terça-feira, setembro 06, 2016

'A Morte de Ivan Ilitch', de Tolstói, revela as mentiras da existência - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 06/09

Amigo leitor: peço desculpa pelo uso abusivo da palavra. Eu não sou seu amigo. Nem você é meu. Não nos conhecemos e, francamente, melhor assim. Eu escrevo e, com sorte, alguém lê desse lado. É uma troca justa. E basta.

Aliás, por falar em amigos, quantos você tem? Cinco? Dez? Vinte? Melhor cortar o número para metade. Tempos atrás, li um estudo sobre as nossas falsas percepções sobre os amigos. E parece que só metade das amizades que julgamos sólidas são recíprocas. Na outra metade estão pessoas que não pensam em nós, pensam pouco ou até pensam mal.

Essas conclusões não me espantam. Experiência cotidiana: alguém fala que encontrou o personagem X e ele, eufórico, falou de mim como "grande amigo".

Disfarço, por gentileza. Mas, se fizesse uma lista com as cem pessoas que passaram pela minha vida –da família mais próxima ao homem que me vendeu os jornais meia hora atrás–, o personagem X não estaria presente.

Aqui entre nós, quem é o personagem X? E, já agora, por que motivo tendemos a inflacionar o número de amigos que julgamos ter?

Fato: o conceito de "amizade" tornou-se uma caricatura, sobretudo quando é possível colecionar centenas ou milhares de "amigos virtuais" no mundo virtual. O pessoal confunde as coisas e julga que um "like" é uma jura de amor eterno.

Mas as conclusões do estudo também não me espantam por causa de um livro publicado há precisamente 130 anos. O autor é Lev Tolstói (1828""1910) e o título é "A Morte de Ivan Ilitch".

Primeira confissão: "A Morte de Ivan Ilitch" sempre me pareceu um erro. "A Vida de Ivan Ilitch" seria a titulatura mais apropriada porque é de vida, e não de morte, que Tolstói nos fala.

Sim, superficialmente, temos um homem que adoece com gravidade e que caminha para o seu cadafalso com a angústia e o ressentimento dos condenados.

Mas a novela de Tolstói é uma meditação avassaladora sobre as mentiras da existência "comme il faut".

A expressão francesa é usada e abusada pelo narrador com propósitos irônicos, mas também descritivos. Ivan Ilitch era a promessa da família –e a promessa se cumpriu.

Estudou, formou-se, tornou-se funcionário judicial de sucesso. E procurou sempre uma vida "comme il faut" que estivesse à altura dos gostos da plateia. Teve um casamento "comme il faut"; uma casa "comme il faut"; uma carreira de magistrado "comme il faut".

E, quando a harmonia doméstica começou a ruir, Ivan Ilitch resolveu o assunto "comme il faut": casou-se com o trabalho e transformou a mulher em "hobby" suportável.

É perante esta gloriosa encenação que a morte surge como elemento dissonante –ou, se preferirmos, "pas comme il faut". Ivan analisa a dor da enfermidade como se aquilo fosse um elemento estranho, injusto, "fora do lugar". Nega a sua condição (morrer, eu?) e, quando a enfrenta, é devorado por um terror gélido ("sim, eu").

Nas mãos de um escritor banal, a doença serviria para mostrar a Ivan Ilitch que as medalhas que ostentamos ao peito não nos protegem do fim inevitável e blá-blá-blá.

Para um monstro como Tolstói, a morte de Ivan Ilitch é a "via dolorosa" da sua salvação. Porque é a morte que permitirá ao personagem olhar para os outros e para ele próprio sem viciar "o fundo insubornável do ser" de que falava o filósofo Ortega y Gasset.

É, enfim, uma visão límpida e aterradora. A mulher e a filha, cansadas da agonia de Ivan, consideram-no um estorvo, um repulsivo estorvo que a morte tarda em levar.

E, quando recorda a sua vida, é na infância, e apenas na infância, que Ivan Ilitch encontra uma felicidade autêntica e sem sombra. A conclusão é trágica e, ao mesmo tempo, libertadora: enquanto subia aos olhos dos outros ("comme il faut"), Ivan Ilitch descia rumo ao naufrágio.

É esse naufrágio, essa falsificação espiritual que encontramos nos "amigos" de Ivan quando sabem da notícia da morte. Uns pensam nas suas carreiras (quem ocupará o lugar do defunto? haverá promoções?). Outros sentem alívio ("foi ele, não fui eu"). E todos suspiram com as obrigações sociais entediantes (ir ao funeral, consolar a viúva etc.). "The show must go on."

Amigos? Temos dezenas, centenas, milhares. E assim continuaremos –autoiludidos e autocentrados– até chegarmos ao leito derradeiro onde estarão poucos ou ninguém.


Estamos sem 'porquês' - ARNALDO JABOR

O Globo - 06/09

Li outro dia uma frase aterrorizante que nos explica — hoje. Quando o escritor Primo Levi foi preso em Auschwitz, ele perguntou algo a um oficial do campo. O sujeito respondeu: “Hier ist kein Warum” (aqui não há o porquê). Estamos sem porquês.

Aquela fotografia de um menino sírio em Aleppo, coberto pelos restos de uma explosão, mostra nossa solidão diante do Mal. Existe hoje no mundo um novo mal, um mal sem culpados visíveis. O Mal no mundo atual é o “incompreensível”.

Quando Hitler atacou o mundo com o nazismo, quando Stalin matou mais gente que o alemão, ainda havia uma sórdida “finalidade” em seus atos; sua violência era justificada por uma “causa” a ser atingida: ou o Milênio Ariano ou o paraíso comunista. Para eles todos os atos eram perdoados por essa intenção de futuro. O Futuro de nosso Presente só nos promete tragédias anunciadas.

O Mal ficou difuso. Onde está o mal, hoje? No terror, no meio da miséria, entre fezes? Os fanáticos do Islã querem destruir o demônio — que somos nós. Os atentados são cada vez mais terríveis, procurando apagar a alegria da vida ocidental que tanto invejam.

A Coreia do Norte, governada por um porco, ameaça-nos com a bomba atômica. O Maduro destrói seu país entre assassinatos e fome, o Assad arrasa a Síria e exporta milhões de pobres diabos; Putin, aquele agente do mal, não permite a queda do ditador russo. Aqui, mais perto, na América, temos o Trump, que é o Mal encarnado; para ele, os democratas são os cães infiéis, exatamente como pensam os muçulmanos radicais que matam pelo prazer de nos horrorizar com degolamentos na mídia.

Os terroristas injetaram o arcaico no moderno. No 11 de Setembro, os aviões viraram balas, mísseis. Osama nos fez ver o lixo que se escondia sob o progresso, a “razão” suja do Ocidente sob o governo do estafermo do Bush. Osama desmoralizou a América, nosso mito de competência, e comandou todos os erros pavorosos da vingança americana.

Nunca a América errou tanto. O horror atual tem várias origens, mas uma delas é o Bush. O Mal ocidental escondido sob o “Bem” apareceu — o eixo ocidental do Mal. Hoje, com o EI, a arma maior é a internet, doutrinando malucos para o mal.

Antigamente, era mole. O mal era o capitalismo, o bem era o socialismo. Todos fingiam ser o Bem. Ninguém dizia, de fronte alta: “Eu sou o mal!”. Ou: “Muito prazer, Diabo de Oliveira...”.

Agora, os intelectuais orgânicos, padres de esquerda, caridosos de carteirinha, cafetões da miséria, santos oportunistas estão em pânico. Pensam: “se não houver um mal claro, como seremos bons?”. Sente-se no ar uma sede, uma fome de Mal. Jovens neonazistas declararam outro dia na Áustria: “não aguentamos mais a monotonia da democracia”. O mal é excitante. Ninguém quer ser livre. O sucesso planetário dos evangélicos, as massas delirando com ídolos de rock mostram que, no mundo inteiro, as massas querem slogans irracionais, querem o fundamentalismo da crueldade prática, das soluções finais. Infelizmente, como disse Baudrillard: “contra o mal, só temos o fraco recurso dos direitos humanos”. O Mal parece uma forma perversa de liberdade. O mundo atual está numa sinuca de bico. Não há mais dualidades. Inimigos de “vários matizes” estão disseminados nos países. O Bem não sabe para onde vai, não sabe nem mesmo se ainda é o Bem. Desde que me entendo, nunca vi uma mutação tão intempestiva. Não é nas mentalidades, mas na matéria da vida, nas engrenagens que movem o mundo.

Hoje, a desesperança com qualquer hipótese de totalidade está parindo novas formas larvais de sobrevivência neste mundo decepcionante.

Esse mal em polvilho, em pó, essa chuva de mal se “balcaniza” em ilhas ideológicas e psicológicas — o mundo se “desunifica” em vazios, em avessos, em “buracos brancos” que vão se alargando à medida que o tecido da sociedade “linear” se esgarça. É um arquipélago de zonas de terror. Se, antes, havia a polarização de ideologias em oposições binárias, pretos contra brancos, socialismo versus capitalismo, isso vinha da ideia de “sistema e contrassistema”, de “cultura e contracultura”. Esta oposição acabou.

Um dos dramas de hoje é que não há mais fatos — só expectativas. A história vai devagar e por linhas tortas. A última grande mudança foi a queda das torres em NY. Em dez minutos, nossa vida mudou. O que houve no mundo foi o fim do sonho da unidade, o fim da possibilidade de uma “grande narrativa” — como dizem os pós-utópicos, perplexos e com uma pontinha de alívio da obrigação de grandes “relevâncias”. O que acabou foi o “UM”. Acabou o anseio totalizante de se achar uma única resposta, desejo antiquíssimo de tudo reduzir a um símile do corpo humano: a sociedade funcionando como um organismo sob controle.

Como escreveu Paul Valéry em seu texto “A política do espírito”:

“A desordem do mundo atual nos habitua intimamente a ela; nós a vivemos, nós a respiramos, nós a fomentamos e ela acaba por ser uma verdadeira necessidade nossa. Nós encontramos a desordem à nossa volta e dentro de nós mesmos, nos jornais, nos dias e noites, em nossas atitudes, nos prazeres, até em nosso saber”.

O mal se espalha em formas cada vez mais inventivas. O Mal tem imaginação.

No Brasil é diferente. O que nos assola não é o grande Mal. O perigo aqui é o pequeno mal, enquistado nos estamentos, nos aparelhos sutis do Estado, nos seculares dogmas jurídicos, nos crimes que são lei. O mal do Brasil não está na infinita crueldade de elites egoístas; está mais na sua cordialidade. O mal esta no mínimo.

Aqui, o perigo é o Bem.


China! Temer quebrou o salto! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 06/09

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

E estão chamando o Lewandowski de fatiador. Então eu quero 100 gramas de salaminho beeem fininho!

Rarará!

E o Frankstemer na China! Breaking News! O Temer foi comprar sapato. Made in China! A indústria brasileira adorou! Franca não curtiu!

Rarará!

Ele disse que quebrou o salto. Quem quebra o salto é passista de escola de samba! E ele usa salto pra bater na cintura da Marcela!

Rarará!

E o chargista Edgar Vasques revela como o Temer foi recepcionado pelo presidente da China: "Plimeilamente, Fola, Temer".

Rarará!

O presidente da China tem cara de pernambucano! E o Serra tava com cara de confuso horário!

Rarará!

E o G20? O G20 devia ter sido no Stand Center da Paulista!

Eu gosto do elenco do G20: Angela Merkel continua com aquela cara de ressaca de Oktoberfest!

Ou de primeiro lugar em concurso de apfelstrudel! E tá sempre amassada. Parece que saiu da boca da vaca!

Rarará!

O Putin, vilão de filme de 007! Só falta os ferros nos dentes! Rarará!

O Obama envelheceu dez anos. Tá a cara do Bezerra da Silva.

E São Paulo? E adorei esta manchete: "Temer busca dar legitimidade ao seu governo". Na China? Vamos combinar que um lugar que não combina com legítimo é a China!

Rarará!

E o protesto kids! Na Paulista tinha uma menininha com o cartaz: "Fora, Michelzinho".

Rarará!

E São Paulo? Atualmente quem governa São Paulo é a PM. O Alckmin terceirizou o governo pra PM!

É mole? É mole, mas sobe!

A Galera Medonha!

Os candidatos! E um amigo do Rio recebeu um santinho com dois candidatos: para prefeito Pedro Paulo e vereadora Maria da Penha.

Rarará!

Pedro Paulo apoia Maria da Penha! Ou é muita cara de pau ou ironia do destino!

E direto de Campo Novo, Rondônia: Sobrecu! Mas eu prefiro a moela! E olhando pra foto ele tem cara de sobrecu mesmo.

Nóis sofre, mas nóis goza.

Hoje só amanhã!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!


A ponta do iceberg - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 06/09

Há muitas formas de se desviar dinheiro de um fundo de pensão, por isso a lista dos suspeitos é grande. A operação Greenfield conseguiu mapear dez casos em que houve o mesmo padrão de irregularidade. Há outros casos sendo investigados. Esse pode ser o começo de um longo processo de limpeza dos fundos de pensão, que precisavam, há muito tempo, de um esforço para estancar a sangria.

Aoperação que cumpriu ontem ordens de prisão, condução coercitiva, busca e apreensão contra 40 alvos começou a ser montada há dois anos diante de denúncias recebidas. No começo, eram genéricas. Depois, chegaram denúncias mais concretas, feitas por participantes dos fundos, que explicavam a complexidade de certas operações.

Na CPI dos Fundos de Pensão, houve um grande avanço porque conseguiu-se montar um grupo de profissionais de várias áreas — Previc, Polícia Federal, CVM, Banco Central, TCU — que passou a assessorar as investigações. A PF agora está trabalhando num grupo multi-institucional, como foi na CPI. Um padrão de desvio foi identificado nos Fundos de Investimentos em Participações (FIPs), criados para um específico investimento. Eles é que estão nos casos investigados na operação de ontem.

O deputado Efraim Moraes Filho (DEM-PB), que foi presidente da CPI, considera que esses escândalos têm uma face ainda mais cruel, porque criam rombos que depois são cobertos pelos trabalhadores e, pior, pelos aposentados.

— A Postalis já está descontando 17% dos aposentados; a Funcef já desconta 4%;e a Petros começará no ano que vem a descontar para cobrir o rombo — disse o deputado.

A regra é que os fundos de pensão não podem deter mais do que 25% desses FIPs, mas o truque das empresas era superavaliar os ativos que aportavam nos FIPs, de tal forma que o fundo de pensão aplicava mais do que deveria, corria mais risco do que podia, e o tempo de retorno do investimento passava a ser muito maior. Ou seja, os 25% valiam mais do que o percentual indicava, porque os 75% eram de ativos cujo valor era exagerado. Em vários casos, essas operações foram feitas com uma rapidez que desrespeitava as regras dos fundos.

Os FIPs são uma forma de desviar dinheiro de fundos de pensão. Há várias outras. Como se justifica a compra de títulos da dívida da Argentina, no meio do calote, e da dívida da Venezuela, pela Postalis?

Nos últimos anos, o governo se comportou como se os fundos de pensão fossem departamentos das estatais. Eles foram convocados para aportar dinheiro em cada projeto duvidoso que aparecia — como a Sete Brasil —, sustentavam projetos de empresas amigas, eram usados como cabides de emprego para indicados políticos. Por isso não é de se estranhar que sejam alvos alguns velhos conhecidos, como Leo Pinheiro e João Vaccari Neto.

— A Sete Brasil tinha um mês de vida, era apenas uma ideia, e recebeu aportes de R$ 3,3 bilhões de três fundos: Funcef e Petros deram R$ 1,5 bi cada um, e a Previ deu outros R$ 300 milhões. Não eram investimentos do interesse dos aposentados, mas sim uma agenda do PT. Em Belo Monte, foi a mesma coisa — diz o deputado Efraim Moraes Filho.

O caso do J&F tem a ver com o FIP Floresta, que iniciou os investimentos da celulose Eldorado, depois beneficiada com dinheiro do FI-FGTS, em caso denunciado pelo ex-vice-presidente da Caixa Fábio Cleto, afilhado do deputado Eduardo Cunha. No caso do FIP Enseada, encontra-se Eugênio Staub, que já quebrou a Gradiente, e tentava por em pé outra empresa com a ajuda dos fundos. A Engevix também está presente nesse escândalo através do FIP Cevix, que recebeu R$ 237 milhões da Funcef.

— Isso é só a ponta do iceberg, só o começo, porque os valores dos fundos são gigantescos. Eles pegavam um papel sem valor, levavam ao fundo e, com tráfico de influência, conseguiam aprovar. Uma agência de classificação pequena dava um bom rating, e aí tirava-se dinheiro do fundo de pensão — disse o deputado Sérgio Souza (PMDB-PR), relator da CPI dos Fundos de Pensão.

O rombo que terá que ser coberto é de R$ 50 bilhões, e os desvios são de R$ 8 bilhões. Pelo que a CPI levantou, e pelo que a PF já está investigando, este é apenas o começo de uma limpeza que pode ser histórica.


Tom do discurso do Itamaraty com os bolivarianos é adequado - ALEXANDRE VIDAL PORTO

FOLHA DE SP - 06/09

Em sua última coluna, Elio Gaspari "psicografou" um bilhete do Barão do Rio Branco para o Presidente Michel Temer. No bilhete, o Barão advertia para o fato de que, em menos de seis meses, a diplomacia do atual governo havia "encrencado" com cinco países latino-americanos. Para Rio Branco, o comportamento mais assertivo do Brasil em relação a esses vizinhos seria contrário aos interesses nacionais, uma vez que, na América do Sul, "precisamos ser um fator de moderação."

O Barão imaginário se referia à recente reação do Itamaraty a comentários de governos que questionaram a legitimidade e a legalidade da presidência de Michel Temer. Os termos das respostas da chancelaria brasileira foram considerados fortes para a tradição diplomática do país. No entanto —deve-se notar— adotaram tom mais sóbrio e conciliatório que o dos ataques ao Brasil.


Em protesto ao impeachment de Dilma Rousseff e à efetivação de Michel Temer, os governos de Bolívia, Equador e Venezuela resolveram retirar seus embaixadores no Brasil. Em diplomacia, retirar embaixador é um ato muito simbólico. Traduzido para as relações humanas, significaria: "não quero mais papo com você". Considerando-se a densidade histórica das relações do Brasil com seus vizinhos, vê-se que a situação é séria.

Mas criticar publicamente a legitimidade de um governo recém-investido —ainda mais em um país vizinho— também é sério e simbólico. Sobretudo quando a rejeição ao impeachment de Dilma agrega a seu viés ideológico a defesa de benefícios conseguidos junto a um governo outrora generoso com países "ideologicamente amigos".

Nesse contexto, a reação adversa dos governos de Bolívia, Equador e Venezuela representa um ato de autodefesa e frustração, diante do fato de que fontes de financiamento vão começar a minguar, e de que a influência de Caracas, Havana e La Paz sobre o curso da política externa brasileira —tão presente e perceptível no governo Dilma— se encerrou.

Depois de ter visto senadores constrangidos nas ruas de Caracas, ter permitido que sua embaixada funcionasse como cárcere terceirizado para preso político e ter"perdido" refinarias na Bolívia, o Brasil encontra-se em momento de inflexão.

Precisa dar um reboot em suas relações com os bolivarianos. Deve mostrar quem é.

O Rio Branco psicografado acredita que, ao agir com firmeza e assumir discurso combativo, o Brasil correria o risco de se indispor e perder a posição de mediador que sempre teve no continente. Mas como não ser combativo quando o que está em questão é a própria legitimidade do governo que se representa, ou, em outras palavras, o exercício da soberania nacional no exterior?

Para os tempos que correm, o Brasil adota o discurso diplomático adequado. Diante das críticas deselegantes e desinformadas por figuras lamentáveis como Nicolás Maduro, como deveria agir o governo brasileiro? Qual teria sido a alternativa ao discurso do Itamaraty? Fingir que não é com a gente?

O Brasil é um país grande. O que nos desautorizaria mais como mediadores? Falar grosso ou não ter voz?


Os inimigos moram ao lado - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 06/09

O início do governo efetivo de Michel Temer está mais tumultuado do que já se previa, com pressões vindas do exterior, dos movimentos aliados ao PT, de analistas políticos e até de Aécio Neves, presidente do principal partido da sua base aliada, o PSDB. No Planalto, porém, o discurso (pelo menos de boca para fora) é de tranquilidade. Tudo isso já estava “precificado”, dizem eles, recorrendo a uma expressão de economistas. Ou seja, estavam na conta. Mas e o PMDB?

“Se o governo acertar na economia, tudo isso passa”, disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), que ontem substituía Temer durante sua viagem à China. “Esses protestos são normais, já eram esperados. O fundamental é tomar as medidas certas e tirar o País da crise”, faz eco o secretário de Infraestrutura, Moreira Franco. Para o Planalto, milhares de pessoas em São Paulo é um contingente razoável, mas não chega a 10% dos que iam às ruas antes do impeachment.

Uma reclamação é que até pequenas coisas viram grandes debates. O salto do sapato de Temer quebrou e ele comprou um par novo na China. E daí? Na reunião do G-20, Temer foi posicionado no canto esquerdo, quase caindo da foto, com ar desconfortável. É grave?

Mas, se palacianos tentam tratar com naturalidade (ou naturalidade forçada) o “fora, Temer”, principalmente em São Paulo, Rio, Curitiba, Porto Alegre e Salvador, a energia do governo parece focada no ajuste e nas reformas. E os maiores problemas no Congresso não partem da oposição, mas dos próprios aliados. A tarefa número um de Temer, ao descer hoje do avião em Brasília, deve ser uma conversinha séria com o seu partido, o PMDB, que nunca tinha assumido de fato a Presidência e ainda não conseguiu assimilar a nova posição.

Sempre ficará uma ponta de dúvida, porque a verdade dos políticos balança ao sabor das conveniências, mas dez entre dez dos principais ministros, assessores e amigos de Temer juram que Renan não comunicou a ele o tal fatiamento da Constituição e do julgamento de Dilma. Se for realmente assim, foi uma deslealdade. Dá para confiar nele?

O mandato de Renan na presidência do Senado só vai até fevereiro, sem direito à reeleição. Serão cinco meses, com eleição municipal e recesso de fim de ano no meio. Logo, o que se pergunta é: 1) o que dá tempo de fazer até lá e 2) quem assumirá depois o seu lugar. Apesar de se considerar Eunício Oliveira (PMDB-CE) como favas contadas na presidência, há dois senões: Eunício, aliado de Renan, enfrenta problemas de saúde; e uma parte do PMDB articula o nome de Garibaldi Alves (RN).

O fato é que o País, Temer e os 12 milhões de desempregados têm pressa, mas o ano parlamentar está, na prática, acabando. Temer precisa rapidamente mostrar força política e uma base aliada coesa. Mas Renan e parte do PMDB não chegam a ser tão confiáveis assim e, vira e mexe, lá está o tucano Aécio advertindo que, se Temer não fizer as reformas, babau apoio. Num momento como esse, com tantos flancos para o governo que se instala, não é exatamente um gesto camarada, solidário.

Ontem, Aécio almoçou com Geraldo Alckmin e jantou com Rodrigo Maia. Será que suas cobranças recorrentes se resumem a mera busca de protagonismo? O pessoal de Temer acha que sim, mas bem pode ser um “hedge”, para a eventualidade de o governo naufragar. Só tem um problema: se naufragar, não se salva um, nem PMDB, nem PSDB, nem DEM, nem PPS... E o PT não volta à tona. O insucesso de Temer seria o insucesso geral. A dúvida é o que, e quem, lucraria com isso. Se é que alguém lucraria.

Velhinhos. Depois dos desvios do crédito consignado, confirma-se agora o assalto aos fundos de pensão dos funcionários da Petrobrás, CEF, BB e Correios, efeito direto do aparelhamento do PT. E ainda rechaçam a reforma da Previdência!

A insegurança continua - MERVAL PEREIRA

O Globo - 06/09

Não sei se houve cem mil pessoas nas ruas de São Paulo, mas tinha muita gente, o que obrigou o ministro Henrique Meirelles a admitir que era “um número considerável”. Uma manifestação como essa sempre é um baque para qualquer governo, e tenho a impressão de que as forças que apoiam a presidente cassada Dilma ganharam motivação nova com o impasse criado pelo fatiamento, que acabou colocando o próprio impeachment em questionamento na judicialização do processo no Supremo Tribunal Federal.

Essa insegurança jurídica sobre o desfecho do processo obriga o Supremo a uma decisão rápida, mesmo que a impressão predominante entre os especialistas seja a de que nada será anulado, nem a decisão de cassar a presidente nem a esdrúxula divisão de um texto constitucional que não admitia tal separação de penas, como se a inabilitação da presidente punida fosse uma pena acessória, e não a própria continuidade do castigo legal.

Uma decisão contrária, de anulação do impeachment, jogaria o país num caos de insegurança jurídica que teria consequências graves, inclusive colocarse no cenário internacional como, aí, sim, uma verdadeira República bananeira, cuja Constituição é manipulada por grupos políticos a torto e a direito.

O presidente Temer viajou para a reunião do G-20 sustentado por uma decisão do Senado, assinou documentos, fez acordos diplomáticos, para de repente ser destituído devido a uma manobra casuística de grupos políticos? Fala-se tanto em golpe parlamentar, e a separação do texto constitucional para beneficiar a presidente destituída seria exatamente o quê?

Situação delicada que precisa ser esclarecida rapidamente pelo STF. Mas foi uma temeridade Michel Temer minimizar as manifestações contra seu governo, que ocorrem em diversos pontos do país. Defender a presidente Dilma era mais difícil do que defender o “Fora, Temer”, e é improvável que multidões vão para a rua para pedir “Fica, Temer”. A defesa de seu direito de assumir a Presidência da República advém muito mais do cumprimento da Constituição do que de sua qualidade de líder político, que ainda está para ser provada.

Mostrando mais uma vez que seu faro político continua aguçado, o ex-presidente Lula lançou a campanha por eleições diretas já, para dar a seus seguidores uma razão para sair às ruas, esquecendo as muitas outras razões que têm para se envergonhar.

É uma utopia inalcançável, pois tem um componente revolucionário que não terá o apoio da maioria da população, mas serve para animar os militantes. Esse componente revolucionário, movido a violentos ataques ao patrimônio público por mascarados, é mais uma razão para afastar essas novas manifestações da maioria da sociedade, que, se não se mobiliza a favor de Temer, pode vir a se mobilizar contra os arroubos revolucionários desses movimentos sociais que instalaram o pânico nas cidades onde se manifestaram.

As eleições deste ano mostrarão o repúdio do eleitorado médio ao PT e à esquerda, especialmente se a violência continuar sendo o motor das manifestações. Ao mesmo tempo em que ganharam motivação maior com a campanha “Diretas já”, continuarão sangrando com as revelações da Lava-Jato e outras assemelhadas.

A de ontem, envolvendo os golpes dados nos fundos de pensão das estatais, mostra a face mais cruel do esquema de corrupção organizado pelo PT e por seus asseclas. Desviaram dinheiro dos empréstimos consignados, atingindo os funcionários públicos mais necessitados, e agora estão metidos em golpes na aposentadoria dos servidores das estatais, isto é, além de quebrar as empresas, causando prejuízos ao país, roubaram a previdência de seus empregados.

A insegurança jurídica continua mesmo depois do impeachment da presidente Dilma, e será muito difícil para o PMDB controlar essa situação, porque seu trabalho prioritário é aprovar as reformas estruturais em setores delicados, como o corte de gastos públicos, a Previdência Social e a legislação trabalhista, que são medidas impopulares no plano imediato, embora sejam fundamentais para garantir o futuro dos próprios trabalhadores.

Difícil de explicar, fácil de ser explorado por líderes populistas que já se apresentam para a disputa de 2018. Quanto mais medidas impopulares o governo aprovar, mais fácil ficará o trabalho da oposição, uma situação complicada de enfrentar.

Messianismo às avessas - ROBERTO PEREIRA MIGUEL

ESTADÃO - 06/09

Se Jesus resistiu às três tentações, o movimento messiânico lulopetista sucumbiu a todas elas



“Lula ainda é o Messias que, na esperança de muitos, poderia salvar o Brasil do retrocesso, e promover a partilha do pão e do vinho, da comida e da bebida. Dilma, a discípula que deveria dar ouvidos ao Mestre. Temer, o apóstolo que aguarda pacientemente a oportunidade de ocupar o lugar do Mestre. Renan, o discípulo que ora fica ao lado do Mestre, ora de Caifás. E Cunha, o Judas, que se vendeu por 30 dinheiros (...).”

A sentença acima, proferida pelo teólogo da libertação Frei Betto – amigo pessoal de Lula e que foi coordenador do extinto Programa Fome Zero – em entrevista ao jornal digital Brasil 247 em dezembro de 2015, ilustra bem o messianismo político que desde sempre foi associado ao PT e a seu líder máximo, o ex-presidente Lula, e que continua até hoje repercutindo nas mentes e nos corações de petistas e simpatizantes. Cabe, entretanto, analisar em que se constitui o messianismo cristão para o qual Frei Betto aponta, a fim de diferenciá-lo do messianismo lulopetista, que é tanto um arremedo quanto uma perversão daquele.

O termo “Messias”, originário do hebraico (mâshîah) e em grego traduzido por Christos, significa “ungido” e nos remete a uma figura histórica ansiosamente esperada que seria responsável por uma mudança radical e definitiva na História. Para os antigos hebreus, o “Messias” estava intimamente associado à realeza e os profetas já falavam de um rei que redimiria Israel e traria um período de paz e justiça à Terra. Mais tarde, diante dos milagres e da mensagem proclamada por Jesus, seus seguidores passaram a interrogá-lo sobre a sua qualidade de Messias. Pedro foi o primeiro a confessar: “Tu és o Messias”. E imediatamente após a ressurreição de Jesus a Igreja primitiva passou a conferir-lhe o título de “Cristo”, o qual é até hoje afirmado entre os seus seguidores.

Segundo a tradição cristã, logo no início do seu ministério, e pouco após haver sido batizado nas águas do Rio Jordão por João, Jesus – o Messias dos cristãos – foi conduzido pelo Espírito Santo ao deserto, para ser três vezes tentado pelo diabo. À primeira tentação apresentada por Satanás – transformar pedras em pães, simbolicamente exprimindo a ânsia de coisas materiais, como propõe o filósofo Erich Fromm – Jesus responde: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”. Satanás propõe a Jesus, então, que se atire do alto do pináculo, garantindo-lhe poder total sobre as leis que regem a natureza. Jesus igualmente recusa, citando as Escrituras: “Não tentarás o Senhor, teu Deus”. Finalmente, o diabo transporta Jesus a um monte muito alto, mostra-lhe todos os reinos do mundo e lhe promete: “Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares”. Jesus rejeita de novo e afirma: “Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a ele servirás”.

Se Jesus resistiu à tríplice tentação, o movimento messiânico lulopetista, por sua vez, sucumbiu a todas elas. Começando de trás para a frente, aliou-se ao pior que havia na política brasileira (Renan Calheiros, Orestes Quércia, Fernando Collor de Mello, Jader Barbalho, Paulo Maluf, etc.) para pavimentar o seu acesso à Presidência da República e ali se perpetuar. Em 2009, comentando sobre a necessidade de tais acordos eleitorais, Lula disse: “Se Jesus Cristo viesse para cá e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão”. Naturalmente, Lula sempre identificou a si mesmo como Jesus e aos outros como Judas. Sua discípula Dilma Rousseff, dando ouvidos ao mestre, afirmou às vésperas da sua própria reeleição, em 2014: “Podemos fazer o diabo quando é hora de eleição”. Em outros termos, “diante da possibilidade de chegarmos ao poder e dominarmos o reino, por que não servir ao diabo?”.

No que se refere à segunda tentação, Lula e os petistas desconsideraram as leis que regem a sociedade e se atiraram precipício abaixo achando que estariam imunes às repercussões penais que atingem os demais mortais envolvidos em ilícitos. Caixa 2, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, compra de apoio parlamentar, estelionato, tráfico de influência, ocultação de patrimônio e as “pedaladas fiscais” fazem parte do rol de artimanhas e crimes cometidos por integrantes do partido que se proclamava o bastião da ética. Mas como o diabo é o pai da mentira, seu engodo logo se manifestou no indiciamento ao pretenso messias, nas condenações e prisões sofridas por seus “discípulos” (José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino, João Paulo Cunha, João Vaccari Neto, etc.) e no impeachment de Dilma Rousseff. Antes disso, em 9 de março deste ano, Renan Calheiros, aquele que ora serve ao mestre, ora a Caifás – como disse Frei Betto –, ironicamente presenteou o messias petista, já moralmente esborrachado no chão, com o texto da Constituição brasileira, aquele mesmo corpo de leis que ele rejeitou ao se atirar do alto do pináculo. Eis a própria imagem do diabo escarnecendo do incauto que lhe deu crédito.

Sobre a primeira tentação, a ânsia pelos bens materiais, pouco é preciso dizer diante do gigantesco montante surrupiado das empresas estatais que foi direcionado à “causa” (o projeto de poder petista) e ao enriquecimento desproporcional daqueles que seriam os responsáveis por redimir o Brasil de todos os males. Carros, propriedades rurais, barcos e apartamentos luxuosamente mobiliados estão entre os inúmeros bens adquiridos por meios escusos. O sítio em Atibaia e o triplex no Guarujá que pertenceriam de fato ao mestre citado por Frei Betto, bem como os inúmeros bens do ex-presidente estocados num guarda-móveis pago pela OAS ao custo de mais de R$ 1 milhão, são apenas a exemplar representação do culto a Mamon prestado pelos integrantes desse movimento messiânico às avessas, já bastante carcomido, e por um pseudomessias que, até aqui, ganhou o mundo inteiro e perdeu a sua alma.

*Teólogo, é mestre em Ciências da Religião pela PUC-SP e doutor em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

Diretas já? - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 06/09

É o caso de antecipar para os próximos meses uma eleição direta para presidente da República? Pessoalmente, eu não teria nada contra. Há até caminhos constitucionais para fazê-lo. Agora que o marqueteiro João Santana já admitiu que recebeu dinheiro de caixa dois para dirigir a campanha que elegeu a dobradinha Dilma-Temer, seria em tese possível que a Justiça Eleitoral cassasse a chapa, abrindo caminho para o pleito direto.

Seria preciso correr. E bastante. A cassação teria de acontecer até o dia 31 de dezembro de 2016, ou a eleição deixaria de ser direta e a escolha do próximo mandatário recairia sobre o Congresso Nacional, onde centrões e centrinhos reinam soberanos.

É extremamente improvável, porém, que esse cenário se materialize, já que nenhum dos principais partidos políticos —PT incluído— têm interesse em enfrentar um pleito presidencial agora. A principal razão para isso é a Lava Jato. As legendas não sabem exatamente quais de seus potenciais candidatos vão sobreviver às próximas operações policiais.

Lula, por exemplo, será ou não condenado em primeira instância nos próximos meses? Pelo lado do PSDB a situação não é muito menos incerta, uma vez que tanto Aécio como Serra já tiveram seus nomes citados nas delações premiadas. E o PMDB? O PMDB não só não tem um nome claramente "presidenciável" —estamos falando de um cenário em que Michel Temer teria sido cassado— como, se vier a ter, são enormes as chances de ele também estar enrolado nas denúncias.

No mais, eleições para mandatos-tampões não costumam ser muito populares entre políticos. O custo de enfrentá-las é o mesmo do de pleitos normais, mas a recompensa, menor. Quem fosse escolhido nessa hipotética eleição avulsa teria no máximo seis anos de mandato contra oito numa situação ordinária.

Desconfie, portanto, se o seu partido diz que quer diretas já.

Janot na reta final - JOSÉ CASADO

O Globo - 06/09

Procurador corre contra o relógio. Partidos reagem com projetos para minar investigações e restringir as delações, como aconteceu na ‘Mãos Limpas’ italiana


Janot corre para evitar que ações inviabilizem a Lava-Jato e favoreçam políticos. Ojantar na embaixada italiana estava no fim, quando a vice-presidente da Câmara dos Deputados da Itália, Marina Sereni, virou-se para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e perguntou:

— O senhor já sabe quando e como é que vai encerrar essa investigação?

— Não entendi — retrucou Janot, num evidente abuso da sua mineirice. — Mas está meio prematuro para a gente pensar nisso.

— Não estou pedindo pressa — devolveu a deputada, com simpático sorriso. — Estou pedindo é para que vocês aprendam com o que aconteceu na Itália e se organizem para encerrar essa investigação, quando os resultados que pretendem chegarem a bom termo. Janot ajeitou os óculos. A deputada, líder da centro-esquerda na região de Umbria, se manteve incisiva:

— Porque ou vocês encerram essa investigação ou pessoas de fora irão encerrá-la. É melhor que mantenham o controle do processo e que planejem o encerramento.

Na próxima semana, Janot completa 60 anos de idade e inicia o último ano de seu mandato no comando da Procuradoria-Geral da República. A recente conversa com a deputada Sereni não lhe sai da cabeça. Tem bons motivos.

O principal é a reação organizada às investigações sobre corrupção, à semelhança do ocorrido na Itália, nos anos 90, quando o juiz Antonio Di Prieto chefiou inquérito sobre uma rede de corrupção política e empresarial italiana, no caso conhecido como Operação Mãos Limpas.

No Congresso, em Brasília, PT, PMDB, PP, DEM e PSDB aceleram a tramitação de duas dezenas de projetos para novas leis com o objetivo de reduzir a autonomia do Ministério Público; neutralizar a colaboração premiada; dificultar acordos de leniência; ampliar recursos judiciais sobre prisões; condicionar abertura de inquéritos no Supremo, no Superior Tribunal de Justiça e no Ministério Público; ampliar o sigilo e anular processos quando divulgados. Querem, entre outras coisas, restringir benefícios da colaboração premiada a quem apresente “bons antecedentes”, embora uma delação só possa ser feita, por razões óbvias, por quem participa de crime. Tentam instituir novos mecanismos de efeitos suspensivos e de reclamações em processos, além de criar formas para adiamento de aplicação de sentenças. Avançam em negociações sobre formas de anistia a partidos sob investigação e de evitar punições a políticos acusados lavar dinheiro de corrupção no financiamento eleitoral.

A reação era previsível num Congresso em que um em cada três parlamentares está ou se acha ameaçado por inquéritos sobre corrupção. A novidade é que perceberam uma oportunidade na insistência do Ministério Público sobre o “pacote” de projetos anticorrupção para corrigir ambiguidades na legislação vigente. O argumento virou armadilha.

Foi assim na Itália, lembrou o antigo chefe da Mãos Limpas em conversa com o condutor da Lava-Jato, mês passado, em Brasília. Di Pietro contou que, num dia, contou 463 projetos com o objetivo de minar as investigações:

— Espero que vocês aqui consigam melhores resultados — disse a Janot.

O procurador-geral já abriu inquéritos contra 54 pessoas com foro especial, incluindo quatro ex-presidentes (Dilma, Lula, Sarney e Collor). Agora, corre contra o relógio. Restam-lhe 54 semanas para se organizar e evitar que terceiros encerrem a investigação, como previa a deputada italiana Marina Sereni.


A tentação totalitária do PT - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 06/09

A crise que culminou com o impeachment da presidente Dilma Rousseff parece ter estimulado o PT a adotar estratégias típicas de movimentos totalitários. Numa delas, a realidade percebida pelos sentidos é rejeitada in limine, pois é considerada como uma mentira construída pelos inimigos do povo para realizar seu perverso projeto de dominação. Em seu lugar, o PT oferece a “verdadeira” realidade, aquela que se constitui do que não é perceptível, do que está escondido, do que não se dá a conhecer senão por meio da revelação dos que passaram pelo adequado treinamento ideológico. A ideologia petista dá a seus simpatizantes o conforto de substituir o mundo real, com suas contradições e seus acidentes, por um mundo em que tudo faz “sentido”, graças ao discurso que lhe empresta coerência, mesmo que nada disso tenha a mais remota conexão com a realidade.

É com esse viés que os petistas, derrotados pela Constituição e pela democracia, querem fazer acreditar que o País viveu um “golpe”, com a destituição da presidente Dilma Rousseff, e que agora está em curso um processo que culminará em breve num “estado de exceção”, semelhante ao da ditadura militar.

De acordo com essa estratégia, é preciso apostar na confusão moral. A manutenção da ordem, dever da polícia, é tratada como repressão arbitrária – e qualquer ato da polícia nesse terreno, mesmo que no estrito cumprimento do seu dever, é logo apropriado e divulgado de forma estridente pela máquina de propaganda partidária com o objetivo de construir a realidade que lhe interessa.

Assim, uma manifestante que teve ferimentos num olho em razão de estilhaços de uma bomba de gás lacrimogêneo atirada pela polícia, no último dia 31 de agosto, foi imediatamente convertida em mártir petista. Sua vida deixou de lhe pertencer. Ela passou a servir como ilustração do “golpe de Estado dado no País”, como afirmou Dilma em seu perfil no Twitter. A moça foi “vítima da violência policial que tenta reprimir manifestações democráticas”, disse Dilma, sem se ater ao fato de que a bomba que feriu a jovem foi atirada para dispersar vândalos e baderneiros, que não estavam fazendo nenhuma “manifestação democrática” e tinham de ser contidos, como manda a lei.

Mas Dilma não tem nenhum interesse no mundo real. Seguindo a delirante cartilha de seu partido, ela colhe acontecimentos aqui e ali conforme estes se encaixem na tese lulopetista de que está em andamento uma grande conspiração para estabelecer uma ditadura no Brasil, como a de 1964. “As pessoas vão para as ruas e vem a repressão. Cegam uma menina. Depois, matam alguém, como foi com o estudante Edson Luís”, disse Dilma em entrevista a jornalistas estrangeiros, fazendo absurdo paralelo do caso atual com o do assassinato de Edson Luís em março de 1968 pelas forças do regime militar. Mas ela foi adiante: “O terrorismo de Estado é gravíssimo. O poder dele para reprimir é muito forte. Assim começam as ditaduras”.

É com essa lógica rasteira que os petistas pretendem convencer os brasileiros de que estamos às portas de um regime de exceção. O objetivo é criar uma atmosfera favorável à defesa de soluções que, a título de preservar a democracia, representariam na verdade uma ruptura, ou seja, um golpe, cujo objetivo é restituir o poder aos que, em respeito à Constituição, dele foram apeados. É o caso da proposta de antecipação das eleições presidenciais, que o PT agora encampou sob o título “Diretas Já” – alusão malandra ao nome do movimento que há mais de 30 anos ajudou a enterrar a ditadura militar.

A resolução do PT que anunciou a tal “Diretas Já” nem se dá ao trabalho de dizer como essas eleições seriam realizadas, já que contrariam a Constituição. Mas o pensamento petista prescinde da razão – esta, aliás, é sua inimiga mortal e deve ser combatida com todas as forças e por todos os meios. Assim, sempre que alguém renuncia à capacidade de pensar e abraça a lógica oferecida pela doutrina petista, o exército de liberticidas se adensa, e o cerco pernicioso à democracia se fecha um pouco mais.

Os vândalos do “fora Temer” - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - 06/09

Como ignorar que a esquerda tem sido a maior patrocinadora da estratégia do quebra-quebra?



O vandalismo tem sido a marca da maioria das manifestações contra o impeachment de Dilma Rousseff e o governo de Michel Temer em todo o país. Os bárbaros não diferenciam patrimônio público e privado, pichando e depredando instalações e veículos de transporte coletivo, concessionárias de automóveis, fachadas de bancos e outros estabelecimentos, além de entidades como a Fiep. Em Florianópolis (SC), empresas pertencentes a membros do Movimento Brasil Livre foram atingidas. Jornais também foram alvo do quebra-quebra: em São Paulo, a sede da Folha de S.Paulo foi vandalizada na noite do dia 31 de agosto, data em que foi aprovada a cassação de Dilma; esta Gazeta do Povo foi atacada pelos vândalos na noite seguinte. No domingo, em Curitiba, a sede do PMDB, partido de Temer, foi pichada e apedrejada.

Algumas lideranças dos protestos “fora Temer” têm até procurado se distanciar dos baderneiros ultimamente, cientes de que jamais conseguirão algum apoio popular se suas manifestações sempre acabarem em violência. Esse distanciamento, no entanto, não tem impedido que a proverbial “minoria de vândalos” consiga sempre se impor contra uma maioria que se diz pacífica e avessa à violência nos protestos.

De qualquer maneira, como ignorar que a esquerda tem sido a maior patrocinadora da estratégia do quebra-quebra? Existe todo um arcabouço intelectual construído para defender ações violentas com fins “revolucionários”. Seus expoentes estão tanto no exterior, como o esloveno Slavoj Zizek, quanto dentro do Brasil, lecionando em universidades de prestígio como a USP e a Fundação Getulio Vargas. Aliás, falando no sistema educacional, é digno de lembrança o episódio de outubro de 2013, em que black blocs e professores em greve marcharam lado a lado no Rio de Janeiro. Aos “pensadores” se juntam artistas que também já defenderam os black blocs, como Caetano Veloso e Marcelo D2.

Num nível mais rasteiro, sem a roupagem intelectual de um Zizek, a violência é igualmente incentivada por alguns dos principais nomes da esquerda brasileira. Se recordamos à exaustão os casos do ex-presidente Lula, que invocou o “exército de Stédile”; do presidente da CUT, Vágner Freitas, que falou em “armas na mão se tentarem derrubar a presidenta” diante da ex-presidente Dilma em pleno Palácio do Planalto; ou do chefão do MTST, Guilherme Boulos, que prometeu “não haver um dia de paz” no Brasil se o impeachment passasse, é porque a esses episódios ainda não foi dada a importância devida. Aqueles que agora tentam se distanciar do vandalismo já foram seus incentivadores – e continuam sendo, a julgar pelo que o humorista Gregório Duvivier escreveu na Folha de S.Paulo desta segunda-feira, afirmando que black blocs não passam de “adolescentes desarmados” e alegando que o verdadeiro problema é quem pede ação enérgica contra a baderna.

E, já que mencionamos a resposta estatal ao quebra-quebra, não podemos deixar de comentar também a atuação que esperamos da polícia durante as manifestações que incluem vandalismo. Há dois extremos que é imprescindível evitar: um deles é a omissão pura e simples, que tem como consequência o estímulo a futuros atos de vandalismo – afinal, a impunidade é um dos mais poderosos motores para a criminalidade. O outro é a ação que iguala injustamente os baderneiros aos demais brasileiros que estão apenas exercendo seu direito legítimo de se manifestar. Das polícias, em todas as unidades da federação, esperamos a ação inteligente e eficaz que possa impedir o vandalismo, ou ao menos que não deixe impunes os responsáveis pelo quebra-quebra. Assim, a democracia acabará fortalecida: o direito à manifestação estará garantido, ao mesmo tempo em que a população, livre dos bárbaros depredadores, se verá protegida em seus demais direitos.

A fraude dos fundos - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - RS - 06/09

Deflagrada pela Polícia Federal em oito Estados, incluindo o Rio Grande do Sul, além do Distrito Federal, a Operação Greenfield ataca um descalabro da administração pública, que é a gestão temerária e fraudulenta de fundos de pensão de empresas estatais. Alguns dos maiores fundos do país, que há anos são prejudicados por desvios, se prestam a todo tipo de fraude. Não por acaso, estão associados de diferentes formas a todos os grandes escândalos de corrupção investigados no país na história recente, e acumulam irregularidades que, só nos casos agora sob investigação, levaram ao bloqueio de R$ 8 bilhões.

As razões desse absoluto descaso com o dinheiro destinado a assegurar uma complementação de renda depois da aposentadoria de servidores são múltiplas. Falta transparência a essas instituições, que funcionam como verdadeiras caixas-pretas. Além disso, a fiscalização é falha, incluindo a exercida por auditorias, muitas das quais foram intimadas agora a prestar esclarecimentos. E, o que é mais grave: fundos de pensão de estatais no Brasil são vistos sempre como verdadeiros cabides de empregos para líderes sindicalistas e políticos aliados de quem está no poder.

Essa particularidade ajuda a explicar tanto descuido no uso de recursos que, em parte, são públicos, pois provêm de contrapartidas de estatais, na condição de empregadoras. Demonstra também por que o mau gerenciamento no setor se mantém há tanto tempo no país, mesmo depois de sucessivas denúncias de malversação de cifras bilionárias.

Seria providencial que, desta vez, a operação da Polícia Federal se constituísse finalmente num marco contra a impunidade nessa área. É inadmissível que o dinheiro destinado a assegurar maior renda para servidores na aposentadoria continue a ser desviado com tanta desfaçatez.

Hora de exercer a autoridade - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 06/09

Em benefício dos brasileiros sufocados pelo desastre econômico que o populismo lulopetista provocou, ressalve-se que Michel Temer merece o crédito de ter-se cercado de uma competente equipe econômica



De regresso da China, onde deve ter tido a oportunidade de refletir sobre a enorme responsabilidade que lhe pesa sobre os ombros desde que passou a governar livre dos inconvenientes da interinidade, o presidente Michel Temer não poderá mais fugir da escolha que o atormenta: colocar sua autoridade a serviço da recuperação política, econômica e moral do País, tarefa com a qual mais de uma vez se declarou comprometido, ou continuar cedendo aos interesses e conveniências eleitorais de muitos dos que o cercam, principalmente seus correligionários do PMDB.

As perspectivas são preocupantes. O noticiário de ontem já destacava a pressão que se prepara entre seus aliados para convencê-lo a adiar o envio da proposta de reforma da Previdência ao Congresso para depois do segundo turno das eleições municipais. O motivo: esse tema pode prejudicar o desempenho nas urnas dos candidatos do PMDB e aliados. Além de adiar o início da discussão de um dos pontos fundamentais do programa de saneamento das finanças públicas, o que se deseja sugerir a Temer é uma artimanha de natureza eleiçoeira comparável, nos objetivos, ao estelionato eleitoral que Dilma Rousseff cometeu para se reeleger.

Em benefício dos brasileiros sufocados pelo desastre econômico que o populismo lulopetista provocou, ressalve-se que Michel Temer merece o crédito de ter-se cercado de uma competente equipe econômica, cuja atuação começa a produzir sinais, ainda muito tímidos, de recuperação da confiança dos agentes econômicos, fator essencial para a retomada dos investimentos. A reversão da crise, no entanto, depende de medidas rigorosas que contenham eficazmente a desenfreada gastança populista que a provocou. São medidas impopulares e que por isso já estão sendo cinicamente exploradas pela irresponsável oposição lulopetista, que acusa o “governo sem voto” de Temer de estar a serviço dos interesses da elite conservadora.

Se efetivamente acreditam, como afirmam, na necessidade de medidas duras de saneamento das contas públicas e de incentivo à retomada do crescimento econômico, os políticos aliados de Temer, a começar por seus ministros, têm a obrigação de apresentar os argumentos do governo à população, de convencer os brasileiros de que tempos difíceis exigem medidas duras. No caso da Previdência, por exemplo, trata-se de explicar o óbvio: com a progressiva mudança do perfil etário da população, que resulta em crescente aumento de aposentados e pensionistas em relação aos trabalhadores ativos que sustentam financeiramente o sistema, este acumula um déficit que resultará, a médio prazo, na inexistência de dinheiro suficiente para pagar aposentarias e pensões.

É preciso, portanto, que os políticos que hoje estão no governo se preocupem mais com o futuro do País do que com os argumentos que a oposição possa usar na eleição municipal. A oposição está fazendo o seu papel, que naturalmente terá algum reflexo no debate eleitoral, mas seus argumentos só prevalecerão se os governistas não tiverem coragem e competência para contraditá-los. Afinal, acreditam ou não no que dizem que estão fazendo? A desculpa usada por gente ligada a Temer para empurrar com a barriga o envio ao Congresso do projeto de reforma da Previdência e de outras medidas polêmicas revela bem a qualidade de homens públicos que não têm o menor escrúpulo de priorizar seus interesses pessoais e partidários em prejuízo da verdadeira prioridade que o momento impõe: o combate sem trégua à crise. A opinião desses aliados, no entanto, não pode prevalecer num governo que se apresenta como comprometido com a reconstrução das bases para o crescimento e para o bem-estar dos brasileiros.

Michel Temer é um político experiente e hábil e certamente sabe onde pisa. Exerce agora um mandato presidencial legítimo e projeta uma imagem muito distinta do modelo populista com o qual o lulopetismo e seus adeptos seduziram muitos brasileiros. Precisará de coragem para livrar-se dos interesses políticos menores, surpreender os brasileiros que hoje não o admiram e consagrar-se como o presidente da República que devolveu a esperança a seu povo.