sábado, janeiro 28, 2017

Na cultura sindical brasileira, ama-se o emprego e odeia-se quem os cria - RONALDO CAIADO

FOLHA DE SP - 28/01

Em medicina, a diferença entre o veneno e o remédio é a dosagem. Medicação em excesso, em vez de curar, mata. É o que, por analogia, ocorre no Brasil, no campo das relações do trabalho, em que a mais que septuagenária CLT (de 1943) tornou-se, em vez de garantia, obstáculo à expansão do emprego.

Contratar um empregado, em meio ao cipoal de regulações e leis protecionistas –e que protegem apenas um dos lados–, intimida o empregador, pelo custo adicional que lhe impõem impostos e benefícios legais. Um empregado, em regra, custa à empresa mais que o dobro do que efetivamente receberá. E não é só.

A CLT chega ao requinte de, no parágrafo 1º, do artigo 477, invalidar a homologação de um pedido de demissão, ainda que as partes estejam de pleno acordo, se não houver a anuência do sindicato, investido sempre de autoridade arbitral absoluta.

Como se não bastasse, a jurisprudência já admite o "recurso de revista", em que, mesmo depois de homologado, o acordo pode ser anulado.

Numa crise com 14 milhões de desempregados, a legislação a agrava, ao dificultar –ou mesmo impedir– a busca de soluções, anomalia que tem a chancela sindical.

E foi essa cultura esquerdista/sindicalista que consagrou entre nós um paradoxo: ama-se o emprego, mas odeia-se –e criminaliza-se– quem os cria, o empresário.

Há no Brasil, segundo o Ministério do Trabalho, nada menos que 11.257 sindicatos de trabalhadores, além de federações, confederações e centrais, todos sustentados pelo imposto sindical, pago inclusive pelos não sindicalizados.

O PT estimulou essa expansão, o que resultou em bizarrices tais como o Sindicato dos Empregados em Entidades Sindicais (SP) –o sindicato dos sindicalistas–, sem falar em outro das Indústrias de Camisas para Homens e Roupas Brancas de Confecção e Chapéus de Senhoras (RJ).

Em 2016, os sindicatos receberam R$ 3,6 bilhões; só as centrais sindicais, de 2008 a 2015, R$ 1 bilhão. E com um detalhe: as centrais, em face da lei 11.648, sancionada por Lula, não precisam prestar contas ao TCU do que fazem com esse dinheiro. Lula vetou exatamente o artigo da prestação de contas.

Sindicatos se expandiram, e os empregos se contraíram. Para agravar, houve uma inédita migração de empresas brasileiras para países vizinhos, sobretudo o Paraguai, onde a burocracia e o anacronismo da legislação não imperam.

Hoje, as empresas brasileiras respondem por dois terços da economia paraguaia, que, em três anos, ganhou 78 indústrias e 11 mil empregos diretos. Ou seja, estamos exportando empregos.

De acordo com a Associação Brasileira de Indústria Têxtil, as peças feitas no Paraguai, em 2015, já representavam mais de 2% das vendas no Brasil.

Por aí, se vê o que resulta do excesso de protecionismo estatal, sindical e legal. É o chamado tiro pela culatra. E aqui cito Roberto Campos: "Quanto mais regulamentos para os regulados, mais emolumentos para os reguladores...".

Esses dados evidenciam que, além da reforma trabalhista, impõe-se a do próprio Estado.

A aprovação da PEC dos gastos públicos foi um pálido começo. Demandas essenciais –saúde, educação e segurança– terão de ser atendidas a partir de cortes em despesas desnecessárias. Como a derrama sindical. Ou a renúncia fiscal –R$ 11,3 bilhões, em dez anos– decorrente da Lei Rouanet, beneficiando popstars e negligenciando museus e patrimônio histórico.

Gastou-se muito –e mal. A única vantagem da crise é que expôs o tumor, que precisa ser extirpado.

Esse é o legado do PT, acrescido da roubalheira desenfreada, que constitui o maior caso de corrupção da história da humanidade.

Ideologia no MP do Trabalho - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 28/01

MPT apresenta, como se estivesse cumprindo suas competências institucionais, um parecer de conteúdo essencialmente político, como se fosse uma entidade de classe



O recente estudo do Ministério Público do Trabalho (MPT), que afirma ser inconstitucional a reforma trabalhista defendida pelo governo federal, é uma clara demonstração de que não basta mudar a legislação trabalhista. Além de atualizar as normas jurídicas, é preciso rever o modo como habitualmente se interpretam as leis trabalhistas no País. O viés ideológico é tão descarado que o MPT – órgão pertencente ao Ministério Público da União – apresenta, como se estivesse cumprindo suas competências institucionais, um parecer de conteúdo essencialmente político, como se fosse uma entidade de classe.

Segundo os procuradores do MPT, “as alterações (atualmente em debate no Congresso) contrariam a Constituição Federal e as convenções internacionais firmadas pelo Brasil, geram insegurança jurídica, têm impacto negativo na geração de empregos e fragilizam o mercado interno”. Ao final, pedem a rejeição por completo do Projeto de Lei (PL) 6.787/2016, que, entre outras propostas, estabelece a prevalência do negociado sobre o legislado, e do Projeto de Lei do Senado 218/2016, que institui o chamado contrato de trabalho intermitente, com carga horária flexível. Os procuradores também sugerem alterações na redação do PL 30/2015, que trata dos contratos de terceirização e das relações de trabalho daí decorrentes, e do PL 4.302-C/1998, que dispõe, entre outras matérias, sobre contratos temporários de trabalho.

Na opinião do MPT, a Constituição de 1988 impediria que alguma nova lei dê mais liberdade de negociação ao trabalhador do que a atualmente prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Também acha que a proibição da terceirização da chamada atividade-fim deve ser um dogma jurídico, não cabendo ao Congresso Nacional promover alterações nesse âmbito. É uma visão, no mínimo, peculiar, que aprisiona o ordenamento jurídico a uma determinada época, impedindo que o Direito cumpra sua função de regular adequadamente as relações sociais no tempo presente.

A atuação política do MPT não se resume ao estudo contrário às reformas trabalhistas. No mesmo dia em que apresentaram o parecer, procuradores reuniram-se com algumas centrais sindicais, associações e entidades – entre elas a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) – para a assinatura da chamada <CF742>Carta em defesa dos direitos sociais</CF> e a criação do Fórum Interinstitucional de Defesa do Direito do Trabalho e da Previdência Social, com o objetivo de “promover a articulação social em torno das propostas legislativas sobre a reforma trabalhista”.

Segundo o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, “o intuito não é qualquer atuação político-partidária, mas, sim, a atuação da defesa dos direitos sociais e a atuação na defesa dos direitos dos trabalhadores”. Aí está justamente o perigo. Tão impregnada de uma determinada ideologia política, a Justiça do Trabalho parece incapaz de perceber que sua atuação extrapola com folga a esfera jurídica e se aloja num âmbito que deveria estar reservado à política.

Com essa limitação ideológica, os procuradores do Trabalho não conseguem vislumbrar o manifesto desajuste no modo como o Estado regula as relações de trabalho e o entrave daí decorrente ao desenvolvimento econômico e social do País. Trata-se de um equívoco partir do pressuposto de que todo trabalhador é vítima indefesa do capital e, portanto, seus direitos necessitariam de uma forte intervenção do Estado. Tal raciocínio – amplamente difundido na Justiça do Trabalho – não é jurídico. É simples manifestação de uma determinada ideologia, que, por sinal, se ajusta com perfeição aos interesses corporativistas da Justiça do Trabalho, com a intransigente – e muitas vezes irracional – defesa de sua relevância e necessidade.

O País não pode ficar refém desse tipo de mentalidade. Além de não proteger o cidadão, o paternalismo da Justiça do Trabalho implodiu qualquer segurança jurídica e estimulou a indústria de reclamações trabalhistas. É mais que hora de rever as leis e o modo como elas são interpretadas.

Questão delicada - MERVAL PEREIRA

O Globo - 28/01

O novo relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), em substituição ao falecido ministro Teori Zavascki e que deve ser conhecido nos próximos dias, vai ter uma questão delicada pela frente: a possibilidade de o presidente da República, Michel Temer, vir a ser investigado devido à citação de algum dos executivos da Odebrecht.

Voltará a discussão, que aconteceu ainda no governo Dilma, sobre se o presidente da República pode ser investigado por fatos ocorridos fora do mandato presidencial, já que não há dúvida de que só pode ser processado por fatos que tenham relação com a função presidencial que exerce.

A principal proteção, razão pela qual o procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, já recusou investigar Dilma no início da Operação Lava-Jato, é a chamada “relativa e temporária irresponsabilidade” pela prática de atos estranhos ao exercício de suas funções, como está previsto no art. 86, § 4º da Constituição.

Nesse caso, há uma discussão teórica sobre se a proibição de o presidente ser “responsabilizado” por atos estranhos a seu mandato inclui a investigação do crime. Há juízes que consideram que o presidente não pode ser condenado no exercício do cargo, mas pode ser investigado.

Outros afirmam que a proteção à figura do presidente da República existe em diversos países para impedir que uma eventual investigação que o considere culpado produza uma crise institucional. O ministro Teori Zavascki acatou essa tese, apoiando Janot.

O procurador-geral insiste em que a jurisprudência do STF diz que o presidente não pode ser nem mesmo investigado, no que é contestado por vários ministros, como Gilmar Mendes, que na ocasião do debate garantiu que já existe jurisprudência no Supremo permitindo a investigação.

Ele se referia a um acórdão do ministro Celso de Mello, na época em que Fernando Collor era presidente da República, em que dizia o seguinte: não pode ser processado, a não ser por atos praticados durante seu mandato. No caso, o fato delituoso denunciado à época pelo PT teria sido praticado quando ele era mero candidato, incidindo a favor dele a imunidade penal temporária.

A decisão do plenário foi unânime, acatando o voto de Celso de Mello. Mas ele advertia: isso não impede que o presidente seja investigado, mesmo porque muitas vezes a prova se dilui com o passar do tempo, testemunhas morrem, documentos são destruídos.

Essa regra surgiu pela primeira vez no Brasil durante o regime do Estado Novo de Getulio Vargas na Carta Autocrática de 1937. As demais constituições republicanas jamais contemplaram a imunidade penal temporária, de tal modo que sob todas as outras constituições, o presidente da República poderia ser processado até por fatos estranhos ao desempenho do mandato presidencial.

A Constituição de 1988 trouxe de volta esse dispositivo que é compatível com a lógica autoritária do Estado Novo, inspirado por sua vez no Estado Novo português de 1933, quando já surgia na política de Portugal a figura dominante de Salazar. No entanto, outras constituições de outros Estados democráticos também conferem ao chefe de Estado essa imunidade. Na França, só é permitido que se instaure processe criminal contra o presidente da República na hipótese de crime de traição.

Essa questão certamente voltará a ser debatida durante a análise das delações premiadas dos executivos da Odebrecht. Com o novo relator, vamos retomar essa discussão, pois já foi revelado que seu nome aparece no acordo de delação de Cláudio Melo Filho, ex-vice-presidente de Relações Institucionais da Odebrecht.

Segundo Melo Filho, parte de R$ 10 milhões repassados ao PMDB para a campanha de 2014 foi entregue no escritório de José Yunes em São Paulo, um dos assessores mais ligados a Temer, que pediu demissão de suas funções no Palácio do Planalto devido a essa citação.

Como, no entanto, o Ministério Público é o senhor da ação penal, a iniciativa normalmente deve caber a ele, e se a posição do procurador-geral, Rodrigo Janot, não mudar, dificilmente vai haver um pedido de investigação. Mas nada impede que a questão seja debatida, aumentando o incômodo de uma eventual delação que atinja o presidente Michel Temer.

LULA FALA COM TEMER, FH E MAIA - COLUNA DO MORENO

O Globo - 28/01

JORGE BASTOS MORENO 



Nem o forte radicalismo político que assola o país conseguiu destruir uma das coisas mais belas da política: a solidariedade entre adversários na hora da dor. Lula, um dos que mais cultivou essa virtude, durante sua extensa vida pública, está recebendo neste momento grave da doença da sua mulher, dona Marisa Letícia, o conforto de adversários que não pensava reencontrar tão cedo na vida, como é o caso do presidente Michel Temer, um dos primeiros a lhe telefonar para saber sobre o estado de saúde da dona Marisa.

Na fila dessa corrente de solidariedade ao ex-presidente estava o ex-presidente Fernando Henrique, que fora confortado pessoalmente por Lula na morte da sua mulher, dona Ruth Cardoso.

Depois, foi a vez de outro adversário, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Lula contou ao deputado do DEM sobre o procedimento a que estava sendo submetida dona Marisa e disse que estava rezando pela mulher.

Não faz bem
É uma agressão à inteligência de qualquer um a versão de que Temer saiu da sua casa para a casa de Renan para discutirem perfil e não nomes dos candidatos à vaga no Supremo. Renan defende o nome de Bruno Dantas para o lugar de Teori Zavascki.

Temer, como presidente da República, tem o direito e até dever de conversar com todo mundo. O que espanta não é ele conversar com o presidente do Senado, mas discutir a sucessão na Suprema Corte justamente com um réu, alvo de mais de nove investigações autorizadas pelo STF.

Dança de nomes
Na verdade, não é apenas Renan, outros políticos da base também têm sugerido nomes. Mas o maior lobby, reconhece o Planalto, vem do próprio STF. A exemplo dos políticos, cada ministro tem um nome diferente para a vaga de Teori Zavascki.

Sem toga na língua
A gente pensa que só políticos, artistas e jornalistas é que falam mal, entre si, dos seus colegas.

Veja este diálogo entre dos ministros da 2ª Turma do Supremo:

— Você leu o artigo de Fulano sobre o Teori? — Li e reli. — Gostou tanto assim? — Não! É que, na primeira leitura, não acreditei no que estava escrito. — Por quê? — Ele tentou fazer um necrológio do morto. Mas, como é muito autorreferente, acabou fazendo um autonecrológio, antecipado.

Bem na fita
O presidente Temer jantou ontem à noite com FH, em São Paulo.

O que foi conversado nesse encontro só saberemos na oitava publicação dos “book rosa” de FH, aqueles nos quais só ele se sai bem e o interlocutor muito mal.

Ufa!
Por falar em Temer, o presidente, cinco meses depois de efetivado no cargo, resolveu mudar na semana que vem para o Palácio da Alvorada.

Sabido

O presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Jorge Picciani (PMDB-RJ), não queria ir à coletiva em que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o governador Luiz Fernando Pezão anunciaram o acordo de ajuda financeira ao Rio de Janeiro.

Depois de muita pressão da equipe econômica e de um pedido direto de Temer, Picciani cedeu. O presidente da Alerj não queria ter que admitir em pleno Palácio do Planalto que as medidas do acordo vão enfrentar fortes dificuldades para serem aprovadas pelo Legislativo. Mas respirou aliviado porque não recebeu sequer uma pergunta dos jornalistas.

Na terra e na água
Marcelo Crivella decidiu criar linhas de transporte aquaviário nas lagoas da Barra e do Recreio para fazer integração do metrô.

Normas
O BC fez um limpa em regras obsoletas e modernizou outras normas como a que limitou o crédito rotativo do cartão nesta semana.

Entre as mudanças, está a nova regra de evitar os gerúndios nos documentos oficiais.

Mãe Dinah
Se o governo não atrapalhar, Rodrigo Maia poderá ser reeleito na próxima semana presidente da Câmara.

Operação tartaruga
O colunista entra de férias e só volta em março, quando espera que Temer já tenha escolhido o sucessor de Teori Zavascki no STF.

Ilusões desfeitas - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 28/01


Expedido pela Justiça Federal no Rio de Janeiro, o mandado de prisão do empresário Eike Batista constitui mais um sinal de que as iniciativas de combate à corrupção não se limitam à chamada República de Curitiba.

Ramificando-se a partir da Operação Lava Jato, as investigações incidiram sobre as atividades do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), preso desde novembro de 2016, e agora sobre Eike.

Diferentemente de outras figuras atingidas pela Lava Jato, não foi com uma empreiteira, mas com atividades na mineração, que o empresário se tornou conhecido.

O apogeu de sua carreira nos negócios coincidiu com o surto de otimismo que acompanhou o boom internacional das commodities e os anos de bonança vividos pelo governo Lula. Em 2012, o empresário era considerado a sétima pessoa mais rica do mundo.

Foi rápida a derrocada de seu império, cuja construção, como não é raro acontecer no Brasil, veio cercada de projeções imaginárias e comemorações prematuras. É como se, de tempos em tempos, fosse necessário atribuir a algum grande herói empresarial —e não à multiplicidade dos esforços de muitos empreendedores— o papel de símbolo da passagem do país ao clube das potências mundiais.

É comum, e não só por aqui, que conglomerados econômicos visem a exercer influência sobre o Legislativo e os contratos estatais. O que se desvenda no Brasil, contudo, é o desequilíbrio entre a dimensão dos negócios privados e o estágio arcaico das instituições públicas.

As barras de ouro e as joias apreendidas pela polícia entre os bens clandestinos do ex-governador Sérgio Cabral, os quais totalizam R$ 270 milhões, talvez exemplifiquem com clareza esse descompasso.

Contratos gigantescos, envolvendo empresas de porte mundial, passam pelo gargalo de políticos primitivos e paroquiais.

Favores concedidos a Cabral, como constantes viagens num jatinho, nutrem as suspeitas que agora pesam sobre Eike Batista. Faltando ainda muito a investigar, e sem dúvida não pouco a esperar de uma eventual delação premiada, cabe relembrar a questão que prisões desse tipo suscitam.

Haveria de fato "periculosidade", para usar o termo do mandado, nas ações atuais de um empresário já sem crédito e, ao que tudo indica, destituído da influência de que antes desfrutava? A prisão preventiva se dá num clima de euforia judicial que, talvez, repita a euforia empresarial de anos atrás.

Que as investigações prossigam, de modo a dirimir, quanto antes, as eventuais distorções que o momento atual, como no passado, pode impor aos olhos da sociedade.

Campeão da roubalheira - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 28/01

O esquema de corrupção comandado por Sergio Cabral é simplesmente fantástico



A história da República registra proezas de cleptocratas extremamente proficientes na arte de meter a mão nos cofres públicos – que o diga a São Paulo dos tempos do ademarismo e do malufismo. O que talvez não se esperasse é que sobre os protagonistas daquelas épocas reinasse agora, impávido, um fantástico “campeão nacional” da roubalheira, cujas proezas levaram à falência todo um Estado da Federação, o Rio de Janeiro: o hoje encarcerado ex-governador Sergio Cabral, em seus melhores dias amigo do peito dos presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff.

De acordo com o que foi até agora apurado pela força-tarefa da Lava Jato no âmbito da Operação Eficiência, o esquema de corrupção comandado por Cabral é simplesmente fantástico: pelo menos US$ 100 milhões foram encontrados em contas no exterior ligadas ao grupo criminoso, dos quais cerca de US$ 80 milhões pertenceriam ao ex-governador, dono também de US$ 1,8 milhão em diamantes que serão igualmente repatriados. Assim mesmo, segundo revelaram procuradores e delegados da operação, “o patrimônio da organização criminosa comandada por Cabral é um oceano não completamente mapeado”. Para o Ministério Público, “as cifras são indubitavelmente astronômicas” e “esses US$ 100 milhões são apenas uma parte do dinheiro do esquema”.

O jornal O Globo revela que Sergio Cabral, em 25 anos de carreira política, fez seu patrimônio crescer gradativamente, sempre por conta de recursos de origem suspeita. Como deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa fluminense, entre 1991 e 2002, inicialmente filiado ao PSDB e depois ao PMDB, Cabral acumulou um patrimônio de US$ 2 milhões em contas no exterior. Como senador, de 2003 a 2006, seu patrimônio não declarado fora do País já era de US$ 7 milhões. Como governador, de 2007 a 2014, a movimentação de suas contas secretas no exterior foi de US$ 152 milhões, o que equivale a inacreditáveis US$ 18,1 milhões por ano de governo. Dinheiro que financiou um alto padrão de vida não apenas para Sergio Cabral e família, mas também para parentes próximos, como um irmão, a ex-mulher e toda uma quadrilha que se encarregava da captação e distribuição dos recursos de origem escusa depositados em 12 contas no exterior.

Essas novas descobertas foram feitas pela Operação Eficiência – e, mais uma vez, não se trata de coincidência – a partir de investigações que tinham como objeto o empresário Eike Batista, que, conforme já havia sido anteriormente descoberto, teria pagado a Cabral propina de US$ 16,6 milhões por “favores” diversos. Por ironia, as novas revelações sobre o ex-governador fluminense vêm a público simultaneamente com aquelas relativas ao empresário, que cinco anos atrás, surfando nas prerrogativas de “campeão nacional” do empreendedorismo a que fora elevado pelo lulopetismo, foi apontado pela revista Forbes como o sétimo homem de negócios mais rico do mundo. Só o BNDES contribuiu com US$ 6 bilhões para os planos mirabolantes de Eike Batista que se revelaram inexequíveis e o acabaram levando à falência.

A prisão de Sergio Cabral e seu bando não chega a ser um consolo para a população do Estado do Rio de Janeiro, que não consegue honrar suas contas, nem mesmo a obrigação elementar de pagar em dia seus milhares de funcionários. Mas, se essa desgraça pode ser atribuída, em boa parte, à corrupção deslavada de quem governou o Estado por mais de sete anos, o conjunto da obra é responsabilidade de um poder central que anos a fio vendeu ao País a ilusão da Pátria Grande lastreada na gastança irresponsável que alimentou programas sociais, necessários, mas insustentáveis, e a ilusão de importantes empreendimentos privados reservados para “campeões nacionais” politicamente escolhidos e descuidadosamente financiados por abundantes recursos públicos.

Essa foi uma experiência dispendiosa e frustrada da qual Eike Batista e seu império de fachada são um triste exemplo. Assim, o título de “campeão nacional”, que o lulopetismo não conseguiu garantir para empreendedores amigos de Lula e Dilma, é ironicamente ostentado agora – finalmente por direito de conquista – por um político corrupto que privava da intimidade do gabinete presidencial.