamente os motivos.

A presidente nunca fala sobre eles. Mário Negromonte, por exemplo, acabou de deixar o Ministério das Cidades, mas do Palácio do Planalto não se ouviu qual a motivação: se saiu por ser incompetente, alvo de suspeita de prevaricação ou o quê.

Da mesma forma, ninguém disse quais são mesmo as qualificações específicas do deputado Agnaldo Ribeiro – além de pertencer ao partido do "saído" – para assumir o comando de uma pasta com previsão orçamentária de R$ 22 bilhões para 2012.

Sobre isso, o que se têm são versões anônimas e as palavras do secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, e do vice-presidente Michel Temer dando conta da normalidade nesse tipo de ida e vinda.

De fato, o entra e sai de gente no governo é absolutamente normal. Anormal, contudo, é ausência de transparência a respeito.

Nesse quesito da falta de compromisso com a informação pública se inscreve com destaque e escândalo o caso recente da demissão do presidente da Casa da Moeda, o economista Luiz Felipe Denucci.

Consta que saiu por corrupção. Teria recebido propina de fornecedores em contas no exterior. Pode ser e pode não ser. O governo não se pronuncia, não esclarece afinal de contas o que se passou realmente, informando apenas a abertura de uma sindicância para investigar se houve ou não houve o "malfeito".

Mas, então, a demissão pode ter sido injusta? Não se sabe. O que há em tela até agora é um jogo de empurra, de palavra contra palavra, entre o ministro da Fazenda e o presidente do PTB, Roberto Jefferson.

O ex-deputado diz que o partido apenas encampou o apadrinhamento a pedido do governo. Guido Mantega alega que não conhecia o economista e devolve a responsabilidade da indicação para o PTB, afirmando que os políticos é que pressionaram pela saída dele.

A "Casa Civil" manda dizer, por via sem autoria, que alertou a Fazenda desde agosto das suspeitas sobre o presidente da Casa da Moeda.

Uma história estranhíssima envolvendo uma estatal com receita de R$ 2,7 bilhões e lucro líquido de R$ 517 milhões em 2011.

Enquanto isso, os partidos no Congresso discutem a conveniência ou não de convocar o ministro da Fazenda para dar explicações, com os governistas divididos entre considerar a convocação uma inadequada "politização" ou usar essa hipótese como arma de retaliação.

Como se vê, tudo errado nesse episódio emblemático em que o ministro da Fazenda mostra-se sem ingerência sobre um subordinado a respeito de quem ninguém se responsabiliza, demitido não se sabe bem por quem, sob uma acusação cuja investigação ocorre depois do ato consumado.

O mais esquisito é que a cena parece verossímil diante de nossas vistas já acostumadas à obscuridade, embora prestes a se depararem com a entrada em vigor de uma lei que obriga o poder público a franquear a todos o acesso à informação.

Inclusive as razões pelas quais as pessoas entram e saem da equipe presidencial. É de se perguntar se o governo vai se enquadrar ou se optará pela via da ilegalidade institucional.

A missão - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 05/02/12


O ministro Aloizio Mercadante (Educação) recebeu a primeira tarefa espinhosa da presidente Dilma. Ele terá de enfrentar a influência e o lobby dos Conselhos Regionais de Medicina sobre as universidades federais para dificultar o credenciamento de médicos estrangeiros para trabalhar no Brasil. A presidente quer contratar milhares de médicos para atender as populações do interior do Brasil.

De agonia em agonia
Ao encontrar a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) na abertura do ano legislativo, quinta-feira, o deputado Luciano Castro (PR-RR) cobrou solução para o Ministério dos Transportes. "Uma coisa de cada vez. Hoje resolvemos uma", disse ela, em referência à substituição de Mário Negromonte no Ministério das Cida-
des. Ideli e Castro combinaram de conversar nesta semana. O PR não se sente representado pelo atual ministro Paulo Sérgio Passos. Ele substituiu o senador Alfredo Nascimento (PR-AM), que saiu do ministério após denúncias de corrupção. O partido se sente injustiçado por não ter indicado o sucessor.

"Deem um cartãozinho para o novo ministro e digam que sou aliado dele” — Henrique Alves, líder do PMDB, em reunião do PP para cumprimentar o novo ministro Aguinaldo Ribeiro (Cidades), que não estava

ATO POLÍTICO. A comemoração dos 32 anos do PT, na sexta, deve se transformar em mais um ato para turbinar a campanha de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo. Dependendo de seu estado de saúde, o ex-presidente Lula deve comparecer. A presidente Dilma está sendo esperada. O evento começará na quinta, com uma reunião do Diretório Nacional. No sábado haverá encontro de prefeitos. O partido vai homenagear Apolônio de Carvalho, um dos fundadores do PT, morto em 2005.

Lado A
Uma das prioridades do governo Dilma é tentar fortalecer a Rio+20, que está ameaçada de esvaziamento. Em junho, no Riocentro, os chefes de Estado vão debater propostas de desenvolvimento de economias verdes no mundo.

Lado B
A militância petista, em torno do Fórum Social Mundial, organiza, na mesma data, a Cúpula dos Povos. No Aterro do Flamengo, organizações sociais vão protestar, cobrando medidas que reduzam os níveis de produção e consumo.

De olho no ministério
Mesmo na oposição, o presidente do PSDB de Minas, deputado Marcus Pestana, quer nomear ministro. Ele reclamou da escolha de Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) para o Ministério das Cidades. “Mais uma vez Dilma vira as costas para Minas. O experiente mineiro Márcio Reinaldo era o preferido da bancada (do PP)”, disse ele. Pestana reclama ainda de o estado só ter um ministério, o do Desenvolvimento, que ele considera “periférico”.

Xadrez
O governador Jaques Wagner (BA) deve oferecer ao ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli a Secretaria da Fazenda, do Planejamento ou da Indústria. Como ele terá que cumprir quarentena, tem tempo para o xadrez ser resolvido.

Resistência
A CNI definiu sua prioridade para este ano no Congresso. Impedir a votação da redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais. A entidade reúne, na terça-feira, 250 dirigentes estaduais para traçar a estratégia de ação.

O PRESIDENTE do DEM, senador José Agripino (RN), reclama que, “com a obrigatoriedade de votar as Medidas Provisórias, o Poder Executivo passou a ditar a pauta e o ritmo das votações no Congresso”.

PÉ NA ESTRADA. Nesta semana, a presidente Dilma fará um mergulho no interior do país para ver as obras da Transnordestina e da transposição do rio São Francisco. Em dois dias, ela irá a seis municípios do interior de Pernambuco e da Paraíba.

O DEPUTADO Vieira da Cunha (PDT-RS) é o favorito para o Ministério do Trabalho. Ele é afinado com o ex-ministro e presidente do PDT, Carlos Lupi.

"BBB"! Vou pichar o paredão! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 05/02/12


Fidel fechou a boate gay El Periquitón. As bibas em represália abriram outra chamada Che GAYVARA!

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta: "Suspeita de propina derruba presidente da Casa da Moeda". Entendi, o presidente da Casa da Moeda foi demitido porque recebeu uns "troco".
E essa: "Construtora emprega detentos em obras do estádio do Corinthians". Mutirão da Casa Própria! Rarará!
E o que a Dilma foi fazer no Haiti? Ver se sobrou algum haitiano ou se vieram todos pro Brasil! E o que ela foi fazer em Cuba? Curso de gambiarra. Cuba é uma gambiarra. Eles pegam uma batedeira anos 30 e transformam num Chevrolet 63!
E eu esqueci de avisar pra Dilma que blusa tomara que caia em Cuba é chamada de "abaja e chupa". Rarará. E que o Fidel fechou uma boate gay chamada El Periquitón. E as bibas em represália abriram outra boate gay chamada Che GAYVARA! Rarará. E que a saúde do Fidel, El Coma Andante, está impecável. Não consegue mais nem pecar!
E a charge do Aroeira com o Fidel e a Dilma. Fidel: "No és un barbudito, que pasó?". "É que houve eleições e eu...". "Perdón?". "Elecciones". "Vacaciones?". "No, elecciones". "Comichones?". "Elecciones, pô". "No compreendo". "Elecciones, puerra!". E a Dilma tava muito chique e muito inteligente. Mas continua andando como o John Wayne em "Sangue de Heróis". Tiraram o cavalo e ela não percebeu! Rarará!
E o paredón do Big Bagaça Brasil? Ficou o veterinário. Os habitantes da casa agradecem! Rarará. E a manchete do Sensacionalista: "Polêmica: participante do 'Big Brother' flagrado lendo um livro e pode ser expulso da casa". Crime hediondo. Tava folheando "O Ursinho Chorão". E o ursinho foi estuprado? Rarará.
E as Mulheres Ricas, Chatas e Bizarras? Como disse um amigo meu: "Antes eu achava que o dinheiro trazia felicidade. Depois de 'Mulheres Ricas', eu acho que o dinheiro causa demência". E o site QMerda revela que a Val Marchiori falou 18 "hellos", tomou 18 taças de champanhe e teve uma overdose de vida fútil. Overdose de vida inútil!
E eu vou pichar o paredão do "BBB": "A gente somos inútil"!
Rarará! E três são as causas da vitória da revolução cubana: saúde, educação e habitação. E três as causas dos fracassos: café da manhã, almoço e jantar! E sabe como se chama o diretor de qualidade do McDonalds? Todd Bacon. Rarará. Nóis sofre, mas nóis goza. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Num outrora agora - FERREIRA GULLAR


Folha de SP - 05/02/12

Meus olhos se enchem d'água e o passado me invade. É perda, mas, ao mesmo tempo, alegria 

"Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça..." Assim começa o samba "Garota de Ipanema", uma das obras-primas da bossa nova. Consta que esse samba nasceu no bar Veloso, que hoje tem o nome da música e fica na esquina da Prudente de Morais com a antiga Montenegro, chamada agora Vinicius de Moraes.

Pois bem, naquela época eu morava ali mesmo na rua Montenegro, quase em frente ao Veloso e também, como os demais moradores do bairro, com barraca e cadeira de praia, fazia o mesmo percurso a caminho do mar.

Mas, naquela época, minha turma não era a da música, e sim a das artes plásticas, cuja nova bossa era, então, o concretismo, que tinha seu quartel-general ali perto, na Visconde de Pirajá, entre a Montenegro e a Farme de Amoedo, no apartamento de Mário Pedrosa. Ali se reuniam, quase toda semana, Ivan Serpa,

Lygia Clark, Aluísio Carvão, Amilcar de Castro, Lygia Pape, Abraham Palatnik, Franz Weissmann...

Se a bossa nova resultava numa ruptura com a música popular em voga, em que imperavam o bolero e o dó de peito, o concretismo rompia com a tradição modernista nas artes plásticas, cujo principal expoente, na época, era Portinari.

Se se leva em conta que a pintura deste tratava de temas históricos e sociais, o concretismo, limitando-se a composições geométricas, era, como a bossa nova, um modo também de falar baixo.

De qualquer modo, vivíamos uma época de mudanças, tanto assim que, em 1955, se elege um presidente da República bossa nova, Juscelino Kubitschek, que decide construir uma nova capital para o Brasil e chama Oscar Niemeyer para inventar Brasília.

Mas as mudanças não ficaram no terreno das artes. Avançaram para o campo político-ideológico, com a luta pela reforma agrária e contra o imperialismo norte-americano. Cria-se o CPC da UNE, que se volta para a música dos subúrbios e se envolve com as escolas de samba. Mais tarde, após o golpe de 1964 e a criação do teatro Opinião -que era o CPC com outro nome-, o samba das escolas invade a zona sul do Rio.

Já então me afastara do concretismo, do neoconcretismo e mergulhara na luta política e na poesia social. Vinicius se junta aos jovens baianos e faz um show em nosso teatro. Tornamo-nos amigos desde então e essa amizade vai nos juntar, durante meu exílio em Buenos Aires, aonde ele ia fazer shows e terminou se apaixonando por uma moça argentina, quase 30 anos mais nova que ele. E ainda teve a coragem de ir pedir-lhe a mão aos pais dela, bem mais jovens que ele.

Todas essas lembranças, tumultuadamente, tomavam-me a mente, enquanto assistia ao filme de Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim, "A Música Segundo Tom Jobim", feito a muitas mãos, inclusive as de Miúcha.

O filme começa com o "Samba do Avião" e estende-se num sobrevoo sobre a cidade: o aterro do Flamengo ainda em obras, a praia de Botafogo, passa pelo Pasmado, depois pelo Túnel Novo, desemboca na Princesa Isabel e eis que estou na entrada da Barata Ribeiro, percurso que faço até hoje, várias vezes por semana.

É o outrora agora, de que fala Fernando Pessoa. Meus olhos se enchem d'água e o passado inteiro me invade. É perda, mas, ao mesmo tempo, alegria, pois só a música é capaz de nos dar isso.

E mais vertigem está por vir e já sei que virá e espero que venha, o coração batendo forte. A cada aparição de Tom Jobim, ora jovem e lindo, ora já sessentão e charmoso, a imagem do talento e da doçura, que doce ele era, sempre pronto a reconhecer e valorizar o talento do outro. É o que o filme nos mostra, sem uma palavra, sem uma legenda, nas cenas que se sucedem sempre iluminadas por sua música.

Não por acaso, essa música encantou o mundo, seduziu cantores e instrumentistas de muitos países e muitas línguas, que a executam, diante de nós, visivelmente tomados por ela, sejam eles Frank Sinatra, Sarah Vaughan ou Dizzy Gillespie. Mas a emoção maior foi ver e ouvir de novo aquelas canções na voz de Elizeth, Maysa, Elis, Nara e Adriana. Senti falta de Astrid e João Gilberto, que não aparecem no filme. Soube-se que ele é que não permitiu.

GOSTOSA


MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 05/02/12



Política no ar
Para presidente da Embraer, a concorrente Beechcraft, que contesta na Justiça a decisão da Força Aérea americana de comprar aviões brasileiros, aproveita eleições nos EUA para politizar o caso

"Já há uso político por causa das eleições nos EUA, mas estou otimista", diz Frederico Curado, presidente da Embraer, sobre a ação da rival americana Beechcraft. Ao contestar a Força Aérea dos EUA, que preferiu os Super Tucanos, a concorrente alegou perda de vagas no país.

"Vi reportagem negativa sobre Obama, com declaração dele no Rio, em alusão a empregos indo para o Brasil. E não é isso. O Brasil tem deficit comercial com os EUA e os aviões serão feitos na Flórida, requisito do país, com a local Sierra Nevada." Asa e fuselagem irão do Brasil.

O contrato de US$ 355 milhões seria um selo de confiança nos aviões nacionais.

Para justificar que a escolha se deu "porque o Tucano é melhor", Curado elenca argumentos. O primeiro é a adequação para ataque leve, testado contra as Farc (Colômbia). O segundo é o prazo de entrega. "Conseguimos atender por termos avião pronto. A Beechcraft tem só projeto e difícil situação financeira."

É na área de defesa que a Embraer tem crescido mais. Jato comercial vai bem, mas a aviação executiva não se recuperou da crise.

A companhia não adianta resultados, mas a receita de 2011 deve ficar entre US$ 5,6 bilhões e US$ 5,8 bilhões, incremento em torno de 5%, "bastante para quem exporta 90% do que produz".

Quanto à China, onde a empresa tem dificuldades, Curado diz que as críticas não procedem. "O controle é da Embraer. A transferência que houve não é segredo", diz. "Mas as coisas lá são lentas", reconhece. A empresa não consegue aprovar a produção do Embraer 190.

"Ou insistíamos em negócio que não anda ou mudávamos. Na China, há só seis jatos executivos. Converteremos a fábrica para Legacy."

E qual o avião do presidente da Embraer? Nenhum. Curado circula em jatos de carreira. Apenas excepcionalmente voa em avião de demonstração da companhia.

R$ 821,6mi
foi o Ebitda* da companhia nos nove primeiros meses de 2011

R$ 3,4 bi
era o endividamento da empresa em setembro do ano passado

6 países
Têm produção ou montagem de aviões da empresa

Concorrentes
Boeing, Airbus e Bombardier

*Lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização

COMO SE FAZ UM AVIÃO
FABRICAÇÃO DE PEÇAS
Molde

Uma chapa de alumínio é curvada e o revestimento é ajustado de acordo com a dimensão da fuselagem

MONTAGEM DA FUSELAGEM
Rebites

As peças estruturais são unidas por meio de rebitagem dando origem a uma parte da fuselagem do avião. Um selante é

aplicado para evitar vazamentos na cabine

MONTAGEM FINAL
As principais partes, como asas,motores, estabilizadores e trens de pouso são integradas à aeronave. Vários sistemas, como o aviônico, hidráulico e de combustível também são instalados

INSPEÇÃO
Todos os sistemas são checados e testados em solo. Começam os voos de testes, chamados voos de produção

ENTREGA
Após a emissão da certificação de aeronavegabilidade, o avião está pronto para voar comercialmente

Fonte: Embraer

com JOANA CUNHA, VITOR SION e LUCIANA DYNIEWICZ