sábado, março 24, 2012

Reforço - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 24/03/12


No momento em que enfrenta dificuldades com sua base aliada, a presidente Dilma recebeu o fundador do PSD, o prefeito Gilberto Kassab (SP), para uma conversa na noite de quinta-feira. Embora se diga “independente”, o partido tem votado com o governo, mas a presidente gostaria de ter os 47 deputados da sigla como integrantes da base. Na última quarta-feira, o PSD obstruiu as votações da Câmara por causa do Código Florestal.

O projeto de poder do PMDB
Principal aliado do PT, o PMDB não desistiu de chegar à Presidência da República. O partido tem um plano de poder de longo prazo. A primeira etapa prevê eleger o maior número de prefeitos em outubro e ampliar sua força nas capitais. No ano que vem, o partido quer garantir as presidências da Câmara e do Senado. Em
2014, manter a chapa Dilma-Temer. Depois disso, os peemedebistas sonham em encontrar um nome capaz de galvanizar o partido e concorrer ao Palácio do Planalto em 2018.O desempenho do deputado Gabriel Chalita nas eleições à prefeitura de São Paulo é considerado fundamental para revigorar o PMDB.

ESQUECERAM DE MIM. 
Há menos de dois meses participando das sessões do STF, a ministra Rosa Weber tem se notabilizado pela discrição. Fala pouco e baixo. Tanto que o presidente, Cezar Peluso, tem esquecido de colher seu voto. Muitas vezes ele começa a proclamar o resultado da votação quando uma vozinha serena o lembra de que ela ainda precisa votar. Na quinta-feira, a cena se repetiu. Muito educada, Rosa disse, ao fim do primeiro julgamento: “Presidente, o senhor me permite votar?”.

No controle
A presidente Dilma reuniu ontem, no Planalto, os ministros envolvidos com o Código Florestal. Aos líderes do governo disse que quer avaliar item por item, antes que seja feito qualquer acordo no processo de votação na Câmara.

Receita
Os senadores governistas não gostaram do tom das declarações do novo líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM). Eles dizem que quem precisa pedir votos não pode ficar batendo, mas deve procurar conciliar e agregar.

CNI é contra tributar os lucros
O presidente da CNI, Robson Andrade, lança na terça-feira a Agenda Legislativa da Indústria para este ano. Ela analisa 131 projetos que afetam o setor, dando sinal verde para 57% deles e cartão vermelho para 43%. São 16 os projetos que provocam alto impacto nos negócios, sendo que cinco deles a entidade rejeita. O projeto que mais os preocupa é o 3155, de 2012, do ex-líder do PT Paulo Teixeira (SP), que tributa a distribuição de lucros e dividendos e os investimentos estrangeiros.

Guinada
Candidata ao governo gaúcho, a senadora Ana Amélia (PP-RS) está fazendo um movimento em direção ao centro. Ela vai apoiar nas eleições para a prefeitura de Porto Alegre a candidatura da deputada Manuela D’Ávila (PCdoB).

Explicação
Os senadores Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e Pedro Taques (PMDB-MT) justificam: “Encaminharam à Presidência do Senado pedido de informações à Procuradoria da República sobre parlamentares pegos na Operação Monte Carlo”.

A PRESIDENTE Dilma incorporou à sua comitiva à Índia a governadora Roseana Sarney (MA), que esta semana recebeu, em São Luís, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, que está oferecendo R$ 10,5 bi para quem quiser investir naquele estado.

TOLERÂNCIA. O DEM ainda espera que o líder do DEM, senador Demóstenes Torres (GO), consiga se livrar das acusações. Do contrário, será expulso.

O SECRETÁRIO-EXECUTIVO do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto, assumirá a Secretaria de Planejamento e Orçamento do governo Agnelo Queiroz (DF). 

De cinco em cinco minutos - RUY CASTRO


FOLHA DE SP - 24/03/12
RIO DE JANEIRO - Em algum momento menos próspero dos anos 70 -certamente entre empregos ou pulando de frila em frila-, encontrei minha amiga Gardênia Garcia na avenida Rio Branco. Houve beijos e abraços pelo reencontro, e ela me convidou a subir à salinha que fazia de escritório, ali perto.

Fomos. A salinha consistia de duas cadeiras e uma mesa, esta forrada de pôsters, folders e prospectos sobre a Encyclopaedia Britannica, com ênfase na última edição, a de 1972, em 32 volumes. A qual se orgulhava de ter, entre os autores de seus artigos, luminares como Albert Einstein, André Maurois, Anna Freud, sir Alexander Fleming, Alfred Hitchcock, Anthony Burgess, Claude Lévi-Strauss, Carl Sagan, e isso apenas de A a C. O incrível é que, pela primeira meia hora, não percebi que Gardênia estava tentando me vender uma enciclopédia.

Naquela época, tendo de rebolar para fazer jus ao aluguel, à feira e ao sapato das rianças, a última coisa de que eu precisava era de uma Britannica. Pois não é que comprei a dita, e, de lambujem, ainda levei o Webster's Dictionary em três volumes e um enorme Atlas, tudo em 30 ou 40 prestações?

Bem, aconteceu que a aquisição daquela Britannica não me levou à falência, nem fez faltar feijão à mesa ou sapato para as meninas. Aliás, nos anos seguintes, seus artigos me foram tão úteis que ela se pagou várias vezes. E, hoje, graças a Gardênia, continuo possuidor da famosa edição de 1972, que tinha até Einstein e Hitchcock entre seus colaboradores.

Ouço agora que a Britannica anunciou o fim de sua edição impressa e se limitará a existir on-line e em digital, o que lhe permitirá ser atualizada de cinco em cinco minutos. Não vejo vantagem nisso. Na Britannica de papel, o mundo tinha de parar entre uma edição e outra, enquanto os luminares escreviam seus artigos.

A falta de órgãos e o futuro dos transplantes - SILVANO RAIA


O Estado de S.Paulo - 24/03/12


A rapidez com que o progresso tecnológico vem determinando mudanças na prática médica e, por conseguinte, na assistência pública da saúde estimula novas estratégias dos órgãos por ela responsáveis. A evolução da tecnologia do transplante de órgãos representa um bom exemplo desse progresso exponencial e o Ministério da Saúde tem adotado iniciativas inéditas para acompanhá-lo. Ao mesmo tempo que dirige esforços para desenvolver e ampliar para todo o País nossa infraestrutura transplantadora atual, induz e apoia iniciativas capazes de desenvolver as bases para aplicação dos surpreendentes progressos previstos para o setor num futuro próximo.

Desde seu início, na década de 1970, o transplante de órgãos vem adquirindo importância progressivamente maior no tratamento de pacientes com doenças em fase avançada de rim, fígado, pâncreas, coração, pulmão e intestino que, de outra forma, evoluiriam para óbito em curto período de tempo. Infelizmente, porém, o número de candidatos supera em muito o de procedimentos realizados. No Brasil, apesar de termos o maior programa público de transplantes do mundo, são atendidos apenas pouco mais de 30% da necessidade teórica estimada (100 transplantes por milhão de habitantes por ano).

A falta de órgãos representa o fator limitante principal. Seu número depende de uma série de variáveis, que vão da qualidade da assistência pública nas urgências até a decisão da família de autorizar a doação. Mesmo nos países com tecnologia já sedimentada, capaz de superar outras dificuldades, a falta de órgãos persiste como o nó górdio da questão. Na última década, o número de candidatos a transplante dobrou nos EUA, enquanto o número de procedimentos realizados foi apenas um pouco maior. Na Inglaterra, no mesmo período, o número de inscritos na lista de espera para transplante de fígado também apresentou aumento de 100%.

Nos últimos anos, vários fatores têm contribuído para aumentar a discrepância entre oferta e necessidade de órgãos, diminuindo a primeira e elevando a segunda. De um lado, a expectativa de vida cada vez maior e um melhor atendimento dos pacientes com doenças crônicas, particularmente pelo aperfeiçoamento da tecnologia da hemodiálise, permitem que mais pacientes atinjam a fase de indicação, aumentando a demanda. Por outro lado, esses mesmos fatores tendem a diminuir a oferta, seja pelo melhor tratamento e recuperação de potenciais doadores, seja pela redução da violência na idade mais avançada.

Além disso, no Brasil, o esforço de levar para Estados do Norte e do Nordeste o benefício do transplante de órgãos tem se deparado com uma dificuldade inesperada: o elevado índice de recusa familiar. Em centros já estruturados no País e no exterior, a recusa oscila ao redor de 30%, enquanto em alguns Estados, como Maranhão, Bahia, Sergipe e Goiás, esse índice ultrapassa os 60% (RBT 2011). Abordagem inadequada, raízes culturais e desinformação têm sido interpretadas como causas dessa disparidade.

Diante desse cenário, ganham particular importância progressos recentes no campo da medicina regenerativa capazes de aumentar a disponibilidade de órgãos para transplante. Destacam-se a perfusão ex vivo do órgão antes do implante, a fim de resgatar e transplantar órgãos ditos marginais que atualmente são descartados, e a produção de órgãos modificados, que pretende aproveitar órgãos hoje nem sequer considerados para transplante.

O primeiro consiste em perfundir ex vivo, durante seis a oito horas, o órgão a ser transplantado com soluções capazes de determinar a regressão de lesões, isquêmicas ou de outro tipo, ocorridas durante a captação. Vale salientar que atualmente, no Brasil, são descartados por essa razão cerca de 30% dos órgãos captados.

O segundo consiste em descelularizar órgãos de doadores que morreram de causa cardiorrespiratória (coração parado) e, portanto, com lesões isquêmicas irrecuperáveis. Inicialmente, retiram-se as células do órgão (descelularização), isolando sua matriz, que a seguir é recelularizada com células do órgão correspondente do receptor multiplicadas in vitro. Além de pôr à disposição um número muito maior de órgãos, já que permite aproveitar doadores falecidos por qualquer causa, o novo método confere-lhes uma particularidade sobremaneira importante, que é a de não causar rejeição, uma vez que são constituídos por células do próprio receptor.

Diante dessas perspectivas e do novo cenário que determinam, a atual gestão do Ministério da Saúde adotou as seguintes iniciativas:

Capacitar novas equipes de captação e transplante nos 16 Estados, com 60 milhões de habitantes, que ainda não realizam regularmente esse procedimento (polos-alvo). A capacitação é feita por cursos locais, estágios em centros nacionais com tecnologia já sedimentada e envio de técnicos experientes para coordenar in loco a atuação inicial dos profissionais recém-capacitados;

Apoiar campanhas de estímulo à doação por meio de veículos educativos itinerantes pelos bairros menos assistidos dos polos-alvo;

Criar um centro de referência universitário reunindo pesquisadores em regeneração celular e equipes de transplante de diferentes órgãos para desenvolvimento das novas tecnologias;

Destinar recursos para financiamento de projetos de pesquisa apresentados pelos centros transplantadores mais experientes do País, visando a criar uma Rede Nacional de Pesquisa em Medicina Regenerativa e Transplante;

Estimular e apoiar a repatriação de pesquisadores brasileiros atualmente trabalhando no exterior e contratar assessores em centros que aí estejam desenvolvendo a nova tecnologia.

Assim fazendo, pretende-se criar condições para que, também após a revolução tecnológica que se anuncia, o transplante de órgãos no Brasil mantenha a sua atual posição de primeiro plano no cenário internacional da especialidade.

O que é estranho - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 24/03/12


Não há nada de errado ou estranho em ouvir português frequentemente em Nova York. É natural também que muitas lojas tenham funcionários brasileiros para atender melhor os ávidos consumidores da terra. O que acende a luz vermelha é quando a corretora de Miami avisa que leva os brasileiros aos restaurantes mais caros que conhece e ouve o espanto deles diante do cardápio: “barato demais.”

Quem já viveu o tempo da moeda fixa sabe que ao final daqueles quatro anos tudo estava incrivelmente barato em qualquer país e isso dava à classe média a ilusão de que tinha ficado rica. A diferença é que as famílias estavam menos endividadas, porque havia pouca oferta de crédito no Brasil, e os juros eram proibitivos. Outra diferença é que o país não tinha o volume de reservas que tem hoje e, por isso, naquela época o desequilíbrio na taxa de câmbio virou uma crise cambial em poucos anos.

Com o tsunami monetário, as boas condições da economia brasileira e o alto volume de reservas, o país não está perto da crise que houve em 1999 quando o real se desvalorizou drasticamente. Tudo é bem diferente agora. Mas qualquer viagem renova a mesma impressão de que há algo errado.

São tantos os brasileiros comprando imóveis em Miami que há corretores especializados. A crise americana derrubou muito os preços dos imóveis e era natural que isso atraísse investidores de outros países. A discrepância de preços de imóveis lá e cá é tanta que é inevitável não ouvir pelo menos uma vez a pergunta sobre se o Brasil está indo para a mesma crise que eles já viveram. Mesmo diante da resposta de que o nível de endividamento no Brasil é muito menor, eles sempre respondem que acham que uma bolha está se formando. Como eles acabaram de ser tragados pelo estouro de uma bolha, melhor ficar atento, porque eles sabem como elas se formam.

O atendente, numa grande loja, explica que os brasileiros vão sempre lá e descreve: “Eles chegam em grupo e compram muito.” É impossível passar alguns dias por lá e não ouvir o comentário sobre a invejável capacidade de consumo dos compatriotas.

Um dos problemas dessa impressão, de que o mundo ficou mais acessível para nós, é que o inverso também é verdadeiro, ou seja, o Brasil parece caro demais para o visitante. Inacessível. Os números agregados da balança de transações correntes mostram isso: a cada dia gastamos mais lá fora e atraímos menos turistas dispostos a gastar aqui. E justamente agora estamos começando a série de eventos internacionais. Quem vier na Rio+20 já começará a avisar a todos sobre os preços exorbitantes de tudo no país.

A sensação de prosperidade que o brasileiro sente é em parte verdadeira. O país está bem, a renda tem aumentado, o emprego per manece alto. Mas em parte é fruto da ilusão monetária que se tem quando a moeda está supervalorizada. Desta vez, a valorização excessiva não é decreto governamental, como foi de 1994 a 1999, mas causada por fatores externos. O resultado no entanto é o mesmo. Compare-se qualquer produto e vale muito mais a pena comprá-lo fora. Na fila para o avião de volta ouvi de novo a história dos pais que foram aos Estados Unidos fazer o enxoval do bebê. Há mais variedade, qualidade, e menor preço. E de gorjeta o casal ainda viaja.

O que agrava tudo é o fato de que não existe no Brasil uma discussão séria sobre como enfrentar o problema da falta de competitividade da indústria brasileira, ou como elevar a taxa de poupança, ou como alavancar investimentos. Os empresários vão a Brasília pedir ajuda. E será preparado mais um pacote emergencial, cheio de medidas que não durarão uma temporada. Ninguém discute seriamente a natureza dos desequilíbrios que a economia brasileira demonstra ter nesse momento.

Quando o dólar sobe um pouco, há uma sensação geral de alívio, mas a desvalorização do real só atenua o problema, não o resolve. Não há uma estratégia de longo prazo na economia. Cada vez que o dólar cai um pouco, o ministro da Fazenda avisa que tem um arsenal de medidas e que vai usá-lo. Eleva um IOF, cria uma barreira contra o produto chinês, decreta uma barreira à entrada excessiva de dólar e repete a garantia que não deixará o real se valorizar mais.

A valorização do real da segunda metade dos anos 1990 foi parte da estratégia usada para vencer a hiperinflação. O câmbio fixo teve um fim tumultuado, mas deixou como herança a inflação de patamares civilizados que temos hoje. Mas, desta vez, o que restará?

Será um bom momento se o Brasil usar o dólar baixo para modernizar seu parque industrial, baratear investimentos, atualizar a infraestrutura de tecnologia de informação, e ganhar tempo para a estratégia mais permanente de desenvolvimento.

O atraso brasileiro se vê logo no primeiro momento da volta. Na minha viagem de oito dias, pousei em três aeroportos americanos. Em todos, a bagagem chegou rapidamente. Em um deles, São Francisco, já estava fora da esteira esperando por mim. No Rio, além de ter que pegar um ônibus para chegar ao terminal, esperei exatamente 31 minutos pela bagagem.

Encenação no Planalto - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 24/03/12


A presidente Dilma Rousseff chamou ao Palácio do Planalto 28 dos maiores empresários do País para pedir-lhes mais investimentos - como se algum deles precisasse de um apelo presidencial para investir na ampliação de seus negócios e para ganhar mais dinheiro e mais espaço em seus respectivos mercados. Quanto a esse ponto, pelo menos, dificilmente haverá diferença entre esses líderes da indústria, do comércio e do setor financeiro e a maioria dos dirigentes de empresas pequenas e médias. Os chamados espíritos animais estão bem vivos no empresariado brasileiro, apesar de todas as dificuldades para investir, produzir e vender, especialmente para o mercado externo. A presidente não deveria preocupar-se com isso. Mas os dirigentes de companhias de todos os tamanhos têm motivos para se preocupar com a pouca disposição do governo de adotar as políticas necessárias ao fortalecimento do setor produtivo e ao crescimento seguro da economia brasileira.

Como era previsível, a reunião serviu para a presidente encenar alguma iniciativa, num momento de muita dificuldade com a base governamental e de vexaminosas derrotas no Congresso. Além disso, converteu-se, como era também previsível, em mais uma oportunidade para os empresários desfiarem o novelo de suas queixas e reivindicações, todas bem conhecidas e diariamente citadas pela imprensa.

Os convidados falaram de câmbio, carga tributária, encargos trabalhistas, custo do dinheiro, problemas de infraestrutura e escassez de mão de obra qualificada. Trataram também, é claro, de uma aberração inventada por alguns governadores, a guerra dos portos, gravemente prejudicial à indústria brasileira: produtos importados com incentivos fiscais, por meio de um protecionismo às avessas, são vendidos com grande vantagem de preço em outros Estados, impondo uma concorrência absurdamente desleal ao produtor nacional.

As falas da presidente e do ministro da Fazenda, Guido Mantega, foram igualmente sem novidades, apesar da abundância de palavras. As autoridades prometeram, mais uma vez, um grande plano de redução de custos fiscais e financeiros. O corte de encargos trabalhistas, iniciado em 2011, será estendido a novos setores, haverá diminuição de impostos federais e crédito mais barato será oferecido aos empresários. Além disso, o governo investirá em obras de infraestrutura e tentará baixar o custo da energia. Todas essas promessas eram conhecidas.

Não valeria a pena os empresários irem a Brasília para repetir suas queixas e para ouvir de novo as declarações de bons propósitos do governo, exceto, talvez, por um detalhe: pelo interesse de participar, ao lado de figuras muito importantes do setor privado, de um encontro com a chefe do governo. No caso da presidente Dilma Rousseff, muito menos propensa do que seu antecessor a reuniões desse tipo, a raridade do evento também pode ter sido um atrativo.

Mas a presidente foi além das promessas e da cobrança de mais investimentos. Ela pediu uma atuação mais forte dos empresários a favor da Resolução 72/2011 do Senado, sujeita a forte resistência de várias bancadas estaduais. Se essa Resolução for aprovada, a redução das alíquotas interestaduais tornará muito mais difícil a guerra dos portos.

Mas vários empresários importantes e sindicalistas já estiveram no Congresso, nos últimos dias, participando de sessões especiais sobre o assunto e já deram seu recado. A presidente deve saber disso. Muito mais que um esforço de argumentação e de esclarecimento, ela pediu, portanto, um trabalho para a conquista de votos. Recorreu aos empresários, em suma, na esperança de terem êxito onde ela fracassou. Nesse, como em vários outros casos importantes, o Executivo tem sido incapaz de unir a base governamental em torno de um projeto considerado de alto interesse para o País.

A maior parte do encontro foi mera encenação de uma reunião produtiva entre a presidente e um grande grupo de pesos pesados da economia. O resto foi uma demonstração explícita dos problemas de um governo forçado a comprar e a recomprar, num comércio sem fim, a fidelidade de sua base no Congresso.

O começo do fim da Aids - DRAUZIO VARELLA


FOLHA DE SP - 24/03/12

Os que receberam tratamento precoce tiveram 41% menos processos infecciosos do que os demais


Parece ficção, mas esse foi o nome de um congresso realizado na Universidade George Washington, em dezembro último.

Há muito a comunidade científica discute a ideia de que tratar a infecção pelo HIV com antirretrovirais (ARVs) traria a vantagem paralela de impedir a transmissão do vírus.

De um lado, os que consideravam óbvia essa hipótese: se os remédios reduzem a carga viral, a probabilidade de espalhar o vírus tem que diminuir. De outro, os céticos: falta provar.

A controvérsia foi esclarecida com a publicação do estudo conduzido pelo HIV Prevention Trial Network, um consórcio internacional do qual participaram diversos infectologistas brasileiros.

Batizado como HPTN 052, o estudo envolveu 1.763 casais heterossexuais com apenas um dos cônjuges infectado (casais discordantes), residentes em cinco países africanos, Brasil, Tailândia e Estados Unidos.
Para participar, o parceiro infectado devia estar virgem de tratamento e ter no sangue um número de células CD4 entre 350 e 550/mm³, característica dos que apresentam certo grau de deficiência imunológica, porém ainda insuficiente para chegar à fase de Aids.

Sorteados ao acaso, metade dos participantes recebeu comprimidos contendo ARVs. Para os outros, foram distribuídos comprimidos-placebo aparentemente idênticos, até que suas células CD4 caíssem abaixo de 250.

Em abril de 2011, os resultados se mostraram tão contundentes que o estudo foi encerrado e enviado para a revista médica de maior circulação mundial: "The New England Journal of Medicine".
Das 28 pessoas infectadas por seus parceiros, 27 faziam parte do grupo-placebo; apenas uma pertencia ao grupo medicado com os ARVs.

Além do benefício na prevenção, os que receberam tratamento precoce tiveram 41% menos processos infecciosos do que os demais, constatação que levou os organizadores a prescrever ARVs para todo o grupo de controle. Para excluir a possibilidade de que os 28 infectados tivessem adquirido o vírus em relações extraconjugais, o HIV colhido na circulação de cada um deles foi submetido a testes genéticos para confirmação de identidade com o vírus do cônjuge.
Você acha, leitor, que o debate está encerrado?

Claro que não. Em ciência, a resolução de um problema inevitavelmente cria outros. Agora, alinham-se em campos opostos os otimistas, que acham possível conter a epidemia em países inteiros às custas do tratamento precoce dos HIV positivos, contra os que consideram essa estratégia fantasiosa pelas seguintes razões:

1) É muito difícil identificar todos os infectados pelo HIV. Nos cinco continentes, há 34 milhões, apenas 6,6 milhões dos quais recebendo medicamentos. A cada ano ocorrem 2,7 milhões de infecções novas. Lesoto, país africano com a terceira prevalência mais alta do mundo, lançou em 2004 uma campanha nacional para testar a população inteira. Até hoje, apenas metade dos adultos fizeram o teste.

2) Os testes anti-HIV não possuem sensibilidade para detectar o vírus nos primeiros dias depois de adquiri-lo, quando a multiplicação rápida na corrente sanguínea torna a transmissão mais provável. Cerca de um terço delas ocorre nessa fase aguda.

3) Para a estratégia ter êxito, os portadores devem tomar os remédios com regularidade, durante muitos anos, rotina especialmente problemática no caso dos assintomáticos, quando experimentam efeitos colaterais.

4) Prescrever ARVs em grande escala aumenta o risco de tornar o vírus mais resistente. Na África, a resistência do HIV entre os que recebem tratamento aumenta a cada ano que passa.

5) Confiar na atividade protetora dos ARVs poderia levar os portadores a adotar práticas sexuais inseguras para seus parceiros.

6) Embora menos da metade dos que precisariam tomar ARVs tenha acesso a eles, cerca de dois terços dos U$ 7 bilhões anuais investidos no combate à epidemia são consumidos apenas no custeio de programas de tratamento. Haveria recursos para medicar todos?

Apesar dessas objeções, a possibilidade de conter a epidemia com medicamentos deixou de ser pensamento mágico. A revista "Science" considerou a prevenção do HIV com antirretrovirais a mais importante de todas descobertas científicas do ano passado.

PROGRAMAÇÃO ESPORTIVA NA TV


7h - Kashiwa Reysol x Shimizu, Campeonato Japonês, ESPN HD

9h15 - CSKA Moscou x Lokomotiv Moscou, Campeonato Russo, ESPN

9h45 - Chelsea x Tottenham, Campeonato Inglês, ESPN Brasil e ESPN HD

10h - Osasco x Minas, Superliga fem. de vôlei, Globo

10h - Copa do Mundo de ginástica artística, etapa de Cottbus (ALE), Sportv 2

11h30 - Bayern de Munique x Hannover, Campeonato Alemão, ESPN

12h - Rio de Janeiro x Sesi, Superliga masc. de vôlei, Esporte Interativo e Sportv

12h - Arsenal x Aston Villa, Campeonato Inglês, ESPN Brasil

12h - Liverpool x Wigan, Campeonato Inglês, ESPN HD

14h - Brasil x Canadá, amistoso (futebol fem.), Band e Sportv 2

14h - Milan x Roma, Campeonato Italiano, ESPN

14h30 - Stoke City x Manchester City, Campeonato Inglês, RedeTV! e ESPN Brasil

14h30 - Schalke x Bayer Leverkusen, Campeonato Alemão, Esporte Interativo e ESPN HD

16h - Atlético-MG x Democrata, Campeonato Mineiro, Sportv

16h - Brasília x Flamengo, NBB, Sportv 2

16h - Real Madrid x Real Sociedad, Campeonato Espanhol, ESPN

18h - Catanduva x Ourinhos, Nacional fem. de basquete, Sportv 2

18h - Getafe x Valencia, Campeonato Espanhol, ESPN

18h10 - Gimnasia x River Plate, Campeonato Argentino (2ª divisão), ESPN Brasil

18h30 - Ponte Preta x Guarani, Campeonato Paulista, Sportv

21h - Torneio Interligas de basquete, Sportv 2

21h30 - Campinas x Vôlei Futuro, Superliga masc. de vôlei, Sportv

5h - GP da Malásia, F-1, Globo

UFC! Dilma vai dar uma voadora! - JOSÉ SIMÃO


FOLHA DE SP - 24/03/12

Hoje! UFC! Ultimate Fighting Congressista! Dilma x Base Aliada! Narração: Galvão Bueno!

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do Planeta da Piada Pronta: "Paquistanês se casa duas vezes em 24 horas". Como é o nome dele? AZHAR! Rarará!
E esta: "Bordel americano faz promoção para veterano de guerra". Tradução: mate um iraquiano e fature uma coelhinha!
E acabei de receber um folheto: "Fotos Aéreas! Tratar com Francisco dos Anjos". Rarará! E adorei este cara que pichou no muro: "Paz e ONRRA".
E a manchete do Piauí Herald: "Dilma convoca Dunga para negociar com a base aliada". E o assessor é o Felipe Melo! Vão dar voadora em todo mundo. Vai voar voadora no Senado!
E atenção! Hoje! UFC! Ultimate Fighting Congressista! Dilma x Base Aliada! Narração: Galvão Bueno! "Vai pra cima deles, Dilma. Chuta, bate forte, dá na cara deles! PORRRRRADA! É PORRRADA do Brasil." Rarará!
E você acha que a Dilma tem paciência pra ficar negociando com esse pinoias? A Dilma não tem saco! Rarará! Ao contrário das más línguas! E eu acho que o Congresso tá sofrendo de síndrome de abstinência de mensalão!
E tô me divertindo com as declarações do Imposto de Renda! A Nair Bello do Twitter declarou que tem Alzheimer e gota!
E uma amiga declarou que a vida sexual dela anda tão chocha que, quando rola alguma coisa, tem bolo e brigadeiro no final!
E sabe como um amigo meu preencheu o quesito sexo? "Enorme". Rarará! Tá lá, na declaração dele, sexo: enorme!
E uma outra declarou no quesito sexo: "Uma vez só, em Porto Seguro, eu juro!"
E este é o quesito de que mais gosto: "Situação em 31/12/2011". BÊBADO! Qual a situação do brasileiro em 31 de dezembro?!? Bêbado, claro!
E o Imposto de Renda não é alto, nós é que somos baixos! Rarará! É mole? É mole, mas sobe!
"Empresas de Eike têm prejuízos milionários." Claro, você acha que ele teria prejuízo de pobre?
"União Europeia coloca mulher de Assad na lista negra." Dona Assada? Não, o nome dela é Asma! Adorei! A Síria tá com Asma! E adorei a declaração do Neymar: "O Peru joga pesado. Se eu não pulo, estaria no hospital". Rarará!
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Reconciliação com a democracia via direito penal? - JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL


FOLHA DE SP - 24/03/12

Sob o argumento de que o crime de desaparecimento forçado é permanente e, por isso, não fora atingido pela Lei de Anistia, pretendem-se iniciar procedimentos criminais.

Tal pretensão tem como fundamento a condenação do Brasil pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Ocorre que o tipo penal do desaparecimento forçado não existe no Brasil. A decisão da OEA comprova tal fato, ao determinar que o país crie essa figura jurídica.

Outro argumento utilizado para sustentar tal argumento é o julgamento da extradição 1.150 pelo STF. No caso, referente a um major argentino, com o fim de respeitar as instituições e a soberania daquele país, estabeleceu-se uma analogia entre o crime de desaparecimento forçado lá previsto e o nosso sequestro qualificado para extraditá-lo.

Mas, no âmbito penal, analogias não são admissíveis em prejuízo do acusado. Não cabe fundar ação penal em tipo inexistente, bem como na suposição, contrária à lógica e à lei, de que os desaparecidos estariam vivos.

Toda ditadura, independentemente da ideologia, é deletéria, mesmo quando a arbitrariedade se "limita" a cercear a liberdade de expressão. Ao referendar a tortura, as ditaduras se tornam mais espúrias, pois o corpo é templo sagrado.

Não obstante, o afã de punição não pode justificar o risco de abrir flancos em garantias individuais, que se aplicam a todos.

O princípio da legalidade, a extinção da punibilidade, a coisa julgada servem para tutelar os indivíduos em face do Estado, independentemente dos crimes praticados.

Considera-se uma grande conquista para a proteção dos direitos fundamentais a definição de crime contra a humanidade e sua imprescritibilidade. No entanto, o respeito aos mesmos direitos exige que novos conceitos tenham incidência futura, e somente após integração ao ordenamento nacional.

Não se pode, com o argumento de se tratar de crime contra a humanidade, discutir penalmente atos praticados há décadas.

O STF, ao julgar improcedente a arguição que objetivava declarar a Lei de Anistia contrária à Constituição Federal, reafirmou sua validade. Cada um dos votos constitui verdadeira aula de direito e história.

Querer desconsiderar essa importante decisão com fulcro em analogia abre um péssimo precedente para a democracia, que nunca está totalmente segura: vide a vontade recorrente de controlar a imprensa.

A reconciliação com a democracia não precisa ocorrer por meio do direito penal. No caso, nem pode.

Podemos rever o passado para preservar o futuro. Para tanto, pode-se estudar a criação de norma impossibilitando o Estado anistiar seus próprios agentes.

Assim, nenhum governante ficará tentado a abusar de seu poder, contando com a possibilidade de se anistiar -cabendo lembrar que a Lei de Anistia foi aprovada pelo Congresso Nacional, vindo a ser confirmada pela Emenda Constitucional que convocou a Constituinte.

Também creio que seja hora de um sério debate acerca do que constitui crime político. A Lei de Anistia, para aquele período da história nacional, conferiu uma ampla extensão a essa categoria, falando inclusive em atos de terrorismo, figura ainda não definida em nosso ordenamento.

Nesta oportunidade, já deixo firmado o entendimento de que a violência não deve, aprioristicamente, ser considerada política independentemente de quem seja o autor dos atos, não importa qual seja a causa.

Mas as novidades no âmbito penal e mesmo as novas interpretações devem valer para o futuro, para a manutenção do próprio Estado democrático de Direito.

Essas ações penais até têm a aparência de proteção dos direitos individuais, mas, com todo respeito, por melhor que sejam as intenções, se revelam porta para novas e indesejáveis violações.

Entre poderes e utopias - EUGÊNIO BUCCI


O Estado de S.Paulo - 24/03/12


História da Imprensa Paulista, de Oscar Pilagallo, escapa do proselitismo



Um livro necessário e bem escrito. Já era tempo. Não há outra maneira de receber este História da Imprensa Paulista, do jornalista Oscar Pilagallo: para começo de conversa, é preciso reconhecer nele um valor essencial, que não é pequeno. Em pouco mais de 300 páginas, autor conseguiu encadear, numa narrativa que escapa, com elegância, da linguagem um tanto enfadonha dos livros históricos, informações antes dispersas na poeira de dois séculos. Além disso, traz revelações que ele mesmo apurou. Para as escolas de jornalismo, mais um título para a bibliografia obrigatória. Professores e estudantes ganham um roteiro mais atualizado para compreender as origens e as contradições que marcam a formação da imprensa em São Paulo.

A espinha dorsal das virtudes dessa obra está na postura adotada por Pilagallo, de evitar proselitismos ou o excesso de juízos de valor, para um lado ou para outro. O autor não cede à tentação de glorificar ou de crucificar jornais ou editores. Conta com clareza - e mesmo com frieza - o que coletou de relevante. Uns vão gostar, outros vão desgostar e apontar imprecisões, como de costume, mas o veio principal dos acontecimentos que marcaram a evolução e a involução das redações paulistas passa pelas páginas desse volume. Em tempo: com esse lançamento, a Publifolha, editora vinculada ao jornal Folha de S.Paulo, vem abrir um novo selo editorial, o Três Estrelas, dedicado a estudos de jornalismo, que também nos chega em boa hora.

Em sete capítulos, História da Imprensa Paulista vai costurando curiosidades mais do que saborosas a esclarecimentos por vezes dolorosos. Entre as primeiras, temos o jornal que circulou em 1823 na província de São Paulo, de nome O Paulista, cujos exemplares, um a um, eram copiados a mão. Ou a lembrança de que o escritor Euclides da Cunha, autor das reportagens sobre a revolta de Canudos, que, na última década do século 19, ajudaram a erguer a reputação deste diário, O Estado de S. Paulo, fundou um jornal marxista em 1899. O nome não deixava dúvidas: O Proletário, publicado na cidade de São José dos Campos.

Entre os esclarecimentos, que não são poucos, um dos mais chocantes é aquele que dá o contexto histórico do assassinato do diretor de jornalismo da TV Cultura, Vladimir Herzog, em 1975. Como Pilagallo demonstra, a morte de Herzog não resultou da iniciativa espontânea de meia dúzia de torturadores estúpidos, mas de uma campanha mais ampla, que procurava caracterizar o jornalista como um agente indigno a serviço do comunismo. História da Imprensa Paulista anota que, poucos dias antes do crime, o jornalista Alberto Dines denunciou essa campanha em sua coluna dominical, "Jornal dos Jornais", na Folha. Como Dines mostrou, estava em marcha uma perseguição pública, liderada por um colunista do semanário Shopping News, que bradava contra a "infiltração comunista" na "TV Viet-Cultura".

História da Imprensa Paulista também joga luz sobre um episódio que foi bastante debatido recentemente: o uso de caminhonetes da Folha de S.Paulo em ações de repressão armada contra ativistas de esquerda durante a ditadura militar. Um dado inequívoco - e este já bastante conhecido - é que toda a elite da imprensa paulista apoiou o golpe com seus jornais, seu dinheiro e sua inteligência, quando havia. O emprego de carros da Folha, no entanto, em operações que mataram militantes de esquerda, ainda era uma passagem um tanto obscura.

É verdade que, já em 2006, em A Trajetória de Octávio Frias de Oliveira, de Engel Paschoal, uma biografia autorizada do proprietário da Folha, a informação já aparecia com todas as letras (quem quiser conferir, que vá à página 153 da segunda edição, publicada em 2007). Agora, Pilagallo aprofunda o tema. Para isso, ouviu Otavio Frias Filho, diretor de redação, que afirma: "Depois de conversar com meu pai e até com gente que teve ligações com a guerrilha naquela época, eu diria que, sim, os caminhões de transporte da Folha foram usados por equipes do Doi-Codi para fazer campanha e até para prender guerrilheiros, ou supostos guerrilheiros, mas tenho convicção de que isso foi feito à revelia do meu pai".

Em diversas passagens, o leitor de História da Imprensa Paulista experimenta a sensação de que o jornalismo deste Estado foi gerado e formatado por uma sucessão de conspirações, entremeadas por arroubos utópicos. De um lado, estão as orquestrações imundas, como essas que ataram jornais a ditadores, atentando contra as liberdades, contra a vida e contra a decência. De outro, os projetos idealistas, como aqueles do século 19 que pretendiam derrubar a monarquia e o regime da escravidão.

No livro, a imprensa emerge como uma entidade engendrada pelo choque não entre as classes, mas entre interesses políticos. Bem sabemos que a imprensa é mais do que um subproduto da política: ela é uma realidade de mercado, entre outras coisas. Pilagallo, porém, preferiu apoiar sua narrativa no fio condutor que expõe os nexos entre jornais e poder. Não é tudo, por certo. Mas já é uma história e tanto.

MEIO DA CONFUSÃO - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 24/03/12


O São Paulo planeja cobrar na Justiça danos morais e materiais do meio-campista Oscar, dependendo do desfecho do imbróglio jurídico envolvendo o jogador. Entende que a situação prejudicou a imagem da agremiação. O atleta rompeu vínculo com o clube em maio de 2010 e foi para o Internacional, mas tem que voltar ao Tricolor após decisão judicial proferida nesta semana.

CORREÇÃO
Oscar, no entanto, pretende pagar uma multa de R$ 9,5 milhões e não defender a equipe paulista. O São Paulo entende que o preço, referente a 2010, está defasado. "Se tivermos que abrir mão do jogador por esse valor, devemos buscar nossos direitos", diz o vice-presidente do clube, Carlos Augusto de Barros e Silva.

REI POSTO
O presidente da CBF, José Maria Marin, pretende se encontrar com o presidente da Fifa, Joseph Blatter, na próxima semana, na Suíça.

ORELHÃO DE BRINCO
Depois da Cow Parade, a Call Parade. A Telefônica vai decorar cem orelhões em São Paulo, em maio e junho, para registrar a troca de sua marca pela Vivo. Terá artistas, arquitetos e designers na ação, cujo nome se refere à palavra inglesa para telefonema.

ELAS FALAM
A senadora Marta Suplicy (PT-SP) e Eleonora Menicucci, ministra de Políticas para Mulheres, participam hoje de congresso jurídico, no Teatro Gazeta, em comemoração do Dia Internacional da Mulher promovido pela OAB-SP. Falam sobre "novas perspectivas femininas após um ano de governo Dilma".

SEGUNDA CHANCE
A Acrimesp (Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de SP) enviou à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ofício em que pede a implantação do sistema de segundo turno nas eleições da diretoria e conselhos das seccionais da entidade. O pedido está em análise na comissão de legislação da OAB.

ESCURINHO
São Paulo, Rio, Salvador, Belo Horizonte, Campo Grande, Curitiba, Florianópolis, São Luís, Natal e Palmas confirmaram sua participação na Hora do Planeta, movimento mundial contra o aquecimento global, realizado pela ONG WWF. Às 20h30 do dia 31, Cristo Redentor, Ponte Estaiada e Elevador Lacerda ficarão apagados durante uma hora.

IMAGEM DO RAP
As primeiras pesquisas do longa de ficção sobre Sabotage, morto em 2003, começam hoje, com um tributo ao rapper na favela de Heliópolis, em São Paulo. O produtor Denis Feijão acaba de comprar os direitos de uso de imagem do músico.

HOTEL JOSÉ
A atriz Débora Duboc, em cartaz com a peça "JT - Um Conto de Fadas Punk", no CCBB do Rio, está hospedada na casa do diretor, Paulo José. "Ele queria conversar sobre a peça, ensaiar e me perguntou se eu me incomodava de ficar na casa dele e da mulher dele, a Kika", conta. "Tô no melhor hotel da cidade."

SABATINA JURÍDICA
O advogado José Diogo Bastos fez em sua casa, anteontem, jantar de apoio à candidatura de Alberto Zacharias Toron para a presidência da OAB-SP. Colegas como Ana Carolina Gazoni e Luís Carlos Moro compareceram. Toron respondeu a perguntas dos convidados.

TALHER JURÍDICO
O advogado André de Almeida ofereceu jantar ao presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, anteontem, em sua casa, em SP. O homenageado estava acompanhado da mulher, Marici.

CURTO-CIRCUITO

O bar Caos faz bazar de roupas e objetos amanhã, às 15h. Depois, acontece a festa Na Agulha. 18 anos.

A exposição "Desenho de Fibra" será aberta hoje, às 9h30, no Sesc Pompeia.

A mostra Hyundai Black começa no dia 22 de maio.

com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY 

Desordens da escrita literária - LUCIA GUIMARÃES


O Estado de S.Paulo - 24/03/12


"Eu me sento, religiosamente, toda manhã. Eu me sento por oito horas, todo dia - e ficar sentado é tudo. Durante o dia de trabalho de oito horas, escrevo três frases que apago, antes de deixar a escrivaninha em desespero."

Carta de Joseph Conrad,
em 1898, ao editor e amigo
Edward Garnett

A "Doença da Meia Noite", o mal que aflige o escritor diante da página em branco, foi assim batizada pelo notoriamente deprimido Edgar Allan Poe. A noção do autor acometido por surtos de inspiração ou em agonia pela ausência da musa sempre acompanhou a escrita. Mas, uma nova literatura médica ajuda a explicar os caprichos da musa. O sofrimento, no entanto, está longe de ser aplacado, como conta ao Sabático, o romancista Mark Salzman, que acaba de lançar as memórias de seu tormento com o mal da meia-noite, o livro eletrônico The Man In The Empty Boat (O Homem no Barco Vazio). Ele registra não um, mas dois longos episódios de bloqueio da escrita, entre lançamentos que foram sucessos de crítica. O caso de Salzman é mais notável porque ele começou a carreira como instrutor de artes marciais e sonhava ser um celebrado violoncelista, "ou seja, eu não tinha esta ambição de me comparar a um grande escritor", explica.

O sonho de musicista profissional foi abandonado ao assistir a um concerto de Yo-Yo Ma, enquanto estudava na Universidade de Yale, onde logo trocou seus estudos por literatura chinesa. As artes marciais, que aperfeiçoou na província de Hunan, no fim da década de 80, inspiraram seu primeiro sucesso, o livro de memórias Iron & Silk (Ferro & Seda). Em 2000, Salzman lançou Lying Awake (Na Cama Acordada), um breve e elogiado romance sobre uma freira carmelita que enfrenta uma crise espiritual e um tumor no cérebro.

Na época, num perfil na revista New Yorker, Salzman confessou que havia levado seis anos para concluir Lying Awake, um período em que sua mulher, a cineasta Jessica Yu, ganhou um Oscar pelo curta-metragem Breathing Lessons: The Life and Work of Mark O'Brien.

Em The Man In The Empty Boat, Salzman relata em detalhes a segunda seca criativa que sofreu, em 2009, incapaz de concluir, depois de três manuscritos, um romance sobre o império mongol, passado no século 13. O nascimento de duas filhas, a morte trágica de sua irmã e o começo de uma série de ataques de pânico são o pano de fundo da crise. Sua crônica da luta obsessiva para manter a rotina de escritor contém cenas de humor absurdo, como a que está sentado em frente do computador com uma toalha na cabeça para abafar o menor ruído e enrolado numa saia de papel laminado para afugentar os dois gatos que pedem colo. A certa altura, ele leva o laptop para o carro na garagem e tenta em vão escrever de lá, sob o escárnio de um dos gatos que se instala no capô. Em seguida, Salzman é aceito na idílica Colônia MacDowell Para Escritores, no Estado de New Hampshire, onde conclui, em êxtase, que não pode se forçar a escrever e transforma a estadia em férias.

A crise de Salzman, ou pelo menos o seu tormento, termina em outra viagem para o campo, em companhia de um cachorro terrier, cuja flatulência o leva a ter uma segunda epifania sobre o bloqueio do escritor. De sua casa, perto de Los Angeles, Salzman se confessa feliz por, no momento, tomar conta das duas filhas, de 7 e 10 anos, enquanto a mulher viaja com a produção de um filme. Ele espera, paciente, pela volta da inspiração sobre a Mongólia da Idade Média.

No prestigiado Massachusetts General Hospital, o escritório de Alice Flaherty, diretora do Programa de Estudos de Desordens do Movimento e professora de neurologia da Universidade de Harvard, é destino de uma peregrinação de escritores como Salzman. O mais famoso deles foi William Styron, morto em 2006. O romancista autor de A Escolha de Sofia e As Confissões de Nat Turner escreveu a mais célebre memória da depressão, Perto das Trevas. Ainda deprimido e incapaz de voltar a escrever, ele decidiu procurar a doutora Flaherty em Boston, ao ler seu livro The Midnight Disease: The Drive to Write, Writer's Block and the Creative Brain (A Doença da Meia-Noite: O Impulso de Escrever, O Bloqueio do Escritor e o Cérebro Criativo, 2004).

"Styron estava profundamente deprimido nos últimos cinco anos de vida", lembra a neurologista, advertindo que tem permissão para comentar apenas sobre este ex-paciente, já que Styron e sua viúva Rose, de quem se tornou amiga, falaram abertamente sobre a depressão e o tratamento. Flaherty admite que foi procurada por figuras expressivos da literatura contemporânea americana, mas, é claro, a ética a impede de revelar nomes. Ela acaba de escrever um paper acadêmico sobre a evolução da pesquisa relatada em The Midnight Disease. O novo artigo se concentra nos riscos do tratamento de doenças mentais que afetam a criatividade.

Foi como paciente que Alice Flaherty se interessou por explorar a ligação entre a escrita e a emoção. Boa parte da literatura científica tratava de aspectos cognitivos da linguagem. Mas, ao dar à luz gêmeos prematuros que logo morreram, em 1998, a neurologista, que já tinha uma carreira médica bem-sucedida, mergulhou numa depressão. E passou a sofrer do outro mal do escritor, o extremo oposto do bloqueio: a hipergrafia. Processou seu luto escrevendo sem parar, em qualquer pedaço de papel. Flaherty diz ao Sabático que a compulsão para escrever sobre a própria doença é comum em pacientes que não são escritores por profissão. Depois de seu episódio maníaco, ela recebeu um diagnóstico de desordem bipolar, foi medicada, voltou a publicar artigos científicos, a atender pacientes e teve gêmeas que estão crescendo saudáveis.

Em The Midnight Disease, Flaherty confessa sua surpresa inicial ao descobrir que um talento refinado como a escrita possa ser tão influenciado pela biologia. Ela explica que, tanto o bloqueio da escrita quanto a hipergrafia têm em comum o lóbulo temporal do cérebro, importante para a produção de literatura porque é necessário para a compreensão semântica. A outra região do cérebro relevante para a escrita é o sistema límbico, residência da emoção e do impulso criativo. Flaherty afirma que está longe de tentar medicalizar a arte, como os que descrevem a obra de Dostoievski como mero produto da epilepsia. "Patologizar o processo de escrever", argumenta, "poderia nos levar a encarar a criatividade como anormal e até perigosa."

A expressão "writer's block" (bloqueio do escritor) foi cunhada pelo psicanalista americano Edmund Bergler, em 1947. Há, comenta a doutora Alice, quem a considere uma aflição nativa dos Estados Unidos por causa do otimismo americano sobre "a criatividade ao alcance de todos". É comum os cursos de Escrita Criativa das universidades do país, como a Columbia e a New York University, incluírem disciplinas sobre como combater o writer's block. Apesar de famosos bloqueados americanos, como Herman Melville, Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald, Flaherty contra-argumenta com casos de bloqueio confesso, como os de Sigmund Freud, Franz Kafka, Albert Camus e Joseph Conrad.

Pergunto por que persiste o mito do álcool (Hemingway) ou de drogas (William Burroughs) como combustível criativo e ela me diz que a substância, não importa qual, é buscada para aplacar a desordem mental e não para resolver a produção literária.

Flaherty recomenda psicoterapia e medicação para os afligidos por bloqueio. Mas a medicação correta, um tema de seu novo paper, é crucial porque os escritores, um grupo com alto índice de depressão, podem se tornar ainda mais paralisados sob a prescrição química equivocada.

O impulso de escrever, lembra a neurologista, é diferente da qualidade do que se escreve. "A ciência", sustenta ela, "ainda não conhece o bastante sobre qualidade, a biologia do talento, como conhece sobre a quantidade da produção." Flaherty explica que ainda é um desafio mostrar de onde vem a inteligência, porque ela depende de áreas do cérebro cuja composição química é mais complicado de distinguir. "Parte da razão pela qual escrevo sobre motivação e emoção é por ser este um cenário neurobiológico mais bem compreendido."

A doutora Flaherty não toma partido entre duas posturas comuns entre escritores afligidos pelo papel ou a tela em branco. Ela cita o americano Norman Mailer, que comparava escrever sem a visita da inspiração a tentar fazer sexo sem desejo. Mas acredita que os defensores da disciplina, os que se obrigam a escrever, não importa a disposição, podem levar vantagem: "Sabemos que a criatividade é pontuada por momentos de inspiração e momentos de eureka!", lembra. "Pode ser melhor escrever algo ruim e esperar pelo tal momento." Ou cita, para quem consegue, a receita do poeta romântico inglês John Keats que, numa carta, afirma se encontrar num estado de "indolência diligente e aplicada". E qual é o conselho comum que ela dá para quem enfrenta o bloqueio da escrita? Não ficar repetindo para si o diagnóstico. "Só faz aumentar a ansiedade e a paralisia", garante.

15 de maio - FERNANDO RODRIGUES

FOLHA DE SP - 24/03/12

BRASÍLIA - Há só uma chance de ser julgado neste ano o mais rumoroso processo político-judicial em décadas, o mensalão: esse cenário se materializa apenas se o caso envolvendo 38 réus ficar pronto para ir ao plenário do Supremo Tribunal Federal em torno de 15 maio.

O processo, no momento, aguarda no STF a conclusão do trabalho de revisão do ministro Ricardo Lewandowski. Alguns crimes já prescreveram. Se tudo ficar para 2013, a chance de haver condenações é mínima. Pior: perde-se o efeito pedagógico sobre a eleição de prefeitos e vereadores em outubro, envolvendo perto de 400 mil candidatos em cerca de 5.600 cidades.

A data de 15 de maio como prazo máximo tem razão de ser. Em 19 de abril, assume a presidência do STF o ministro Ayres Britto, o mais liberal da Corte. Dentro do Supremo, é dado como certo que o novo presidente deseja julgar o mensalão durante sua curta gestão -ele faz 70 anos em novembro e tem de se aposentar compulsoriamente.

Com o mensalão pronto para ir a plenário a partir de 15 de maio, Ayres Britto teria de correr para concluir o caso até 30 de junho, antes do recesso do Judiciário. Não é fácil, tampouco é impossível.

O julgamento começa com as três horas concedidas ao representante doMinistério Público, que apresenta os argumentos de acusação. Em seguida, os advogados dos 38 réus têm uma hora cada um para apresentarem suas defesas. Depois, votam os 11 ministros do STF.

Se julho chegar e o caso estiver em aberto, a receita do bolo desanda. Alguns ministros não abrem mão de suas férias. Agosto é o último mês de Cezar Peluso. Ele faz 70 anos em 3 de setembro, mas deve aposentar-se duas semanas antes. Com um magistrado a menos, o STFnão finaliza o julgamento neste ano.

Tudo somado, Lewandowski tem em suas mãos o futuro do mensalão. Uma grande responsabilidade.

Deveres do Jornalista - SERGIO AUGUSTO


O Estado de S.Paulo - 24/03/12


Quando menos se espera, sua sombra reaparece, quase sempre acompanhada da pergunta "O que diria ele disso tudo?" Ele, que me desculpem os sartrianos, é Albert Camus.

Ainda não vi (ou li) nenhum francês repetir a pergunta a propósito da chacina em Toulouse e Montauban, mas uma hora dessas fatalmente a ouviremos ou leremos. De qualquer modo, antes mesmo de o terrorista franco-argelino Mohammed Merah sair de casa para matar, o pied-noir Camus já estava de volta ao noticiário. À primeira página do caderno Week-end do Le Monde, na semana passada. Por causa de outra guerra.

Não a guerra da Argélia, que tanto o perturbou e, afinal, o constrangeu a um controverso silêncio na segunda metade da década de 1950, mas a segunda mundial, na qual só pôde combater com sua arma mais eficaz, as palavras.

Isento do serviço militar por seu frágil pulmão, Camus era jornalista em Argel quando a guerra estourou, em setembro de 1939. Editava Le Soir Républicain, folha diária que fundara com Pascal Pia duas semanas depois da invasão da Polônia. Para a edição de 26 de novembro preparou um artigo-manifesto sobre a liberdade de imprensa e os deveres do jornalista que a censura vetou na íntegra e misteriosamente desapareceu entre os guardados do escritor. E inédito permaneceria se a colaboradora do Le Monde Macha Séry não o tivesse encontrado, junto com outros, nos Arquivos de Ultramar, em Aix-en-Provence.

"Difícil evocar hoje a liberdade de imprensa sem ser tachado de extravagante, comparado a Mata-Hari ou confundido com o sobrinho de Stalin." Assim Camus abria seu manifesto, que ao todo continha 1.287 palavras e não era assinado. Séry comprovou sua autenticidade - e também a dos demais textos por ela exumados nos arcanos da polícia, ao largo dos quais passaram batido todos os biógrafos e estudiosos do escritor.

"No entanto", prosseguia Camus, "essa liberdade é uma das faces da liberdade tout court e sua obstinada defesa, a única maneira de vencermos realmente a guerra." Recomendava que se evitassem "lamentações inúteis ante um estado de coisas que não pode ser evitado", pois a questão na França, àquela altura, não era mais saber como preservar a liberdade de imprensa, mas descobrir como, sem ela, um jornalista podia continuar livre, independente. Não era uma questão coletiva, mas individual. E presente nas situações de guerra e em ditaduras. Ou seja, uma questão sempre atual.

Pela prescrição camusiana, o jornalista, para ser livre, precisa manter-se lúcido, desobediente, irônico e obstinado. Ser lúcido é resistir aos estímulos da ira e ao culto da fatalidade, e desse modo evitar a difusão de notícias que possam excitar o ódio ou provocar desespero. Como não pode dizer tudo o que pensa, se omitir o que não pensa ou aquilo em que não crê estará cometendo um ato de desobediência à altura das suas possibilidades - ou praticando uma "liberdade negativa", de longe a mais importante de todas, segundo Camus, na medida em que abre caminho para o surgimento da verdadeira liberdade. Não servir à mentira é servir à verdade pelo avesso.

A ironia, na visão de Camus, é "uma arma sem precedentes contra os poderosos", complementar à dissidência, com a vantagem de nos permitir muitas vezes dizer a verdade e não apenas rejeitar o que é falso. Referia-se à ironia socrática (jamais praticada por Hitler, ressalta), em detrimento do tom indignado e dogmático em geral assumido pelos dissidentes, presa fácil para qualquer censor. A mesma verdade dita de forma irônica tem o dobro de chance de passar pela censura. "Isso explica por que jornais como Le Merle e Le Canard Enchainé conseguem publicar tantos artigos corajosos", complementa Camus. Isso também explica o sucesso do semanário carioca Pasquim, durante a ditadura militar.

Por fim, a obstinação, "virtude cardeal" sem a qual as outras não se sustentariam eficazmente. São muitos os obstáculos impostos pela guerra e as ditaduras, mas os mais esmorecedores não seriam os mais severos, e sim os outros, mais insidiosos: "a tolice perseverante, a pusilanimidade organizada e a estupidez agressiva", a serem combatidos obstinadamente.

Os quatro mandamentos do jornalista livre são temas que atravessam toda a obra romanesca de Camus e estruturam sua reflexão filosófica. Há trechos do artigo revelado por Macha Séry que reapareceriam, quase literalmente, em O Homem Revoltado. Durante os quatro meses em que trabalhou sob o tacão de Lorit, o capitão censor, Camus defendeu as causas certas, combateu a miséria alimentada pelo colonialismo francês no Magreb, o excessivo determinismo social de alguns pensadores ("os acontecimentos políticos e sociais são provocados por humanos, e de seu controle não escapam") e os "mercadores da morte" da indústria armamentista. Em 10 de janeiro de 1940, Le Soir Républicain foi fechado, deixando Camus desempregado, pronto para trocar o Norte da África pela França, onde em breve iniciaria uma carreira fulgurante, obstinadamente lúcida, livre e dissidente.

Para ele, o jornalismo foi muito mais que uma profissão, uma ocupação circunstancial, foi uma escola de vida, como o futebol e o teatro, suas outras paixões. Das coisas que nela aprendeu e transformou em lição para seus pobres discípulos, destaco uma que em muitas redações ainda não pegou: "Informar bem em vez de informar rápido, precisar o sentido de cada notícia com um comentário apropriado, instaurar um jornalismo crítico e, acima de tudo, não admitir que a política predomine sobre a moral nem esta descambe para o moralismo".

Público ou privado? - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 24/03/12
A estratégia do PT de quitar a dívida de empréstimos com Banco Rural não sensibilizou membros do STF (Supremo Tribunal Federal), que enxergam uma tentativa de esvaziar a tese da Procuradoria-Geral da República de que dinheiro público abasteceu o mensalão.

Denunciante do escândalo, Roberto Jefferson (PTB) diz que a quitação do débito do partido muda o processo. "O PT produziu uma prova importante. O que era desvio do dinheiro público eles legalizaram através do empréstimo.'' Mas ministros da corte lembram que o relator Joaquim Barbosa já tinha descartado os empréstimos como origem do dinheiro do valerioduto.

Tabelinha 1 Márcio Zimmerman, número 2 do Ministério de Minas e Energia, avisou ao ministro Edison Lobão que vai se filiar ao PMDB de Santa Catarina. O ministro levou o recado ao presidente peemedebista, Valdir Raupp.

Tabelinha 2 A cúpula do partido enxerga no movimento mais combustível para alimentar a disputa pela presidência do Senado. Se Lobão assumir a vaga em 2013, Zimmerman, que tem a simpatia de Dilma Rousseff, pode virar ministro na cota do PMDB.

Me ajuda Na conversa que teve com Gilberto Kassab, Dilma o sondou sobre o apoio do PSD à votação do Código Florestal na Câmara. O prefeito respondeu negativamente. Explicou que a senadora Kátia Abreu (CNA), expoente da legenda, lidera a estratégia dos ruralistas.

Milhagem Dilma levará dois governadores para a Índia: Marcelo Déda (PT-SE) e Ricardo Coutinho (PSB-PB). Após convidar Jaques Wagner (PT-BA) e Tarso Genro (PT-RS) para giros no exterior, o Planalto ouviu uma chiadeira de governadores aliados e vai fazer rodízio nas viagens.

Fora do tom O Planalto considerou desastrosa a ida de Ana de Hollanda (Cultura) à Câmara. A sessão ocorreu um dia depois que a ministra recebeu afagos públicos de Dilma. O momento mais problemático, avalia o governo, foi o embate com a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Flerte O ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung (PMDB), aliado de Lula nos oito anos em que governaram juntos, almoça hoje no Rio com Aécio Neves (PSDB).

Ritual Assessores de José Serra insistem em que ele percorra alguns diretórios zonais amanhã, depois de votar nas prévias. O pré-candidato prefere aparecer apenas na divulgação do resultado, no fim da tarde, na Câmara.

Inspeção Sérgio Guerra, presidente tucano, comandará comitiva nacional que acompanhará a votação dos filiados na capital. Depois, pretende se reunir com FHC.

Fome de votos Fernando Haddad afirma ter emagrecido 8 kg desde que deixou o MEC. A dieta inclui muita fruta e restrição de pães e massas. "Ainda estou mal no Datafolha, mas bem na balança", brincou.

Teleguiado Na tentativa de facilitar aliança entre o PRB e o PC do B, a TV Record sondou agentes de Netinho de Paula sobre possível migração de seu programa semanal para a emissora da Igreja Universal. O pré-candidato se diz feliz na Rede TV!, onde aparece aos sábados.

Visitas à Folha Cármen Lúcia, ministra do Supremo Tribunal Federal e próxima presidente do Tribunal Superior Eleitoral, visitou ontem a Folha, a convite do jornal, onde foi recebida em almoço.

Felipe Locke Cavalcanti, candidato a procurador-geral de Justiça de São Paulo, visitou ontem a Folha.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio

"Chalita está tão preocupado e empenhado em conquistar o apoio das igrejas para sua campanha que deveria se candidatar mesmo a bispo, pastor ou patriarca."

DO EX-PRESIDENTE DO PSDB PAULISTANO, JOSÉ HENRIQUE REIS LOBO, sobre o pré-candidato do PMDB à prefeitura paulistana ter fechado alianças com o PSC e o PTC, partidos com histórico de vinculação aos evangélicos.

contraponto

Instinto materno

Na reunião com Dilma e ministros, Paulo Skaf (Fiesp) usou metáfora para pedir prioridade do governo à indústria. Perguntou à presidente se ela sabia qual filho é preferido de um pai: o ausente até que retorne, o pequeno até que cresça ou o enfermo até que se cure. A indústria seria, hoje, segundo ele, o filho enfermo, que exige mais cuidado e atenção. Na saída, ao se despedir, perguntou:

-A senhora entendeu a minha metáfora?

Dilma respondeu:

-Perfeitamente. Eu sou mãe. 

Venenos e toxinas - MARCO AURÉLIO NOGUEIRA


O ESTADÃO - 24/03/12

Um clima de crise política ronda Brasília. Bastou o governo Dilma Rousseff deslocar algumas peças no tabuleiro para a temperatura subir e a base parlamentar que apoia o Palácio do Planalto mostrar sua fragilidade.

Não se trata de crise aguda ou que afete o sistema nervoso central do governo. Há mais mal-estar do que crise propriamente dita. Um mal-estar sem data para desaparecer, pois não há, no horizonte de curto e médio prazos, nada que se possa fazer para gerar distensão. Tem perfil sistemático, associando-se intimamente ao modo como vêm sendo organizadas as atividades governamentais e a política no País. É puramente político, porque não necessita da interferência de nenhum outro fator para se manifestar. Afinal, não há desarranjo econômico, ameaça inflacionária ou aumento do desemprego, o governo governa, os movimentos sociais não estão na ofensiva. Os grandes temas da agenda - a Lei Geral da Copa e o código florestal, por exemplo - exigem coordenação adicional do governo, mas não são daqueles que dividem a sociedade.

A turbulência é política, mas não se deve às oposições, que desapareceram do cenário, engolidas por seus próprios dilemas. Eclode, evolui e se mantém porque a política chegou a um nível tão baixo, tão ruim, que passou a liberar somente gases tóxicos e venenos. O ar ruim e as toxinas incomodam e debilitam a sociedade, mas não geram revolta social. Contaminam, antes de tudo, o próprio sistema político e seus integrantes, empurrando-os escada abaixo.

O sistema fechou-se em si, como numa redoma. Alimenta-se de seus próprios produtos e respira um ar que circula represado, sem contato com o exterior. Funciona como se não existisse vida fora dele. Os interesses políticos tornaram-se interesses dos políticos, de suas agendas e organizações. E como o governo é parte do sistema, é difícil para ele conseguir libertar-se desse abraço de urso, pagando um preço por isso.

O mal-estar cresceu porque em março entraram em cena, de modo forte, três fatores decisivos.

Primeiro, o governo Dilma resolveu aprofundar sua intenção de ser mais "técnico" que "político" e decidiu testar em que medida o Congresso o acompanhará nisso. Trocou ministros, mexeu nas lideranças da Câmara e do Senado, cutucou amigos e aliados, endureceu nas conversas e negociações. Fez isso porque precisa deixar o governo com a cara e o estilo da Presidente.

Segundo: governo federal, no Brasil, é sinônimo de muita gente. Há quadros para tudo, assessores de todo tipo, lugares para abrigar quem se dispuser a cerrar fileiras e ajudar, mil e um mecanismos de atração. Mas nem sempre o governo tem bons articuladores, com trânsito e reconhecimento no Congresso e na sociedade. Não se trata de ter pessoas ilibadas e bem preparadas, mas sim de lideranças que consigam dar nó em pingo d"água, tenham o perfil do "estadista", e não do dirigente partidário ou da autoridade governamental. Sem essas figuras, que são poucas e raras, as negociações ficam soltas no ar, derrapam a qualquer brisa. Para operar em situações mais tensas, por exemplo, quando se pretende endurecer o jogo, estadistas são vitais. Em que pese as responsáveis pela articulação governamental (ministras Ideli Salvatti e Gleisi Hoffmann) já terem dado provas de competência e lealdade, elas parecem atuar sozinhas ou com reduzido suporte. Não têm sequer o próprio PT trabalhando a favor. E são espicaçadas pela decisão presidencial de fazer o gerencialismo prevalecer nas decisões do governo.

O terceiro fator está no sistema partidário, com seus humores sazonais, apetites desmesurados e baixa qualidade. Já excitados com as eleições municipais que se aproximam, os partidos ingressaram naquela fase em que nada pode ser desperdiçado. Precisam "mostrar serviço" a seus eleitores, engrossar e elevar a voz, provar que estão vivos. Antes de tudo, não podem abrir mão dos recursos de poder que controlam, pois não sabem fazer política sem eles. É hora de tentar demonstrar força e de aparecer como indispensáveis. Como se movem segundo uma racionalidade de avestruz, trombam o tempo todo. Quando ameaçados de perder certos privilégios, debandam e saem em busca de novo porto onde possam atracar e recomeçar. No caso concreto, mesmo que a fuga tenha sido baixa, limitando-se às bordas da coalizão predominante, algum desconforto ela causou, fato que poderá levar o governo a moderar sua reorientação.

Em suma, nada do que se passou em Brasília nas primeiras semanas de março tem nitroglicerina para derrubar ou tornar o governo inviável, mas o desafia. São coisas políticas, da política e dos políticos. Aprofundando-se num momento em que a representação está posta em xeque, e também por causa disso, o mal-estar só faz aumentar a sensação de "naufrágio" apontada por Fernando Gabeira dias atrás nesta página: "A política fechou-se nela mesma, despojou-se de suas características históricas e virou uma corporação que cuida dos próprios interesses". Difícil imaginar como será resolvido o problema.

Vivemos um tempo de democracia, em que não há autoritarismo nem violência política, em que direitos prevalecem e rotinas legais são cumpridas. Tudo isso parece sólido, mas funciona sem gerar muita satisfação e, seguramente, sem empolgar. O quadro é de caos estabilizado, sofrimento sem dor. Vida que segue.

A política vai mal quando não tem serventia para os cidadãos, não se comunica mais com sociedade e vira coisa de políticos para políticos. É assim que estamos hoje. Ela, porém, não desapareceu nem corre o risco de desaparecer. Temos de sair da política para que se possa voltar a ter política. Ir aonde o povo está. Usar a imaginação. Mudar o modo de fazer, pensar e organizar a política. Amplificar o que anda rolando nas redes e na sociedade civil, por exemplo.

Se algo for ser feito nessa direção, mal-estares como o de março em Brasília terminarão reduzidos à sua justa dimensão: mera nuvem passageira.

Uma discussão ampla sobre o vazamento - ADRIANO PIRES


O ESTADÃO - 24/03/12

O acidente do vazamento de petróleo da Chevron abre a oportunidade para uma grande discussão sobre questões relativas à eficiência das agências reguladoras, aos riscos inerentes à exploração das reservas do pré-sal e ao papel dos biocombustíveis. A atividade de exploração de petróleo tem um alto risco ambiental e, no Brasil, essa questão nunca foi tratada de forma adequada. Embora nem sempre cheguem ao conhecimento do público, mais de 20 acidentes em plataformas de petróleo são notificados anualmente ao Ibama. Esse número foi crescente nos últimos tempos, resultado da ampliação da atividade de exploração edo risco operacional, em razão da elevação da complexidade da operação em águas cada vez mais profundas e mais distantes da costa. A enumeração dos acidentes não tem por objetivo condenar ou até sugerir a inviabilização da exploração de petróleo por causa de exigências ambientais, a exemplo do que ocorre no setor elétrico, mas, sim, propor a discussão ampla, que resulte numa política transparente e eficiente de gerenciamento de tais riscos.

Desde o anúncio das reservas do pré- sal, em 2007, o governo emitiu um discurso de cunho nacionalista no qual avançou um conceito de que toda a chamada dívida social seria compensada com os recursos vindos da exploração do petróleo. A partir deste novo direcionamento, as iniciativas políticas se voltaram para a viabilização financeira da extração do petróleo e a repartição dos recursos obtidos com a sua comercialização, em detrimento de uma discussão técnica ampla, principalmente no que diz respeito aos riscos e desafios envolvidos na operação. O foco na distribuição dos recursos, inclusive, é fonte da acirrada disputa entre os Estados produtores e os não produtores de petróleo em torno do dinheiro oriundo dos royalties.

Mesmo diante da materialização desses riscos na forma de uma enorme mancha em alto mar, o debate sobre a questão continua a tomar um rumo indevido. Em vez de se direcionar para questões técnicas e estruturais,as iniciativas têm sido exclusivamente no sentido punitivo - e muito pouco no da prevenção. A discussão em torno de punições,multas ou responsabilidades é importante, mas pouco acrescenta ao futuro da exploração do petróleo no Brasil. As questões relativas ao plano de contingência inacabado ou à avaliação dos riscos contidos de fato na exploração do pré-sal, assim como a demorada Agência Nacional do Petróleo (ANP) e do Ibama em se manifestarem sobre a situação - estas, sim, de suma importância para o correto manejo das reservas do pré-sal-,têm ficado em segundo plano no debate.

Outra questão com fator de risco elevado seria a discriminação ou o desincentivo à participação de empresas estrangeiras na exploração das reservas de petróleo brasileiras. Isso transferiria toda a responsabilidade da exploração de petróleo no País para a Petrobrás, que não tem recursos para desenvolver todas as reservas nacionais.

A materialização dos riscos associados à produção de petróleo também reposiciona a questão da produção de biocombustíveis, que contribuiriam sobre maneira para diminuir a dependência nacional dos combustíveis fósseis. Desde a descoberta das reservas do pré-sal, o Brasil, que era o país líder na produção dos chamados combustíveis limpos como o etanol e o biodiesel, passou a ser considerado o país da nova fronteira petrolífera do mundo. A ideia de tornar o Brasil uma "Arábia Saudita verde" a partir da produção de biocombustíveis, tão propalada durante o primeiro mandato do presidente Lula, aparentemente foi abandonada. Na verdade, com a política de subsídio implícito no preço da gasolina e do diesel, o governo vem sistematicamente incentivando de maneira equivocada o consumo de combustíveis fósseis, que são caros e poluentes, em detrimento dos biocombustíveis renováveis, que o Brasil pode produzir com grandes vantagens comparativas aos demais países.

A ocorrência deste evento deveria servir para uma discussão ampla sobre a regulação de exploração do petróleo do pré-sal e o papel dos biocombustíveis na matriz de combustíveis brasileira.

O risco e os átomos - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 24/03/12

SÃO PAULO - Ao longo da semana, os experts Leonam dos Santos Guimarães, de um lado, e Ildo Sauer e Joaquim de Carvalho, de outro, se engalfinharam numa controvérsia acerca da segurança da energia nuclear.

Não sei praticamente nada sobre usinas atômicas, mas conheço uma ou duas coisinhas a respeito de polêmicas e da natureza humana. E a verdade é que os membros de nossa espécie, aí incluídos os especialistas, temos dificuldades terríveis para sermos objetivos. Quem evidencia isso muito bem é Paul Slovic, em suas investigações na "heurística do afeto". O nome é complicado, mas a ideia por trás dele não: as pessoas tomam decisões consultando mais suas emoções do que dados e cálculos racionais.

Num experimento de 2000 envolvendo por coincidência a energia nuclear, Melissa Finucane mostrou que a relação afetiva que temos com um objeto altera a percepção dos perigos que ele acarreta. Quem acha que os benefícios da manipulação atômica são altos menospreza seus riscos, e quem não vê utilidade nas usinas magnifica seu grau de ameaça.

Ela também provou que pessoas podem ser facilmente manipuladas: seus voluntários, quando expostos a informações que enalteciam os benefícios da energia nuclear, produziram declarações que minimizavam o risco.

Segundo Slovic, experts não são imunes à heurística do afeto. Eles apenas se valem de argumentos mais sofisticados para justificar suas preferências. Para o pesquisador, há situações em que a visão do público leigo é até mais rica que a dos especialistas. Estatísticas, afinal, registram apenas óbitos e anos de vida perdidos, enquanto pessoas comuns diferenciam entre "boas" e "más" mortes (com ou sem sofrimento), por exemplo.

Numa visão pessimista, Slovic, que é um dos mais respeitados especialistas do mundo em percepção do risco, chega a afirmar que a noção de "risco objetivo" não faz sentido. O corolário é que devemos ser mais críticos em relação à opinião dos experts.

Consumo turbinado - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 24/03/12


O Brasil está consumindo bem mais do que tem produzido e isso se reflete mais pesadamente nas contas externas.

É o que já se sabia a partir da análise das Contas Nacionais. No ano passado, por exemplo, enquanto o consumo das famílias cresceu 4,1%, o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) não foi além de 2,7%. Mas ficou ainda mais claro a partir do exame de dois indicadores correlacionados divulgados ontem: o comportamento do comércio varejista e o das contas externas.

Em volume físico, as vendas no varejo estão crescendo a uma proporção de 6,6%, quando medidas no período de 12 meses terminado em janeiro; e de 7,3%, quando comparados os números de janeiro deste ano com os de 2011 (dados do IBGE).

Ontem, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, admitiu em São Paulo que o crescimento de 2,6% das vendas ao varejo, apenas em janeiro (sobre dezembro), "é um dado muito forte". Se o brasileiro consome mais do que produz, tem de suprir parte do seu abastecimento lá fora. E é por isso que o desempenho das contas externas está negativo. O rombo em Conta Corrente (comércio, serviços e transferências das famílias) em 2012 aponta para US$ 42,1 bilhões, ou 2,1% do PIB, conforme mostraram ontem as projeções do Banco Central.

Esse aumento do suprimento externo não acontece somente na importação pela indústria de matérias-primas, peças, componentes e conjuntos. Ocorre também na área de alimentos (especialmente trigo) e combustíveis. Ainda na quarta-feira, a Petrobrás avisou que o consumo de gasolina cresceu 32% no primeiro bimestre deste ano em relação a mesmo período do ano passado. É o fator que vai forçando mais as importações de combustíveis pela Petrobrás.

Tudo isso acirra o drama da indústria nacional, que não consegue competir nem fora nem dentro do País, mesmo num ambiente de forte expansão do consumo e de quase pleno emprego. Como vai sendo mais entendido, isso se dá porque o custo Brasil (impostos, juros, energia elétrica, salários, infraestrutura, etc.) está cada vez mais alto.

Esse rombo das Contas Correntes continua sendo folgadamente coberto com entrada de capitais, sobretudo pelos Investimentos Estrangeiros Diretos (IEDs). Nessa conta, o Banco Central prevê em 2012 uma entrada líquida de US$ 50 bilhões. Mas há grande probabilidade de que fique mais perto dos US$ 60 bilhões. Nos dois primeiros meses do ano, desembarcaram por aqui US$ 9,1 bilhões em IEDs. E o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Túlio Maciel, adiantou ontem que, somente em março (até dia 21), entraram mais US$ 3,1 bilhões.

O consumo turbinado, num momento em que a economia mundial ainda derrapa na crise, é um dado positivo na ficha do Brasil. Mas esconde um problema e uma fragilidade.

O problema é o risco de inflação de demanda, principalmente no setor de serviços. O Banco Central voltou a falar que poderá recorrer aos chamados mecanismos macroprudenciais. Isso pode indicar que prepara novas restrições ao crédito.

A fragilidade é o baixo índice de poupança (hoje avaliado em 17% do PIB), que tende a encolher ainda mais. Quem poupa pouco investe pouco. E o baixo investimento hoje implica menos produção e menos emprego amanhã. Não está claro que o governo federal pretenda enfrentar essa fragilidade.

A cultura é a alma de um povo -CACÁ DIEGUES


O GLOBO - 24/03/12

Vira e mexe, a ministra Ana de Hollanda é atacada pelos jornais, através de artigos e manifestos, como uma Geni da cultura. Esta semana, texto subscrito por professores universitários, no jornal "O Estado de S. Paulo", e entrevista do ex-ministro Juca Ferreira, na "Folha de S.Paulo", pareciam petardos sincronizados, como numa campanha bélica bem tramada.

Não sou especialista em administração pública. Mas conhecendo a ministra e acompanhando de longe sua ação à frente do ministério, me estarreço com a violência praticada contra ela. Chego a pensar que não estamos acostumados à política exercida com discrição e serenidade, gostamos da tradição dos berros e dos murros na mesa, confundimos delicadeza com fragilidade.

São tão tortuosos e pouco sólidos os rumos desses desaforos, tão clara sua voracidade política, que seria mais simples se os agressores declarassem logo: "É que não vamos com a cara dela."

Juca Ferreira, o ministro do projeto autoritário da Ancinav, não esconde contra o que se bate: "Num estado com pouco controle social como o Brasil, você diz e faz o que quiser", declara em tom de lamentação, sobre algo que devia nos orgulhar. Antes dele, os professores liderados por Marilena Chauí listam várias expressões acadêmicas que gostariam de ouvir vindas do MinC e exigem dele uma participação criativa que não lhe cabe ousar ter. O velho e místico sebastianismo brasileiro ainda pensa que é o estado que produz e deve produzir cultura.

Ora, para os que já se esqueceram dele, lembro trechinho do belo discurso de posse da presidente Dilma Rousseff: "A cultura é a alma de um povo, essência de sua identidade. Vamos investir em cultura, ampliando a produção e o consumo em todas as regiões de nossos bens culturais." E então fui me informar do que anda fazendo o MinC de Ana de Hollanda para atender a esse programa anunciado pela presidente. Aqui transmito algumas respostas ouvidas por mim.

Em 2011, o MinC não só conseguiu dar conta de um enorme passivo de compromissos que ficaram a descoberto em 2010, como alcançou uma execução recorde de 98,98% dos limites autorizados para empenho. Isso significou R$1,069 bilhão em investimentos diretos, o maior número já alcançado pelo Ministério no que se refere ao efetivamente investido.

Ao contrário do que se tem dito, o orçamento do MinC, na gestão da presidente Dilma, é maior e mais realista do que o de gestões anteriores. O total de investimentos é de R$1,24 bilhão. Somando-se a isso os R$400 milhões a serem incorporados através do Fundo Setorial do Audiovisual, chega-se a R$1,64 bilhão, um recorde sem precedentes na pasta. E não se computa aqui o investimento indireto através das leis de incentivo, como a Rouanet.

E para onde têm ido esses recursos?

Os Pontos de Cultura encontravam-se sem pagamento desde o mês de março de 2010. Na atual gestão, o MinC já pagou cerca de R$100 milhões. O crescimento do orçamento do Programa Cultura Viva tem permitido a criação de novos Pontos de Cultura, o revolucionário projeto inaugurado por Gilberto Gil. Em 2010 o investimento nos Pontos de Cultura era de R$50 milhões. Em 2011, o primeiro ano da gestão atual, foram empenhados R$62 milhões e em 2012 esse valor saltou para R$114 milhões.

Em fevereiro deste ano, a ministra aprovou, junto à presidência, uma lista de programas prioritários que já estão em execução: o Brasil Criativo, que visa a ampliar as possibilidades de emprego e renda, a partir do potencial criativo; o Mais Cultura & Mais Educação, em parceria com o Ministério da Educação, para investir em cultura nas escolas; o PAC das Cidades Históricas, atuando em 125 cidades que possuem sítios históricos ou bens tombados; o de Praças dos Esportes e da Cultura, na periferia de 345 cidades, para construção de parques esportivos, bibliotecas, salas de espetáculo, cineclubes.

O ministério está investindo no processo de implantação do Sistema Nacional de Cultura, que pulou de 337 municípios e um estado integrados até 2010, para 782 municípios e 17 estados hoje. Na área do audiovisual, a aprovação recente da lei 12.485 vai permitir a presença do produto nacional independente nas televisões por assinatura e o crescimento dos recursos do Fundo Setorial. Um instrumento de remissão do cinema brasileiro.

Além disso, o MinC, com o apoio da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Cultura, se empenha na aprovação, pelo Congresso, de leis como as do Vale Cultura, do Procultura e sobretudo da revisão dos Direitos Autorais. Sou internauta e sei que não é mais possível nem desejável recolher esses direitos como se fazia no passado. Mas também não estou disposto a entregar o que sai de minha cabeça ao Creative Commons, um projeto de marketing de empresa esperta.

Foi isso o que me contaram e eu ouvi do MinC. Se alguém não concorda, que apure e se manifeste. Não precisa trucidar quem está do outro lado.

Chico Anysio foi e será sempre o Rei da Comédia, como Pelé é do futebol e Roberto Carlos da canção popular. Aqui, o clichê é exato e irresistível: o mundo vai ficar mais triste sem ele.