sexta-feira, fevereiro 28, 2014

É hora de desistir do controle de preços - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 28/02

Para a inflação futura cair, a inflação corrente vai subir


O Banco Central vai segurar a taxa de juros, o governo vai explodir o gasto público, a taxa de câmbio sofrerá uma forte desvalorização, a inflação baterá no teto da meta ou mais e a atividade vai definhar.

Na macroeconomia, eram esses os prognósticos que predominavam no fim do ano passado nas agendas dos economistas de mercado para 2014, amparados no comportamento costumeiro dos governantes em tempos de reeleição.

Confrontada com o cenário acima, a realidade hoje é melhor. Os juros subiram para 10,75% ao ano - voltando ao patamar que Lula deixou em dezembro de 2010 - e podem chegar a 11% na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em 1° e 2 de abril; o câmbio está razoavelmente comportado no regime de taxas flutuantes; o governo se comprometeu com superávit primário de 1,9% do PIB quando o mercado esperava 1,4% do PIB; a inflação acumulada em doze meses é de 5,59% até janeiro.

Ontem veio uma boa notícia: o crescimento no último trimestre de 2013 não foi tão ruim quanto se temia. O PIB cresceu 0,7% enquanto o mercado estimava 0,3%.

No ano, a expansão da economia foi de 2,3%, exatamente como previa o relatório de inflação do BC divulgado em dezembro. Isso significa que a herança estatística de 2013 para o PIB de 2014 já garante um crescimento de algo próximo a 0,7% este ano. Pode não ser suficiente para confirmar as expectativas do Ministério da Fazenda, de crescimento de 2,5% este ano, mas desautoriza projeções mais pessimistas de um PIB abaixo de 1% para 2014.

O esforço fiscal prometido pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, está e ficará sob observação por algum tempo, até que a execução das contas públicas mês a mês venha a dirimir as dúvidas. Mas é inegável que o governo fez uma correção de postura. Não só está empenhado em produzir esse superávit em um ano eleitoral, mas dispôs-se a dialogar com os representantes do mercado financeiro antes e depois do anúncio do programa fiscal. Sabe, também, que estará sob intenso escrutínio dos agentes econômicos.

A tarefa de Mantega apenas começou. Há muito o que definir, a começar da solução para o financiamento da despesa de energia pelo uso das térmicas. No campo fiscal, porém, obteve-se uma trégua. Economistas que estiveram com Mantega em reunião na segunda feira em São Paulo até admitiram que o governo de Dilma está mais amigável com o mercado.

A expansão da oferta de crédito público desacelera, conforme a presidente anunciou que faria em setembro de 2013, durante seminário sobre investimentos em infraestrutura no Brasil, em Nova York, logo após o seu discurso na Assembleia da ONU.

Mantega ainda não divulgou qual será o aporte do Tesouro Nacional ao BNDES este ano para irrigar o crédito, mas a Caixa já avisou que nas suas agências ele será mais regrado. Em 2013 o crescimento da carteira de crédito da Caixa foi de 36% e em 2014 vai cair para a casa dos 20%.

Passada a divulgação do programa fiscal, é hora de atacar outros problemas de curto prazo que também minaram a confiança do setor privado nas ações do governo.

Dois casos são gritantes e reforçam a percepção de que Dilma Rousseff não acredita no sistema de preços e considera que o Palácio do Planalto está melhor equipado do que o mercado para estabelecer quando e de quanto devem ser os reajustes da Petrobras e do setor elétrico.

O valor de mercado da Petrobras, que chegou a R$ 472 bilhões em maio de 2008, caiu para R$ 373 bilhões logo após a capitalização, em setembro de 2010, e ontem fechou em R$ 177,9 bilhões. Foram as decisões de governo seguidas do controle des preços dos combustíveis que fizeram derreter o valor da maior companhia do país.

Decisões de governo também levaram a uma pesada distorção no mercado de energia. As três empresas estaduais de energia - Cemig, Cesp e Copel - que rejeitaram os termos do acordo oferecido por Dilma para renovar por 30 anos os contratos de concessões de suas hidrelétricas estão, hoje, nadando em dinheiro com a disparada de preços no mercado livre. Essas companhias, ironicamente controladas por governos de oposição, venderam energia em fevereiro a R$ 822,83 o MWh. Já a Eletrobras, que contra a vontade dos acionistas minoritários teve que aderir ao acordo, vende boa parcela da energia que produz por menos de R$ 30,00 o MWh.

Cálculos do J.P.Morgan apontam que as três empresas, em um cenário de manutenção dos preços de fevereiro, poderão ganhar R$ 7 bilhões de receitas adicionais este ano. Valor superior ao que embolsariam nos 30 anos de concessão, calculam especialistas.

Foi para controlar a inflação que o governo interferiu nos preços da energia. Mesmo assim, a inflação no país continua alta.

Paradoxalmente, ao optar pela política de controle de preços e tarifas públicas acumularam-se defasagens que impedem uma melhora nas expectativas de inflação futura. Para este ano, as expectativas são de 6%. Mantega, aliás, deixou claro na reunião com os economistas que ele não gosta de acumular defasagens , sugerindo que a decisão foi tomada fora do Ministério da Fazenda.

Se descongelar os preços que mantém a inflação corrente mais baixa, o governo poderá colher uma taxa de inflação melhor no futuro próximo. Ou seja, para o IPCA cair, ele primeiro terá que subir.

O governo de 2013 para 2014 não é o mesmo de 2011 para 2012. A duras penas, ele está aprendendo com a falta de resultados da política econômica que empreendeu.

Experientes assessores da presidente constatam que quando confrontada com a inteireza dos problemas, Dilma Rousseff, se move na direção certa. A proeminência do temperamento da presidente nem sempre estimula a crueza dos relatos e argumentos de seus colaboradores.

Na macroeconomia, hoje ela estaria delegando mais aos profissionais do ramo, atestam esses assessores, depois de tentar reduzir os juros e desvalorizar o câmbio de forma mais autônoma. Na questão energética, sua especialidade, Dilma ainda não estaria convencida das soluções.

Brasil: Bric ou membro dos “Cinco Frágeis”? - MARCELO CURADO

GAZETA DO POVO - PR - 28/02

A visão dos analistas internacionais e das agências de classificação de risco, especialmente para os países emergentes, muda ao longo do tempo. Desde 2003, quando o Goldman Sachs cunhou o acrônimo Brics (grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia e China, que seriam os responsáveis por liderar o processo de crescimento econômico mundial), a situação mudou radicalmente.

Recentemente, o banco de investimento Morgan Stanley incluiu o Brasil num grupo nada seleto, o dos “cinco frágeis”. O grupo é formado também por Turquia, Indonésia, Índia e África do Sul. Na análise do banco, são os cinco países emergentes mais frágeis às alterações que devem ocorrer no cenário internacional de mudança da política monetária dos EUA. Elevados déficits no saldo em transações correntes e alta inflação ao consumidor são os elementos comuns desses países. A questão tomou uma proporção mais séria quando o relatório semestral de política monetária do Federal Reserve (FED), o banco central dos EUA, sustentou que o Brasil é a segunda economia emergente mais vulnerável às alterações recentes do cenário internacional, à frente apenas da Turquia.

O Brasil faz parte de um seleto grupo que irá liderar o crescimento mundial ou é um dos emergentes mais frágeis? É difícil responder a questão, mas o que se pode afirmar é que, a partir do momento em que o “mercado” e instituições relevantes como o FED estabelecem certo grau de consenso sobre a situação econômica de um país, parte dos investidores internacionais passa a guiar suas decisões – especialmente sua alocação de portfólio – a partir destes consensos.

É inútil o governo brasileiro se esforçar em desqualificar a visão dos agentes envolvidos. A apresentação no plenário do Senado de voto de censura para a avaliação do FED pela senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), ainda que bem- -intencionada, será absolutamente inócua. O que o governo brasileiro precisa fazer, ainda que não seja necessariamente suficiente, é demonstrar que está empenhado em alterar a situação. A receita não é indolor: promover um corte de gastos do governo superior ao anunciado, demonstrando que se pretende restabelecer o compromisso com o equilíbrio fiscal; elevar as taxas de juros domésticas até o ponto em que a inflação dê sinais reais de convergência para o centro da meta, ou seja, é preciso restabelecer o compromisso com o regime de metas de inflação; promover urgentemente um programa de ajuste das contas externas brasileiras (que não passe, evidentemente, pela inócua “reinvenção” do protecionismo dos anos 50, mas que também não acredite que o país pode manter uma situação externa favorável “apenas” com a exportação de commodities), e nesse sentido políticas de inovação científica e tecnológica e de promoção de exportações são muito bem-vindas; e, finalmente, acabar com o populismo das tarifas de energia e dos preços de combustíveis – uma realidade tarifária é bem-vinda, ainda que sua implantação precise ser gradual, em função dos efeitos sobre a inflação.

Mudanças na visão dos agentes sempre ocorrem. No caso atual, o governo não pode dizer que não contribuiu para esta alteração. Os erros na condução da política econômica foram significativos. Argumentar que essas avaliações são muitas vezes incorretas e imaginar que por isso podem ser desconsideradas é o pior que um país pode fazer. Brigar com o mercado ou desqualificar esses argumentos dizendo que “eles não sabem de nada” é, na melhor das hipóteses, inócuo.

O futuro do passado de Dilma - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 28/02

Crescimento médio de 2%, menor que o de FHC, não define o insucesso econômico do governo


DÁ PARA FAZER média com os números da economia nos anos de Dilma Rousseff. Dá para fazer média com a presidente e contra ela. Na média, por exemplo, o Brasil cresceu 2% no triênio dilmiano. A fim de que o crescimento médio sob Dilma Rousseff supere o registrado nos "malditos" anos FHC, a economia terá de crescer mais de 3,1% neste 2014.

Não é impossível, apenas bem improvável. E daí? E daí, nada. Nesses termos, essa história toda é meio irrelevante, conversa de corrida de cavalos.

Se por um acaso remoto a economia crescesse 3,2% neste 2014, haveria efeitos colaterais, mais inflação e deficit externo. A economia chegaria alquebrada nas mãos do próximo governo. O conserto exigiria a redução do crescimento. Isto é, seria possível "fazer média", melhorar a média de crescimento, mas a emenda seria pior que o soneto, a vitória seria de Pirro, o lugar-comum fica à escolha do freguês.

Parece que se trata aqui apenas de uma especulação sobre a economia dos próximos anos. Mas essa também parece a história do governo Dilma.

É quase tão difícil antever o futuro do pretérito quanto o futuro do presente, tão difícil dizer "o que teria acontecido" quanto "o que acontecerá". Tendo visto o que se passou nos anos Dilma, a especulação fica menos vaporosa.

Teria sido viável o Brasil crescer mais que os 2% da média de 2011-13? Controlar de fato o excesso de consumo, em suma, controlar a inflação e os gastos crescentes do governo, para ficar apenas no básico, derrubaria o crescimento do PIB para bem menos do que 1,85% de 2011-12; 2013 talvez então pudesse ter sido um ano de recuperação mais forte. Mas 2013 não foi fácil.

Sim, qualquer analista sério e honesto irá reconhecer que a mudança da política econômica americana abalou o nosso coreto, causou insegurança econômica, o que ajudou a derrubar o PIB a partir do segundo semestre. Aliás, 2011 e 2012 também foram de tumulto horrível na Europa. Enfim, durante o triênio o país sofreu com os efeitos da, digamos, radiação de fundo da explosão de 2008.

No entanto, alguns países apanharam mais do que outros, caso do Brasil, enfraquecido pela política econômica ruim.

O governo gosta de ressaltar esse aspecto do nosso triênio de crescimento baixo, o efeito daninho do tumulto mundial, mas agiu como se estivesse tudo bem. Em 2011, recém-empossado, previa crescimento médio de 5,9% ao ano; mais tarde, de pelo menos 4%.

Para resumir, o governo de Dilma Rousseff agiu como se: 1) Não tivesse herdado problemas macroeconômicos "rudimentares" (inflação, gasto excessivo); 2) O mundo estivesse num mar de rosas; 3) Não houvesse entraves históricos ao crescimento (falta de "reformas", "liberais" ou não; 4) Fosse capaz, em termos administrativos e financeiros, de investir.

Para piorar, injetou anabolizantes na economia, que desarranjou com controles artificiais de preços, expansão inflacionária do crédito da banca estatal e do deficit público.

Caso a presidente tivesse feito a arrumação básica necessária em 2011, dificilmente o país teria crescido muito mais do que o fez. Mas Dilma Rousseff teria feito um governo melhor.

Alívio - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 28/02

Como poderia ter sido pior, o avanço do PIB do quarto trimestre de 2013 (sobre o anterior), de 0,7%, foi recebido com certo alívio. Não há a recessão que aparecia nos radares do Banco Central (veja o Confira) e tantos temiam. Assim, 2014 não precisa ser pulado, como tempo ruim, para se chegar mais depressa a 2015.

Este é um período de transição. Embora não goste de reconhecer o erro anterior de ter dado ênfase excessiva ao consumo, o governo passou a acionar o investimento, o que é bom. A guinada aponta para consequências positivas nos resultados da economia, tanto em 2013 como em 2014.

O mais importante deles é justamente o maior crescimento do investimento (Formação Bruta de Capital Fixo). Teve no quarto trimestre (sobre o anterior) um avanço reduzido (0,3%), que, em 12 meses, foi de 6,3%. Como pesa relativamente pouco no conjunto do PIB (apenas 18%), o investimento mais forte não produziu grande arranque. Ainda é o consumo das famílias (62,5% do PIB) que comanda o empuxo. Porque consome demais, o País deixa pouco para a formação de poupança que, em 2013, foi de apenas 13,9% do PIB.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, viu bom sinal na maior contribuição das exportações revelada no último trimestre de 2013 (aumento de 4,1% sobre o trimestre anterior). Ele sugeriu que esse bom número abre a janela para uma tendência também positiva. Mas este é um resultado que deve ser visto com reservas porque está influenciado por "exportações fictas" de plataformas de petróleo que não saíram do País, que não vão se repetir tão fortemente em 2014.

Se o desempenho do PIB no quarto trimestre de 2013 foi melhor do que o esperado, dá para concluir que o arrasto (carry over) para 2014 também é mais alto, de cerca de 0,7%.

Isso significa que o desempenho deste início do ano pode ser alguma coisa melhor do que o que figurava nas projeções. A principal consequência prática é que um avanço melhorzinho do PIB em 2014 também pode ajudar a aumentar a arrecadação de impostos e, portanto, a melhorar a qualidade das contas públicas.

Tanto foi impressionante, no ano, o crescimento do setor agropecuário (+7,0%) quanto foi decepcionante o da indústria (+1,3%). Daí o aumento da participação do setor agropecuário no bolo do PIB (de 5,3% para 5,7%) e a queda da fatia da indústria (de 26,0% para 24,9%). A participação do setor de serviços também cresceu, de 68,7% para 69,4%.

A melhora das Contas Nacionais não elimina a questão central de que o ritmo de avanço da economia ainda é fraco. Não precisava ser assim. Em vez de dar mais solidez aos fundamentos da economia (reformas, mais responsabilidade nas Contas Públicas, mais combate à inflação e muito mais investimentos), o governo insistiu com sua política de ênfase demais no consumo, na construção de puxadinhos e em redução localizada de impostos.

O Banco Central tem de mandar o seu Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) de volta para o estaleiro ou, então, tirar sua importância, porque não serve para antecipar o comportamento do PIB.

CNPJ, a sigla que quer dizer tormento - SERGIO BARCELLOS

O GLOBO - 28/02

Registrar uma empresa, colocar dinheiro do próprio bolso, contratar empréstimos para crescer, correr riscos e gerar mais empregos vira aventura


Um dia, conversando com Lord Melbourne, a rainha Victoria pediu-lhe que definisse o que fosse governar. Com uma clareza de ofender a vista, ele respondeu em uma frase: “Governar, Majestade, é defender a sanidade da moeda e a santidade dos contratos.” Ponto.

Por aqui, porém, isso parece cada vez mais difícil. Não só porque a moeda ameaça deixar de ser sã — depois de anos de dolorosa travessia do deserto iniciada em 1994 com o Plano Real — como também porque contrato agora tem prazo de carência, igual a remédio, e só vale até o próximo “marco regulatório” do próximo governo.

Neste ambiente, registrar uma empresa, colocar dinheiro do próprio bolso, contratar empréstimos para crescer, correr riscos e gerar mais empregos vira aventura no simples instante em que é emitido o famoso cartão do CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica). E não importa qual o ramo de negócio. Em todos — sem exceção —, nosso audaz empreendedor vai dar de cara com quase 39% de impostos, o que o obrigará a ter que trabalhar de janeiro a maio de cada ano, todos os anos, para pagar o pedágio do Leviatã, do Hobbes.

Bem, ainda sobram cerca de sete meses para se virar e manter vivo o empreendimento. Coitado, não sabe o que o espera: de saída, o espera um pandemônio fiscal e trabalhista que muda completamente de sentido a cada 30 dias, ou menos, na medida da torrente de atos e instruções normativas que regulam a matéria, nos planos federal, estadual e municipal. A fome do Leviatã não tem limites.

E junto com o CNPJ vem a sopa de letrinhas: PIS, Cofins, FGTS, INSS, Dirfs, IPI, ICMS, ISS, IPTU, DUT, IPVA, IRPJ etc, embaralhada com alíquotas que podem variar da noite para o dia, mais os ditames da jurisprudência dos tribunais superiores, mais uma coorte de taxas criadas do nada, mais a parafernália dos carimbos, assinaturas, a nova invenção, entre outras, do reconhecimento de firma “por autenticidade” (uma contradição em termos), mais um desfile de invenções diabólicas do tipo. E, rapidamente, as pessoas e o tempo despendidos para controlar tudo isso superam largamente aquele dedicado aos objetivos sociais do empreendimento.

Tudo se passa como se o inferno estivesse em paz, pois todos os demônios hoje resolveram se reunir em torno da empresa e de seu dono.

Mas o pior mesmo é ser empresário rural. De grãos, então, é coisa para louco declarado. Além de ter que arar, adubar, plantar, defender-se das pragas, rezar para chover (ou não chover), colher, armazenar, transportar, vender e embarcar, ainda há, quem diria, outros problemas julgados “menores” pelos sucessivos governos do país: não há onde estocar as colheitas, não há ferrovia, não há navegação fluvial e, quem diria, não há porto que consiga escoar a produção a tempo e a hora. Mas há, claro, todo o resto aí em cima, que o Leviatã não brinca em serviço e está sempre disposto a inventar um novo carcará para bicar o fígado do Prometeu da vez. Todos os dias, 365 dias por ano. Bicada a bicada, pedaço a pedaço, até a hemorragia final.

Difícil imaginar que isso vá dar certo. Não vai. Estamos chegando ao limite da capacidade individual de resistência dos empreendedores privados do país. E o ambiente hoje está longe, muito longe, de lhes ser propício. Na verdade, no fundo de sua alma, nossas autoridades, em praticamente todos os níveis, não parecem gostar muito deles.

Fingem que gostam, mas desconfiam. Desconfiam de tudo. Desconfiam de suas crenças, desconfiam de sua criatividade, fazem ouvidos de mercador aos empregos que eles proporcionam, desconfiam até de sua afluência econômica quando se revelam capazes de superar o imponderável das circunstâncias que os cercam.

Ao fim e ao cabo, de desconfiança em desconfiança, chegamos até ao paroxismo de imaginar que a maior empresa do país — aquela que a própria União governa — possa continuar a sobreviver ao esquema maldito de perder mais dinheiro na exata medida do aumento de suas vendas. Ou seja, quanto mais vende, mais perde. Se fazem isso com a Petrobras, imagine-se o que não fariam com um empresário privado qualquer.

Até que isso tudo mude — se é que um dia muda — CNPJ no Brasil 2014 é coisa para doido. E, quando todos os doidos tiverem desistido, quando o mar de dificuldades e de problemas tiver se imposto, então, todos seremos funcionários públicos.

Mas não nos iludamos: nesse momento será para esse novo (e único) estamento da sociedade que o Leviatã voltará os seus olhos. E a sua fome. Já aconteceu em outros países e em outros períodos da História. E todos nós, mais o país em torno, nos transformaremos em uma horda de funcionários públicos. Inexoravelmente, e cada vez mais pobres.

Provocações tecnológicas - PEDRO LUIZ PASSOS

FOLHA DE SP - 28/02

O salto tecnológico que insere o software nas linhas físicas de produção exige novo rumo para nossa indústria


O carrossel da grande crise continua a girar, pegando a cada volta ora as economias avançadas, ora as emergentes. E assim vem desde 2008 sem que se veja o seu fim.

Mas tem algo mais em movimento e ganhando força com potencial de ruptura ainda maior: o avanço da inovação tecnológica.

Com epicentro nos EUA, a despeito das incertezas sobre a recuperação da economia norte-americana, circundado por esforços na China, na Alemanha e no Japão, países onde a atividade de pesquisa e desenvolvimento (P&D) pública e privada tem sido razoavelmente blindada de crises conjunturais, o novo ciclo de progresso tecnológico se alicerça na fusão entre o mundo virtual da inteligência do software e as linhas físicas de produção. É algo em processo desde os anos 2000, que agora alcança a sua plenitude.

O que significa? Como expõem Helmuth Ludwig e Eric Spiegel, ambos executivos da Siemens nos EUA, além de pesquisadores, em ensaio na revista "strategy + business", a produção seriada já evolui para uma era de "escolha e flexibilidade" para fabricantes e consumidores, "renovando muitas vantagens da produção artesanal perdidas desde a Revolução Industrial".

O novo ciclo de avanço industrial, chamado de "indústria 4.0", reduz significativamente, dizem, o conflito entre a eficiência da produção em massa e a personalização, graças à integração entre softwares e máquinas de alto desempenho.

Antes que um produto seja construído ou montado nas linhas físicas de produção, tais recursos permitem simulá-lo, modelá-lo e testá-lo quantas vezes for preciso a custo baixo e com resultados rápidos. Até na fase de produção os ajustes podem ser feitos sem parada total do sistema.

A Ford se encontra nesse estágio nos EUA, justo ela, que criou a produção em massa de automóveis, o "fordismo", influenciando o modo de produção em todos os setores industriais. Hoje, monta a caminhonete F-150 em milhares de configurações, de sistemas de transmissão ao motor, da cor à forma da cabine.

O aumento da flexibilidade da produção vem acompanhado de outros saltos evolutivos, como a fabricação de diferentes modelos numa mesma linha de montagem ou em unidades espalhadas pelo mundo. Tal conceito se aplica a veículos e outros artefatos, permitindo a globalização completa da indústria, com controle centralizado ou não. Não é só.

Se a produção em massa recuperou o senso da personalização, em que o cliente diz o que quer e o sistema repassa a ordem em tempo real para as linhas de montagem, o uso crescente da impressão tridimensional (3D) começa a viabilizá-la em níveis cada vez mais reduzidos.

São impressoras tais como as conhecemos. Só que em vez de papel utilizam uma mistura de insumos em pó, metais inclusive, e lasers, reproduzindo em escala exata o que foi programado no computador.

Com elas já se fazem em alta escala (ou um a um) uma variada gama de produtos, de bicos de combustível de motor a jato (caso da GE, que usa uma liga de cobalto e crômio) a próteses ortopédicas.

Tais progressos ainda engatinham no Brasil, lançando preocupação a respeito do desenvolvimento de nossa indústria, cada vez mais dependente de tecnologias de que não dispõe e à mercê de custos com tendência de alta, enquanto nos grandes centros industriais o viés é de baixa.

Máquinas e controles mais eficientes já fazem uma fábrica de automóveis com produção diária de mil veículos, diz o ensaio da "S+B", reduzir o consumo de energia em 70%, quando antes consumia o equivalente a uma cidade de porte médio.

Gasta-se menos energia para produzir, e também se paga menos por ela nos EUA, graças ao avanço da tecnologia que viabilizou o gás e óleo de fontes não convencionais. E o diferencial do baixo custo da mão de obra no mundo emergente? Melhor não contar com isso já no curto prazo. Estudo da consultoria AlixPartners, citado pelo mesmo artigo, estima que China e EUA terão custos de produção equalizados até 2015.

A esse ritmo, não parece provável que moedas depreciadas possam continuar corrigindo diferenças de custo como sempre fizeram. Estão aí desafios de vulto. Vale indagar se o Brasil está preparado não para enfrentar, mas para aproveitar essas tendências. Já será um começo ao menos estarmos cientes de que a indústria tal como a conhecemos está mudando muito rapidamente.

Um PIB morno - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 28/02

O investimento, os serviços e a agropecuária permitiram que o Brasil tivesse um crescimento de 2,3% em 2013, o que não é muito, mas teve um sabor melhor porque o último trimestre foi mais forte do que todas as previsões do mercado e do Banco Central. O crescimento do investimento foi ofuscado pela retração da taxa de poupança, que caiu para 13,9% do PIB.

O grande destaque do ano foi a alta de 6,3% da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), sinônimo de investimento, que recuperou o tombo de 4% de 2012. Ainda assim, a taxa de poupança como proporção do PIB teve uma alta modesta, de 18,2% para 18,4%, ainda muito abaixo do patamar que o país precisa para se equiparar a outros emergentes.

Esse número veio acompanhado pela terceira retração seguida da taxa de poupança que, desde de 2010, recuou de 17,5% para 13,9% do PIB. O país está sem poupança interna para investir e o forte déficit em conta corrente mostra que tomar empréstimos no exterior dá sinais de esgotamento.

As novas plataformas da Petrobras não entraram na conta de investimento, porque tiveram que entrar nas estatísticas da exportação. Em relação ao mesmo período de 2012, o investimento subiu em todos os trimestres e foi, segundo a especialista do IBGE em Contas Nacionais, Rebeca Palis, uma das razões de um resultado positivo no ano. Porém, as plataformas, que foram uma parte relevante do investimento da Petrobras, tiveram que entrar na contabilidade das exportações, apesar de não terem saído do Brasil.

- Elas entram nas contas da produção porque foram feitas no Brasil e entraram em exportação porque passaram para as mãos de não residente - disse.

Na verdade, o não residente é a própria Petrobras, no exterior. Ela vende para uma subsidiária e aluga. Entra na exportação sem ter saído do Brasil e não é calculado em investimento. É uma forma de pagar menos imposto, mas cria um contorcionismo nas contas nacionais. Já uma grande parte que engordou a FBCF foi a renovação da frota de caminhões e ônibus com os novos motores.

O que provocou o erro generalizado nas previsões foi a dificuldade de institutos, consultorias e bancos de calcular o setor de serviços.

- O setor de serviços é grande, pulverizado, e só o IBGE é o IBGE; capaz de saber cada um dos deflatores usados e tendo agora a Pesquisa Mensal de Serviços - disse Silvia Matos, da FGV.

A FGV tinha previsto 0,8% de alta no último trimestre, mas depois passou a reduzir a previsão e estava com 0,1%. No mercado, as estimativas iam de -0,2% até 0,5%. O Banco Central registrou um trimestre negativo de 0,17% no IBC-Br. E o número oficial do IBGE foi 0,7% de crescimento no último trimestre do ano, acima da previsão mais otimista.

- É difícil replicar o que nós fazemos aqui. Quando introduzimos a Pesquisa Mensal de Serviços passamos a ter dados mais precisos. Para os serviços às famílias, usamos o IPCA de deflator, mas para as empresas existem vários deflatores e nós ainda usamos outras medidas da cadeia produtiva para confirmar os cálculos. O setor de serviços é grande demais e, portanto, um número positivo dele altera o resultado - explicou Palis.

O país cresceu mais do que se esperava no último trimestre e teve um resultado para 2013 maior do que o magro 1% de 2012. A previsão para 2014 é menor. Quem realmente cresceu foi a agropecuária, que teve o melhor resultado desde 1996, na atual série do PIB. Mas ela tem um impacto direto de apenas 5,3% no PIB.

- A agropecuária cresceu muito, de fato, mas não gera tanta renda, apesar de movimentar outros setores. No mundo inteiro a agricultura representa um pedaço pequeno do Produto Interno Bruto - diz Rebeca.

No fim da apresentação, o IBGE fez uma seleção de 13 países que já soltaram os resultados do último trimestre e registrou que o Brasil foi o terceiro país que mais cresceu. A lista não é extensiva, não pega todos os países que já têm dados finais, mas foi usada para alegrar algumas manchetes.

O fato concreto é que o país cresceu pouco. Foi melhor do que os países da Europa, o que não é difícil. Cresceu mais do que o México, o que é interessante porque o México tem sido muito elogiado no mercado internacional. Mas o desempenho do Brasil nos últimos anos tem sido muito menor do que poderíamos ter crescido se o país removesse os obstáculos ao crescimento.

O que diz o Brasil? - LUIZ FELIPE LAMPREIA

O GLOBO - 28/02

Silêncio em relação à Venezuela é um erro



Regimes opressivos e violentos, que desservem às aspirações do povo, acabam um dia colhendo o que semearam: a revolta. É o caso da Ucrânia, onde o que era uma disputa administrável tornou-se confronto sangrento. Mais próxima de nós, está a tragédia da Venezuela.

Sob a presidência de Nicolás Maduro, a quem falta o enorme carisma de Hugo Chávez, o país está descendo às profundezas do desgoverno e da brutalidade. Quando as prateleiras dos supermercados estão vazias, a moeda nacional derrete, a inflação está em alta vertiginosa — é natural que haja manifestações de protesto. Qualquer regime democrático as aceita, sob regras publicamente definidas de local, hora e não violência. O regime de Maduro, ao contrário, alegou que se tratava de uma conspiração fascista financiada pelos EUA e começou a baixar o porrete. As forcas policiais usaram fartamente cassetetes e gás lacrimogêneo, a Sebin (a Gestapo venezuelana) usou armas de fogo contra a multidão. Os relatos de tortura, espancamentos e ameaças de morte são numerosos. A imprensa tem sido reprimida na cobertura dos choques e, segundo relatos confiáveis, muitos jornalistas têm sido presos ou agredidos na tentativa de encobrir a repressão. A violência de atirar contra os manifestantes é também levada a cabo pelos esquadrões chamados colectivos, em tudo semelhantes às tropas de choque nazistas da SS ou os squadristi de Mussolini, inclusive por terem sido lançados pelo governo de Maduro.

Prognosticar se o governo de Maduro vai cair não é o escopo deste artigo. O tema principal aqui é a posição do governo brasileiro sobre o massacre que está em curso na Venezuela. Em primeiro lugar, coloca-se a questão de saber se o governo da Venezuela viola seus compromissos jurídicos internacionais. Vale lembrar que, nas normas jurídicas continentais, consta o Compromisso Democrático da OEA, assinado por todos os países membros, que coloca com clareza o que é uma democracia, bem como o Protocolo de Ushuaia do Mercosul (tive a honra de assiná-lo como chanceler brasileiro em 1998), que contém a cláusula democrática e prevê inclusive a suspensão do país que a viole.

Por que o governo brasileiro se omite nessas condições? Por que, por muito menos e de forma altamente discutível e prejudicial aos interesses nacionais, castigou o Paraguai em nome da referida cláusula democrática? E agora, em face das atitudes antidemocráticas do governo venezuelano, nada diz.

O respeitado jornal “La Nación”, de Buenos Aires, publicou matéria no dia 21 de fevereiro em que afirma: “Silêncio cúmplice. Erro estratégico. Postura inadmissível de um suposto líder regional com aspirações globais. Ante a crise que se vive na Venezuela, são cada vez mais numerosas as vozes que condenam a falta de ação do Brasil no conflito que sangra seu vizinho e mais recente sócio no Mercosul.”

Creio, com a maior convicção, que o silêncio do Brasil face à repressão violenta sobre a oposição que está sendo praticada pelo governo Maduro é um erro que afeta a credibilidade de nosso país em sua tradicional defesa dos direitos humanos e dos valores democráticos. É uma mancha para o atual governo, que espero seja apagada por uma postura mais definida .

Fora do armário - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 28/02

Como numa peça de Gil Vicente, o ministro Barroso acusou Todo Mundo para não punir Ninguém


Como num conto de Machado de Assis, "O Cônego ou Metafísica do Estilo" (leiam), substantivo e adjetivo --que Machado batiza de "Sílvio" e "Sílvia"-- já haviam se enlaçado na minha cachola e deveriam estar agora na tela e no papel. Classificavam Gilberto Carvalho de agente sabotador do governo Dilma a serviço de Lula. Sílvio e Sílvia sabem que a presidente detesta Carvalho, no que é correspondida. Terão de esperar. Algo mais urgente se alevantou: Luís Roberto Barroso, a esfinge sem segredos do STF.

Não me lembro de nada tão grotesco no tribunal. O ministro decidiu ser o Catão da política, exacerbando a retórica moralista para cobrar uma reforma que barateie as campanhas eleitorais, lamentar a inércia dos políticos, afirmar que o idealismo se converteu em argentarismo, fustigar o "abominável espetáculo de hipocrisia" em que "todos apontam o dedo contra todos, mas mantêm "seus cadáveres no armário"... Pego carona na metáfora. Barroso saiu do armário e disse o que pensa sobre o mensalão: apenas "recursos não contabilizados" de campanha, como disse Delúbio Soares. Apesar do complexo de Schopenhauer, ele é só um Delúbio com toga, glacê e fricotes retóricos.

A fala ignora a essência golpista do mensalão. O que o foragido Henrique Pizzolato, por exemplo, tem a ver com custo de campanha? Parte do dinheiro que comprava partidos e políticos era público. Como numa peça de Gil Vicente, o ministro acusou Todo Mundo para não punir Ninguém. Nome do espetáculo: "A Farsa de Barroso". E a peroração assombrosa foi condizente com a sordidez do prólogo.

Um das coisas exóticas que já fiz na vida foi ter lido o livro "O Novo Direito Constitucional Brasileiro", de Barroso. Ele nos conta, entre ligeirezas, que era tal a sua ignorância da ritualística do processo penal que teve de indagar a um repórter destaFolha o que deveria fazer com o alvará de soltura do terrorista Cesare Battisti. Eu teria respondido.

Apelando a um procedimento descabido no julgamento de embargos infringentes --a Preliminar de Mérito--, o ministro resolveu pegar carona numa conta extravagante de Teori Zavascki --fruto de uma disciplina em voga chamada "direito criativo"--, e refazer a dosimetria, o que lhe era vedado nesta fase do processo, para declarar a prescrição da pena por quadrilha. A escolha era tão esdrúxula que, para que triunfasse, os ministros que antes absolveram teriam de condenar, mas com mansidão, para que, então, se declarasse a prescrição. Impossível, como sabe qualquer estudante no nível "massinha 1" de direito.

Com qual propósito? Barroso queria livrar a cara da turma, mas sem ficar com a pecha de salva-mensaleiro. Deve ter sido uma das maiores batatadas da história da corte. Flagrado, teve de refazer o seu voto e admitir, desenxabido, que estava inocentando todo mundo do crime de quadrilha.

Ainda que a ignorância fosse culposa, a argumentação foi tecnicamente dolosa. Segundo disse, na primeira votação, seus pares usaram a dosimetria para evitar a prescrição e agravar o regime inicial de cumprimento das penas. Essa é a posição oficial do PT, expressa em vários documentos. Joaquim Barbosa indagou se seu voto já estava pronto antes de se tornar ministro. Barroso havia ofendido o tribunal primeiro. Nota: Natan Donadon foi condenado por crime de quadrilha no desvio de R$ 8,4 milhões da Assembleia de Rondônia. Um bando que atua em escala nacional e que desviou R$ 73,8 milhões só do Fundo Visanet foi absolvido. Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli condenaram Donadon, mas absolveram os mensaleiros. Padre Vieira escreveu que o roubar pouco faz os piratas; o roubar muito, os Alexandres Magnos.

Ao ler o livro de Barroso, a gente entende que, para ele, a pressão de minorias organizadas, desde que "progressistas" --isto é, de esquerda--, tem mais valor do que a letra da lei. Os nossos bolivarianos estão saindo do armário.

Ficam para outra coluna os apelos de Sílvia e Sílvio.

Autoengano e realismo - ROGERIO FURQUIM WERNECK

O GLOBO - 28/02

Lula parece bem mais realista do que certos analistas econômicos



A taxa anual média de crescimento da economia nos três primeiros anos de mandato da presidente Dilma mal chegou a 2%. E é bem possível que, ao fim do mandato, a taxa média dos quatro anos se mostre ainda mais baixa. A sete meses das eleições e com desempenho tão pífio para mostrar, o governo vem enfrentando rápido estreitamento do espaço de manobra para condução da política econômica.

As contas de anos de inconsequência e improvisação parecem ter chegado todas ao mesmo tempo. A política econômica vem sendo dominada pela recorrente necessidade de encobrir efeitos de medidas equivocadas tomadas no passado, com outras medidas equivocadas cujos efeitos terão de ser encobertos mais adiante. Um exemplo emblemático é a política populista de preços de energia, que redundou em deplorável castelo de cartas que hoje tem como pilares centrais o Tesouro e a Petrobras.

Na semana passada, em meio a esse quadro tão adverso, o país, mais uma vez, teve de assistir ao tradicional espetáculo de pirotecnia fiscal de fevereiro, em que o governo renova suas juras de compromisso com a austeridade e promete que os excessos do ano anterior jamais se repetirão. Nesse ano, as cores foram mais dramáticas pois, como deixou claro o próprio ministro da Fazenda, o espetáculo foi inteiramente motivado pela urgência de evitar os danos de um rebaixamento da dívida brasileira pelas agências de avaliação de risco, em pleno ano eleitoral.

O que, afinal, se viu foi uma proposta de ajuste fiscal, baseada em hipóteses róseas acerca da arrecadação e das possibilidades de contenção de gastos, que prevê geração de um superávit primário da ordem de 1,9% do PIB em 2014, mesmo com aumento substancial do dispêndio federal em relação a 2013. Entre outras falhas já bem ventiladas na mídia, a proposta passa ao largo de duas questões cruciais. Como serão financiados os custos de operação das usinas térmicas que o governo vem espetando no Tesouro, para não ter de repassá-los aos consumidores de energia? O que, afinal, deverá acontecer, em 2014, com as gigantescas transferências de recursos provenientes de emissão de dívida pública que o Tesouro vem fazendo ao BNDES, por fora do orçamento e sem registro adequado nas estatísticas de resultado primário e de dívida líquida do setor público?

Apesar dessas omissões e demais falhas, houve quem se apressasse em concluir que, com a proposta, o governo havia conseguido recuperar a credibilidade perdida e afastar o risco de um rebaixamento da dívida em 2014. O despropositado grau de autoengano que tal conclusão requer só pode ser explicado pela demanda quase desesperada por cenários otimistas que hoje se vê no País.

É curioso que, depois de tantos anos, ainda haja quem não perceba que, sem mudança da equipe econômica, tais promessas não são mais críveis. É ingênuo esperar que Mantega, Arno e Coutinho, a linha de ataque que tanto se destacou no lamentável processo de demolição institucional que teve lugar na gestão das contas públicas nos últimos anos, possa agora mostrar seu valor na defesa, levando adiante um programa de austeridade fiscal em pleno ano eleitoral.

Visão bem mais lúcida da real extensão das dificuldades da política econômica do governo é a que agora revelou ter o ex-presidente Lula. No início da semana, Lula deixou vazar que achava que a atual equipe econômica estava com “prazo de validade vencido” (“Folha de S.Paulo”, 24 de fevereiro). É claro que, nessa alusão à perda de validade, Lula não estava incluindo o comando supremo da equipe econômica. Mas dois dias depois, em artigo no “Valor Econômico”, deixou mais do que claro seu desalento com a possibilidade de que os feitos do governo Dilma possam ser vendidos ao eleitorado. Sugeriu que a estratégia mais promissora será tentar vender um pacote fechado de três mandatos, em que as mazelas dos quatro anos de Dilma possam ficar diluídas nos oito de Lula. O que ainda terá a vantagem de não exigir mudança de discurso, caso o PT tenha de partir para o Plano B.

A encruzilhada brasileira - FERNANDO GABEIRA

O Estado de S.Paulo - 28/02

"Hey! Matilda, Matil-da, she take me money and run Venezuela." Se invertemos as frases desse calipso celebrizado por Harry Belafonte nos anos 1950, talvez tenhamos uma boa visão das relações do Brasil com a Venezuela.

As relações comerciais quadruplicaram com a ascensão do chavismo, com saldo brasileiro. O País tornou-se o terceiro parceiro comercial da Venezuela, perdendo apenas para os EUA e a China. Não só os alimentos da chamada cadeia proteica, principalmente carne bovina, são vendidos por lá, também a água mineral nos restaurantes de Caracas costuma ser brasileira. A Embraer vende aviões, a Odebrecht e a Camargo Corrêa buscam se consolidar associando-se ao setor petroleiro. Enfim, tudo parece correr bem para os nossos negócios.

Até na fronteira, em Santa Helena do Uairen, fiquei sabendo que as compras foram recordes nos grandes feriados. O real valia 2,8 bolívares e nossos turistas levavam tudo o que podiam nos seus carros abastecidos com gasolina subsidiada pelo governo de lá. Na estrada entre Boa Vista e Santa Helena podem ser vistos os traços de um grande comércio formiguinha, o do contrabando de gasolina. Várias carcaças de carros marcam o curso da estrada, de modo geral queimadas e abandonadas por contrabandistas fugindo da polícia.

Neste momento pós-Chávez, em que a Venezuela entra numa crise, o governo endurece a repressão aos opositores, compactua com grupos armados que atiram na multidão, prende e tortura manifestantes, o que o Brasil pode dizer? Laços comerciais não impediram que o maior parceiro da Venezuela condenasse a política de Nicolás Maduro e o aconselhasse a considerar o que pedem os seus opositores. Mas os americanos são los americanos. O nó que nos ata à Venezuela não é apenas comercial, mas ideológico.

Existe um medo de condenar os erros da política de Maduro porque, desde os primórdios do tempo, um princípio aterrador domina a esquerda: não mencionar os fatos que possam fortalecer o campo adversário. Nesse processo, a omissão ou mesmo a distorção dos fatos passam a ser vividas como um mais alto dever, o de preservar a experiência revolucionária. Isso vale para Cuba e para a Venezuela, uma vez estão entrelaçados e o próprio know-how repressivo cubano foi transplantado para o chamado socialismo do século 21.

O general Angel Vivas, entrincheirado com um fuzil na sua casa em Prado del Este, afirmou no Twitter que estava para ser presos por cubanos e gente da Guarda Nacional Bolivariana. Vestindo camisa vermelha, motociclistas armados atiraram na multidão. Atingiram a cabeça da Miss Turismo de Carabobo. Que perigo Génesis Carmona, de 22 anos, representava para o tal socialismo do século 21? Que perigo representam todos os estudantes que estavam com ela protestando contra o governo?

São golpistas, diz Maduro. Mas Nicolás Maduro é uma rara espécie de visionário. Ele vê Hugo Chávez transfigurado num passarinho, vê o rosto de Chávez numa escavação de metrô e sua visão mais cômica se deu na cela onde está preso Leopoldo López. Maduro afirma que um desconhecido foi preso tentando entrar na cela de López com inúmeros mapas das instalações petrolíferas do país. Mesmo um roteirista de cinema teria dificuldades de dar um toque de realidade a essa versão. Como ter acesso à cela de López? De que adiantariam para ele os mapas na prisão? Por que não estudaram esses mapas nos longos anos de liberdade?

Maduro é condutor de um processo que arrebata ainda a simpatia de alguns europeus e de uma faixa da juventude de esquerda. O único fator a que se apegam seus defensores é o apoio popular. Mas mesmo esse apoio começa a ser corroído. Ao ler mais atentamente os textos do Tal Cual, percebi que ao mencionar a oposição o jornal diz também que alguns chavistas discordam da repressão de Maduro. Horas depois constatei que falava de algo real: o governador de Táchira, José Vielma Mora, criticou a prisão de López e condenou os métodos do governo. Vielma Mora é chavista.

Num momento tão dramático para o continente, estamos atados a dois nós. Para desatar o primeiro, o econômico, é preciso introduzir um visão de médio prazo. A economia venezuelana está em decadência e muito provavelmente os negócios não serão tão sedutores nem os pagamentos, pontuais. Sempre teremos relações com a Venezuela: é preciso pensar nisso, antes de embarcar na canoa de Maduro.

Para desatar o segundo nó, o ideológico, é preciso levar o governo ao debate, saber o que está vendo na crise venezuelana. Se confiar só em Maduro, verá passarinhos durante o dia e carneirinhos antes de dormir. Como é possível identificar-se com um projeto que melhorou as condições imediatas dos pobres, mas está se mostrando insustentável em termos econômicos, mata misses, sufoca a imprensa, prende estudantes, aterroriza a oposição?

Não tenho esperança de convencê-los, como não tinha de convencer as pessoas de que o mundo não acabaria em 2012. Mas quando se trata de uma questão política que envolve a imagem internacional do Brasil é preciso buscar um mínimo de convergência. É preciso que o governo compreenda que criticar a violação dos direitos humanos na Venezuela não é dar munição aos adversários de Nicolás Maduro. Ela foi dada pelo próprio Maduro quando viu uma tentativa de golpe num movimento de protesto. A munição nasce dos fatos e quando começamos a negá-los por um dever de consciência alguma coisa está errada com o próprio sentido da palavra.

Compreendo que o governo tem ganho as eleições e, no momento, desfruta o apoio da maioria. Mas isso o autoriza a vestir uma camisa partidária em nosso peito juvenil e outros peitos de idade mais avançada?

Traçamos uma linha imaginária no século passado e continuamos a nos orientar por ela. Esquerda ou direita? E estamos levando o nosso rigor geométrico para os cemitérios: mortos de esquerda ou de direita?

Diante de nós, a Venezuela em transe.

Redução de danos - NELSON MOTTA

O GLOBO - 28/02

As qualidades e os defeitos de Lula todo mundo conhece, mas os de Dilma vão aparecendo aos poucos


Com juros e inflação altos, e baixos crescimento e investimentos, alguns oposicionistas já preferem até a volta de Lula aos riscos da continuação de Dilma. Aceitam abrir mão de um candidato de oposição em favor de Lula só para se livrar de Dilma e de sua equipe, seu estilo e sua gestão econômica. Os mais cínicos dizem que teria saído mais barato ao país ter dado um terceiro mandato a Lula.

Muitos empresários e políticos certamente têm mais saudades de Lula do que esperanças em Aécio Neves e Eduardo Campos. A grande maioria da população diz que quer mudanças, com ou sem Dilma, mas que mudanças esperar com Lula?

Como é muito inteligente e sabia de sua ignorância no assunto, Lula ignorou os ideólogos do PT e entregou a área econômica a Antonio Palocci e Henrique Meirelles, que tiveram um desempenho notável, reconhecido até pela oposição. Com Dilma é diferente, ela é formada em economia, tem ideias próprias sobre o assunto, é “desenvolvimentista” com DNA marxista/brizolista. E, para piorar, muitas vezes nem Lula consegue contestá-la.

As qualidades e os defeitos de Lula todo mundo conhece, mas os de Dilma vão aparecendo aos poucos. Trapalhadas e prejuízos elétricos, petrolíferos e aeroportuários desgastam a imagem da gerentona. E ninguém tem mais ilusões de que ela seria mais intolerante com a corrupção do que Lula, a imagem da faxineira perdeu-se na volta dos faxinados ao poder. Os grotões, o pessoal do Bolsa Familia e os menos escolarizados são os seus maiores eleitores.

Para complicar, a tragédia anunciada da Venezuela e o avanço da Argentina para o abismo confirmam a falência do modelo bolivariano e o desastre do kirchnerismo, que têm em comum, além do esquerdismo e da incompetência na gestão econômica, a perseguição à imprensa e aos adversários políticos, a intolerância a qualquer crítica e atribuir a culpa sempre à direita e aos Estados Unidos. O maior perdedor na derrocada da Venezuela e da Argentina é o Brasil, pelos imensos prejuízos às nossas exportações, mas perderemos menos se Dilma entender os sinais e fizer o contrário do que fazem Maduro e Cristina.

Nada é para já - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 28/02

A mesma voz do bom senso que aconselharia o ministro Joaquim Barbosa a ficar longe da política eleitoral ao menos até esfriarem os ânimos do mensalão diria ao ex-presidente Luiz Inácio da Silva que disputar a Presidência da República de novo não seria um bom negócio.

Em 2014, em 2018 nem nunca mais. O mesmo se aplica ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, guardadas algumas proporções. FH ganhou duas no primeiro turno, saiu na segunda gestão mais para lá do que para cá em termos de popularidade e vive uma ótima vida de homenagens sem deixar de fazer política. Para que concorrer a uma eleição e ainda se arriscar a perder?

Lula saiu consagrado da Presidência. Com popularidade altíssima depois de dois mandatos, capital político mais que robusto, o comandante incontestável de seu partido em plena posse de suas atividades. Em português claro: manda e desmanda, com mandato ou sem.

Porém, governou com céu de brigadeiro e a situação mudou. Por que arriscar esse patrimônio concorrendo a uma eleição se a vida está ótima assim? Para quem saiu com mais de 80% de aprovação, qualquer 75% é perda. Ademais, o horizonte não se desenha risonho e franco para o próximo período.

Ocorre, contudo, que o PT precisa manter o poder. Não tem outro nome além de Lula e se aflige com a possibilidade de não conseguir com Dilma Rousseff. Daí o que o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, chama de "fofocas" sobre a possibilidade de o ex-presidente vir a se candidatar agora no lugar da sucessora.

Há apostas do lado do "sim" e do lado do "não". Hoje a balança pesa mais para a primeira hipótese. Mas, seja qual for a decisão, não seria tomada agora. O ex-presidente tem tempo e razões de sobra para postergar.

Vamos à lista dos motivos: 1.Dilma está na frente nas pesquisas; 2. A oposição ainda não se configura uma ameaça que justifique movimentos radicais; 3. Seria uma precipitação, pois as candidaturas só precisam ser oficialmente definidas em junho; 4. Assumir a candidatura agora equivaleria a dizer que Lula considera Dilma incapaz de ganhar e que, portanto, o governo dela é um fracasso; 5. Fracasso dele, o fiador de gestora tão competente como nunca antes aparecera neste País.

O essencial. Com todos os senões que se possam enxergar no fato de uma decisão do Supremo Tribunal Federal ser reformulada pelos votos de dois ministros que não participaram do julgamento, contrariando a maioria que acompanhou passo a passo o processo, um dado é fundamental.

O projeto do partido no poder de que os réus, ou pelo menos aqueles do chamado núcleo político, fossem absolvidos de maneira a prevalecer a tese de que o mensalão foi uma farsa, não teve êxito.

A ideia de que uma Corte majoritariamente nomeada por governos do PT poderia se submeter aos interesses do partido não vingou. Do ponto de vista institucional na comparação com outros países em que o Poder Executivo eleito de forma democrática, mas exercido de forma autoritária, o Brasil saiu-se muito bem.

Nessa perspectiva tanto faz se altos dirigentes partidários tenham formado uma quadrilha ou um "concurso de agentes" para o cometimento de crimes.

O importante é o reconhecimento de que os cometeram e que, mesmo poderosos e providos de costas quentes, estão pagando por isso. Não foram declarados inocentes nem se podem dizer vítimas de injustiças. Tiveram todas as chances.

Inclusive a oportunidade de um novo julgamento em instância superior, em tese única. Se o enredo não saiu como previam, deve-se à solidez dos homens e mulheres que não deixaram o Supremo Tribunal Federal se curvar às conveniências do Planalto.

Breve pausa. A política se recolhe durante o carnaval, voltando a abrir alas e a pedir passagem na próxima sexta-feira, dia 7.

Marco positivo - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 28/02
Então fica combinado assim. José Dirceu não é o chefe da quadrilha do mensalão. É simplesmente o mais graduado dos coautores de crimes como corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro (por enquanto), evasão de divisas.
Os petistas estão eufóricos com a decisão do novo plenário do Supremo tribunal Federal de absolver os condenados por formação de quadrilha, que sem dúvida tinha um valor simbólico no caso do mensalão. E é o fim desse simbolismo que fez com que os petistas vibrassem tanto, juntamente com a possibilidade de reduzir o tempo de reclusão, em alguns casos saindo da cadeia até mesmo este ano.

A prisão semiaberta, sabe-se agora, é uma punição bastante rigorosa quando os controladores do sistema prisional não são subordinados a governos petistas. O mais grave dessa decisão é se ela corresponder a uma tentativa de transformar o Supremo em um órgão bolivariano , como acusou o Ministro Gilmar Mendes.

Tanto ele quanto Joaquim Barbosa advertiram que haverá outras tentativas de reverter o resultado do julgamento à medida que ministros forem sendo substituídos, até a revisão criminal.

É verdade que, desde o início do julgamento, houve claras manobras, em plenário e por parte dos advogados, para retardá-lo, como maneira de fazer com que os ministros Ayres Britto e Cezar Peluso se aposentassem antes do seu final, o que realmente aconteceu.

Peluso, por exemplo, nem chegou a votar em formação de quadrilha nem em lavagem de dinheiro. A saída dos dois deu margem a que, com os novos ministros, a minoria se transformasse em maioria. Nem ele nem Ayres Britto participaram da votação sobre a existência dos embargos infringentes, o que abriu condições de rever o julgamento nos quesitos formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

A revisão criminal, no entanto, é bastante difícil de conseguir, e depende de se provar que a condenação foi feita com base em documentos ou depoimentos falsos, ou de aparecerem novas provas de inocência.

Mas, se este for mesmo apenas o primeiro passo , como alertou o ministro Joaquim Barbosa, pode acontecer que se forme no plenário do STF, ao longo dos próximos dois anos (prazo máximo para pedir a revisão), outra maioria de circunstância para reformar as sentenças já formuladas. Nesse prazo, devem sair do Supremo, por aposentadoria, os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, e o ministro Joaquim Barbosa.

Espera-se que as piores previsões não se confirmem e que os próximos presidentes continuem enviando ao STF juízes capazes de serem independentes em seus votos. A simples desconfiança de que o plenário seja manipulável, atendendo aos interesses do governo da ocasião, coloca em risco a democracia brasileira, que tem no julgamento do mensalão, apesar de tudo, um marco positivo.

Não há dúvidas de que, quando um crime prescreve, o acusado não vai nem a julgamento, como é o caso do ex-ministro de Lula Walfrido Mares Guia, que, por ter feito 70 anos, teve reduzido pela metade o tempo de prescrição do crime de que era acusado no mensalão mineiro.

Mas, no caso do mensalão do PT, tratava-se de um julgamento já realizado, e, portanto, a prescrição só poderia acontecer se os réus fossem condenados a menos de dois anos de prisão. Raciocinar, como fizeram os ministros Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki, como se as penas não tivessem sido dadas não tem sentido técnico, na opinião de muitos juristas.

Apenas sentido político, isto é, denunciar que as penas foram agravadas com o objetivo de colocar os condenados em regime fechado.

A coluna volta a ser publicada no próximo dia 5 de março. Bom carnaval a todos.

"Tarde triste" - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 28/02

BRASÍLIA - Depois da reviravolta de ontem no Supremo, que agora não reconhece mais o crime de quadrilha no mensalão, o foco está em dois personagens principais e antagônicos: o condenado José Dirceu e o algoz Joaquim Barbosa.

Dirceu foi citado pela Procuradoria Geral da República, pelo então relator Barbosa e pela maioria do antigo Supremo (aquele que condenou) como "chefe de quadrilha" --e condenado como tal pelos indícios e pelo conjunto da obra, mesmo sem provas factuais. E agora? Se não existiu quadrilha, como Dirceu pôde ter sido chefe de quadrilha?

Além da redução de pena e da troca do regime fechado pelo semiaberto, Dirceu está em condições de dar um outro drible na condenação, aproveitando o novo equilíbrio interno no Supremo: a "revisão criminal".

Significa entrar com recurso para uma nova apreciação das outras condenações, mesmo depois de tramitado em julgado. Está previsto no Código do Processo Penal e no Regimento Interno do STF. Você aí, então, pode ir se preparando para a absolvição e, da absolvição, para a santificação.

Vitória de Dirceu, derrota de Joaquim Barbosa. Visivelmente abatido, trocando a arrogância de outros tempos pelo ar de desânimo, ele disse que foi "uma tarde triste para o Supremo" e considerou que "todo o trabalho foi lançado por terra".

Joaquim conquistou amor e ódio como relator do mensalão e depois como primeiro presidente negro do Supremo. Virou um personagem nacional, despertou a cobiça de partidos políticos, achou que estava fazendo história --e talvez estivesse, e esteja, mesmo. Mas vale para ele a mesma pergunta feita para Dirceu, às avessas: e agora? Como conviver como minoria num tribunal onde foi maioria? Pior: como deixar de presidir e passar a ser presidido justamente por Lewandowski em novembro?

Assim como Dirceu é candidato a ex-condenado, Joaquim Barbosa bem pode se tornar candidato a senador, presidente... E a luta continua.

Médio, mas não medíocre - LUIZ GARCIA

O GLOBO - 28/02

Boas notícias, apenas no ensino básico: 98% das crianças de 6 a 14 anos chegaram à escola. É bom, mas é pouco



Há apenas uma boa notícia sobre a educação básica no Brasil: os responsáveis não estão procurando esconder da opinião pública a séria situação em que ela se encontra. E esta foi revelada pelo Censo da Educação Básica realizado no ano passado.

Em poucas e lamentáveis palavras: o ensino médio, depois da simples alfabetização, enfrenta uma crise de extrema gravidade: não apenas deixou de crescer como o número de matrículas diminuiu. No ano passado, a queda foi assustadora: 64 mil estudantes a menos. O ministro da Educação, José Henrique Paim, não escondeu o tamanho do buraco.

Nos últimos sete anos, com exceção de 2011, quando houve um modesto crescimento, o clima é de estagnação. Boas notícias, apenas no ensino básico: 98% das crianças de 6 a 14 anos chegaram à escola. É bom, mas é pouco: para crescer até modestamente, o país precisa de muito mais do que um nível aceitável de alfabetização.

Na área do ensino médio, a situação pode ser definida como crítica: no primeiro ano, uns 30% dos estudantes abandonam a escola ou são reprovados. É um número alto demais, com consequências negativas óbvias no crescimento do país. A crise é documentada por pesquisa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico no seu Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). A OCDE constatou que o Brasil, apesar de fazer esse teste com alunos já de 15 anos, o que não acontece em outros países, tem resultados inferiores aos demais. Não se pode dizer, vale a pena repetir, que os responsáveis pelo nosso sistema educacional estejam indiferentes ao problema.

A divulgação do Censo de Educação Básica prova que ninguém pensa em jogar o problema para debaixo do tapete, até mesmo, vale a pena repetir, porque o governo não dispõe de um tapete grande bastante para isso. E é até possível que as revelações assustadoras da pesquisa incentivem uma reação em todos os níveis da administração pública.

Afinal de contas, o problema é igualmente federal, estadual e municipal. E é bom não esquecer que ele ocorre na etapa talvez mais importante da educação dos nossos jovens cidadãos: o ensino médio. Quando ele tem graves deficiências, muitos deles têm problemas graves, seja para começarem a trabalhar, seja para buscarem um lugar nas universidades. Não podemos deixar que, nessa área, médio seja sinônimo de medíocre.

As madeixas de Maduro - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 28/02

SÃO PAULO - Atribui-se a Eubulides de Mileto o paradoxo do careca. Se o proprietário de uma vasta cabeleira tem arrancado um fio de cabelo você não o chama de careca, certo? O mesmo para quem fica sem dois fios. E três, quatro... Quantos fios de cabelo um indivíduo precisa perder para ser considerado careca?

Eubulides e seus paradoxos de indeterminação me vieram à mente por causa da Venezuela. Não há dúvida de que o chavismo chegou ao poder naquele país num cotexto democrático. Hugo Chávez foi eleito pela primeira vez em 1998 e repetiu o feito em 2000, 2006 e 2012. Após sua morte, em 2013, Nicolás Maduro, a quem designara como sucessor, triunfou, ainda que num pleito contestado.

O problema é que legitimidade popular, embora seja um ingrediente essencial da democracia, não é o único. Desde o início, o movimento flertou com o autoritarismo. Chávez aprimorou o estilo Fujimori de fazer política, que é o de esticar as instituições até o ponto de deformá-las, mas evitando um rompimento formal.

Foi assim que ele criou uma Superpresidência, que pode tudo, desfigurou o Judiciário, transformando-o num órgão dócil, e manietou o Legislativo. Ele também intimidou opositores e jornalistas, ainda que inicialmente sem incorrer numa campanha de violações sistemáticas aos direitos humanos e supressão da liberdade de imprensa.

Foi só a situação econômica piorar mais, em larga medida por erros cometidos pelo próprio governo, para que Maduro arrancasse mais algumas madeixas. Em sua nova fase, o chavismo reprime com violência protestos, prendeu um líder oposicionista com acusações pouco verossímeis e apertou ainda mais o cerco contra a imprensa que não lhe é favorável.

A pergunta que fica é o que mais Maduro precisa fazer antes que o governo brasileiro se dê conta de que está cada dia mais difícil chamar a Venezuela de democracia e pare de apoiar incondicionalmente o regime.

A caminho das eleições sem saber aonde vamos - WASHINGTON NOVAES

O Estado de S.Paulo - 28/02

Quem quer que se detenha hoje no noticiário sobre a política brasileira e sobre a campanha eleitoral que se avizinha não terá como escapar a certa perplexidade e a interrogações inquietadoras. Quando nada, porque a situação parece indefinida.

As pesquisas sobre intenções de votos para a Presidência da República sugerem um quadro ainda em mutação, quase volátil. Com a ocupante do cargo em vantagem, mas com a oposição ainda sem saber com clareza para onde vai - e se vai unida ou fragmentada, ou que consequências terá sobre o eleitorado o início do julgamento do "mensalão mineiro"; se a Justiça proibirá ou não doações de empresas para campanhas e quem mais perderá ou ganhará com isso. Nesse panorama, o partido dominante no poder leva vantagem - seja por dispor das "benesses" desse poder que seduzem votantes, seja porque o "aparelhamento" nos cargos públicos (fala-se em dezenas de milhares de partidários, talvez centenas de milhares) facilita as ações.

Também nesse panorama, as perguntas são muitas. Começando, num âmbito mais amplo, com as interrogações sobre o que acontecerá no País se continuarem prevalecendo as graves questões do clima que nos assoberbam. Seca mais prolongada, embora já seja a pior em muitas décadas? Com que consequências nos reservatórios e no abastecimento de água? E no campo da energia? Como isso se refletirá na avaliação dos candidatos?

Depois, cabe perguntar que rumo tomarão os chamados protestos de rua. Que legislação vem por aí? Haverá proibição de "mascarados", como quer o governo federal, com prisão de até dez anos para eles? Mas com a Copa do Mundo de Futebol se aproximando e 75,8% dos eleitores inconformados com os custos gigantescos assumidos pelo governo (CNT, 19/2)?

Não é o único complicador. Também da área econômica vêm muitos indicadores que sugerem prudência - PIB nacional em queda, redução nas vendas de veículos (provavelmente com o maior endividamento dos setores sociais "emergentes" internos), baixa nos índices de emprego no último trimestre de 2013 e nos números de assentados em áreas rurais. As notícias internacionais oscilam de rumo, ora com o Fundo Monetário Internacional dizendo que "o crescimento global mantém o ritmo" (Estado, 20/2), ora com os Estados Unidos alertando para a "turbulência" nos emergentes (22/2), que precisariam pôr "a casa em ordem". As contas correntes brasileiras registraram em janeiro o maior déficit mensal já apurado - US$ 11,6 bilhões (Estado, 22/2). Internamente, diz o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues que "a lua de mel com o Brasil acabou" e que é "cada vez mais forte entre empresários a ideia de que o País será rebaixado pelas agências de rating" (13/2).

Teremos eleições com a economia em declínio? Que consequências daí advirão - ainda mais com o governo federal anunciando (Folhapress, 21/2) que realmente o crescimento do PIB será menor do que o estimado antes e que fará um corte de R$ 44 bilhões nas despesas governamentais? Em que áreas, com que reflexos no eleitorado?

Tudo isso vem num momento de alta turbulência internacional, conflitos entre superpotências a respeito da Ucrânia, queda de mais um governo no Egito, povo revoltado nas ruas da Indonésia, na Síria, na Venezuela, até na Argentina - os dois últimos trazendo mais aflição ao Brasil. Até na China, ferreamente controlada, se sucedem protestos em Pequim e outras cidades, por causa da poluição do ar (FP, 25/2).

As rebeliões nas ruas demonstram mais uma vez que as mobilizações sociais via redes na internet - sem projetos políticos específicos - têm levado a fortes turbulências e até a mudanças de governos, sem que se configure uma nova realidade política e social - como já se escreveu neste espaço. E hoje é muito alta a porcentagem de eleitores nas nossas redes. Para citar um caso, em Goiás mais de 40% deles participam de alguma rede; entre jovens de 16 a 18 anos, são 80%; quase 40% têm renda de até dois salários mínimos e 24%, mais de cinco salários mínimos (O Popular, 24/2). Como se refletirão essas coisas entre eles, no País todo ou num Estado onde o número de mandados de prisão por crime chega a 25 mil, o dobro da população carcerária?

A incerteza será maior ainda com a resolução do Tribunal Superior Eleitoral (Agência O Globo, 14/1) que veda aos veículos de comunicação "fazer enquetes ou sondagens sobre as eleições durante o período de campanha; são proibidas as pesquisas de opinião pública sem registro formal". E a Justiça Eleitoral ainda poderá auditar "a qualquer tempo equipamentos eletrônicos portáteis usados em pesquisas". Nos dias de eleição, resultados dessas sondagens só poderão ser divulgados depois de encerrada a votação.

São muitas interrogações. Com a agravante maior de que os partidos no poder não parecem empenhados numa plataforma eleitoral que traga um diagnóstico da situação real do País e de suas questões mais graves. Da mesma forma a oposição, que até aqui se limita a discursos vagos, genéricos, sem enfrentar com clareza os problemas sociais de um país que ainda tem muitos milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da miséria. Com as cidades tumultuadas por indefinição em áreas como o transporte. Sem legislação adequada para o adensamento urbano e o agravamento de tudo ao seu redor. E muito mais.

Que se espera que aconteça? Que venham de fora soluções milagrosas? Que a seleção de futebol seja a campeã do mundo e gere euforia interna duradoura? Que tenhamos por aqui rumos diferentes dos que se veem nos países convulsionados por mobilizações em redes incontroláveis? É esperar demais.

Graves e imensas tarefas aguardam a comunicação - essencialmente, que ela seja capaz de suprir informações indispensáveis à população e que a esta permitam escolhas adequadas. Sem fugir às complexas questões visíveis em toda parte.

Um alerta poderoso - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 28/02

O contundente desabafo de Joaquim Barbosa após a absolvição de mensaleiros permite prever mais “tardes tristes” para o Supremo



O presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, mostrou-se profundamente contrariado com o resultado do julgamento dos embargos infringentes dos mensaleiros que tinham sido condenados por formação de quadrilha. A absolvição reduziu as penas totais de oito deles, incluindo os petistas José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares. A decisão ainda fez Dirceu e Delúbio passarem do regime fechado para o semiaberto. O desabafo do presidente do STF e relator do processo do mensalão é o lamento de alguém que se vê lutando contra forças que considera muito superiores, e é um alerta poderoso à nação brasileira.

O resultado não era inesperado. Em 19 de setembro, após o Supremo ter decidido, também por 6 a 5, aceitar os embargos, a Gazeta do Povo já lembrava em editorial que a composição do plenário havia mudado em favor dos mensaleiros. Afinal, um dos ministros que haviam condenado os réus por formação de quadrilha, Carlos Ayres Britto, tinha se aposentado, enquanto os dois recém-chegados, Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso, que não tinham participado do julgamento original, já tinham dado indícios de que se posicionariam a favor dos réus – especialmente Barroso que já havia criticado o Supremo pela severidade das penas e feito diversos elogios a José Genoino.

E as críticas de Barbosa se dirigiram exatamente aos dois ministros recém-chegados, com toda a razão. Barroso adotou uma estratégia absolutamente tortuosa para absolver os réus. Alegou que, em 2012, o Supremo só havia sido especialmente duro na definição das penas para impedir que o crime prescrevesse e para garantir regimes de cumprimento de pena mais severos. Por causa dessa “exacerbação nas penas aplicadas de quadrilha ou bando”, nas palavras de Barroso, ele decidiu absolvê-los. Ou seja, Barroso se apoiou mais em um debate sobre a dosimetria que sobre a formação de quadrilha em si.

Ainda pior foi o desempenho de Teori Zavascki, para quem simplesmente não havia quadrilha. “É difícil afirmar que Dirceu e Genoino tivessem se unido a outros agentes com o objetivo e interesse comum de praticar crimes contra o sistema financeiro nacional ou de lavagem de dinheiro”, disse o ministro, ignorando completamente todas as provas levantadas ao longo de anos de investigação. Por isso é completamente pertinente a indignação de Joaquim Barbosa. “Há dúvidas de que eles se reuniram? De que se associaram? E de que essa associação perdurou por mais três anos? E o que dizer dos crimes que eles praticaram e pelos quais cumprem pena?”, questionou, com toda a razão. Pois negar a existência de quadrilha é negar o próprio mensalão – tanto que o advogado de defesa de Dirceu, José Luís Oliveira Lima, escreveu, em nota, que a absolvição “atinge o coração, o cerne da acusação”. É de se imaginar que, se estivessem no Supremo desde o início do julgamento, em 2012, Barroso e Zavascki teriam absolvido todos os mensaleiros das mais diversas acusações, jogando no lixo a reputação da própria corte e consolidando a imagem do Brasil como o país da impunidade. Por isso se torna cada vez mais importante ressaltar o papel de Barbosa na relatoria do processo. Sem sua persistência em buscar a condenação dos responsáveis por esse atentado à democracia que foi o mensalão, o resultado poderia ter sido bem diferente.

Outros dois personagens ainda são dignos de menção: pelo lado positivo, Celso de Mello, o decano do STF, repetiu o tom duro de reprovação aos mensaleiros e rebateu os críticos do julgamento. “A ‘maior farsa da história política brasileira’ residiu nos comportamentos moralmente desprezíveis, cinicamente transgressores da ética republicana de delinquentes travestidos então da condição de altos dirigentes governamentais políticos e partidários, que fraudaram despudoradamente os cidadãos dignos de nosso país”, afirmou. Por outro lado, nunca será demais recordar o triste papel desempenhado por José Antonio Dias Toffoli desde o início do julgamento, quando não se declarou impedido de participar do julgamento, mesmo tendo sido advogado do PT e trabalhado sob José Dirceu na Casa Civil. Sem ele, os réus não teriam tido quatro votos pela absolvição e, portanto, não teriam direito aos embargos infringentes.

Barbosa, em seu desabafo, ainda falou de uma “maioria de circunstância formada sob medida para lançar por terra todo um trabalho primoroso”. É impossível avaliar com certeza absoluta se Barroso e Zavascki foram nomeados para o STF com a missão específica de minorar o estrago à reputação dos petistas e do partido. Mas, ainda que os dois ministros tenham sido guiados por profunda convicção e não por conveniência, seus votos indicam um péssimo grau de discernimento que poderá afetar outros julgamentos importantes no futuro. É o prenúncio de mais tardes tristes para o STF.

O desfecho do mensalão - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 28/02

Seria apenas irônico, se o episódio não pudesse tisnar a imagem da nova composição do Supremo Tribunal Federal (STF): parece ter sido finalmente provada a tese do PT de que o julgamento da Ação Penal 470 tem um componente predominantemente político. Uma "maioria de circunstância, formada sob medida", como afirmou em seu voto um inconformado ministro Joaquim Barbosa - mas, de qualquer modo, um colegiado diferente daquele que julgou o mensalão em 2012 -, reverteu a decisão original da Corte e absolveu José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino e mais cinco do crime de formação de quadrilha, livrando os dois primeiros do cumprimento da pena em regime fechado.

Essa nova decisão não livra da cadeia os ex-dirigentes petistas condenados agora a penas inferiores a 8 anos, mas oferece ao partido no poder o argumento, extremamente útil num ano eleitoral, de que seus ex-dirigentes não formaram uma quadrilha para comprar apoio parlamentar.

Agiram então, segundo o STF, por iniciativa individual, como criminosos avulsos. O que não impede de estarem inapelavelmente encarcerados.

A acusação de atuar politicamente, ou de armar "uma farsa", que a companheirada lançou contra a Suprema Corte quando percebeu que seus líderes seriam inevitavelmente condenados, foi uma tentativa, muito bem-sucedida pelo menos no que diz respeito à militância petista, de transformar em mártires criminosos como José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino e preservar a imagem de um partido que alardeia ser monopolista da virtude.

Essa estratégia se tornou evidente durante a sustentação oral dos advogados de defesa dos petistas, na abertura do julgamento dos embargos infringentes. Numa ação obviamente articulada, relegaram a segundo plano as razões e os argumentos jurídicos para promover um ato de desagravo político aos seus clientes.

Todos os ex-dirigentes petistas que a Justiça colocou atrás das grades depois de um longo e meticuloso julgamento pela Suprema Corte transformaram-se, na retórica de seus causídicos, em heróis com admirável folha de serviços prestados ao País e injustamente condenados por um tribunal que se comportou como se fosse de exceção.

Ninguém mencionou, é claro, o fato de que 8 dos 11 ministros que então compunham o STF foram nomeados pelos governos petistas. Mas o defensor de Genoino foi mais longe: garantiu que o fato de o PT estar no poder há quase 12 anos é indesmentível "sinal de que o povo concorda com as práticas que vêm sendo adotadas". O que não é verdade.

O desfecho do julgamento do mensalão merece uma reflexão que, acima das paixões ideológicas e partidárias, contribua para o aperfeiçoamento institucional do Brasil. É impossível, por exemplo, haver estabilidade, precondição para o desenvolvimento, numa sociedade que não respeita suas instituições fundamentais. E o Judiciário é uma delas.

Pode-se discordar de suas decisões que, afinal, são tomadas por falíveis seres humanos. E, para garantir a incolumidade dos direitos individuais diante de eventuais erros da magistratura, existe uma ampla legislação processual. Mas questionar a legitimidade do Poder Judiciário e de seus agentes é conspirar contra a estabilidade institucional. Numa sociedade democrática a ninguém é dado esse direito.

Assim, é lamentável a necessidade de registrar e reprovar a insistência com que o presidente do STF e relator do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, tem atropelado o decoro de um colégio de altos magistrados para se comportar com acintosa agressividade e intolerância sempre que seus pares divergem de seus votos. A recente elevação do tom desses rompantes pode sugerir que não se trata mais, apenas, de uma questão de temperamento irascível, mas de cálculo político.

Ainda falta o exame de embargos menos relevantes, mas é chegada a hora de o triste episódio do mensalão sair de cena - sem prejuízo de ações correlatas, como o chamado mensalão mineiro, ou tucano - para que a Justiça produza seus efeitos e continue a cumprir seu curso.

Combinação ruim - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 28/02

Além de entregar três anos de baixo crescimento, governo Dilma amplia a lista de problemas extras que o país precisará resolver


O desempenho melhor do que o esperado da economia no último trimestre foi o aspecto de maior relevo nas primeiras análises do PIB de 2013, divulgado ontem, com um crescimento de 2,3%.

O resultado positivo deve atenuar o pessimismo crescente neste início de 2014, mas o ritmo do final do ano tem escassa relevância para a análise da recente trajetória brasileira e da perspectiva até meados da próxima gestão.

Ressaltar que os três primeiros anos de Dilma Rousseff (PT) na Presidência apresentaram a menor taxa média desde o triênio encerrado em 2003 tampouco é grande contribuição para o debate. Com frequência se exagera o poder de governos de influenciar o avanço do PIB no curto prazo.

O Brasil de fato se viu afetado por crises externas. Além do mais, ao tomar posse, Dilma teria de dirigir uma economia prejudicada por excessos do segundo mandato de Lula --como inflação, gastos públicos e endividamento em alta--, para nada dizer dos notórios empecilhos ao desenvolvimento.

É bem provável que mesmo um bom governo não entregasse uma expansão muito maior do que a registrada até aqui. Uma administração dada à prudência financeira e atenta às necessárias modificações estruturais, que a princípio sempre causam perturbações, talvez colhesse apenas o ônus de curto prazo de uma gestão reformista.

O que mais se lamenta acerca dos resultados atuais é a indesejável combinação de baixo crescimento com um passivo de problemas extras a resolver.

Há inflação represada por controles de preços, artifícios que de resto causam várias outras distorções na economia. Os juros permanecerão altos por anos ainda, minando o ritmo econômico.

A penúria financeira do governo federal limitará o investimento público. Os desarranjos causados no mercado, a desconfiança que inúmeras intervenções causaram e o descaso com as normas que dão segurança ao empreendedor solapam o ânimo de expansão das empresas.

A presidente Dilma Rousseff iniciou seu governo como se não houvesse obstáculos a um crescimento de mais de 4% ao ano, como alardeava em sua posse. Agiu de acordo, como se tudo dependesse apenas da vontade do Estado, com o que acabou de danificar ainda mais a máquina avariada da economia brasileira.

Este é seu legado, e não o triênio --ou mesmo a quadra-- pouco significativo: o desperdício dos anos de seu governo, e talvez os do início da próxima gestão, tempo que poderia ter sido empregado para preparar o país para um crescimento acelerado.

É positivo o saldo do julgamento do mensalão - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 28/02
Mais importante processo julgado pelo Supremo tribunal Federal na história contemporânea do país, o mensalão encerrou ontem uma de suas etapas decisivas, com a absolvição, por maioria de votos, de réus anteriormente condenados por formação de quadrilha. Com sua composição alterada em relação à primeira fase do julgamento, devido à aposentadoria de ministros e à posse de novos - Teori Zavaski e Luís Roberto Barroso -, os embargos infringentes impetrados pela defesa dos réus foram aceitos por seis votos a cinco e, assim, os mensaleiros petistas José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares tiveram garantido o regime de prisão semiaberta, no cumprimento da pena pela condenação por corrupção ativa.
Os embargos restantes, sobre condenações por lavagem de dinheiro, em que se inclui o outro mensaleiro do PT, João Paulo Cunha, serão examinados depois do recesso do carnaval, em 13 de março, quando se poderá considerar finalizada a Ação Penal 470, o nome técnico do processo do mensalão.

Polêmicas e suspeições acompanham este julgamento desde o início da fase de plenário, no princípio de agosto de 2012. A rusga, anteontem, entre o presidente da Corte, Joaquim Barbosa, e o ministro Luís Roberto Barroso, em que o relator do processo denunciou Barroso por dar um voto político para afastar os petistas da condenação como quadrilheiros, livrando-os de vez do risco do regime fechado de prisão, reflete o clima que envolve o processo. Em resposta, Barroso pontificou: O Supremo é um espaço de razão pública, e não das paixões inflamadas. É certo.

Especulações, teorias conspiratórias em torno do julgamento entrarão para a história junto com o próprio veredicto. E no centro delas estará sempre a forma como foi renovado o Pleno na aposentadoria de Cezar Peluso e Ayres Britto.

O indiscutível é a sólida, e também histórica, demonstração de independência dada pela Corte, formada em sua maioria por indicações de governos petistas e na qual foram condenados líderes do partido no poder. José Dirceu se livra da pecha de chefe de organização criminosa , acusação que lhe fez o Ministério Público, já que não houve quadrilha , mas terá de arcar com a pena pela condenação por corrupção ativa , e carregá-la no currículo pelo resto da vida. Importa pouco, neste sentido, o regime da prisão. O mesmo vale para Genoíno e Delúbio. Os petistas, por sua vez, não poderão repetir que o mensalão não existiu .

As exaustivas discussões em todo este tempo, apesar de opiniões de Barbosa, justificam a conclusão de que foi extremo o rigor técnico na construção das sentenças. Aliás, a revisão das condenações por formação de quadrilha foi iniciada por um voto de Rosa Weber, que não deixou de penalizar mensaleiros por outros crimes. Nada ofuscará o avanço institucional representado pela condenação de poderosos, com a quebra da aristocrática tradição brasileira de não se punir a elite.

Respeite-se e cumpra-se - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 28/02

Se os políticos flagrados em corrupção formavam uma quadrilha organizada ou não virou apenas um detalhe.


O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nessa quinta-feira livrar oito réus do mensalão da condenação por formação de quadrilha. Por seis votos a cinco, a Corte aceitou os embargos infringentes e derrubou as condenações por esse crime. Em consequência, o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares escapam do cumprimento de pena em regime fechado, permanecendo no semiaberto, enquanto os demais têm a punição atenuada. Independentemente da polêmica aberta dentro e fora do plenário do STF, o fato incontestável é que a decisão em relação aos recursos interpostos pelos réus do mensalão precisará ser cumprida e ponto final. E não há dúvida de que o “Brasil saiu forte” depois do julgamento, como reafirmou ontem o ministro Gilmar Mendes, contrário à reversão das condenações e para quem “o projeto era reduzir essa Suprema Corte a uma corte bolivariana”.
Claro que ninguém pode, nem deve, impedir o debate em torno deste julgamento que dividiu o país de forma apaixonada. Derrotados na intenção de fazer com que prevalecesse o resultado do primeiro julgamento, os próprios integrantes do Supremo expuseram suas divergências de forma enfática e transparente. O presidente do STF, que na véspera acusara seu colega Luís Roberto Barroso, favorável à absolvição pela denúncia de formação de quadrilha, de “rebate ao acórdão do Supremo”, foi ainda mais incisivo ontem. Denunciou que esse seria apenas o “primeiro passo” de uma “maioria de circunstância”. E coube ao decano da Corte, ministro Celso de Mello, ironizar manifestações de simpatizantes dos mensaleiros, para quem o julgamento teria sido “a maior farsa da história” da Justiça. O que se viu no processo, garantiu o ministro, foram “comportamentos moralmente desprezíveis” praticados por “delinquentes travestidos da condição de altos dirigentes governamentais, políticos e partidários”.
Independentemente das divergências internas, que se aprofundaram em relação à decisão inicial de 2012, com a substituição de dois ministros, o aspecto positivo é que o país se mostrou capaz de fazer justiça com desmandos na política. É preciso que, também fora do meio jurídico, o debate entre brasileiros com diferentes pontos de vista sobre a decisão contribuam de alguma forma para evitar que transgressões à ética continuem sendo vistas como deformações inevitáveis numa democracia como a brasileira e, por isso, mais toleradas.
Se, no caso do mensalão, os políticos flagrados em corrupção formavam uma quadrilha organizada ou não virou apenas um detalhe. O importante é que a impunidade tradicional dos poderosos sofreu um abalo com a condenação de integrantes e aliados do poder. Agora, o país tem que virar esse capítulo triste de sua história e trabalhar para que episódios tão degradantes não mais se repitam na administração pública e na vida nacional.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Esta é uma tarde triste para o Supremo Tribunal Federal”
Ministro Joaquim Barbosa sobre a impunidade assegurada à quadrilha do mensalão



DILMA JURA ‘AUTOSSUFICIÊNCIA’, COMO LULA EM 2006

Assim como ontem (27), quando o governo Dilma Rousseff anunciou que em 2015 o Brasil será “autossuficiente em petróleo”, o ex-presidente Lula prometeu exatamente o mesmo nesta época, no ano eleitoral de 2006, quando se preparava para a campanha de reeleição. Ele jurou que a Petrobras conquistaria a definitiva autossuficiência na produção de petróleo. Oito anos depois, a promessa não foi cumprida.

SABIDO, ELE

Lula adotou a estratégia de tentar ofuscar denúncias contra seu governo com “descobertas” frequentes de novas reservas petrolíferas.

PRODUÇÃO FRACA

Em março de 2006, o Brasil produzia 1,75 milhão de barris/dia. Pouco mudou: em dezembro de 2013 a média não passou de 1,96 milhão/dia.

A CULPA É SUA

A explicação do governo para a perda da “autossuficiência” supostamente conquistada em 2006 foi “aumento do consumo”.

DETALHES

Chance de autossuficiência só mesmo no ano de 2020, quando novas refinarias começarem a operar. Até lá, o Brasil continuará importando.

MINISTÉRIO DO TRABALHO PREPARA NOVO ESCÂNDALO

Essa turma não aprende: um novo escândalo de corrupção pode estar em gestação no Ministério do Trabalho, alvo de duas operações da Polícia Federal em 2013, com a prisão de funcionários ligados ao ex-ministro Carlos Lupi. Agora, uma licitação de R$ 10 milhões para contratar uma agência que cuide de sua assessoria de imprensa tem chamado a atenção pelas suspeitas de cartas marcadas.

CECELÂNDIA

Yoani Sánchez, famosa dissidente cubana, confirma por linhas tortas no Twitter: além de desodorante, também falta sabonete em Cuba.

TRAÍRAS

Caciques do PT insatisfeitos com Dilma incentivam a rebelião da base aliada, por meio do “blocão”, e pregam a volta de Lula.

SEM DISCUSSÃO

Segundo o líder do PSB, Beto Albuquerque (RS), se o partido lançar candidato em São Paulo, o nome, hoje, é o do deputado Márcio França.

SUPREMA PIZZA

A absolvição dos mensaleiros por formação de quadrilha rendeu uma declaração grave do presidente do STF. Joaquim Barbosa soltou o verbo: “É apenas o primeiro passo (...) da sanha reformadora”.

A COMÉDIA DA VIDA

Com a absolvição dos condenados por formação de quadrilha, o Supremo inaugura uma nova tese jurídica, o inciso de Chaves, do personagem da TV: cometeram crimes “sem querer querendo”.

ELES MERECEM

O deputado Alfredo Kaefer (PSDB-PR) requereu à Câmara moção de louvor ao sargento Angelus e ao cabo Pamplona, que protegeram o opositor Roger Pinto Molina durante sua fuga da Bolívia para o Brasil.

RADICAL GOVERNISTA

Após aderir ao governo, deixando a oposição para trás, a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) tem sido ironizada por ex-companheiros de trincheira. “Virou uma dilmista radical”, desdenha um senador do DEM.

AVISO NA POPA

Os petistas deveriam avaliar melhor a escolha: o saguão do prédio Embassy Tower, na região central de Brasília onde deverá se instalar o QG de campanha de Dilma, lembra o salão de festas do Titanic.

DESARRANJO

É periclitante a ação intestina da Câmara dos Deputados, que, após analisar a compra com potes para exames de fezes, contrata a SFDK Laboratório para analisar o açúcar cristal ao custo de R$ 843,50.

SEM PÊ

Patrício, deputado distrital que tirou Cabo do nome, corre o risco de ficar sem a legenda do PT pelo apoio ao motim da Polícia Militar contra o governo Agnelo Queiroz. Agora, pode ficar sem partido e sem apoio.

ALÔ, ANATEL

A TIM encontrou uma forma marota para burlar a regra que limita o tempo de espera nas ligações para seu 0800: diferentes gravações atribuem seus problemas, inclusive de falta de atendentes, a greves nos transportes ou nos Correios. E o serviço continua muito ruim.

PENSANDO BEM...

...“de onde menos se espera é que não sai mesmo coisa nenhuma”, diria do julgamento do mensalão Apparício Torelly, o Barão de Itararé.


PODER SEM PUDOR

INTERPRETAÇÕES DIFERENTES

Humberto de Alencar Castelo Branco era presidente e encontrou em uma solenidade o jornalista Carlos Castelo Branco, o maior de todos os colunistas de política. O marechal puxou papo:

- Você leu a notícia de um jornal do Uruguai dizendo que você é filho do presidente do Brasil?

Com seu jeito peculiar, divertido e firme, Castelinho corrigiu:

- Não, presidente. Li uma notícia dizendo que sou filho do "ditador de plantão"...

quinta-feira, fevereiro 27, 2014

O guardião de Havana - DEMÉTRIO MAGNOLI

O GLOBO - 27/02

Qual é a motivação do governo de Dilma Rousseff para rebaixar-se à condição de eco dos sucessores de Hugo Chávez?



Quem escreveu aquele comunicado vergonhoso? “Os Estados Partes do Mercosul (...) rechaçam as ações criminosas dos grupos violentos que querem disseminar a intolerância e o ódio na República Bolivariana da Venezuela”, “expressam sua mais firme rejeição às ameaças de ruptura da ordem democrática” e “confiam plenamente que o governo venezuelano não descansará no esforço para manter a paz e as plenas garantias de todos os cidadãos”. Essas linhas são uma cópia quase literal das declarações do governo da Venezuela. O Brasil só assinou embaixo, produzindo uma das páginas mais sombrias da história de nossa política externa. Qual é a motivação do governo de Dilma Rousseff para rebaixar-se à condição de eco dos sucessores de Hugo Chávez?

Nos tempos de Lula, tínhamos uma política externa com inflacionadas pretensões, guiada pela meta de obter um lugar no Conselho de Segurança da ONU. Falava-se na construção de uma ordem global multipolar, na ruptura da “hegemonia americana” e na reorganização Sul-Sul do comércio mundial. O chanceler Celso Amorim proclamou uma “aliança estratégica” Brasil-China. Uma vertente ultranacionalista personificada por Samuel Pinheiro Guimarães flertou com a ideia de edificação de um arsenal nuclear brasileiro. No auge do desvario, oferecemos uma cobertura à aventura nuclear iraniana. Hoje, nada restou daquela espuma: tornamo-nos, apenas, um aparelho de repetição das frases e dos gestos de Nicolás Maduro.

A política externa lulista era um castelo de areia inspirado por reminiscências do terceiro-mundismo e uma renitente nostalgia do projeto de Brasil-Potência delineado na ditadura militar. O castelo desabou sob o impacto de fracassos em série e do notório desinteresse de Dilma por qualquer coisa que aconteça fora das fronteiras nacionais. Sobrou um caroço duro de compromissos políticos e ideológicos: hoje, o Brasil define seu lugar no sistema internacional em função do imperativo da proteção dos interesses do regime castrista. Eis a chave para decifrar o comunicado do Mercosul.

O destino da “revolução bolivariana” nunca tocou nos feixes nervosos do lulopetismo. Lula assistiu, contrariado, à ascensão de Chávez como liderança concorrente na América Latina e tentou guardar distância dos rompantes antiamericanos do caudilho de Caracas. Mas a Venezuela chavista firmou uma estreita aliança com Havana e o petróleo subsidiado da PDVSA converteu-se na linha vital para a sobrevivência do Estado castrista. É por esse motivo que o Brasil firmou um comunicado no qual a oposição venezuelana aparece sob o rótulo de “grupos criminosos” engajados em promover um golpe de Estado.

Bem antes da segunda candidatura presidencial de Lula, em 1994, um editorial da revista teórica do PT qualificou a Cuba de Fidel Castro como uma ditadura indefensável. Nos anos seguintes, enquanto José Dirceu reinventava o PT como uma azeitada máquina política, Lula fazia uma opção preferencial pela ditadura cubana, rejeitando a oferta de acomodar seu partido no ônibus da social-democracia europeia. Aquelas escolhas marcam a ferro a política externa do lulopetismo. Tilden Santiago, um embaixador brasileiro em Havana, elogiou os fuzilamentos políticos promovidos pelo castrismo em 2003. No Ministério da Justiça, em 2007, Tarso Genro deu a ordem imoral de deportação dos boxeadores cubanos. Três anos depois, Lula identificou os presos políticos cubanos como criminosos comuns. É nessa trajetória que se inscreve o comunicado do Mercosul.

A Venezuela ainda não é uma ditadura, pois conserva a liberdade partidária e um sistema de sucessão baseado em eleições gerais. Contudo, já não é mais uma democracia, pois eliminou-se a independência do Judiciário, restringiu-se a liberdade de imprensa e as Forças Armadas foram submetidas ao catecismo chavista. À beira do colapso econômico, o regime enfrenta uma onda de insatisfação que se espraia da classe média para os pobres. Confrontados com manifestações de protesto, os sucessores de Chávez recorrem a intimidações, prendem sem acusações críveis um líder opositor e soltam a rédea dos “coletivos”, que operam como grupos paramilitares de choque.

O uso da força contra manifestações pacíficas foi respaldada pelo Mercosul, mas crismada como “inaceitável” até mesmo por José Vielma Mora, governador chavista do estado de Tachira, que pediu a libertação de “todos os aprisionados por razões políticas”. Até quando Dilma Rousseff emprestará o nome do Brasil à repressão “bolivariana”?

Cuba é o nome da armadilha. De um lado, sem a vasta transferência de recursos proporcionada pela Venezuela, o poder castrista enfrentaria o espectro do colapso. De outro, o governo brasileiro não dispõe das condições políticas necessárias para assumir o lugar da Venezuela. O Brasil já financia o regime dos Castro por meio de obscuros empréstimos do BNDES e das remessas de divisas associadas ao programa Mais Médicos. Entretanto, mesmo diante de uma oposição prostrada, o lulopetismo não tem como vender à nação a ideia de converter o Brasil no Tesouro de Cuba. Como produto do impasse, nossa política externa foi capturada pela crise da “revolução bolivariana”.

“A Venezuela não é a Ucrânia”, disse a primeira-dama Cilia Flores, desvelando mais um temor que uma certeza. A profundidade da crise não escapou à percepção de Heinz Dieterich, o sociólogo que cunhou a expressão “socialismo do século 21” e serviu durante anos como conselheiro ideológico de Chávez. Dieterich conclamou “uma facção” do chavismo a articular “uma aposta democrática de salvação nacional” que se coagularia num governo de coalizão com os oposicionistas moderados reunidos em torno de Henrique Capriles. Qualquer saída política pacífica exigirá um esforço de mediação internacional. O Brasil só poderá ajudar se o governo conseguir separar o interesse nacional dos interesses da ditadura castrista.