domingo, agosto 07, 2016

Profissional da inocência - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 07/08

Ao contrário dos outros partidos, que buscam convencer o eleitorado de que nasceram para governar em benefício de toda a sociedade, o Partido dos Trabalhadores afirma que veio para governar em benefício dos que são explorados e oprimidos pelos ricos.

A realidade mostrou que a coisa não é bem assim. De fato, os governos petistas, tanto o de Lula quanto o de Dilma, implementaram programas em benefício da parte mais carente da população. Ao mesmo tempo, aliaram-se a grande empresários com o propósito de usar recursos públicos para permanecer no poder.

Esse é um projeto fadado, cedo ou tarde, ao fracasso, uma vez que não investe nos setores fundamentais da economia e, sim, num projeto demagógico que termina por levar à carência do crescimento e à crise econômica, como ocorreu aqui no Brasil. É próprio desse tipo de governo populista convencer, sobretudo os setores carentes do eleitorado, de que toda a crítica que lhe fazem advém daqueles que odeiam os pobres e querem manter a desigualdade social.

Seria essa a razão das críticas aos governos petistas. Lula chegou ao ponto de afirmar que o mensalão nunca houve, foi uma invenção as imprensa. Disse isso muito embora José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares –altos dirigentes do PT– tenham sido julgados e condenados pelo Supremo Tribunal Federal.

Não por acaso o PT tornou-se conhecido como o partido da mentira, mesmo porque não encontra outro modo de escafeder-se das sucessivas acusações que lhe são feitas –não pela imprensa, que apenas as divulga–, mas pelos órgãos do Estado brasileiro, encarregados de apurar a corrupção e punir os corruptos.

Pode alguém, em sã consciência, acreditar que, da Polícia Federal à Procuradoria Geral da República, o Ministério Público e até mesmo o Supremo Tribunal Federal, enfim, todos os órgãos policiais e judiciais, todos, sem exceção, participem de um conluio para perseguir a Lula, Dilma e os petistas em geral? Pode alguém acreditar nisso?

Claro que não. Sucede que não é isso o que preocupa Lula e sua turma. Eles não pretendem convencer o povo brasileiro em geral: tudo o que dizem e fazem tem por objetivo o seu eleitorado, os aliciados pelo PT, pois sabem muito bem que, com suas mentiras, não convencem o povo em geral, mas convencem os que rezam por sua cartilha.

Por isso, não importa se você ou eu não acreditamos que o impeachment seja ou não um golpe: importa, isso sim, que seu eleitorado acredite no que dizem e continue votando no PT. Sim, porque, se ele muda de ideia e acredita na verdade, será o fim de Lula e seu partido.

E é com esse mesmo propósito que, para surpresa geral, Lula recorreu à Organização das Nações Unidas, alegando ser vítima de abuso de poder da parte do juiz Sérgio Moro. A rigor, o que significa semelhante recurso a um órgão internacional da importância da ONU?

Significa, implicitamente, afirmar que os órgãos responsáveis pela aplicação da Justiça, no Brasil, não têm isenção para aplicá-la. Consequentemente, para que Lula tenha seus direitos de cidadão respeitados, torna-se necessária a intervenção daquela entidade internacional. Ou seja, como no caso do mensalão e do petrolão, ele continua sendo acusado injustamente.

Trata-se, na verdade, de um disparate, mesmo porque a ONU só intervém em tais casos depois que são esgotados todos os recursos judiciais do país onde o problema ocorre. O que não é o caso de Lula, que nem réu ainda era quando impetrou o tal recurso.

A conclusão a que inevitavelmente temos de chegar é que Lula, sabendo da improcedência de tal recurso, usou-o para se fazer de vítima em vez de culpado, o que o obrigaria a explicar-se diante de seus eleitores. Em suma, não importa se é tudo uma farsa e que você e eu saibamos disso: importa é que os petistas acreditem nele e continuem a tê-lo como o defensor dos explorados. E do Marcelo Odebrecht também?

O mito da meritocracia - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 07/08

Meritocracia. Essa se tornou uma das palavras preferidas dos conservadores. Se o multibilionário se deu bem na vida, é porque tem talento e trabalhou duro. É verdade, mas apenas parte dela. É difícil que alguém construa um império, se não tiver nenhuma aptidão, mas daí não decorre que todo mundo que seja competente dará certo. O sucesso tem muito mais a ver com sorte do que gostamos de crer. A meritocracia, em sua acepção forte, não passa de um mito. Aqui, são os liberais que estão certos.

Essa é basicamente a mensagem do livro "Success and Luck" (sucesso e sorte), de Robert Frank (Cornell). E, para nos convencer dela, ele usa um amplo e saboroso leque de histórias, estatísticas e estudos que mostram que o acaso não apenas define o que conquistamos como também está ficando cada vez mais influente, à medida que mais setores da economia passam a operar em modelos do tipo o vencedor leva tudo.

Os caprichos do destino começam a atuar antes mesmo do nascimento, já que características decisivas para o sucesso, como inteligência e disposição para o trabalho, das quais nos sentimos "donos", em nada diferem de outras que corretamente percebemos como fruto da loteria genética, como a cor dos olhos ou tipo de nariz.

Nascer no país certo também faz enorme diferença. Só viver nos EUA já determina que o indivíduo tenha renda média 93 vezes maior do que quem nasce no Congo (ex-Zaire). E, evidentemente, não há mais mérito em ser americano do que congolês.

De resto, mesmo entre os muito talentosos, pequenas mudanças nas condições iniciais podem ter consequências dramáticas. Al Pacino é um grande ator, mas há muitos grandes atores. Ele se deu bem, entre outras razões, porque teve a sorte de ser escalado para fazer o papel de Michael Corleone em "O Poderoso Chefão", o que o lançou ao estrelato. Frank encerra montando um bom caso em favor de uma taxação mais progressiva

Venezuela afunda na violência e em ruína que só tem paralelo na Síria - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 07/08

Há algum país no mundo em que as pessoas sentem-se mais inseguras do que na Síria, em multifacetada guerra civil há cinco anos? Existe, sim. Fica na esquina norte do Brasil e chama-se Venezuela, como você já adivinhou.

Segundo o site InSight Crime, a porcentagem de sírios que se sentem seguros é de 32%; ao passo que na Venezuela a sensação de segurança é percebida por apenas 14%, pior índice dos países pesquisados.

Não é que os venezuelanos sejam paranoicos. Eles se sentem inseguros porque a violência escapou completamente do controle das autoridades. Já faz tempo que é assim, mas, em julho, atingiu-se um nefando recorde: ao correspondente caraquenho do Instituto Médico Legal chegaram, no mês passado, 535 cadáveres vítimas de crimes.

Dá, portanto, 17 cadáveres por dia, o que só confirma a capital venezuelana como a mais violenta do mundo. Para comparação: são 119 homicídios par­a cada 100 mil habitantes, quando em São Paulo, que não é exatamente uma Suíça em matéria de segurança, o índice é um décimo, aproximadamente, do registro de Caracas.

Aliás, no citado levantamento da InSight Crime, no que a publicação chama de Índice da Lei e da Ordem, o Brasil fica com 57 pontos em uma classificação que vai de 0 (péssimo) a 100 (ótimo). A Venezuela também é a última colocada, com 35.

Não é à toa, portanto, que os venezuelanos fujam em massa do país: segundo estudo do Centro de Pesquisas Pew, referência na área, 10.221 venezuelanospediram asilo nos Estados Unidos apenas entre outubro de 2015 e junho passado. É três vezes mais do que os 3.810 que fizeram idêntico pedido no mesmo período um ano antes.

É tal o desespero que os venezuelanos buscam não apenas o suposto paraíso americano, mas até países mais pobres, em teoria, do que a própria Venezuela.

O Equador, por exemplo, registrou em junho e julho 2.000 entradas de venezuelanos em fuga do inferno em seu país. Em geral, trata-se de descendentes de equatorianos que, nos anos de bonança na Venezuela, fugiram da pobreza no Equador. Agora que a bonança deu lugar a uma crise que só países em guerra chegam a conhecer, fazem o percurso inverso.

É um sinal claro (apenas mais um, aliás) que indica o redondo fracasso do chamado "socialismo do século 21". Há outros sinais, talvez ainda mais dramáticos: a agência de notícias Reuters relata que crescente número de mulheres jovens recorre, a contragosto, à esterilização, para evitar as agruras da gravidez e da criação de filhos em um país em crise tão infernal.

Explica a agência: "Contraceptivos tradicionais, como preservativos e pílulas anticoncepcionais, praticamente desapareceram das prateleiras, empurrando as mulheres rumo à cirurgia de difícil reversão".

Dá para censurar os governos de Argentina, Brasil e Paraguai, que se recusam a passar a Presidência do Mercosul a essa ruína irremediável?

Espantoso é que a esquerda brasileira silencie ou, pior, defenda um modelo que é o mais redondo fracasso. Torna-se inexoravelmente sócia do fracasso.

Sobre a natureza do fanatismo - JAIME PINSKY

CORREIO BRAZILIENSE - 07/08

A verdade do fanático religioso foi determinada por deus, o seu deus, por meio da revelação. Não se trata de uma grande verdade a que se chega após uma longa trajetória racional, nem de uma pequena verdade, fruto de um achado, um palpite, uma opinião. Trata-se da Verdade (assim, com V maiúsculo), e como tal, não é passível de discussão. Afinal, como simples mortais poderiam questionar verdades com origem divina?

O detentor da verdade religiosa não apenas acredita nela com toda intensidade, como acha que deve impô-la aos outros, aos incréus, aos céticos. No limite, impor uma verdade é uma obrigação do crente, já que ele estará salvando aquele que não acreditava e passa a crer. Ou, se o outro não tiver salvação, punindo-o. Obrigar o outro a acreditar em sua verdade não lhe parece uma atitude autoritária, mas uma obrigação moral. Mesmo que o outro não tenha vontade de receber a sua verdade. Mesmo que seja necessário matar o outro para que não peque mais.

Crimes em nome da religião, de religiões, ocupam muito espaço na história. O próprio mundo ocidental e cristão, que hoje é vítima de fanáticos islâmicos, não tem muitos motivos para se orgulhar das Cruzadas (que sob o pretexto de salvar a Terra Santa dos infiéis matava toda espécie de vida que passava à frente de suas tropas), ou da Inquisição (que em nome da fé mandou para a fogueira um sem número de praticantes de outras crenças, além de dificultar o crescimento das forças produtivas na Espanha e em Portugal).

Alguém poderá argumentar, com aparente razão, que o fanatismo racista de Hitler, ou o fanatismo ideológico de Stalin também provocaram milhões de sacrifícios humanos. Vejo, contudo, muito do fanatismo religioso entre os seguidores desses líderes, que os tinham como verdadeiros deuses. A verdade dos nazistas era dogmática, não racional. Do contrário, como entender que um povo tão evoluído culturalmente como o alemão pudesse ter aceitado nas ideias nazistas que ensinavam que o mais idiota dos loiros de olhos azuis, só por ser ariano (seja lá o que isto possa significar) era de uma "raça" superior a, por exemplo, Albert Einstein, um judeu? O mesmo pode se dizer dos seguidores de Stalin, que duvidaram durante décadas da imensidão dos seus crimes em nome de um socialismo altamente discutível.

Negar a existência de fanáticos religiosos entre os autodenominados soldados de Alá é ingênuo. Lá estão eles, matando de forma indiscriminada e contando com uma vida futura plena de alegria para si. Não fosse o seu fanatismo não matariam e nem morreriam em nome de uma suposta verdade indiscutível: a deles.

Contudo, há um outro tipo social que tem participado dos atentados terroristas perpetrados particularmente na França. Podemos observar que fazem parte da tropa de choque dos agrupamentos de fanáticos de inspiração islâmica grupos ressentidos com o ocidente, não tanto por negarem valores desse mesmo ocidente (apesar de seu discurso nessa direção), mas por não terem tanto acesso quanto gostariam aos produtos e serviços que os cidadãos dos países mais desenvolvidos usufruem. Quando afirmam não serem bem aceitos em sociedades como a francesa não estão clamando pela filosofia de Descartes, poemas de Baudelaire, ou peças de Molière, mas por roupas de grife, automóveis modernos e celulares do ano. "Se não me dão vida boa, também eles não terão vida boa", parece ser o seu lema. Antigamente, a presença de árabes e islâmicos na cultura francesa era importante, mas parece que isto já não ocorre mais e não se pode atribuir apenas à xenofobia essa dificuldade. A tão propalada incorporação dos imigrantes mais recentes à cultura francesa tem se resumido, na maioria dos casos, ao esforço para mudar de patamar de consumo, de preferência mantendo algumas características do grupo, como a discriminação das mulheres. Os que não conseguem se tornar bons consumidores se tornam fortes candidatos a terroristas.

É importante lembrar que, desde o começo, Hitler foi bastante apoiado pela camada lúmpen da população alemã, marginalizados, desempregados, desajustados, ressentidos. Gente que saiu batendo em adversários políticos, pichando vitrines de lojas, incendiando templos religiosos, sentindo-se poderosos por fazer parte de um grupo, eles que antes não se sentiam pertencentes a nada. Fanáticos e ressentidos fazem uma mistura explosiva. Literalmente.

Historiador e editor, professor titular da Unicamp, organizador do livro Faces do fanatismo

Inconstância - SACHA CALMON

CORREIO BRAZILIENSE - 07/08

Os brasileiros são de desleixar o fato decidido, como parece ser o caso do impeachment da presidente afastada Dilma. Até o PT, embora mantendo a narrativa do golpe, a tem como incompetente para governar. Por isso, as manifestações do dia 31 de julho mostraram o interesse do povo. Os crimes de responsabilidade ficaram contundentes no relatório de admissibilidade do senador Anastasia, impedindo que a lenda do golpe fique introjetada nas mentes de parte do eleitorado, como deseja o PT. Para ele, presidente eleito é intocável, faz o que quiser, o impeachment é pretexto. A responsabilidade será sempre de subordinados. Interessa-lhe o poder.

Virou moda dizer que há um fosso entre representantes e representados relativamente ao Poder Legislativo, outra lenda urbana, de alta serventia aos propósitos do PT, pilhado em roubalheiras, para deslegitimar as funções dos vice-presidentes e do parlamento. Não há outra forma de eleger os membros do Legislativo. Se os senhores vereadores, deputados e senadores não nos representam, num país onde o voto é obrigatório, o problema é outro. Os representados é que não sabem eleger seus representantes. Quanto ao vice, a sua função é a de somar votos e substituir o presidente só em caso de morte? É como pensa o PT com arguta malícia.

Analistas mais afoitos, até mesmo antipetistas, estão a avalizar a crise da democracia representativa. Acenam que o Syriza, na Grécia, o Podemos, na Espanha, partidos novos, demonstram tal crise. Ao contrário, ambos querem o poder, via eleitoral. Na América, onde as prévias entregam aos eleitores a função de escolher os pré-candidatos à presidência, enxergam a falência da democracia representativa. Confundem candidatos criticáveis com a robustez da democracia.

É de se perguntar o que desejam além de eleições periódicas e o regime de partidos, traços marcantes das democracias. Instaurar a democracia direta como em Atenas, em praça pública? Isso foi factível no passado entre povos organizados em clãs e tribos, como nos cantões suíços. Hoje temos macrossociedades.

Então, qual é o problema da política nacional? Evidentemente, a sua reforma. Para começar, os chefes do Executivo devem ter o vice do mesmo partido e que sejam proibidas coligações partidárias para as eleições legislativas e para o Executivo também. As coligações se fazem pós-eleições para viabilizar maiorias em torno de pontos programáticos, pré-estabelecidos pelos partidos. Depois, a reforma administrativa, diminuindo-se em 90% os cargos de confiança de recrutamento amplo, ou seja, ocupáveis por pessoas estranhas ao funcionalismo. São diminuíveis os ministérios e as secretarias. Aliás, bastam 16 na União e nos estados. No âmbito dos municípios, seis ou sete secretarias bastam. O fato é que, no Brasil, a União, estados e municípios são entes empregadores, diferentemente do que ocorre na Europa e nos EUA, onde a burocracia estatal é de carreira e permanente.

O Estado brasileiro, nos três níveis da Federação (Executivo, Legislativo e Judiciário) é monstruosamente grande, confuso e ineficiente. Como no conto de Liliput, precisamos acorrentá-lo nessa hora, em que, exausto e falido, o gigante deitou-se no chão da pátria. Fora a democracia representativa, mais efetiva no parlamentarismo que no presidencialismo, inexistem soluções mágicas. Esse negócio de que "não nos sentimos representados" é problema de quem vota, como e porquê. Se quiserem ideários diversos, criem seus partidos e parem com inúteis lamentações.

Criar uma emenda constitucional com cláusulas de barreira a evitar a proliferação de "partidinhos" sem programas e feitio nacional é algo imperativo. Somente uma constituinte exclusiva que se dissolve depois, não partidária, é capaz de fazer isso. Merece a nossa mobilização. O PT estimulou os nanicos e até partidos médios para passar a perna no PMDB, e deu-se mal quando pegou pela proa a oposição pertinaz de Eduardo Cunha, a quem devemos, sem juízo de valor, o fato político do impeachment.

O vice assumiu porque a Constituição assim determina. Cunha mudou a face política do Brasil. É tarefa nossa, como agentes ativos, sem ser choramingas e reclamões, olhar o futuro com outros modos de ver. Os que só fazem críticas como se fossem seres superiores não mudam a cena política para modernizá-la, a bem da nação. Precisamos, isso sim, é de cidadãos prestantes. Por suposto, estou imaginando um país zeloso do art. 170 da CF, que entrega o campo econômico aos particulares e à livre iniciativa, nos esquadros de uma economia liberal a repelir o intervencionismo estatal que há 300 anos nunca deu certo na América Latina.

O risco Trump - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 07/08

Construir muro para barrar os migrantes que ingressam clandestinamente nos Estados Unidos por meio da fronteira mexicana. Expulsar e impedir os islâmicos, considerados "animais", de entrarem em território norte-americano. Acolher o apoio da reacionária organização Ku Klux Klan, notória por exacerbar o ódio e promover a barbárie contra os afro-americanos. Essas são algumas das muitas declarações e episódios polêmicos que marcam a escalada do candidato republicano, Donald Trump, para tentar suceder o presidente Barack Obama no comando dos Estados Unidos.

O bilionário vem colecionando gafes que o tornaram persona non grata por vários caciques do partido. Embora tenha derrotado todos os opositores nas prévias até a nomeação como representante da oposição na corrida contra Hillary Clinton rumo à Casa Branca, ele mais divide do que agrega os líderes do partido. O megaempresário segue criando inimizades. Caciques da legenda cogitam intervir na campanha, preocupados com os estragos que Trump vem amalgamando ao longo da disputa.

A discórdia semeada pelo candidato ganha espaço. E não à toa. Há poucos dias, ele negou apoio a Paul Ryan, presidente da Câmara, e a John McCain, senador e ex-candidato à Presidência, que buscam a reeleição. Para aprofundar a antipatia que inspira, Trump criticou os pais de um capitão muçulmano morto na Guerra do Iraque, em 2004, quando tentava salvar seus comandados. Na visão dos republicanos, ele deveria manifestar solidariedade à família do militar.

O comportamento reprovável do bilionário vem constrangendo o partido ante os eleitores. O deputado Richard Hanna foi o primeiro a anunciar apoio à candidatura da democrata Hillary Clinton. A decisão poderá aprofundar ainda mais o racha que Trump vem provocando entre os republicanos, que veem a possibilidade de vitória escoar como água entre os dedos.

Diante de uma improvável mudança radical de comportamento que levasse o bilionário à vitória, considerando que nem ele nem Hillary conquistaram mentes e corações dos norte-americanos, o medo de uma administração desastrada não fica restrita aos principais partidos dos Estados Unidos. O temor se estenderia à maioria das nações, tamanha a imprevisibilidade que Trump inspira.

À frente do maior país e da mais forte economia mundial, o que ele não faria com tamanho poder. Se Trump não consegue unir as forças do próprio partido e protagoniza conflitos com os parlamentares, à frente da Casa Branca sua gestão seria desastrosa. O conflito entre Executivo e Congresso poderá mergulhar a mais importante nação do mundo em profundo abismo, com repercursões inimagináveis em todos os países.

Hoje, quando Obama anuncia que dará conhecimento aos candidatos dos segredos de Estado, como determina a legislação, a insegurança é ainda maior. O que Trump não poderá usar para comprometer ainda mais as relações intrapartidárias e as dos Estados Unidos com as nações amigas dos norte-americanos, considerando seus rompantes e verborragia que agridem a todos sem distinção?


Obsoleta e excludente - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 07/08

Como aconteceu há duas décadas, o avanço do desemprego e da informalidade despertou o mundo político para a obsolescência da legislação trabalhista do país.

Após anos de melhora quase contínua, o mercado degradou-se rapidamente. Desde 2015, o contingente que busca ocupação foi de 8 milhões para além dos 11 milhões e segue em alta.

Ao mesmo tempo, encolheu de 41 milhões para 39 milhões o número de assalariados com carteira assinada -os que desfrutam das garantias da septuagenária Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Tal grupo, em nome do qual se batem os adversários de reformas do diploma legal, constitui parcela minoritária entre os mais de 100 milhões de brasileiros ocupados ou à procura de emprego.

Além de servidores públicos, que dispõem de estatuto próprio, e patrões, há o estrato, hoje mais numeroso que o dos celetistas, composto essencialmente por trabalhadores informais e autônomos, que labutam, no mais das vezes, sob condições precárias.

Forjada nos primórdios da industrialização do país, a CLT impôs a tutela estatal sobre as relações entre empregados e empregadores. A profusão e o detalhismo das regras criadas para proteger os primeiros mostraram-se, com o passar do tempo, empecilhos para os acertos entre as partes.

Basta notar que, no ranking do Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa vexatório 137º lugar, entre 140 países, quanto à facilidade de contratar e demitir mão de obra. Rever tais amarras será complexo.

O governo provisório de Michel Temer (PMDB) mede palavras e ambições ao anunciar o intento de modificar a lei e ampliar a possibilidade de negociações para reduzir salários e mudar jornadas em troca da preservação de vagas.

Mesmo admitidos pela Constituição e demandados pelos sindicatos, tais acordos coletivos não raro esbarram na CLT ou nos tribunais.

Há muita coisa mais a reformar, da representação sindical aos encargos sobre a folha. Para além do alívio à recessão, o fim do paternalismo do Estado permitiria maior inclusão no mercado formal.

Nulidades para legislar - NELSON PAES LEME

O Globo - 07/08

Perderam-se conceitos elementares nessa trajetória cartesiana, fragmentária e reducionista quanto ao entendimento ideal dos fatos e ações


Por que a didática e a pedagogia não se preocupam, mesmo antes da alfabetização das crianças, em ministrar-lhes princípios elementares de cosmologia, biologia e antropologia? Essa visão inicial, certamente, daria ao ser humano maior consciência de sua mínima e verdadeira condição diante da magnitude do Universo, além de situá-lo de maneira mais conveniente dentro da biosfera, do convívio mais harmônico com as demais espécies e com a nossa própria, traduzindo de modo mais claro a condição do indivíduo diante da coletividade. Como a política decorre da organização da sociedade humana, desde a horda, certamente essa abordagem holística haveria de contribuir para um melhor entendimento dos interesses econômicos e sociais que se movimentam em seu tabuleiro.

A aventura da espécie humana, depois do surgimento do homo sapiens, desde seus primórdios, examina o Cosmo a partir de uma visão individualista e pouco pragmática. Ou seja, do particular fragmentário e reducionista, para um hipotético todo. E não o inverso, como deveria, do geral para o particular. Isso dificulta enormemente o entendimento desse todo, pela recomposição cartesiana das partes. Transforma a educação num confuso puzzle, com suas peças embaralhadas. O físico nuclear Fritjof Capra, por exemplo, entende que essa fragmentação reducionista é a responsável por forte distorção da relação do homem com o restante da Natureza e do Cosmo.

A cosmologia, nesse sentido, é a abordagem ideal, porque transita sempre entre metafísica e dialética. Mas é inquestionável que o número de energias cósmicas e telúricas que desconhecemos é incomensurável e pouquíssimo estudado pela ciência cartesiana. O que tem feito essa ciência é fragmentar a realidade anterior e reapresentá-la sob suas fórmulas incompletas e precárias. A água da fonte é cristalina e potável, independentemente de se saber se o seu pH é neutro, alcalino ou ácido. Sai da floresta e faz bem às bocas e aos corpos sedentos. Igualmente a antropologia, no estudo da nossa espécie, faz a ponte entre criacionismo e evolucionismo, tal como a cosmologia faz entre metafísica e dialética.

Não é diferente com a ciência política. Perderam-se conceitos elementares nessa trajetória cartesiana, fragmentária e reducionista quanto ao entendimento ideal dos fatos e ações, como esse papel do indivíduo na coletividade, citado anteriormente. Turva-se o olhar para a própria substância da política, que é o bem coletivo, perversamente, em favor do ator/personagem/indivíduo que aspira ao poder, gerando aberrações como o culto da personalidade, primeiro passo para a criação de sistemas autoritários, carismáticos, voluntaristas e despóticos. Vide o caso Trump! A própria mídia padece desse entendimento perverso e transita nessa falsa senda. As manchetes contemplam nomes de atores políticos e de personalidades públicas, para o bem ou para o mal. Raramente destacam princípios políticos a serem defendidos que realmente digam respeito à coisa pública. Isso implica em indução do leitor/eleitor ao falso dilema da escolha de seu candidato, não pelo que este possa representar em termos de projetos, mas pela projeção pessoal e pelo carisma eventuais.

Jogadores de futebol famosos, sem qualquer formação universitária ou rudimentares conhecimentos de direito público ou administrativo, lançam-se candidatos a legislar em questões de altíssima complexidade ou de importância transcendental para o interesse público sem o mínimo preparo ou experiência. Apenas porque são eventualmente notórios.

É uma visão estreita da política. Um apequenamento da importância do legislador. Não se leva em conta, por exemplo, ao sufragar um tal candidato com votações estupendas — ou um palhaço de circo contestador — que o maior prejudicado é o próprio eleitor que nessas figuras vota. Esquece-se, nessa prática leviana e reducionista, que quem faz as leis que os juízes aplicam são exatamente esses legisladores. Perde-se a visão do coletivo em favor de um único indivíduo ungido. Imagine-se um parlamento em que predominem essas bizarras figuras, ainda mais potencializado pela existência obscena do voto de legenda, que carrega, a reboque, outras nulidades como legisladores.

Novo-desenvolvimentismo não funciona em países com taxa de poupança tão baixa como o Brasil - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 07/08

O novo-desenvolvimentismo, ao contrário do tradicional, teria uma preocupação maior com a parte fiscal



Têm tido repercussão na imprensa as propostas conhecidas por novo-desenvolvimentismo. O ex-ministro da Fazenda Bresser-Pereira, em colaboração com os professores José Oreiro e Nelson Marconi, acaba de lançar o livro "Macroeconomia Desenvolvimentista".

O ponto de partida da análise novo-desenvolvimentista é que a indústria de transformação é um setor especial. Ele lidera o desenvolvimento econômico, e o investimento na indústria gera ganhos tecnológicos que transbordam para os demais setores. Ou seja, uma falha de mercado –o ganho social do investimento no setor industrial é maior do que o ganho privado– justifica algum tipo de intervenção do setor público nos mercados para estimular o investimento no setor.

Uma das novidades da abordagem é a maior preocupação com o equilíbrio fiscal, em comparação ao desenvolvimentismo tradicional.

Outro elemento importante da estratégia novo-desenvolvimentista é algum tipo de controle cambial. A ideia é que câmbio real mais desvalorizado induz maiores investimentos na indústria e aumenta o crescimento de longo prazo da economia.

Segundo essa escola, a valorização do câmbio ao longo do governo Lula (2003-2010) seria responsável pela perda –ao menos em parte– do dinamismo da economia.

Minha interpretação é distinta. Nos melhores anos do governo Lula, os ganhos de produtividade e as boas perspectivas estimularam o crescimento do investimento em velocidade superior à da economia. Nossa economia política impediu que o maior crescimento no período gerasse elevação da poupança doméstica, para financiar o aumento do investimento.

O aumento da taxa de investimento, com uma taxa de poupança doméstica estável, gerou a contínua piora das contas externas –pela necessária absorção de poupança internacional– e a consequente valorização do câmbio. Ou seja, caso não houvesse a valorização do câmbio e a maior absorção de poupança externa, a inflação teria sido maior.

Houve naquele período fortíssimo processo de acumulação de reservas, que contribuiu para moderar o processo de valorização. No entanto, no Brasil a acumulação de reservas não é muito efetiva para impedir um processo de valorização do câmbio, pois, devido à baixa poupança do setor público, o Banco Central tem que emitir dívida doméstica para recomprar os reais que emitiu para adquirir as reservas. Nos países asiáticos, que praticaram políticas próximas das defendidas pelos novos-desenvolvimentistas, a elevada taxa de poupança permite que a acumulação de reservas não pressione a liquidez e a inflação domésticas.

Chegamos sempre ao mesmo ponto: controlar o câmbio sem que o setor público tenha posição fiscal extremamente sólida só redunda em inflação. Por outro lado, se houver forte aumento da poupança pública, o câmbio real desvalorizar-se-á naturalmente.

Finamente, a adoção de alguma meta de câmbio real tem o efeito colateral ruim de estimular que as empresas assumam passivos em moeda estrangeira mesmo que não tenham seguro contra oscilações do câmbio nominal. Aumentam em muito os riscos de uma crise cambial.

Sem entrar no mérito do argumento principal –a essencialidade da indústria de transformação para desenvolvimento econômico–, o novo-desenvolvimentismo é um modelo que pode até funcionar nas economias asiáticas que apresentam taxas de poupança acima de 35% do PIB. Difícil imaginar que irá funcionar com nossos ridículos 15%-20% do PIB de taxa de poupança!

A indústria 4.0 e o Brasil - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

ESTADÃO- 07/08

A produtividade por trabalhador na indústria brasileira é de 25% da alemã


A indústria no mundo rico está passando por uma grande transformação, que foi batizada pelos alemães como 4.0, numa referência a uma quarta Revolução Industrial em curso.

O desenvolvimento de um novo sistema de produção está muito baseado na digitalização do setor, o que só foi possível pelo contínuo barateamento dos sensores, que geram informações on line. A comunicação desses dados e imagens e sua estocagem em grandes centros de processamento permitem que sejam feitas análises, cujos resultados voltam às origens, alimentando os comandos da operação. É a chamada computação na nuvem, ela mesma um importante novo negócio. Naturalmente, a operação na nuvem exige um grande investimento em segurança da informação (“cybersecurity”).

Os dados gerados em larga escala possibilitam a elaboração de análises muito sofisticadas e detalhadas (“big data and analytics”) que permitem, inclusive, muitas simulações de modelos e sistemas alternativos. Este conjunto de inovações torna possível a integração de todos os sistemas e equipamentos numa planta e numa cadeia produtiva. É a chamada internet industrial das coisas (“IIoT”).

Adicionalmente, as unidades produtivas se utilizam cada vez mais de impressoras 3D, a chamada manufatura aditiva, de robôs autônomos e de equipamentos de realidade aumentada (“augmented reality”), o que torna as fábricas muito mais complexas.

O resultado disso tudo é uma nova forma de organizar a manufatura, na qual é possível produzir lotes menores, com custos parecidos a grandes lotes, bastando alterar os softwares que ajustam as máquinas. Isso é conhecido por customização em massa. Ademais a qualidade dos produtos e a produtividade da empresa se elevam, uma vez que, entre outras coisas, a manutenção preditiva é muito mais eficiente e o número de peças defeituosas cai drasticamente, economizando tempo, energia e material.

Além da substancial elevação da produtividade, esse sistema permitirá desenvolver novos bens ou modelos, inclusive protótipos, muito mais rapidamente e a custo mais baixo. Será possível desenvolver modelos digitais que simulem a operação do produto, reduzindo o chamado “time to market”.

Em sistemas desta natureza, o relacionamento com fornecedores e clientes também será substancialmente modificado.

Da mesma forma, os modelos de negócio serão alterados. Em particular, as indústrias não venderão mais bens, mas, sim, os serviços produzidos por estes mesmos bens, elevando o valor adicionado na empresa. Não se vendem apenas equipamentos de energia, mas a instalação, operação e manutenção de sistemas integrados.

Outro exemplo interessante está nos pneus que embutem sensores e que permitem um monitoramento on line de seu uso, gerando análises que possibilitem avaliar a eficiência da frota e formas de melhoria, inclusive, na manutenção preventiva. A integração indústria/serviços será cada vez maior.

A indústria 4.0 mostra mais uma vez que a revolução tecnológica em curso é muito mais de software do que de hardware, coisa que muitos dos proponentes de política industrial ainda não perceberam completamente.

Não é por acaso que das dez empresas mais valiosas do mundo, sete têm na tecnologia de informação e comunicação (TIC) o seu fundamento maior. Outra indicação da prevalência do software é o ocorrido há alguns anos com a IBM, que vendeu para a Lenovo chinesa sua divisão de computadores pessoais e se transformou numa relevante empresa de serviços de tecnologia. Desnecessário dizer que a indústria de PCs já entrou na sua fase declinante.

Entretanto, considero que o maior exemplo da indústria 4.0 é a revolução em curso na General Electric, uma das maiores empresas do mundo. A companhia decidiu entrar fundo na internet industrial das coisas, a partir da ideia de que “para ganhar uma vantagem comparativa, toda empresa industrial terá de se transformar também numa companhia de software”.

Por isso a GE montou uma plataforma global de nome Predix, para analisar massivos volumes de dados, conectando máquinas, sensores, sistemas de controle e outros instrumentos. Esta plataforma é aberta e está preparada para receber aplicativos desenvolvidos por um enorme volume de colaboradores (já são mais de 11 mil) que permitam interligar todos esses sistemas. É um esforço massivo que pretende transformar a empresa numa grande produtora de equipamentos e de softwares que os unam.

Produtividade. E o Brasil, como fica nisso? Infelizmente, não muito bem. A CNI realizou uma grande pesquisa, perguntando a mais de 2,2 mil empresas, qual o seu conhecimento sobre tecnologias digitais e seu uso, pré condições para o avanço da indústria 4.0. Na resposta, soubemos que 42% das companhias desconhecem completamente a importância das tecnologias digitais e mais da metade delas não se utiliza de nenhuma das dez opções tecnológicas listadas. Como a produtividade por trabalhador na indústria brasileira é de 25% da alemã e de 20% da americana, é evidente que vamos ficar ainda mais para trás.

Ao se deparar com essa situação, a tentação imediata é sugerir, como ocorreu na Alemanha, EUA, Coreia e Japão, uma grande cooperação entre governo e setor privado pela montagem de um programa que busque tirar essa diferença. Entretanto, a situação concreta de nossa indústria hoje não me faz muito entusiasmado, uma vez que se acumularam coisas básicas a impedir um eficiente trabalho nas cadeias produtivas. Consideremos os seguintes pontos:

1)A oferta de energia elétrica no País é instável e de baixa qualidade, afetando negativamente a operação de todos os equipamentos.

2)Existem grandes limitações na capacidade de transmissão de dados e imagens.

3)O sistema de tributação e a virtual proibição da terceirização é muito ruim para a indústria 1.0, 2.0 e 3.0. O que dirá para a 4.0?

4)A crise fiscal limita muito o eventual escopo de políticas públicas.

5)O fiasco da política macroeconômica e industrial depauperou a indústria.

6)A recessão gerou uma situação financeira muito difícil para boa parte das empresas brasileiras, de qualquer tamanho.

7)O avanço industrial na linha do que está ocorrendo em outros países aumenta as necessidades de capital das empresas. Isso não tem sido um grande problema no mundo desenvolvido, onde o juro é próximo de zero há muito tempo. Dá para avançar na nova revolução industrial com a Selic a 14,25%?

A destruição trazida pelo lulopetismo é realmente gigantesca. Entretanto, não nos resta outra alternativa além de ter que partir para uma penosa reconstrução.

*ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS.

Ponto de virada - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 07/08
Nesta semana mudará o status político e jurídico da presidente afastada, Dilma Rousseff. No momento em que o Senado aceitar a pronúncia, ela passará a ser ré no processo, deixando de ser apenas investigada. Se não houver aceitação, ela pode reassumir a Presidência, mas hoje nem seus aliados mais fervorosos acreditam nessa possibilidade.

Na última quinta-feira, na sessão de votação do relatório na Comissão Especial do Impeachment, não houve a frenética expectativa dos primeiros dias. O país está cansado dos mesmos argumentos ao longo destes oito meses em que se discute o caso, mesmo assim o senador Cristovam Buarque capturou as atenções quando explicou, didaticamente, o que é um golpe. Mesmo um marciano entenderia que não é o que se passa no Brasil. E ao fim da sua fala, ficou entendido que o senador, que se declarara indeciso, já se decidiu.

Exasperado com a derrota, o senador Lindberg Farias disse, mesmo antes da votação, que haveria uma segunda chance no plenário do Senado, mas parecia já descrer dela porque declarou que a história condenará o impeachment.

O lado que defende a presidente conseguiu duas vitórias nesta etapa da Comissão Especial: primeiro, o resultado da perícia afirmando que não houve ato da presidente Dilma nos bilionários atrasos de pagamento ao Banco do Brasil; segundo, o procurador Ivan Claudio Marx, da Procuradoria da República do Distrito Federal, pediu arquivamento do processo. O problema é que os dois se anulam. A perícia do Senado disse que a operação com o Banco do Brasil é sim empréstimo, mas que não houve ordem da presidente para fazê-lo; o procurador disse que não é operação de crédito, mas é um ato de improbidade administrativa.

O relator Anastasia confrontou a tese do procurador dizendo que a Lei de Responsabilidade Fiscal veda empréstimos “e outras operações assemelhadas” do governo junto a bancos públicos. Então não estaria havendo uma analogia ou interpretação, como disse o procurador, e sim uma extensão autorizada pela lei a qualquer operação que resulte em um compromisso financeiro e que produza “os efeitos materiais de uma operação de crédito, ofendendo o bem jurídico protegido pela lei”. O senador destacou também que o próprio procurador afirmou em seu despacho que as pedaladas fiscais “tinham por objetivo maquiar as contas públicas e o resultado fiscal” e por isso “configuram sem sombra de dúvida atos de improbidade administrativa”, o que, ademais, é crime de responsabilidade. Sobre a perícia, Anastasia disse que se não houve ação, houve omissão da presidente.

Pode parecer completamente descabida a discussão por meses a fio, com dezenas de testemunhas, de um lado e de outro, sendo perguntados se o que houve é ou não uma operação de crédito e se houve ou não ordem da presidente. Na verdade, mais relevante parece tudo o mais: a economia desmoronando com as contas públicas em descontrole e o país derrotado numa recessão inédita. Mas uma coisa tem a ver com a outra, disse Anastasia. “A expansão insustentável do gasto público está associada à profunda crise econômica que o Brasil vive hoje”.

A ironia é ficar toda a discussão confinada em 2015, quando o ministro Joaquim Levy tentava, com a sua equipe, desfazer as artimanhas fiscais do seu antecessor e pressionava para que houvesse o pagamento dos atrasados junto aos bancos públicos. A grande má conduta da presidente Dilma foi em 2014. É aí que o crime fica mais nítido. Não só ela fez o que está expressamente proibido na Lei de Responsabilidade Fiscal — tomar crédito junto a bancos públicos — como o fez para ampliar gastos em ano eleitoral e assim se reeleger. O argumento repetido ad nauseam pela defesa, de que tudo isso era mero detalhe contábil, serve para revelar o desprezo pela história do Brasil. Só diz isso quem não sabe que a Lei de Responsabilidade Fiscal nasceu da luta para que o Brasil jamais reviva a trágica experiência da hiperinflação. Foi usando bancos públicos para ampliar as despesas que os governos levaram o país ao descalabro. Dilma está se transformando em ré deste processo por ter desrespeitado o pacto feito pelo país consigo mesmo e jogado a economia em uma crise da qual estamos longe de sair.

O novo regime fiscal - HENRIQUE MEIRELLES

FOLHA DE SP - 07/08

Num cenário complexo e de justificável ansiedade, é imprescindível clareza e realismo ao analisar a estratégia para tirar o país do que deve ser a pior recessão de nossa história.
A crise tem como principal componente o grave desequilíbrio fiscal, resultado do aumento continuado das despesas públicas por quase três décadas, uma trajetória que foi acentuada gravemente por decisões tomadas nos últimos anos.

De 1997 a 2015, as despesas do governo federal cresceram, em média, 6% acima da inflação. De 2007 a 2015, cresceram mais de 50% acima da inflação.

A deterioração fiscal e o forte intervencionismo causaram queda aguda da confiança, gerando colapso no investimento e reduzindo a atividade econômica e o emprego. A recessão que se seguiu intensificou a queda da arrecadação tributária, iniciada em 2011.

A dívida pública bruta já se aproxima de 70% do PIB, contra média de 45% dos países emergentes. Corremos o risco de uma crise ainda mais grave que só pode ser evitada com mudanças estruturais na dinâmica das contas públicas. Isso requer alterações na Constituição, já que cerca de 80% das despesas do governo são definidas constitucionalmente. Sem essas mudanças, não há como reverter a trajetória de deterioração.

O país se defronta, portanto, com um quadro dramático, que causou alta descontrolada da dívida e aumento dos prêmios de risco, elevando os juros estruturais da economia.
Por isso, apresentamos proposta de emenda constitucional (PEC) que fixa um teto para o aumento das despesas públicas, com crescimento real zero ao longo do tempo. Trabalhamos também no projeto de reforma da Previdência, imprescindível para que possamos manter as contas públicas em equilíbrio.

É um processo longo frente à demanda por soluções imediatas, mas rápido para uma mudança estrutural na trajetória de elevação das despesas resultante da Carta de 1988. Com a aprovação das medidas, será a primeira vez, em décadas, que uma administração terminará com despesas menores (em % do PIB) do que quando começou.

Um sinal de que estamos na direção correta é o início da reação dos agentes econômicos às mudanças estruturais propostas. O nível de confiança empresarial e do consumidor aumentou, e já há dados claros de retomada da atividade, como a produção industrial do segundo trimestre.

Naturalmente, como em qualquer democracia, o cronograma de mudanças depende de prazos e ritos legislativos. Nesse processo, estamos caminhando sem recuos.
Um dos grandes ganhos dessa reforma, além do realismo orçamentário, será a discussão de prioridades do Orçamento diante do teto de gastos. Outro avanço importante é a renegociação das dívidas estaduais, que estabelece o ajuste fiscal também com adoção de teto ao crescimento das despesas.

As alterações propostas pelo Legislativo referem-se a ajustes na Lei de Responsabilidade Fiscal. Não são mudanças na contrapartida exigida dos Estados, mantida integralmente. As reformas, portanto, seguem seu curso dentro do debate legislativo, que não prejudica, mas legitima, o novo regime fiscal.

Seguimos convictos de que o limite constitucional de gastos federais será aprovado pelo Congresso no menor prazo possível. O resultado será uma transformação duradoura na trajetória das contas públicas, garantindo o realismo e o equilíbrio estrutural fundamentais para que o Brasil retome o desenvolvimento sustentável e ofereça um melhor padrão de vida a todos. Essa, afinal, deve sempre ser a meta de toda política econômica.

HENRIQUE MEIRELLES é ministro da Fazenda. Foi presidente do Banco Central (governo Lula) e presidente mundial do BankBoston

O poço sem fundo - NATHAN BLANCHE

ESTADÃO - 07/08

Vale salientar que a melhora dos atuais indicadores econômicos são apostas de curto prazo, que têm que ver com a mudança de governo, sobretudo com a confiança e a credibilidade da nova equipe econômica



Têm crescido as pressões para o Banco Central (BC) afrouxar a política monetária no curto prazo, ou seja, baixar juros. Isso faz lembrar a parte inicial do segundo mandato Dilma, quando, mesmo com pressões inflacionárias ainda elevadas e em meio a sinais claros de deterioração fiscal, o Copom baixou os juros até 7,25%. Para manter os preços sob controle, a partir de meados de 2013 teve início a venda de swaps cambiais diários, que continuou até recentemente. Essa medida, entre outras que deterioraram as contas públicas e a competitividade, fez parte do conjunto de equívocos econômicos que levou à grave situação atual. Em termos fiscais, o resultado e o preço dessa heterodoxia são o fato de o superávit primário ter saído de 1,7% do PIB em 2013 para um déficit de 2,7% do PIB em 2016. Completando a deterioração gerada pela nova matriz econômica, o PIB deve acumular perdas de 7% no biênio 2015/2016. No pior dos mundos, entramos num processo de recessão forte, inflação alta e explosão do endividamento e do déficit público.

As pressões para repetir este populismo monetário não fazem sentido, pois isso ameaçaria colocar por água abaixo os sinais incipientes de recuperação da confiança dos agentes de mercado em relação à retomada da responsabilidade econômica. De quebra, reduziria as chances de reversão da gravíssima crise em que estamos mergulhados.

Vale salientar que a melhora dos atuais indicadores econômicos são apostas de curto prazo, que têm que ver com a mudança de governo, sobretudo com a confiança e a credibilidade da nova equipe econômica. Essas expectativas são facilmente reversíveis, se as mudanças necessárias na economia não forem implementadas no curto e médio prazos. Isso inclui a confirmação do impeachment, o encaminhamento da reforma da Previdência e de alterações nas leis trabalhistas, a aprovação do limite para o aumento das despesas públicas nas três esferas do governo e a integração do Brasil na economia globalizada, pela abertura comercial e mudanças na relação com o capital e o investidor estrangeiros. O mundo globalizado tornou-se uma montadora de produtividade e eficiência, e hoje o Brasil está fora deste jogo.

Um aspecto pouco considerado nas análises recentes foi o ganho obtido pelo governo em seu custo de financiamento, decorrente de sinais do retorno de uma política econômica responsável, a partir da perspectiva de mudança de governo - posteriormente confirmada com a escolha de equipe econômica de qualidade inquestionável.

A curva de juros, que determina em grande medida o custo de financiamento no País, cedeu bastante desde março, quando a possibilidade de troca de governo tornou-se real. Até então, a curva mostrava-se pressionada pela situação fiscal crítica e pela avaliação de que o governo Dilma não reverteria o quadro. O movimento representou uma diferença de quase 400 pontos-base nos vencimentos longos, mais sensíveis ao risco fiscal. Isso se deve não só à montagem da nova equipe econômica, mas, principalmente, aos sinais dos novos condutores de instituições, incluindo o BC, que adotou uma postura firme na defesa do cumprimento da meta de inflação. Ou seja, transmitir uma mensagem de leniência com a inflação neste momento ameaçaria esse ganho de credibilidade.

É preciso cautela com o otimismo. A trajetória crescente dos rombos fiscais levou à explosão da dívida bruta do setor público, que passou de 51,3% do PIB em 2011 para 73,7% projetados para 2016. Pior que isso, a dinâmica esperada para os próximos anos segue adversa, com expectativa de que a relação dívida bruta/PIB alcance 85% até o final da década. Vale dizer que contribuem para essa expectativa as “safenadas fiscais”, aprovadas pelo atual governo, que flexibilizam a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Portanto, sem mudanças no quadro trágico das contas públicas, cedo ou tarde, aumentará o número de avaliações de que caminhamos rumo à insolvência fiscal e consequente falência do Estado nacional. Ademais, sem essa correção de rota, será preciso esquecer a volta do crescimento sustentável por ao menos mais uma década.

*É SÓCIO-DIRETOR DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA INTEGRADA

'À la Brasil' - FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 07/08

Quando o presidente do COI, Thomas Bach, disse que a Olimpíada seria realizada 'à la Brasil', deixou uma pergunta no ar


Quando o presidente do COI, Thomas Bach, disse que a Olimpíada seria realizada “à la Brasil”, deixou uma pergunta no ar. Isso é bom ou ruim? Os próprios jornalistas, quando repetiam a expressão “à la Brasil”, com um sorriso, acrescentavam: no bom sentido. O próprio Thomas Bach declarou que usou o termo pensando na alegria e emoção dos brasileiros. Dizem que os estrangeiros na Cidade Olímpica têm uma expressão mais simples para explicar a sucessão de pequenos problemas: TIB, This is Brazil.

Historicamente, ambiguidade tem um lugar importante na definição de Brasil. No século XVI, Américo Vespúcio classificava o país como um misto de éden e barbárie. Quase todas as tentativas de definir o Brasil esbarram na ambiguidade, mesmo quando são feitas por brasileiros.

A expressão “homem cordial”, de Sérgio Buarque de Holanda, tanto pode ser vista como uma tendência à bondade quanto como uma recusa em aceitar o jogo impessoal do poder compartilhado, uma resistência aos ideais republicanos.

Se as tentativas de definir o Brasil são tão ambíguas, pode ser até que ambiguidade seja um traço insuperável de nossa História. Talvez tenha sido esta a intenção de Tom Jobim quando disse que o Brasil não era para principiantes.

Mesmo aqui dentro, quando nós tentamos encontrar certezas, somos confrontados com contradições insuperáveis. Muitos analistas consideram que os brasileiros têm um traço bovariano, expressão inspirada em Emma Bovary, personagem do escritor Gustave Flaubert. Nesse sentido, eles teriam a tendência a se considerar melhores do que são na realidade, esperando sempre que algo de bom e extraordinário venha resgatá-los. Outros, baseados em Nelson Rodrigues, afirmam que os brasileiros têm um complexo de vira-lata e sentem-se inferiores aos outros povos.

Thomas Bach disse que o momento era especial por causa da crise. Ele mesmo pediu às delegações que compreendessem essa realidade e limitassem seu nível de exigência. O Brasil, disse ele, é um país dividido. Faltou dizer que é dividido também quanto à Olimpíada: a maioria teme que o país perca mais do que ganhe com os Jogos.

Mas a alegria e a emoção estão garantidas. Alegria, emoção e choradeira. Na TV, as reportagens sobre atletas brasileiros sempre têm chororô. Às vezes, do computador, pergunto: já choraram? Dependendo da resposta, vou assistir ao final na tela grande, ver as imagens, conhecer as famílias. São muitas histórias de superação. O “New York Times” destacou um traço talvez singular no Brasil: o destaque às pessoas que superam dificuldades, mesmo que não tenham chance de vitórias. Nos EUA, a chance de vitória talvez seja um critério mais decisivo. Aqui é a superação.

Tenho uma certa dificuldade em dividir não só pessoas como países em espaços racionais e emocionais. Hoje em dia, sabemos que as emoções contêm elementos racionais, e a chamada racionalidade não está despojada de emoções. Quando a Embraer produz um avião, realiza uma tarefa de alta complexidade e é julgada unicamente pela qualidade, segurança e preço de seus produtos. Milhares de outros produtores brasileiros buscam incessantemente a excelência e sabem que apenas ela pode ajudá-los a competir.

Emoção e alegria são qualidades invejáveis. No entanto, em muitas áreas não são decisivas. Mesmo que não tenha intenções, Thomas Bach acabou nos fazendo encontrar de novo com a ambiguidade que nos persegue desde 1500. Reduzam suas exigências, valorizem a emoção e a alegria pois assim se fazem as coisas “à la Brasil”. Soa um pouco paternal, mas essa é a canção que ouvimos muito antes de Bach, o compositor, nascer, em 1650. Pode ser que a alegria seja um fator importante. Não quero complicar, mas a ambiguidade se estende também até ela.

Há quem ache os brasileiros tristes. Em 1928, Paulo Prado publicou um famoso ensaio sobre a tristeza brasileira, afirmando que a sensualidade tropical levou ao esgotamento da energia, uma constante fadiga. Índios que perdiam suas terras, africanos escravizados e portugueses expatriados, todos tinham razão para se entristecer.

São muitas as armadilhas para se compreender de estalo o sentido de “à la Brasil”. É preciso ver os olhos do outro, os lábios do outro, o tom de sua voz. A expressão é uma espécie de certeza individual diante de uma ambiguidade secular. “À la Brasil” pode ser um método de depilação íntima, um atraso no horário de entrega, um choro ao receber a medalha, enfim, uma permanente tentativa de definir o quase indefinível.

O que sinalizam os preços dos ativos - AFFONSO CELSO PASTORE

ESTADÃO - 07/08

Desempenho da economia depende do que ocorrer no campo da política fiscal



Nas últimas semanas tenho ouvido com frequência afirmações como: “basta que seja aprovado o impeachment de Dilma Rousseff para que tenhamos uma enorme entrada de recursos externos”. Embora minha sensação seja de que a aprovação do impeachment “já esteja no preço”, concordo que há sinais de que poderemos assistir a um ingresso mais intenso de capitais, que vêm sofrendo com as taxas de juros baixas no mundo, e que buscam retornos mais altos no Brasil. Mas a intensidade de tais ingressos depende do que ocorrer com a política fiscal e com a reação da política monetária em resposta a um novo movimento de valorização do real.

Depois de anos de uma sucessão infindável de erros de política econômica, temos no governo uma equipe econômica experiente e competente, e o aumento da confiança levou à queda das cotações do CDS brasileiro e à valorização do real. Mas temos que reconhecer que nem todos esses movimentos são originados no Brasil. Quedas – ainda que menores – das cotações do CDS ocorreram em outros países emergentes, e o aumento dos preços internacionais de commodities desde o início do ano levou à valorização de moedas de outros países exportadores de commodities. Pela primeira vez, nestes últimos anos, a economia internacional vem contribuindo positivamente para melhorar o desempenho da economia brasileira.

O mercado financeiro também festeja uma significativa valorização no índice Ibovespa. Embora os preços das ações sejam um indicador antecedente da atividade econômica, um pedaço (pequeno) deste movimento vem do comportamento do mercado global, e o grosso dessa valorização se deve a um único evento – o aumento de quase 70% dos preços das ações da Petrobrás –, que se livrou da corrupção e da obrigação de subsidiar os preços da gasolina e do diesel. Há muito que aprendemos que os preços dos ativos sinalizam movimentos do “lado real” da economia, mas se quisermos aferir a intensidade da recuperação da atividade econômica não podemos olhar somente para os preços das ações e para as cotações do CDS. Se do lado da oferta a produção industrial parece dar claros sinais de que inicia uma recuperação, do lado da demanda o consumo das famílias aponta para a continuidade da queda. Com o desemprego em alta, os salários reais em queda, o elevado endividamento das famílias, e os riscos de inadimplência – fatores que levam os bancos a reduzirem as novas concessões de crédito –, a recuperação do consumo ainda não está à vista. O quadro é ruim também no que diz respeito à formação bruta de capital fixo.

Uma definição mais clara do que pode ocorrer com o nível de atividade e com os preços dos ativos depende dos próximos passos do programa de reformas proposto pelo governo. A aprovação da PEC que fixa a correção nominal dos gastos públicos é apenas um primeiro passo. Todos os exercícios de projeção mostram que, mesmo assumindo taxas otimistas de crescimento econômico, a aprovação da reforma da Previdência e de aumento da carga tributária, a relação dívida/PIB ainda deverá crescer fortemente nos próximos anos. Este é um quadro que gera insegurança.

Se no campo das reformas não forem dados passos importantes, confirmando que estamos diante de uma mudança no regime fiscal, voltaremos ao mesmo quadro de queda de preços de ativos, de depreciação desordenada do real e de aumento de insegurança, que inibiria qualquer movimento de retomada da atividade econômica. Há seis meses, apenas, o temor era de que o risco de solvência do governo mantivesse o real se depreciando, elevando a inflação. Este quadro foi revertido com a mudança do governo e com a escolha da equipe econômica, iniciando um processo de restauração de confiança que, no entanto, tem que ser sucedido por ações concretas que não frustrem as expectativas.

A evolução da política fiscal é chave para determinar o que podemos esperar da política monetária e da intensidade da queda da taxa de juros. Contrariamente ao desejo dos que propunham uma queda mais forte da taxa de juros, o Banco Central optou por um grau elevado de conservadorismo, apostando na sua capacidade de afetar as expectativas de inflação, e para isso precisa reafirmar com atos, e não apenas com palavras, seu compromisso com a meta de inflação de 4,5%. Precisa também de muito mais transparência na comunicação, que já inaugurou no comunicado e no texto da ata da última reunião do Copom.

Obviamente seu objetivo é derrubar a inflação, abrindo espaço para a queda da taxa de juros, sem o que não haverá uma retomada significativa do crescimento. Porém, como tenho afirmado em várias ocasiões, a política monetária não é feita no vácuo, e tem que atender a outras restrições, em particular as vindas da política fiscal. Ações claras alterando a política fiscal tenderão a dar à política monetária um papel extremamente importante na retomada do crescimento. Em primeiro lugar porque o crescimento dos gastos públicos e a queda de receitas em relação ao PIB vêm produzindo uma política fiscal extremamente expansionista, que eleva a taxa real neutra de juros, impondo uma carga excessiva sobre a política monetária. Em segundo lugar porque a reafirmação na mudança do regime fiscal derruba os riscos de insolvência, atraindo capitais, e permitindo que o Banco Central reaja ao movimento de valorização do real não com intervenções em swaps ou mesmo na acumulação de reservas, como fazia no passado, e sim reduzindo mais acentuadamente a taxa de juros, mantendo o objetivo de atingir a meta de inflação e contribuindo para a retomada do crescimento.

Se o Banco Central não puder contar com um significativo progresso na execução da política fiscal, enfrentará limitações importantes para reduzir a taxa de juros, dificultando ou mesmo impedindo o início da retomada da atividade econômica. Mais do que nunca, o desempenho da economia brasileira depende fundamentalmente do que ocorrer no campo da política fiscal.

*EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS.

Flexibilização da CLT - CELSO MING

ESTADÃO - 07/08

Há mais de 1,7 mil novas normas, regulamentações e súmulas que semeiam confusão



A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) tem 73 anos, está envelhecida e esclerosada, mas não é o maior problema das relações de trabalho no Brasil.

“O maior problema é a insegurança jurídica”, reconhece o ministro do Trabalho, Reinaldo Nogueira. A todo momento, a Justiça do Trabalho pode inventar determinações. Há mais de 1,7 mil novas normas, regulamentações e súmulas que semeiam confusão. Cada especialista tem lá sua interpretação para a solução de um conflito, sempre sujeita a questionamentos na Justiça do Trabalho. O empregador nunca consegue medir nem seu custo nem seu passivo trabalhista. E essas incertezas são a principal razão por que, quando podem, as empresas evitam contratação de pessoal.

O governo Temer avisou que está comprometido com a elaboração de um projeto de modernização das leis trabalhistas, a ser enviado ao Congresso possivelmente ainda este ano. Como afirma o ministro, o objetivo não é mudar a CLT; é apenas reunir a CLT e as normas em vigor e dar-lhes coerência, num único código.





Uma das propostas é dar mais força à negociação coletiva. As lideranças sindicais veem a ideia com desconfiança. Temem que, uma vez aceita, atropele direitos trabalhistas e que a proposta de flexibilização seja “armadilha vendida como solução para os problemas do emprego”. O ministro garante que não.

“O acordo coletivo não pode prevalecer sobre a lei. Não estão em questão, por exemplo, o direito à jornada de 44 horas semanais, nem as férias previstas em lei, nem o pagamento do 13.º salário. Mas o acordo coletivo pode decidir se as 44 horas se distribuirão por cinco ou por seis dias úteis da semana. Direito não se revoga; se aprimora.”

Os especialistas veem na reforma das leis trabalhistas outras prioridades. O especialista em Economia do Trabalho e professor da USP José Pastore entende que o principal objetivo da flexibilização das leis trabalhistas é “tirar o medo do empresário de empregar”. Em outras palavras, deve atacar a insegurança jurídica que hoje prevalece. “A rigidez da lei favorece os questionamentos na Justiça e isso custa muito para as empresas e para o País”. Só neste ano (até fim de junho) foram ajuizados 1.156.434 reclamações trabalhistas (veja o gráfico).

Para o também economista e professor da USP Hélio Zylbersztajn, a mais importante consequência da valorização da negociação a médio e longo prazos é restringir a intervenção da Justiça do Trabalho. Ao contrário do que acontece aqui, em todo o mundo a negociação começa dentro da empresa. “O diálogo melhorará a relação entre capital e mão de obra.” Assim, a empresa pode entender os problemas dos trabalhadores e até mesmo reduzir custos.

Um exemplo que ilustra bem esse argumento é o artigo 134 da CLT. Lá está dito algo que hoje não faz sentido: apenas funcionários de 18 a 49 anos podem parcelar o período de férias. “Se a negociação resolver esse problema, o trabalhador ficará mais satisfeito e pode aumentar sua produtividade”, conclui Zylbersztajn./ COM RAQUEL BRANDÃO

A feira do impeachment - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 07/08

A proximidade do impeachment transformou o Senado numa feira livre. O ambiente de pechincha é o mesmo, mas as frutas dão lugar a cargos em ministérios e estatais. Na semana passada, uma gravação expôs o clima das negociações. Foi estrelada pelo senador Hélio José, do PMDB do Distrito Federal.

O parlamentar é conhecido em Brasília pelo apelido de Hélio Gambiarra. A alcunha surgiu em 1995, quando ele abriu sua casa para um churrasco com a presença de políticos ilustres. Depois descobriu-se que a festa havia sido iluminada graças a um gato da rede elétrica.

Hélio era suplente de Rodrigo Rollemberg, do PSB. Ganhou quatro anos de mandato quando o titular virou governador, em 2014. Na época da eleição, ele pertencia ao PT. Depois foi para o PSD. Em seguida, pousou no anedótico PMB, o Partido da Mulher Brasileira. Ao se filiar, disse que as mulheres trazem aos homens "alegria e prazer".

No início deste ano, o senador mostrou que é um feirante astuto e escolheu a fruta da estação: o PMDB. Em março, montou sua barraca na sigla. Em abril, foi recebido por Michel Temer. Saiu com a sacola cheia de promessas de nomeações.

O presidente interino agraciou Hélio com a chefia da Secretaria de Patrimônio da União em Brasília. O órgão administra os próprios federais na capital, onde a grilagem de terras públicas sempre foi um negócio lucrativo.

Na última terça (2), o senador foi à repartição. Servidores de carreira reclamaram dos aliados que ele indicou. A resposta foi gravada e acabou na internet: "Isso aqui é nosso. Isso aqui eu ponho quem eu quiser aqui. A melancia que eu quiser aqui eu vou colocar!".

Dilma Rousseff se despediu do poder em clima de xepa. Chegou a negociar o Ministério da Saúde em troca de um punhado de votos na Câmara. Temer adotou as mesmas práticas. A diferença é que agora a nova feira parece estar só no começo.

Crise fiscal leva a que se repense a Federação - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 07/08
A queda na arrecadação tributária agrava a situação de muitos municípios que sequer deveriam existir. Portanto, chegou a hora de resolver este problema

A severidade da crise fiscal, engendrada pelo lulopetismo, é demonstrada por números sombrios. O déficit nominal — incluindo os juros da dívida pública — é de 10% do PIB, pouco mais de três vezes o limite permitido no bloco do euro, na União Europeia, por exemplo.

Os desdobramentos da tragédia fiscal estão expressos em mais de 11 milhões de desempregados, numa inflação renitente acima do limite da meta (6,5%), na volta de milhões da “nova classe média” à pobreza, e assim por diante.

Há unidades da Federação que demonstram, pelo menos até agora, melhores condições de enfrentar a debacle fiscal — o Espírito Santo, a cidade do Rio, dois exemplos. Mas o quadro, em geral, e do universo em particular dos municípios, é desolador.

Levantamento feito pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, para o Índice Firjan de Gestão Fiscal, detectou um cenário de calamidade: menos de 1% das 5.568 prefeituras, ou apenas 42 municípios, conseguiu pagar a folha dos servidores com recursos próprios em 2015.

A crise tem alguma responsabilidade pelo problema, mas há causas estruturais para esta penúria municipal. Prova disso é que, quando a Firjan começou a fazer esta pesquisa para calcular o índice, em 2006, as prefeituras nessas condições eram apenas 100. Isso no fim do primeiro mandato de Lula, quando a economia brasileira ainda crescia. Não havia crise fiscal.

A questão é que há um enorme número de municípios que não geram receita tributária para pagar as contas. Surgiram do interesse de caciques políticos locais em criar câmaras de vereadores, gabinetes de prefeitos etc. e, como consequência, uma enxurrada de empregos públicos, a serem preenchidos por essas lideranças locais, à custa, como sempre, do contribuinte.

Foi tão animada (e desastrosa) a farra da criação de municípios e estados — mais de prefeituras —, com a promulgação da Constituição de 1988 —, que, dali até 1996, em oito anos, surgiram 1.480 prefeituras. Cada uma com seus vereadores, assessores, chefes de gabinetes, frotas de carros oficiais, motoristas, contínuos etc.

Tamanho disparate levou o então presidente Fernando Henrique a propor lei complementar, aceita pelo Congresso, para conter a festa. As assembleias legislativas perderam para o Congresso o poder de aprovar a multiplicação de entes federativos. Melhorou, porém a herança do passado é enorme e corrosiva: pouco mais de 80% das prefeituras dependem do Fundo de Participações (recursos federais e estaduais) para pagar as contas. Não recolhem impostos suficientes, mesmo na bonança. Inúmeras não se esforçam por razões demagógicas. A crise fiscal também reduziu o fundo.

É uma evidência gritante de que a própria Federação precisa ser revista, e não apenas na redefinição de responsabilidades na prestação de serviços e consequente descentralização de recursos, mas também em radicais mudanças na estrutura dos municípios.

Devem-se realizar estudos que levem à reaglutinação de municípios incapazes de obter receita tributária condizente com as despesas. Outra medida é acabar com a obrigatoriedade de todas as prefeituras terem de reproduzir quase a mesma estrutura da União, com procuradorias, tribunais, muitas secretarias. Seria uma bem-vinda medida de enxugamento da máquina estatal.

Álibis imperfeitos - DORA KRAMER

ESTADÃO - 07/08

É óbvio que Planalto e aliados trocaram renúncia de Cunha por adiamento da cassação



Um dos maiores aliados do equívoco é o maniqueísmo. Aquele estado de coisas em que as nuances são ignoradas de modo a parecer que a alternativa ao claro só pode ser o escuro. O Brasil já pagou preço alto duas vezes por aderir a essa lógica. Na primeira elegeu Fernando Collor no pressuposto de que representava o novo, oposto ao então presidente José Sarney.

Para isso o eleitorado contou com a colaboração dos meios de comunicação que alimentaram o fetiche, a despeito das barbaridades cometidas por ele quando prefeito de Maceió e, depois, como governador de Alagoas. O falso dualismo deixou de fora da competição gente como Ulysses Guimarães, Mário Covas, Leonel Brizola, Roberto Freire e Fernando Gabeira, para citar apenas alguns dos 22 candidatos naquela eleição.

Na segunda vez, acompanhada de uma série de mais três a partir de 2002, o País caiu em conto do vigário semelhante ao anterior, motivado por igual fantasia maniqueísta. Trocamos a chance de dar o passo adiante na concepção da seriedade administrativa plantada no Brasil com o advento da estabilização da economia, pela ideia de que o PT levaria os pobres ao paraíso e relegaria os “podres” ao ostracismo.

O resultado dispensa comentário, embora nos obrigue ao exercício da reflexão sobre a maneira como funcionam a sociedade e as instituições brasileiras. Ao que tudo indica, o PT terá o que conquistou por demérito próprio e Dilma Rousseff será definitivamente afastada do mandato conquistado pela fraude da propaganda enganosa. A maioria concorda com isso.

Por mais improvável e indesejável que seja a volta de Dilma ao Planalto, até que a questão se resolva a possibilidade está no ar. De onde decorre uma evidente boa vontade em relação ao governo Michel Temer, por obra daquele referido contraponto. Condescendência que interdita o exercício da crítica. Enfraquece cobranças indispensáveis: por atitude mais firme no ajuste dos gastos públicos e transparência na antecipação de medidas que serão implementadas para assegurar a retomada da economia ao bom caminho. A alegada cautela necessária ao período de interregno é justificativa injustificável.

Tal tolerância anuvia também a visão do óbvio: o Planalto e suas áreas de influência fizeram um acordo com Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Em troca da renúncia à presidência da Câmara, as forças políticas aliadas a Temer atuariam para postergar a cassação do mandato e, assim, conceder a ele mais tempo na condição de investigado com foro privilegiado.

Isso não é admitido, mas fica cada vez mais explícito. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciara a votação do caso Cunha para a segunda semana deste mês. Pois bem, estamos no primeiro dia dela sem que tenha sido marcada a data. Amanhã está prevista a leitura do pedido de cassação em plenário. Etapa importante, mas meramente regimental.

Parlamentares governistas e ministros agora dizem que é “prudente” deixar isso para depois da votação do impeachment de Dilma Rousseff. Entramos aí, no mês de setembro durante o qual suas excelências estarão fora de Brasília por causa das eleições municipais de outubro, mês também perdido em termos de Parlamento.

A história de que todos temem o que Cunha teria a denunciar é apenas um álibi supostamente perfeito para justificar a postergação. Se as repudiadas mentiras do PT forem sucedidas pela aceitação de mentiras do PMDB ou de qualquer partido, o impedimento não terá valido a pena nem cumprido sua missão.

Pausa olímpica. Saio em férias por 15 dias. Fico longe da cena, torcendo para que o melhor da Olimpíada continue devolvendo à cidade que assistiu a minha vinda à vida, a alegria que faz do Rio uma absoluta e renitente maravilha.

O eterno Patropi - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 07/08

Com Temer tenso e Lula ausente, a abertura da Olimpíada lavou a alma


A aflição continua, mas o Brasil está de alma lavada com a festa, o talento, o calor, a cor, a música e a alegria da abertura da Olimpíada do Rio, que teve a presença excessivamente sóbria e visivelmente desconfortável do presidente interino Michel Temer e a ausência sobejamente justificada e bastante constrangedora de um outro personagem: Luiz Inácio Lula da Silva.

Temer foi vaiado por alguns segundos. E daí? Nada mais natural para um presidente interino, em meio a um processo de impeachment. E nada mais natural no Brasil, no Rio e no Maracanã. Fosse Fernando Henrique, Lula, Dilma, Aécio, Marina, qualquer um, sempre haveria alguma vaia. Logo, ele não precisava ficar tão tenso, tão formal. Não sorriu nem mesmo quando a delegação brasileira explodiu em campo.

E a imagem de Lula pairava sobre o Maracanã. O Rio só foi escolhido para sediar a Olimpíada, naquele tão distante (em vários sentidos) 2009, porque o Brasil era o queridinho, a economia caminhava para o crescimento recorde de 7,5% no ano seguinte e Lula era um dos líderes mais badalados do mundo. Para sermos justos, se a Olimpíada caiu no nosso colo, isso se deve muito à força política de Lula naquele momento.

Não foi o destino quem quis, foi o próprio Lula quem se autoexcluiu da belíssima festa de abertura, sete anos depois, por escolher a mulher errada, na hora errada, para o cargo errado e, principalmente, por mergulhar de cabeça num mar de esquemas e desvios mais poluído do que a Baía de Guanabara.

Na mesma sexta-feira em que os sites do mundo inteiro elogiavam o espetáculo do Rio, os brasileiros divulgavam documento do Ministério Público concluindo que Lula “participou ativamente do esquema criminoso” e é improvável que não tenha, direta ou indiretamente, recebido alguma vantagem. O mundo acompanha os Jogos e os brasileiros estão com a respiração suspensa, sem saber se tudo vai dar certo, mas Lula está às voltas com advogados, incertezas e um medo atroz sobre o que vem por aí.

Assim como o almirante aposentado Othon Luiz Pinheiro poderia ter brilhado para sempre como o “pai do programa nuclear do Brasil”, Lula poderia ter se contentado em ostentar sua contundente biografia e em ser o presidente brasileiro mais popular da história e o mais prestigiado no mundo. Mas a alma humana tem seus segredos e o bolso às vezes fala mais alto.

O almirante não só é acusado de usar seu prestígio e sua expertise para corrupção, como tragou a própria filha para o esquema, continuou delinquindo mesmo preso em casa com uma tornozeleira eletrônica e acabou condenado a 43 anos de prisão em primeira instância. E o ex-presidente, que também levaria vaias residuais, claro, mas seria inegavelmente a mais esfuziante estrela da abertura da Olimpíada do Rio, nem pôde por os pés no Maracanã, trancado no seu exílio de suspeitas e processos, enquanto seu lobo Moro não vem.

Bem, com Temer e sem Lula, o fato é que o Brasil deu um show na abertura da 31.ª Olimpíada, mostrando a bilhões de telespectadores a construção de um povo miscigenado e uma diversidade cultural raros no mundo e brincando alegremente com um 14 Bis sobrevoando a Cidade Maravilhosa, a nossa Gisele Bündchen desfilando ao som de Garota de Ipanema, os veteranos Caetano e Gil ao lado da novata Anitta, Paulinho da Viola emocionando com o Hino Nacional, a coreografia de Deborah Colcker extasiando a plateia.

Mas o momento arrepiante, desses de lágrimas nos olhos, foi Jorge Ben Jor liderando milhares de pessoas entoando: “Moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, mas que beleza!”. A gente tem milhões de motivos e de desempregados para praguejar contra a realidade e contra o País, mas a verdade é que o Brasil é muito mais do que só corrupção. Que, aliás, está sendo firmemente combatida.


A História ensina - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

ESTADÃO - 07/08

Há que aceitar as diferenças e conciliar pontos de vista olhando para o horizonte


Há que aceitar as diferenças e conciliar pontos de vista olhando para o horizonte

Em julho passado André Franco Montoro faria 100 anos. Num país desmemoriado é bom recordar: Montoro foi dos raros políticos capazes de, sendo realistas, não deixar de lado os sonhos, as crença, os valores.

Em época de pouco-caso com o meio ambiente, Montoro exortava as pessoas a plantar hortas, a dar preferência à navegabilidade dos rios, a deixar de lado os egoísmos nacionais e olhar para a América Latina, a dizer não à bomba atômica. E, principalmente, a entender que a política requer desprendimento e grandeza. Foi assim quando, quase sozinho, impôs ao antigo PMDB um comício pelas eleições diretas-já na Praça da Sé, em 1984. E outro exemplo nos deu quando, lidando com outros gigantes, apoiou Tancredo Neves para a disputa no Colégio Eleitoral.

Conto um episódio. Nos preparativos para a eleição indireta do novo presidente, a Veja publicou uma entrevista de Roberto Gusmão, então chefe da Casa Civil de Montoro, em que este, falando por São Paulo, lançava o nome de Tancredo Neves para concorrer pela oposição. Na época, além de muito ligado a Ulysses Guimarães, eu era presidente do diretório do PMDB de São Paulo. Ulysses, como fazia habitualmente, passou na manhã subsequente à publicação da entrevista pelo casarão que então sediava o partido. Perguntou-me de chofre: “Isso é coisa do Gusmão ou do Montóro?” – como ele pronunciava. Confirmei que era opinião do governador de São Paulo. “E você, o que acha?” Disse-lhe: “O senhor sabe dos laços de respeito e amizade que nos unem, mas nas circunstâncias é a opção para ganharmos no Congresso”. Redarguiu: “Quero ouvir isso do Montóro”.

E, assim, uma noite jantamos Montoro, Ulysses, Gusmão e eu, e cada um de nós, sob o olhar severo de Ulysses, confirmou suas opiniões. Ulysses não teve dúvidas: chefiou a campanha pela eleição de Tancredo. De fato, eleitoralmente quem poderia concorrer com Tancredo era Montoro, dado o volume de votos de São Paulo, que pesariam em eleições diretas. Tancredo, entretanto, teria vantagens táticas no convencimento de um Colégio Eleitoral composto por congressistas. Realista, Montoro logo propôs o nome mais viável. Vencemos.

Então estava em jogo a redemocratização do País, a convergência era necessária. Ela teve que ser ampliada para englobar os que antes eram adversários. Assim atravessamos o Rubicão e fomos, pouco a pouco, reconstruindo a democracia. Escrevo isso não só para valorizar a trajetória política e humana de gigantes como Montoro, Ulysses e Tancredo, mas para fazer paralelo com o presente.

Para o Brasil poder se reconstruir, depois do tsunami lulopetista, ingloriamente culminado com quem talvez menos culpa tenha no cartório, a ainda presidente Dilma, é preciso grandeza. Não nos iludamos: estamos atravessando uma pinguela, a ponte é frágil. Sempre fui renitente a processos de impeachment porque, mesmo quando bem fundamentados, como o atual, implicam destronar alguém que teve o voto popular e entregar o poder a quem também o recebeu, mas de forma mediata, em comparação com o(a) presidente(a) a ser destronado(a). Contudo a Constituição deve ser respeitada. Não adianta sonhar sem realismo com um plebiscito que talvez nos levasse a novas eleições. O mais provável é que nos levasse a uma escolha precipitada, se não à via indireta do Congresso Nacional, pela impossibilidade de se obter a renúncia da incumbente e do vice. Mesmo que a destituição de ambos viesse por ordem do Tribunal Superior Eleitoral, isso só ocorreria no próximo ano, quando a Constituição manda que a eleição seja indireta.

Logo, o que de melhor temos a fazer é fortalecer a pinguela, caso contrário caímos na água; e quem sabe, fortalecida, a pinguela se transforme mesmo em ponte para o futuro. Não é tarefa fácil e não cabem hesitações nem ambições pessoais. A desorganização da economia, da política e da vida do povo causada pelos desatinos dos governos petistas vai requerer serenidade, firmeza, objetivos claros e muita persistência. Não é momento para exclusões. O PT e seus aliados são partes da vida nacional. Que se reconstruam, desistam das hegemonias e se habituem à competição democrática e à alternância no poder.

Precisamos fixar algumas prioridades, aliás, sabidas. Primeiro, consertar a economia, começando pelas finanças públicas e por aceitar que gastar sem haver recursos não é política “de esquerda”, é erro; e quem paga as consequências dos erros (desemprego, inflação e desinvestimento) é o povo. Segundo, que não dá para governar com dezenas de “partidos” que são meras letras justapostas para obter vantagens financeiras; a cláusula de desempenho e a proibição de coligações nas eleições proporcionais se impõem. Terceiro, não basta o equilíbrio fiscal, é preciso alcançá-lo de modo favorável ao crescimento e à redistribuição de renda; o crescimento, em nosso caso, vai depender de o Estado bem desempenhar o seu papel de regulador (por exemplo, nas parcerias público-privadas e nas concessões) e se abster de abarcar tudo. Quarto, que algum sinal na Previdência (por exemplo, a fixação progressiva de uma idade mínima para as aposentadorias) e no mercado de trabalhos (por exemplo, apoiar a sugestão do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo que dá maior peso às negociações) será importante. Por fim, é preciso entender que a agenda do atraso, preconizada por setores fundamentalistas, que se opõem aos direitos sociais e às políticas de identidade (de gênero, cor, comportamento sexual, etc.) e equalizadoras (as cotas, as bolsas, etc.), é tão perniciosa quanto a paixão pela hegemonia voluntarista.

*SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA

O papel de Lula - EDITORIAL ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 07/08

Os mais de 20 advogados de Lula terão de ter argumentos um pouco mais sólidos para defendê-lo



Caberá à Justiça decidir se Lula da Silva é a “viva alma mais honesta do Brasil”, como o ex-presidente se jactou algumas vezes, ou se o chefão petista não só “tinha ciência do estratagema criminoso” na Petrobrás, como “dele se beneficiou”, como acusaram quatro procuradores da República que compõem a equipe da Operação Lava Jato, em um documento tornado público na sexta-feira passada.

Obviamente, uma das duas versões é completamente falsa, e será necessário aguardar a conclusão das investigações e do eventual julgamento para que o distinto público possa decidir em quem deve acreditar. No entanto, impressiona, nas 70 páginas do parecer do Ministério Público, a quantidade de informações que, se acompanhadas de prova, podem comprometer Lula, colocando-o na condição de beneficiário do assalto ao Estado realizado em seu governo e no de sua sucessora, Dilma Rousseff. A julgar pelo que lá vai, dificilmente Lula poderá alegar que nada sabia, como fez, candidamente, quando estourou o escândalo do mensalão, espécie de avant-première do monumental esquema que dilapidou a Petrobrás e outras estatais.

A manifestação do Ministério Público Federal se deu em razão de uma consulta da 13.ª Vara Federal de Curitiba, depois que a defesa de Lula alegou que aquele tribunal, onde atua o juiz Sérgio Moro, não teria competência para avaliar as acusações relacionadas ao caso do sítio em Atibaia e do apartamento no Guarujá. Como as propriedades estão em São Paulo, os advogados do ex-presidente entendem que o processo deveria ser julgado por um tribunal paulista.

Para o Ministério Público, não se pode falar de exceção de incompetência em relação a Moro a esta altura porque ainda não há nenhuma ação penal contra Lula, apenas investigações policiais. Mesmo assim, os procuradores entenderam que o caso deva ser encaminhado ao juiz paranaense, responsável pela Lava Jato, porque, em sua opinião, as acusações contra Lula dizem respeito a desdobramentos do petrolão. Trata-se, diz o Ministério Público, de “uma só organização, com o mesmo modus operandi, integrada pelos mesmos agentes, em contextos parcialmente diferentes, mas sempre com o mesmo fim: enriquecimento ilícito dos seus integrantes e manutenção do poder político”. Sendo assim, continua o parecer, “a investigação e o processo de cada infração devem correr perante os mesmos órgãos, que possuem a visão de todo o esquema criminoso”.

Segundo os procuradores, as provas recolhidas até aqui no âmbito da Lava Jato permitem entender as formas pelas quais os operadores do propinoduto da Petrobrás repassaram o dinheiro desviado para seus beneficiários. Entre esses mecanismos estão “a compra e reforma de imóveis pelas empreiteiras ou empresas intermediárias da lavagem de ativos, em benefício dos destinatários finais da propina” – justamente a suspeita que recai sobre Lula e os misteriosos imóveis sem dono em Atibaia e no Guarujá.

Outra forma de esquentar o dinheiro desviado da Petrobrás, dizem os procuradores, foi disfarçá-lo de doações eleitorais. Nesse caso, o parecer lembra que, “ainda em 2005, Lula admitiu ter conhecimento sobre a prática de caixa dois no financiamento de campanhas políticas”, ou seja, “Lula sabia que empresas realizavam doações eleitorais ‘por fora’ e que havia um ávido loteamento de cargos públicos”.

Ademais, os procuradores lembram que “a estrutura criminosa perdurou por, pelo menos, uma década” e que Lula ocupou nesse período “posição central em relação a entidades e indivíduos que diretamente se beneficiaram do esquema”. Dizem também que “não é crível que ele desconhecesse a existência dos ilícitos” e que muito provavelmente “foi beneficiado direta e indiretamente por repasses financeiros de empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato”.

Por ora, a defesa de Lula preferiu recorrer a uma escalafobética denúncia à Comissão de Direitos Humanos da ONU e apelar à ironia, ao dizer que o caso do sítio em Atibaia não pode ser julgado pela Justiça paranaense porque “Atibaia não é Atobá, uma cidade do Paraná”. A julgar pela força da acusação do Ministério Público, porém, os mais de 20 advogados de Lula, mais cedo ou mais tarde, terão de ter argumentos um pouco mais sólidos para defendê-lo.

Evitar intervenções - MERVAL PEREIRA

O Globo - 07/08

Na mais recente edição do boletim “Em Foco”, do Ibre, da Fundação Getulio Vargas, os economistas Vilma da Conceição Pinto e José Roberto Afonso escreveram um artigo intitulado “Rumo à falência dos governos estaduais?” que, além de análise das questões econômicas que levaram à crise dos governos estaduais, traz uma advertência de cunho político que não está sendo levada em conta nos debates: se não superarem a crise social decorrente da crise financeira dos estados, a intervenção federal é inevitável.

José Roberto Afonso, que também é professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), lembra que todos se esquecem de um detalhe: até pode tramitar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), mas ela não entra em vigor enquanto perdurar a intervenção federal. O artigo 60, sobre a possibilidade de emenda à Constituição, ressalta no parágrafo 1º: “A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.”

A aposta do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na PEC limitando o gasto, portanto, dependerá, paradoxalmente, ou de ele dar nova ajuda financeira aos estados, ou de resolver os problemas estruturais dos estados. Se não o fizer, a União será forçada a decretar a intervenção, o que fará a responsabilidade formal dos atos de governo em um estado sob intervenção passar a ser do governo federal.

Nesse caso, se estourado o limite de dívida e houver necessidade de demitir servidores, como se aproxima, será o interventor federal que o fará; se ficar inadimplente e o Tesouro for sequestrar o caixa do estado, será daquele sob gestão de um interventor federal.

Como o governo federal é o grande credor dos estados, a intervenção significará o paradoxo de colocar o governo federal dos dois lados do balcão. José Roberto Afonso acha que “não perceberam ainda o tamanho da gravidade”. Outro equívoco, segundo ele, é supor que o caso do Rio é único.

Ele mostra no artigo que escreveu com a economista do Ibre Vilma da Conceição Pinto que “o Rio só antecede e potencializa a crise dos outros — por conta da dependência de petróleo”. Mas não há nada novo no Rio que não ocorra em outros estados. como Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Alagoas, “que não estão longe”, ressalta Afonso, lembrando que hoje apenas 15 estados conseguem pagar salários em dia; todos estão atrasando pagamentos de fornecedores.

O pior, adverte o economista do Ibre, é que a receita está desabando, sendo que a situação é muito pior hoje do que há um ano. “A euforia do mercado financeiro e dos analistas com uma suposta recuperação da economia não bateu no caixa dos estados. Muito pelo contrário, eles estão esvaziando cada vez mais rápido”, comenta José Roberto Afonso.

Como o governo federal pode emitir medida provisória, títulos e moeda, ao contrário de governadores e prefeitos, ele não tem noção do que seja crise fiscal. Além da óbvia retomada do crescimento, os economistas dizem que será inevitável refundar o regime próprio de Previdência (é urgente recalibrar as alíquotas das contribuições); impor e reduzir teto de salários, vedada qualquer vinculação de um para outro governo e de um para outro Poder; apurar corretamente o limite de gasto com pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal e aplicar as sanções já determinadas na Constituição, que podem chegar à demissão de servidores concursados, se não forem aceitas reduções de jornada de trabalho e salários. E, do lado da receita, trocar o obsoleto ICMS por um moderno e amplo imposto sobre valor adicionado.

Noite gloriosa

A cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos no Maracanã, ontem à noite, foi uma maravilhosa demonstração de criatividade e comprometimento com o futuro da Humanidade que colocou o Brasil na ponta dos esforços pela recuperação do meio ambiente. A exaltação da diversidade e do respeito às diferenças, num momento em que o mundo enfrenta desafios tremendos que dizem respeito justamente à convivência entre civilizações, e o Brasil, particularmente, se vê às voltas com um ambiente político radicalizado, fez da festa do Maracanã a celebração do espírito olímpico no que ele tem de mais nobre. O sobrevoo de Santos Dumont com o 14-Bis pelos céus do Rio de Janeiro foi o símbolo do país que poderíamos ser e não somos, mas ainda podemos vir a ser, com nossa criatividade a serviço da Humanidade.

A conta da Olimpíada ficará no Brasil - ELIO GASPARI

O GLOBO - 07/08

Daqui até o fim dos jogos, centenas de jovens subirão nos pódios, baixarão a cabeça e receberão as medalhas de ouro da Olimpíada do Rio. Serão momentos de sonho, felicidade e alegria. Da alegria dos jovens que sorriam para o mundo durante o desfile dos atletas na festa da abertura. Nada reduzirá a beleza dessas cenas. Para os brasileiros, ficarão os momentos de sonho e a conta. Alguém ainda fará o cálculo da fatura dos custos diretos e indiretos transferidos à Viúva. Chutando para cima, poderá chegar a R$ 500 milhões.

O Maracanã, joia da privataria do governo do Rio e da Odebrecht, tornou-se um magnífico elefante branco, incomparável em noites de festa. A manutenção das instalações olímpicas custará R$ 59 milhões anuais num Estado cuja rede de saúde pública entrou em colapso. A máquina de marquetagem que prometeu Olimpíada sem dinheiro público voava nas asas dos jatinhos de Eike Batista, o homem mais rico do Brasil, candidato ao pódio mundial. Era o tempo em que os governantes torravam o dinheiro achando que o pré-sal cobriria qualquer projeto.

Nos dias em que os problemas da Vila Olímpica dominaram o noticiário, foi frequente o argumento de que os críticos da festa carregavam o eterno "complexo de vira-lata".

Criação de Nelson Rodrigues, ele refletia "a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo". Bola dentro, mas às vezes a questão é mais complicada. Há cães de raça, mas há também adoráveis vira-latas.

A sorte, essa trapaceira, fez com que o repórter José Maria Tomazela mostrasse uma nova dimensão da problemática canina. Ele expôs a ação de uma quadrilha de Sorocaba (SP) que mutilava e pintava filhotes de vira-latas, transformando-os em chihuahuas e pinschers. Vendiam chihuahuas por R$ 300.

Viu-se assim outro ângulo da questão: há gente que vende chihuahuas e entrega vira-latas maquiados a pessoas que resolveram acreditar neles.


POTÊNCIA NUCLEAR

A condenação a 43 anos de prisão do almirante da reserva Othon Luiz Pinheiro da Silva, presidente da Eletronuclear, colocou a burocracia nacional no pódio das potencias atômicas. Não pela posse da bomba, mas porque em nenhum outro país aconteceu coisa igual.

Como se trata de um negócio parcialmente militarizado e sempre protegido pelo sigilo, o Brasil já torrou dezenas de bilhões de dólares com aventuras nucleares. Pela primeira vez, o contubérnio de autoridades com empreiteiras e fornecedores deu cadeia.

No século passado, um programa de cooperação com a Alemanha construiria oito usinas, mais uma de reprocessamento e outra de enriquecimento de urânio. Houve até burocrata prometendo que hoje o Brasil teria 41 usinas nucleares.

JOGO SUJO

Domingo passado, o desembargador gaúcho José Antonio Hirt Preiss esclareceu que o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal não era de R$ 39,3 mil. Esse é valor estabelecido num projeto que "está aguardando no fim da fila". O valor correto seria de R$ 33,7 mil.

Na quarta-feira (3), o projeto foi aprovado pela Comissão de Justiça do Senado. Antes de chegar ao plenário, o texto deve passar pela Comissão de Assunto Econômicos.

O senador Ricardo Ferraço, crítico da iniciativa, não gostou da pressa: "Estou estarrecido com essa manobra. Quando fui avisado de que votariam, foi o tempo de eu chegar lá, mas já tinham votado. É um escárnio aprovar isso. O efeito cascata chegará a R$ 3 bilhões".


DILMA 3.0

Quem conviveu com Dilma Rousseff na cadeia assegura que ela demonstrou uma rara capacidade de adaptação à vida no cárcere.

Dentro de algumas semanas, Dilma passará por uma nova provação, devendo adaptar-se a uma vida na qual as portas não se abrem sozinhas e a geladeira precisa ser abastecida.

É muito provável que depois de passar um tempo em Porto Alegre ela siga para um período de descompressão no exterior. Se ela quiser conforto e não tiver juízo, pousará em Cuba.

FOGOS PETISTAS

As divergências entre Dilma e comissários petistas refletem a crise de um partido que está pronto para explodir.

Será fácil para os comissários jogar Dilma ao mar (como vão jogar), mas isso não resolverá as diferenças mais fundas. A charanga irá unida até a eleição municipal. Daí em diante, cada um seguirá sua vocação. A banda ideológica, imunizada em relação à Lava Jato, ralará. Enquanto a fisiológica já começou a se aninhar nos partidos que bicavam o mensalão e as petrorroubalheiras.

O MURO DO TUCANO

O Instituto Teotônio Vilela, do PSDB, publicou um texto criticando (corretamente) a gastança do governo de Temer e disse que é necessário "fechar a torneira dos gastos".

É o tucanato no seu melhor estilo. O PSDB tem dois ministros no governo, mais o líder no Senado. Se isso fosse pouco, o governador tucano Geraldo Alckmin foi um grande beneficiado pela renegociação das dívidas dos Estados, não só porque o espeto paulista era o maior, mas também porque tirou bom proveito das gambiarras aceitas por Temer.


TEMER IRÁ À CHINA ASSOMBRADO POR LOROTAS

Michel Temer pretende visitar a China na sua primeira viagem ao exterior. Será uma boa oportunidade para evitar os desastres e papagaiadas que acompanharam três visitas oficiais de caciques dos dois países.

Em 2004, o presidente Hu Jintao visitou Brasília e o Itamaraty contratou um intérprete terceirizado. Hu disse que a China pretendia aumentar o fluxo comercial (maoy) com a América Latina para US$ 100 bilhões. O moço traduziu anunciando um aumento dos investimentos (touzi). A bobagem foi notícia pelo mundo afora, e os chineses foram discretos ao corrigi-la.

Em 2011, Dilma Rousseff foi a Pequim e anunciou que a empresa Foxconn faria um retumbante investimento de US$ 12 bilhões para fabricar equipamentos e produtos da Apple no Brasil. Geraria 100 mil empregos, dos quais 20 mil seriam engenheiros. A megalomania foi prontamente desmentida pelo dono da empresa. Em 2015 haviam sido criados 3.000 empregos de baixa qualificação em Jundiaí, produzindo os iPhones que chegam ao consumidor com os preços mais caros do mundo. (Parte dessa anomalia está nos impostos nacionais.)

Em 2015, o primeiro-ministro Li Keqiang passou por Brasília, e o comissariado anunciou que ele traria um pacote de US$ 53 bilhões em investimentos. A joia dessa coroa seria a construção de uma ferrovia Transoceânica, ligando os litorais do Atlântico e do Pacífico da América do Sul. Era lorota.

Nenhuma dessas fantasias saiu da diplomacia ou da máquina de propaganda chinesas.