GAZETA DO POVO - PR - 03/04
Bolsonaro, em sua primeira fala como presidente eleito, ostentou o livro de Olavo de Carvalho numa seleta pilha de apenas 3 volumes. Seus filhos elogiam abertamente o filósofo com frequência. Alunos seus ocupam cargos importantes no governo, e o mais “brilhante” deles, Filipe G. Martins, anda colado no presidente e seus filhos.
Além disso, o “guru” está em campanha revolucionária aberta contra os militares no governo. Tem feito declarações pesadas que colocam o presidente numa situação delicadíssima: se nada fizer a respeito, mostra ou que concorda com seu “guru”, ou que é um banana incapaz de se livrar de “traidores” e “imprestáveis”, que ele mesmo escolheu como ministros.
Mas se você ousa criticar a postura de Olavo, claro que isso só pode ser por implicância, inveja, picuinha, falta do que fazer, birra pessoal, amargura ou “obsessão anal” (achei essa a projeção mais adequada para um típico olavete). O certo seria deixar o velho em paz, em sua cruzada jacobina.
Reagir ao mal que ele tem feito à direita e ao governo é inaceitável para seus seguidores fanáticos, coisa de quem tem “dor de cotovelo” ou “tara patológica”. Não importa que o próprio Olavo venha atacando tudo e todos, coloque apelidos depreciativos nos outros, xingue deus e o mundo. Se alguém responder, reagir, é um invejoso! E depois reclamam quando falamos em seita…
Um guru de seita lança mão exatamente dessa estratégia: cria a sensação em seus discípulos de que só ele enxergou “toda” a verdade, mas que ela é um tanto inacessível aos demais, e que toda crítica feita a ele é coisa de cegos burros ou invejosos. Como a roupa linda e invisível do rei, do conto de Hans Christian Andersen. Depois, alega que só ele conhece o caminho da salvação. Coloca-se como alguém desinteressado, acima dos interesses mundanos, e se alguém critica-lo, só pode ser por estupidez ou inveja.
O segredo está em afetar uma sabedoria ímpar e uma visão profética, enquanto estimula os discípulos com mensagens dialéticas e até contraditórias. Só assim o “desapegado” pensador consegue, ao mesmo tempo, gabar-se de indicar ministros e colocar alunos no governo. E ao mesmo tempo passa a criticar o governo de forma veemente. E se alguém aponta para contradições, é porque não foi capaz de ver o “big picture”. O guru tem sempre razão!
Olavo não é bobo. Ele sabe muito bem o que faz. Estudou, afinal, os métodos típicos de gurus de seita, e até os descreveu em O jardim das aflições. Eis um trecho interessante:
Com base nessa descoberta, Sargant fez mais uma, decisiva para o progresso dos meios de dominação psíquica: um paciente submetido a ab-reações repetidas desenvolvia uma dependência mórbida do terapeuta. Quanto mais ab-reações, mais forte o vínculo. Isto explicava muita coisa. Boa parte do fascínio escravizador exercido sobre seus discípulos pelo taumaturgo armênio Georges Ivanovich Gurdjieff, por exemplo, se devia tão-somente à “mágica” das ab-reações repetidas. De fato, Gurdjieff ora esmagava os coitados sob pilhas de exigências constrangedoras, ora os induzia a descargas aliviantes que lhe davam a impressão de plenitude e liberdade, só para depois serem repentinamente jogados de novo em provocações humilhantes. Repetida a operação algumas vezes, os discípulos se persuadiam de que Gurdjieff era mesmo um extraterrestre.
Gurdjieff manejava igualmente bem a estimulação contraditória. Raramente dizia alguma coisa com sentido identificável, mas deixava sempre no ar pelo menos meia dúzia de intenções possíveis, fazendo com que os discípulos se extenuassem em vãs ginásticas hermenêuticas. Prometia aos alunos uma exposição teórica que finalmente poria tudo em pratos limpos, e lhes dava um sistema cosmológico completo, que nas semanas seguintes era inteiramente substituído por outro, e por outro, até que a confusão mental crescesse à escala cósmica.
Troque Gurdjieff por Olavo e é algo muito parecido que vemos em sua seita. Mas se você falar desse assunto, então você é um “chato da porra”. Não importa, repito, que Olavo seja influente numa ala radical do governo, e que pela análise de muitos, inclusive na direita, esteja trabalhando contra o sucesso do mesmo governo. Falou dele, e não foi para bajular como um mestre sempre certo, então só pode ser porque é insuportável ou invejoso, um obcecado ressentido. Eis o mecanismo de defesa da turma fanática, para evitar a dissonância cognitiva do encontro com a realidade.
Nos grupos de direita, há crescente consenso de que Olavo tem feito muito mal para a própria direita, e que precisa ser combatido. O problema é que há interseção grande entre seguidores, e qualquer crítica ao “guru”, como sei bem, significa atrair uma horda de olavetes para te xingar ou tentar te intimidar. E isso cansa. Há perda inevitável também de alguns seguidores, ainda que sejam aqueles que nem deveriam te seguir, já que querem só confirmação de viés, não argumentos ou contrapontos.
Por essas e outras razões a direita conservadora se cala muitas vezes diante desse movimento reacionário, que fala em seu nome. Mas isso tem consequências terríveis para o futuro da direita no Brasil. Ser associada a essa seita fanática e jacobina é péssimo. É como confundir Burke com Maistre, ou Scruton com Bannon. Não faz o menor sentido. Chamar a todos de “conservadores” ou “direita” é ignorar que existe direita e direita, que há aquela de boa estirpe, e há os que defendem o nacional-populismo autoritário e antiliberal.
O “desinteressado” pensador, que ajudou a disseminar um ódio a todo o establishment e às instituições democráticas, por mais imperfeitas que sejam mesmo e por mais que mereçam críticas duras, o “desapegado” do poder que brinca de ser um Rasputin tupiniquim, o Osho da “direita” brasileira que demoniza toda a “extrema-imprensa”, ainda que apontar o viés ideológico da mídia seja saudável, esse mesmo personagem chamado Olavo de Carvalho concedeu entrevista, segundo O Antagonista, a Pedro Bial da, sim!, Rede Globo. Aparecer na “Globo golpista” tem lá o seu charme, como concluiu o site. Nada que vem da Globo presta? Pois é…
Tudo exala forte cheiro de embuste, de picaretagem, de engodo, com fortes pitadas fascistas (“esmagar poderes intermediários” para que o líder, “amado pelo povo”, possa governar diretamente incorporando a “vontade popular”). E isso é feito em nome dos conservadores! Como não reagir, mesmo ao custo pessoal de ataques chulos e perda de seguidores (que não querem pensar por conta própria)?
Raymond Aron, para dar um exemplo, foi firme contra marxistas e contra fascistas. Apanhou muito, mas o tempo mostrou quem tinha razão. Não é hora de se acovardar. Quem passou a vida toda lutando contra o petismo, o esquerdismo, o socialismo, não pode se curvar diante de uma seita autoritária que exige consentimento pleno. Para um liberal ou conservador, ninguém está acima de críticas. O liberalismo e o conservadorismo não possuem papas infalíveis. Quem quer colocar Olavo nesse lugar que o faça, mas por favor: longe do rótulo de conservador!
Rodrigo Constantino
quarta-feira, abril 03, 2019
Bolsonaro falsifica a realidade para enganar a população - BRUNO BOGHOSSIAN
Folha de S. Paulo - 03/04
Do nazismo ao desemprego, presidente adultera fatos para reduzir desgastes
Ao contestar números oficiais sobre o desemprego, Jair Bolsonaro conseguiu a façanha de ser desmentido por seu próprio governo. De Israel, o presidente distorceu dados do IBGE para tentar convencer o país de que o mercado de trabalho, na verdade, está bombando. “É uma coisa que não mede a realidade. Parecem índices que são feitos para enganar a população”, disparou.
O instituto havia calculado que o número de brasileiros desocupados subiu para 13,1 milhões em fevereiro. A conta segue padrões internacionais e leva em consideração pessoas que procuram emprego, mas não encontram. Bolsonaro não gostou.
O IBGE precisou divulgar uma nota de cinco parágrafos para explicar sua metodologia. Afirmou que adota regras semelhantes às de outros países e ainda negou a declaração do presidente de que beneficiários do Bolsa Família não são classificados como desempregados.
Bolsonaro produz falsificações que atropelam instituições consolidadas, critérios científicos, a história e o mínimo bom senso. O objetivo é adulterar a realidade a fim de reduzir desgastes e atacar opositores.
Para fustigar seus arquirrivais na política brasileira, o governo agora patrocina o delírio de que o nazismo era um regime de esquerda. O próprio Adolf Hitler deu uma entrevista em 1923 em que dissociava suas ideias do marxismo, mas Bolsonaro disse que “não há dúvida” de que o chanceler era vermelho, já que seu partido era o Nacional Socialista.
Dessa vez, quem desmentiu o presidente foi o vice Hamilton Mourão.“De esquerda é o comunismo. Não resta a mínima dúvida”, declarou.
A lógica estapafúrdia é a mesma que leva Bolsonaro a buscar um revisionismo rasteiro da ditadura militar. Ao argumentar que os fatos são deturpados por seus adversários e até por institutos oficiais, ele tenta moldar a verdade a seu gosto. Assim, nunca estará errado.
O presidente pode até contar suas histórias, mas quem olhar o passado ou as ruas do país verá quem está tentando “enganar a população”.
Do nazismo ao desemprego, presidente adultera fatos para reduzir desgastes
Ao contestar números oficiais sobre o desemprego, Jair Bolsonaro conseguiu a façanha de ser desmentido por seu próprio governo. De Israel, o presidente distorceu dados do IBGE para tentar convencer o país de que o mercado de trabalho, na verdade, está bombando. “É uma coisa que não mede a realidade. Parecem índices que são feitos para enganar a população”, disparou.
O instituto havia calculado que o número de brasileiros desocupados subiu para 13,1 milhões em fevereiro. A conta segue padrões internacionais e leva em consideração pessoas que procuram emprego, mas não encontram. Bolsonaro não gostou.
O IBGE precisou divulgar uma nota de cinco parágrafos para explicar sua metodologia. Afirmou que adota regras semelhantes às de outros países e ainda negou a declaração do presidente de que beneficiários do Bolsa Família não são classificados como desempregados.
Bolsonaro produz falsificações que atropelam instituições consolidadas, critérios científicos, a história e o mínimo bom senso. O objetivo é adulterar a realidade a fim de reduzir desgastes e atacar opositores.
Para fustigar seus arquirrivais na política brasileira, o governo agora patrocina o delírio de que o nazismo era um regime de esquerda. O próprio Adolf Hitler deu uma entrevista em 1923 em que dissociava suas ideias do marxismo, mas Bolsonaro disse que “não há dúvida” de que o chanceler era vermelho, já que seu partido era o Nacional Socialista.
Dessa vez, quem desmentiu o presidente foi o vice Hamilton Mourão.“De esquerda é o comunismo. Não resta a mínima dúvida”, declarou.
A lógica estapafúrdia é a mesma que leva Bolsonaro a buscar um revisionismo rasteiro da ditadura militar. Ao argumentar que os fatos são deturpados por seus adversários e até por institutos oficiais, ele tenta moldar a verdade a seu gosto. Assim, nunca estará errado.
O presidente pode até contar suas histórias, mas quem olhar o passado ou as ruas do país verá quem está tentando “enganar a população”.
O IBGE sob novo ataque governista - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 03/04
O presidente Jair Bolsonaro revela mais do que ignorância quando critica o IBGE. É comum governantes não gostarem dos dados negativos, o que os diferencia é que os de mente autoritária querem desmoralizar o órgão que apura a estatística indesejada. Bolsonaro poderia afirmar que não é culpado pelo enorme desemprego do Brasil e que herdou o problema, afinal está no cargo há pouco mais de um trimestre. Em vez de dizer como enfrentará esse desafio, ele prefere brigar com o termômetro e ofender a inteligência alheia.
Em novembro, ele definiu como “farsa” o índice do desemprego. Agora, voltou à carga contra o instituto e, em entrevista à Rede Record, disse que os indicadores são feitos para “enganar a população”.
— O que acontece? Como é feita hoje em dia a taxa? Leva-se em conta só quem está procurando emprego. Quem não procura não é tido como desempregado — disse ele.
Se o presidente tivesse lido um pouco sobre o assunto saberia que os dois dados já são divulgados. O IBGE pergunta se a pessoa está procurando emprego. Se sim, ela entra na estatística dos desocupados, que deu 12,4%, ou 13,1 milhões de brasileiros, no trimestre encerrado em fevereiro. Se a pessoa gostaria de trabalhar, mas desistiu de procurar emprego, ela entra no índice dos desalentados, que registrou 4,9 milhões de pessoas. O IBGE divulga um terceiro dado que engloba tudo, chamado de subutilização da força de trabalho. Nele, entram os desempregados, os desalentados e os que estão subocupados. São ao todo 27,9 milhões de pessoas. O instituto brasileiro segue as melhores práticas internacionais.
Além de mostrar que desconhece o básico sobre as estatísticas do principal problema econômico e social do país, Bolsonaro diz mais uma coisa sem noção:
— Eu acho que é fácil você ter a metodologia precisa no tocante à taxa de desemprego, é você ver os dados bancários e os dados junto à Secretaria do Trabalho de quantos empregos você perde e gera por mês. É muito simples.
Ir aos bancos para saber quantos são os desempregados é uma ideia que não dá para qualificar mantendo a elegância. Sobre ir à Secretaria do Trabalho, esse dado já existe. É o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). Mede apenas o mercado de trabalho formal. As empresas formais informam ao antigo Ministério do Trabalho os trabalhadores com carteira que contrataram e demitiram. O dado é importante, mas parcial, porque o Brasil tem 37 milhões de trabalhadores informais.
Qual é o objetivo do presidente ao atacar o instituto oficial de estatísticas, que fornece ao país um sem-número de indicadores, em todas as áreas, há mais de 80 anos? Essa sempre foi a tendência de governantes autoritários. Foi o que os Kirchner fizeram com o Indec porque não gostavam da informação de que a inflação estava subindo mês a mês. A intervenção no instituto argentino chegou ao ponto de o governo exigir saber quais eram os locais de coleta da informação.
Pesquisar desemprego é difícil, mas o IBGE tem aperfeiçoado sua metodologia. Hoje ele divulga todo mês o desemprego numa média móvel trimestral. Os estudos para implantar a Pnad Contínua começaram em 2006, mas ela só começou, de forma experimental, em outubro de 2011, no primeiro ano do governo Dilma. As primeiras divulgações ocorreram em 2014, ano de eleição. Na época, houve reclamações de dirigentes petistas, porque a taxa de desemprego medida pela Pnad estava maior do que a do antigo índice, a PME (Pesquisa Mensal de Emprego), usado pelo IBGE desde os anos 80 e que captava oscilações no mercado de trabalho em seis regiões metropolitanas. A Pnad é uma pesquisa muito mais abrangente. Coleta dados em cerca de 210 mil domicílios em 3.500 municípios em todo o país. Na época, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) pediu ao Ministério do Planejamento informações sobre a pesquisa, o que levantou suspeitas de uma possível interferência do governo no indicador. O IBGE tem sabido resistir às tentativas de intervenção.
Há outros temores. O pior perigo agora é que o governo imponha ao IBGE um Censo resumido, como foi sugerido pelo ministro Paulo Guedes recentemente. O Censo é a nave-mãe das estatísticas. Dele o país depende para saber, por exemplo, por que a reforma da Previdência é necessária ou como distribuir os recursos do Fundo de Participação dos Municípios. Se errar no Censo, o Brasil terá um prejuízo que vai durar dez anos.
O presidente Jair Bolsonaro revela mais do que ignorância quando critica o IBGE. É comum governantes não gostarem dos dados negativos, o que os diferencia é que os de mente autoritária querem desmoralizar o órgão que apura a estatística indesejada. Bolsonaro poderia afirmar que não é culpado pelo enorme desemprego do Brasil e que herdou o problema, afinal está no cargo há pouco mais de um trimestre. Em vez de dizer como enfrentará esse desafio, ele prefere brigar com o termômetro e ofender a inteligência alheia.
Em novembro, ele definiu como “farsa” o índice do desemprego. Agora, voltou à carga contra o instituto e, em entrevista à Rede Record, disse que os indicadores são feitos para “enganar a população”.
— O que acontece? Como é feita hoje em dia a taxa? Leva-se em conta só quem está procurando emprego. Quem não procura não é tido como desempregado — disse ele.
Se o presidente tivesse lido um pouco sobre o assunto saberia que os dois dados já são divulgados. O IBGE pergunta se a pessoa está procurando emprego. Se sim, ela entra na estatística dos desocupados, que deu 12,4%, ou 13,1 milhões de brasileiros, no trimestre encerrado em fevereiro. Se a pessoa gostaria de trabalhar, mas desistiu de procurar emprego, ela entra no índice dos desalentados, que registrou 4,9 milhões de pessoas. O IBGE divulga um terceiro dado que engloba tudo, chamado de subutilização da força de trabalho. Nele, entram os desempregados, os desalentados e os que estão subocupados. São ao todo 27,9 milhões de pessoas. O instituto brasileiro segue as melhores práticas internacionais.
Além de mostrar que desconhece o básico sobre as estatísticas do principal problema econômico e social do país, Bolsonaro diz mais uma coisa sem noção:
— Eu acho que é fácil você ter a metodologia precisa no tocante à taxa de desemprego, é você ver os dados bancários e os dados junto à Secretaria do Trabalho de quantos empregos você perde e gera por mês. É muito simples.
Ir aos bancos para saber quantos são os desempregados é uma ideia que não dá para qualificar mantendo a elegância. Sobre ir à Secretaria do Trabalho, esse dado já existe. É o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). Mede apenas o mercado de trabalho formal. As empresas formais informam ao antigo Ministério do Trabalho os trabalhadores com carteira que contrataram e demitiram. O dado é importante, mas parcial, porque o Brasil tem 37 milhões de trabalhadores informais.
Qual é o objetivo do presidente ao atacar o instituto oficial de estatísticas, que fornece ao país um sem-número de indicadores, em todas as áreas, há mais de 80 anos? Essa sempre foi a tendência de governantes autoritários. Foi o que os Kirchner fizeram com o Indec porque não gostavam da informação de que a inflação estava subindo mês a mês. A intervenção no instituto argentino chegou ao ponto de o governo exigir saber quais eram os locais de coleta da informação.
Pesquisar desemprego é difícil, mas o IBGE tem aperfeiçoado sua metodologia. Hoje ele divulga todo mês o desemprego numa média móvel trimestral. Os estudos para implantar a Pnad Contínua começaram em 2006, mas ela só começou, de forma experimental, em outubro de 2011, no primeiro ano do governo Dilma. As primeiras divulgações ocorreram em 2014, ano de eleição. Na época, houve reclamações de dirigentes petistas, porque a taxa de desemprego medida pela Pnad estava maior do que a do antigo índice, a PME (Pesquisa Mensal de Emprego), usado pelo IBGE desde os anos 80 e que captava oscilações no mercado de trabalho em seis regiões metropolitanas. A Pnad é uma pesquisa muito mais abrangente. Coleta dados em cerca de 210 mil domicílios em 3.500 municípios em todo o país. Na época, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) pediu ao Ministério do Planejamento informações sobre a pesquisa, o que levantou suspeitas de uma possível interferência do governo no indicador. O IBGE tem sabido resistir às tentativas de intervenção.
Há outros temores. O pior perigo agora é que o governo imponha ao IBGE um Censo resumido, como foi sugerido pelo ministro Paulo Guedes recentemente. O Censo é a nave-mãe das estatísticas. Dele o país depende para saber, por exemplo, por que a reforma da Previdência é necessária ou como distribuir os recursos do Fundo de Participação dos Municípios. Se errar no Censo, o Brasil terá um prejuízo que vai durar dez anos.
Economia definha na desordem política - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 03/04
Indústria vai mal, governo segue sem rumo e Bolsonaro duvida das estatísticas nacionais
A indústria não cresce quase nada, soube-se nesta terça-feira (2) pelo IBGE.
No início da semana no Congresso, gente do governo tentava apagar os incêndios criados pelo próprio governo, mas o fazia com baldes d’água e à matroca.
A economia esfria, o que deve azedar os ânimos no país e, por tabela, no Congresso. Ânimos azedos no Congresso pioram o humor econômico.
A confiança de consumidores e empresas regride desde o início do ano. Virou fumaça a esperança que sempre se reaviva na eleição de um presidente.
O resultado da indústria foi ainda pior por causa dos efeitos econômicos da barbaridade de Brumadinho. Mas não convém dourar a pílula com lama assassina. A indústria extrativa (como minério de ferro) é responsável por 11% da produção industrial total. O restante é indústria de transformação.
A indústria de transformação cresceu apenas 0,4% neste primeiro bimestre, em relação aos primeiros dois meses de 2018. Em 12 meses, o crescimento foi de apenas 0,5%. O crescimento previsto para março da indústria em geral é próximo de zero.
O governo ainda apanha no Congresso. Até os líderes da bancada evangélica batem em Jair Bolsonaro.
Há racha no PSL e entre o PSL e o governo. Ouve-se revolta contra vários ministros relevantes e ameaças de aprovar restrição dura da capacidade do governo de baixar medidas provisórias.
O governo inventa mais moda. Debate o tal “pacto federativo”, em tese redistribuição de recursos e deveres entre União, Estados e municípios.
Ou o governo vai frustrar todo o mundo com essa história de divisão de dinheiro (não há dinheiro) ou, se bobear, vai levar um tombo, perder recursos e ficar com um buraco maior nas contas.
É possível. A desordem e a besteira estão grandes.
Lideranças do Congresso dizem que vai passar uma reforma da Previdência, mas sem cortes nos benefícios de idosos (BPC), de trabalhadores rurais e com alívio nas regras de aposentadorias de servidores, afora o veto ao sistema de capitalização e à desconstitucionalização das normas previdenciárias. Para começar.
BOLSONARO ATACA IBGE
Demagogos sinistros e autoritários em geral gostam da ideia ou da prática de falsificar estatísticas econômicas, dentre outras mentiras. No mínimo ou a princípio, assediam quem trabalha para produzir informações confiáveis, por meio das melhores técnicas conhecidas.
A falsificação de estatísticas é um desastre. Pode alterar o valor das coisas, violar a segurança de contratos, abater a confiança econômica. Enfim, é uma violência contra o debate democrático.
Tiranos como os chavistas e demagogos como os Kirchner destruíram o sistema de estatísticas de Venezuela e Argentina. Foi um dos meios pelos quais essa gente depauperou a economia e a vida inteligente de seus países.
Pela segunda vez, Jair Bolsonaro atacou sem fundamento as estatísticas de emprego do IBGE. Há quem se conforte com a ideia de que o presidente nada fez de concreto contra o instituto federal de estatísticas. Não é consolo. Se e quando o fizer, será tarde demais. O prejuízo da perda de credibilidade é imediato e leva anos para ser revertido.
“Ah, isso não vai acontecer.” A gente pode lembrar de fatos improváveis que aconteceram recentemente: pedaladas imensas, déficit público de mais de 10% do PIB (Produto Interno Bruto), tabelamento e manipulação de preços básicos da economia, decretação de mais sigilo sobre documentos de governo etc.
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA
Indústria vai mal, governo segue sem rumo e Bolsonaro duvida das estatísticas nacionais
A indústria não cresce quase nada, soube-se nesta terça-feira (2) pelo IBGE.
No início da semana no Congresso, gente do governo tentava apagar os incêndios criados pelo próprio governo, mas o fazia com baldes d’água e à matroca.
A economia esfria, o que deve azedar os ânimos no país e, por tabela, no Congresso. Ânimos azedos no Congresso pioram o humor econômico.
A confiança de consumidores e empresas regride desde o início do ano. Virou fumaça a esperança que sempre se reaviva na eleição de um presidente.
O resultado da indústria foi ainda pior por causa dos efeitos econômicos da barbaridade de Brumadinho. Mas não convém dourar a pílula com lama assassina. A indústria extrativa (como minério de ferro) é responsável por 11% da produção industrial total. O restante é indústria de transformação.
A indústria de transformação cresceu apenas 0,4% neste primeiro bimestre, em relação aos primeiros dois meses de 2018. Em 12 meses, o crescimento foi de apenas 0,5%. O crescimento previsto para março da indústria em geral é próximo de zero.
O governo ainda apanha no Congresso. Até os líderes da bancada evangélica batem em Jair Bolsonaro.
Há racha no PSL e entre o PSL e o governo. Ouve-se revolta contra vários ministros relevantes e ameaças de aprovar restrição dura da capacidade do governo de baixar medidas provisórias.
O governo inventa mais moda. Debate o tal “pacto federativo”, em tese redistribuição de recursos e deveres entre União, Estados e municípios.
Ou o governo vai frustrar todo o mundo com essa história de divisão de dinheiro (não há dinheiro) ou, se bobear, vai levar um tombo, perder recursos e ficar com um buraco maior nas contas.
É possível. A desordem e a besteira estão grandes.
Lideranças do Congresso dizem que vai passar uma reforma da Previdência, mas sem cortes nos benefícios de idosos (BPC), de trabalhadores rurais e com alívio nas regras de aposentadorias de servidores, afora o veto ao sistema de capitalização e à desconstitucionalização das normas previdenciárias. Para começar.
BOLSONARO ATACA IBGE
Demagogos sinistros e autoritários em geral gostam da ideia ou da prática de falsificar estatísticas econômicas, dentre outras mentiras. No mínimo ou a princípio, assediam quem trabalha para produzir informações confiáveis, por meio das melhores técnicas conhecidas.
A falsificação de estatísticas é um desastre. Pode alterar o valor das coisas, violar a segurança de contratos, abater a confiança econômica. Enfim, é uma violência contra o debate democrático.
Tiranos como os chavistas e demagogos como os Kirchner destruíram o sistema de estatísticas de Venezuela e Argentina. Foi um dos meios pelos quais essa gente depauperou a economia e a vida inteligente de seus países.
Pela segunda vez, Jair Bolsonaro atacou sem fundamento as estatísticas de emprego do IBGE. Há quem se conforte com a ideia de que o presidente nada fez de concreto contra o instituto federal de estatísticas. Não é consolo. Se e quando o fizer, será tarde demais. O prejuízo da perda de credibilidade é imediato e leva anos para ser revertido.
“Ah, isso não vai acontecer.” A gente pode lembrar de fatos improváveis que aconteceram recentemente: pedaladas imensas, déficit público de mais de 10% do PIB (Produto Interno Bruto), tabelamento e manipulação de preços básicos da economia, decretação de mais sigilo sobre documentos de governo etc.
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA
Ambiente conturbado - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 03/04
O presidente Bolsonaro vai encontrar na sua volta de Israel um ambiente político conturbado, com uma Câmara dos Deputados disposta a criar embaraços e limites à atuação do governo.
Tudo porque os deputados estão irritados com a reiterada posição do presidente de generalizar a acusação de que os representantes da “velha política” querem que abra um balcão de negócios para a aprovação da reforma da Previdência.
Resultado: os que realmente querem benesses em troca de votos se sentem expostos à opinião pública. Os que não se consideram da “velha política” se revoltam com a maneira leviana com que o presidente trata do assunto.
A percepção generalizada é que o presidente Bolsonaro, com suas atitudes e com os ataques pelas redes sociais aos políticos, procura pressionar o Congresso a aprovar o que interessa ao Executivo, e se prepara para jogar a culpa da eventual não aprovação das reformas sobre os parlamentares.
Mesmo que seja aprovada uma versão desidratada da reforma da Previdência, também o ônus das medidas impopulares recairia sobre o Congresso, pois o presidente não se empenha na articulação política para aprovar as reformas.
Não foi por distração nem sem razão que o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, garantiu ontem que as mudanças no Beneficio de Prestação Continuada (BPC) e a aposentadoria rural não serão aprovadas pelo Congresso.
E também descartou a capitalização integral da Previdência. São medidas impopulares que os parlamentares querem barrar para neutralizar eventuais críticas.
A decisão anunciada de conversar com lideranças do que chama “velha política”, como Kassab do PSD e Romero Jucá do PMDB, é vista com desconfiança pelos políticos, que não estão entendendo qual o motivo de uma mudança tão brusca em quem rejeitava esse tipo de conversa.
O temor é que aproveite esses encontros para qualificar de “toma-lá-dá-cá” os eventuais pedidos dos partidos em troca do apoio à reforma da Previdência.As pesquisas que mostram que a percepção da atuação do presidente Bolsonaro na Câmara piorou sinalizam preocupação, porque a aprovação da reforma depende da aproximação do governo com Congresso.
A situação é complicada, por isso Bolsonaro teria aceitado conversar com líderes de diversos partidos. Se não fizer este trabalho, não conseguirá nada. É provável que a reforma acabe sendo aprovada, até no primeiro semestre, mas muito desidratada devido à pressão das diversas corporações que se sentem prejudicadas.
Os deputados estão convencidos de que a reforma, embora possa beneficiar Bolsonaro com a retomada da economia, é pelo o bem do país, e não estamos em condições de levar a disputa política ao ponto de provocar o caos.
Mesmo os deputados que são a favor de derrotar o governo para dar uma demonstração de força estão sendo convencidos de que o caos econômico que se seguiria seria aproveitado por Bolsonaro.
O trilhão do ministro Paulo Guedes não vai acontecer. Pode-se chegar a um acordo até um valor de R$ 700 milhões, ou perto disso. A expectativa é que Bolsonaro tenha entendido que não pode ficar alheio a esta reforma, e começa a se mexer.
Os deputados hoje têm dois receios: de que Bolsonaro jogue para o Congresso a culpa da reforma impopular, e que, se aprovada, deixe de lado o Congresso e reforce a tentativa de governar diretamente com as redes sociais, criticando a “velha política”.
O ânimo geral é colocar travas à atuação do Executivo, retomando o Legislativo a prerrogativa de fazer as leis e dar os rumos da política. A proposta de emenda constitucional (PEC) aprovada na Câmara, restringindo o papel do Executivo no orçamento, vai ser amenizada no Senado, mas não a ponto de retirar o empoderamento que dá aos parlamentares e às bancadas, que terão emendas impositivas também.
A mudança negociada é que o valor das emendas, correspondente a 1% das receitas na proposta original, começará com 0,8%, chegando a 1% em 2021, um ano antes das eleições gerais. Há outras medidas no forno dos parlamentares para controlar o governo.
Além de uma PEC ressuscitada do ano 2000, de autoria do falecido senador Antonio Carlos Magalhães, que aumenta o poder do Congresso para vetar propostas do governo, inclusive o contingenciamento de verbas, há também a ideia de limitar ainda mais a capacidade do governo de editar medidas provisórias.
O presidente Bolsonaro vai encontrar na sua volta de Israel um ambiente político conturbado, com uma Câmara dos Deputados disposta a criar embaraços e limites à atuação do governo.
Tudo porque os deputados estão irritados com a reiterada posição do presidente de generalizar a acusação de que os representantes da “velha política” querem que abra um balcão de negócios para a aprovação da reforma da Previdência.
Resultado: os que realmente querem benesses em troca de votos se sentem expostos à opinião pública. Os que não se consideram da “velha política” se revoltam com a maneira leviana com que o presidente trata do assunto.
A percepção generalizada é que o presidente Bolsonaro, com suas atitudes e com os ataques pelas redes sociais aos políticos, procura pressionar o Congresso a aprovar o que interessa ao Executivo, e se prepara para jogar a culpa da eventual não aprovação das reformas sobre os parlamentares.
Mesmo que seja aprovada uma versão desidratada da reforma da Previdência, também o ônus das medidas impopulares recairia sobre o Congresso, pois o presidente não se empenha na articulação política para aprovar as reformas.
Não foi por distração nem sem razão que o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, garantiu ontem que as mudanças no Beneficio de Prestação Continuada (BPC) e a aposentadoria rural não serão aprovadas pelo Congresso.
E também descartou a capitalização integral da Previdência. São medidas impopulares que os parlamentares querem barrar para neutralizar eventuais críticas.
A decisão anunciada de conversar com lideranças do que chama “velha política”, como Kassab do PSD e Romero Jucá do PMDB, é vista com desconfiança pelos políticos, que não estão entendendo qual o motivo de uma mudança tão brusca em quem rejeitava esse tipo de conversa.
O temor é que aproveite esses encontros para qualificar de “toma-lá-dá-cá” os eventuais pedidos dos partidos em troca do apoio à reforma da Previdência.As pesquisas que mostram que a percepção da atuação do presidente Bolsonaro na Câmara piorou sinalizam preocupação, porque a aprovação da reforma depende da aproximação do governo com Congresso.
A situação é complicada, por isso Bolsonaro teria aceitado conversar com líderes de diversos partidos. Se não fizer este trabalho, não conseguirá nada. É provável que a reforma acabe sendo aprovada, até no primeiro semestre, mas muito desidratada devido à pressão das diversas corporações que se sentem prejudicadas.
Os deputados estão convencidos de que a reforma, embora possa beneficiar Bolsonaro com a retomada da economia, é pelo o bem do país, e não estamos em condições de levar a disputa política ao ponto de provocar o caos.
Mesmo os deputados que são a favor de derrotar o governo para dar uma demonstração de força estão sendo convencidos de que o caos econômico que se seguiria seria aproveitado por Bolsonaro.
O trilhão do ministro Paulo Guedes não vai acontecer. Pode-se chegar a um acordo até um valor de R$ 700 milhões, ou perto disso. A expectativa é que Bolsonaro tenha entendido que não pode ficar alheio a esta reforma, e começa a se mexer.
Os deputados hoje têm dois receios: de que Bolsonaro jogue para o Congresso a culpa da reforma impopular, e que, se aprovada, deixe de lado o Congresso e reforce a tentativa de governar diretamente com as redes sociais, criticando a “velha política”.
O ânimo geral é colocar travas à atuação do Executivo, retomando o Legislativo a prerrogativa de fazer as leis e dar os rumos da política. A proposta de emenda constitucional (PEC) aprovada na Câmara, restringindo o papel do Executivo no orçamento, vai ser amenizada no Senado, mas não a ponto de retirar o empoderamento que dá aos parlamentares e às bancadas, que terão emendas impositivas também.
A mudança negociada é que o valor das emendas, correspondente a 1% das receitas na proposta original, começará com 0,8%, chegando a 1% em 2021, um ano antes das eleições gerais. Há outras medidas no forno dos parlamentares para controlar o governo.
Além de uma PEC ressuscitada do ano 2000, de autoria do falecido senador Antonio Carlos Magalhães, que aumenta o poder do Congresso para vetar propostas do governo, inclusive o contingenciamento de verbas, há também a ideia de limitar ainda mais a capacidade do governo de editar medidas provisórias.
As mágoas do presidente - CRISTIANO ROMERO
Valor Econômico - 03/04
Paulo Guedes teve que admoestar Bolsonaro antes de acalmá-lo
O clima tenso das últimas duas semanas amainou em Brasília, mas os curiosos continuam interessados em saber por que o presidente da República decidiu comprar briga com o presidente da Câmara dos Deputados, um aliado do governo, no momento em que a proposta da mais difícil das reformas - a da Previdência - chegou ao Congresso Nacional. A explicação pode ser mais simples e muito menos sofisticada do que se imagina, mas o alarido, dada a gravidade da crise econômica vivida pelo país há meia década, será sempre grande.
Ao tentar desmoralizar publicamente o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), Jair Bolsonaro seguiu o caminho de Dilma Rousseff, afastada com menos de 15 meses do exercício do segundo mandato. A diferença é que, nada realista, a expresidente achou que impediria a eleição de Eduardo Cunha a presidente da Câmara, enquanto Bolsonaro, em nenhum momento, manifestou oposição à ascensão de Maia.
Bolsonaro é um presidente que assumiu o cargo com raiva. Não é, porém, o primeiro a tomar posse da Presidência da República magoado. Luiz Inácio Lula da Silva perdeu a disputa três vezes (1989, 1994 e 1998) antes de chegar lá, em 2002. Foi reeleito quatro anos depois e, contrariando a "maldição do segundo mandato", era tão popular no 8º ano de poder que escolheu e elegeu a sucessora, uma estreante em eleição.
O sucesso, porém, jamais aplacou profundas mágoas de Lula com jornalistas, que considerava preconceituosos, antigos aliados (o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, dos tempos da luta pela redemocratização, era um deles), empresários e banqueiros, a quem atribuiu o interesse em apeá-lo do poder durante o escândalo do mensalão (em 2005). "Fiz tudo o que esses caras pediram e agora eles querem me derrubar", desabafou o então presidente.
Em seus diários, FHC não poupa a imprensa. Em seus dois mandatos (1995-1998 e 1999-2002), teve amplo apoio das empresas de comunicação para a agenda de modernização da economia, que contemplou a quebra de monopólios estatais e a privatização de companhias como a Vale. Ainda assim, sentiu-se incompreendido e até perseguido por jornalistas e órgãos da mídia.
A amargura de Bolsonaro está apenas começando. Sua eleição não foi antecipada por nenhum dos principais analistas políticos. Para a maioria, senão para todos, o então candidato do desconhecido e "irrelevante" PSL derreteria nas pesquisas tão logo começasse oficialmente a campanha, em agosto do ano passado. Em setembro, ele foi esfaqueado durante ato da campanha e o ataque foi visto como o evento que o teria catapultado à vitória. Essa leitura irrita o presidente. Para ele, os analistas continuam sem enxergar o fenômeno eleitoral.
Bolsonaro considera que, durante os 28 anos em que esteve em Brasília como deputado, jamais foi respeitado pela imprensa. Ele sabe, porém, que numa democracia representativa como a brasileira só são reverenciados dois tipos: os que detêm poder real, como o presidente da República, o ministro da Economia e os presidente da Câmara e do Supremo Tribunal Federal; e aqueles que têm expectativa de poder, caso, por exemplo, de quem governa o Estado de São Paulo, dono do segundo orçamento público do país e cuja economia responde sozinha por mais 30% do PIB nacional.
Fora disso, grosso modo, resta muito pouco em Brasília. Talvez, esteja aí a beleza da democracia: um parlamentar pode chegar desconhecido ao centro do poder e, quatro anos depois, a depender do que realize, tornar-se uma referência, cotado para assumir cargos importantes no Congresso ou no governo.
Um exemplo: o ex-deputado Rogério Marinho, atual secretário de Previdência do Ministério da Economia, negociou em silêncio, na última legislatura, a reforma trabalhista; quando se tomou ciência do assunto, as mudanças foram aprovadas num átimo; na eleição, os potiguares negaram a Marinho um novo mandato - também pudera: sindicatos, inclusive de São Paulo, mandaram a Natal um batalhão de doutrinadores para fazer pregação contra o candidato que atuou como relator de mudanças na CLT -; a coragem e a consciência do ex-deputado quanto à relevância das duas reformas, além de sua habilidade comprovada para negociar temas considerados impopulares, fizeram o ministro Paulo Guedes convidá-lo a cuidar da reforma das reformas; se a proposta passar, Marinho subirá na hierarquia dos que têm expectativa de poder.
Durante sua carreira política, Bolsonaro não teve poder real nem expectativa de um dia vir a ter. Ninguém percebeu que ele se apresentou desde o início como o candidato anti-PT, o símbolo da luta contra a ruína econômica provocada por quase seis anos de gestão Dilma Rousseff. O desgaste do PT era evidente, mas os analistas presumiram que o voto antipetista desaguaria na candidatura do tucano Geraldo Alckmin. Estávamos todos enganados.
Do alto dos 57,8 milhões que obteve no segundo turno da eleição presidencial, Bolsonaro não perdoa essa "falha". Acha que ainda não há trégua e que, em quase cem dias de gestão, só apanha da imprensa. Teria vindo daí a disposição a bater em Rodrigo Maia. Fez isso uma vez, depois outra, levando o mercado, entusiasta da agenda liberal, a duvidar da fé cega no político que tirou o PT do poder depois de 16 anos.
Preocupado, Paulo Guedes procurou o presidente e, depois de uma conversa, convenceu-se de que o acalmara. Bolsonaro ignorou o apelo e bateu novamente em Maia. Foi quando o ministro da Economia decidiu ser mais enfático, mas por meio de nova estratégia. Na primeira oportunidade pública, declarou que não tinha apego ao cargo e que, se seu chefe e o Congresso não quisessem aprovar a reforma da Previdência, ele teria mais o que fazer. O chefe sentiu o golpe.
Admoestado por seu principal ministro, Bolsonaro teria dito o seguinte: "PG, todo mundo só bate em mim, não há folga. Eu só quis dar um peteleco no Rodrigo". PG explicou que a pancada não é conveniente, especialmente, neste momento, e ouviu de volta: "Fala para o Rodrigo que, quando eu retornar de Israel, vou dar um beijo na boca dele".
O clima tenso das últimas duas semanas amainou em Brasília, mas os curiosos continuam interessados em saber por que o presidente da República decidiu comprar briga com o presidente da Câmara dos Deputados, um aliado do governo, no momento em que a proposta da mais difícil das reformas - a da Previdência - chegou ao Congresso Nacional. A explicação pode ser mais simples e muito menos sofisticada do que se imagina, mas o alarido, dada a gravidade da crise econômica vivida pelo país há meia década, será sempre grande.
Ao tentar desmoralizar publicamente o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), Jair Bolsonaro seguiu o caminho de Dilma Rousseff, afastada com menos de 15 meses do exercício do segundo mandato. A diferença é que, nada realista, a expresidente achou que impediria a eleição de Eduardo Cunha a presidente da Câmara, enquanto Bolsonaro, em nenhum momento, manifestou oposição à ascensão de Maia.
Bolsonaro é um presidente que assumiu o cargo com raiva. Não é, porém, o primeiro a tomar posse da Presidência da República magoado. Luiz Inácio Lula da Silva perdeu a disputa três vezes (1989, 1994 e 1998) antes de chegar lá, em 2002. Foi reeleito quatro anos depois e, contrariando a "maldição do segundo mandato", era tão popular no 8º ano de poder que escolheu e elegeu a sucessora, uma estreante em eleição.
O sucesso, porém, jamais aplacou profundas mágoas de Lula com jornalistas, que considerava preconceituosos, antigos aliados (o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, dos tempos da luta pela redemocratização, era um deles), empresários e banqueiros, a quem atribuiu o interesse em apeá-lo do poder durante o escândalo do mensalão (em 2005). "Fiz tudo o que esses caras pediram e agora eles querem me derrubar", desabafou o então presidente.
Em seus diários, FHC não poupa a imprensa. Em seus dois mandatos (1995-1998 e 1999-2002), teve amplo apoio das empresas de comunicação para a agenda de modernização da economia, que contemplou a quebra de monopólios estatais e a privatização de companhias como a Vale. Ainda assim, sentiu-se incompreendido e até perseguido por jornalistas e órgãos da mídia.
A amargura de Bolsonaro está apenas começando. Sua eleição não foi antecipada por nenhum dos principais analistas políticos. Para a maioria, senão para todos, o então candidato do desconhecido e "irrelevante" PSL derreteria nas pesquisas tão logo começasse oficialmente a campanha, em agosto do ano passado. Em setembro, ele foi esfaqueado durante ato da campanha e o ataque foi visto como o evento que o teria catapultado à vitória. Essa leitura irrita o presidente. Para ele, os analistas continuam sem enxergar o fenômeno eleitoral.
Bolsonaro considera que, durante os 28 anos em que esteve em Brasília como deputado, jamais foi respeitado pela imprensa. Ele sabe, porém, que numa democracia representativa como a brasileira só são reverenciados dois tipos: os que detêm poder real, como o presidente da República, o ministro da Economia e os presidente da Câmara e do Supremo Tribunal Federal; e aqueles que têm expectativa de poder, caso, por exemplo, de quem governa o Estado de São Paulo, dono do segundo orçamento público do país e cuja economia responde sozinha por mais 30% do PIB nacional.
Fora disso, grosso modo, resta muito pouco em Brasília. Talvez, esteja aí a beleza da democracia: um parlamentar pode chegar desconhecido ao centro do poder e, quatro anos depois, a depender do que realize, tornar-se uma referência, cotado para assumir cargos importantes no Congresso ou no governo.
Um exemplo: o ex-deputado Rogério Marinho, atual secretário de Previdência do Ministério da Economia, negociou em silêncio, na última legislatura, a reforma trabalhista; quando se tomou ciência do assunto, as mudanças foram aprovadas num átimo; na eleição, os potiguares negaram a Marinho um novo mandato - também pudera: sindicatos, inclusive de São Paulo, mandaram a Natal um batalhão de doutrinadores para fazer pregação contra o candidato que atuou como relator de mudanças na CLT -; a coragem e a consciência do ex-deputado quanto à relevância das duas reformas, além de sua habilidade comprovada para negociar temas considerados impopulares, fizeram o ministro Paulo Guedes convidá-lo a cuidar da reforma das reformas; se a proposta passar, Marinho subirá na hierarquia dos que têm expectativa de poder.
Durante sua carreira política, Bolsonaro não teve poder real nem expectativa de um dia vir a ter. Ninguém percebeu que ele se apresentou desde o início como o candidato anti-PT, o símbolo da luta contra a ruína econômica provocada por quase seis anos de gestão Dilma Rousseff. O desgaste do PT era evidente, mas os analistas presumiram que o voto antipetista desaguaria na candidatura do tucano Geraldo Alckmin. Estávamos todos enganados.
Do alto dos 57,8 milhões que obteve no segundo turno da eleição presidencial, Bolsonaro não perdoa essa "falha". Acha que ainda não há trégua e que, em quase cem dias de gestão, só apanha da imprensa. Teria vindo daí a disposição a bater em Rodrigo Maia. Fez isso uma vez, depois outra, levando o mercado, entusiasta da agenda liberal, a duvidar da fé cega no político que tirou o PT do poder depois de 16 anos.
Preocupado, Paulo Guedes procurou o presidente e, depois de uma conversa, convenceu-se de que o acalmara. Bolsonaro ignorou o apelo e bateu novamente em Maia. Foi quando o ministro da Economia decidiu ser mais enfático, mas por meio de nova estratégia. Na primeira oportunidade pública, declarou que não tinha apego ao cargo e que, se seu chefe e o Congresso não quisessem aprovar a reforma da Previdência, ele teria mais o que fazer. O chefe sentiu o golpe.
Admoestado por seu principal ministro, Bolsonaro teria dito o seguinte: "PG, todo mundo só bate em mim, não há folga. Eu só quis dar um peteleco no Rodrigo". PG explicou que a pancada não é conveniente, especialmente, neste momento, e ouviu de volta: "Fala para o Rodrigo que, quando eu retornar de Israel, vou dar um beijo na boca dele".
Bolsonaro precisa recuperar tempo perdido na reforma - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 03/04
Disposição de entrar na negociação com o Congresso sobre a Previdência é um alento diante dos obstáculos
Deixados para trás os dias de tensão no relacionamento entre o presidente e o Congresso, simbolizados pela troca de farpas protagonizada por Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o ambiente melhorou, com acenos de não beligerância de ambos. Não se trata aqui de qualquer questão pessoal, mas da necessidade institucional de haver um entendimento mínimo entre chefes de poderes, para que reformas sejam aprovadas no Congresso. Só assim o país poderá sair de uma crise que completará seis anos — iniciada com a petista Dilma Rousseff em 2014 —, e cujo principal indicador da sua gravidade é o desemprego de 13 milhões de pessoas, um milhão a mais do que na última pesquisa.
Ainda em Israel, Bolsonaro garantiu que reservará pelo menos meio dia da agenda cotidiana para atender deputados e senadores. Como em outras vezes, o presidente errou, mas teve alguma consciência do erro e voltou atrás. Bolsonaro se equivocara ao confundir fazer política com praticar a corrupção do fisiologismo. Deve ter ficado marcado pelo show de toma lá dá cá ocorrido no período lulopetista. Até o termo “presidencialismo de coalizão” foi amaldiçoado, quando, na verdade, não só é impossível governar o Brasil sem sustentação numa aliança partidária, devido à proliferação de legendas, como não é correto confundir negociação política legítima, em cima de projetos, com malfeitos.
E será desta ampla conversação, na qual a inclusão do presidente da República é imprescindível, que precisará sair o apoio necessário à reforma da Previdência, vital para o destino do país e, por tabela, do governo. Estão em jogo questões estratégicas, e delas os parlamentares precisam ser informados nos detalhes, para que não persistam dúvidas que costumam ser utilizadas de forma competente pela oposição.
Nela, existem forças poderosas, como de corporações do funcionalismo público, de que constam castas de privilegiados no sistema previdenciário, e que sempre defendem seus interesses em nome do “povo”. Disfarçam-se de espoliados, quando, apenas no caso de servidores da União, há aposentadorias e pensões na faixa de R$ 20 mil ou mais. Em estados e municípios, o quadro não é diferente. É preciso a ajuda do presidente em conversas que esclareçam deputados e senadores que a reforma, ao contrário do que propagam essas corporações, vai em favor da redução das desigualdades em geral, também entre os segurados do INSS, assalariados do setor privado.
Regras de transição e alíquotas progressivas de contribuição, em função dos salários, são coerentes com a busca de justiça social. Deve ficar translúcido que a Previdência brasileira é um instrumento concentrador de renda, em servidores públicos e certas faixas de assalariados. E que para a expectativa crescente de vida do brasileiro (mais de 80 anos para quem chega aos 65), passa-se pouco tempo contribuindo para o sistema, porque se aposenta cedo.
Não o pobre, usado como escudo pelas castas: sem emprego fixo, logo, sem contribuição regular ao INSS, ele recebe o benefício aos 65 anos, quando passa a ter direito a um salário mínimo. Trata-se de balela que eles serão prejudicados pela reforma. O governo e aliados devem acelerar o trabalho político. Os 100 dias perdidos entre incompreensões por parte do governo se refletem no aumento da resistência à reforma no Congresso, como demonstrado em pesquisas.
Disposição de entrar na negociação com o Congresso sobre a Previdência é um alento diante dos obstáculos
Deixados para trás os dias de tensão no relacionamento entre o presidente e o Congresso, simbolizados pela troca de farpas protagonizada por Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o ambiente melhorou, com acenos de não beligerância de ambos. Não se trata aqui de qualquer questão pessoal, mas da necessidade institucional de haver um entendimento mínimo entre chefes de poderes, para que reformas sejam aprovadas no Congresso. Só assim o país poderá sair de uma crise que completará seis anos — iniciada com a petista Dilma Rousseff em 2014 —, e cujo principal indicador da sua gravidade é o desemprego de 13 milhões de pessoas, um milhão a mais do que na última pesquisa.
Ainda em Israel, Bolsonaro garantiu que reservará pelo menos meio dia da agenda cotidiana para atender deputados e senadores. Como em outras vezes, o presidente errou, mas teve alguma consciência do erro e voltou atrás. Bolsonaro se equivocara ao confundir fazer política com praticar a corrupção do fisiologismo. Deve ter ficado marcado pelo show de toma lá dá cá ocorrido no período lulopetista. Até o termo “presidencialismo de coalizão” foi amaldiçoado, quando, na verdade, não só é impossível governar o Brasil sem sustentação numa aliança partidária, devido à proliferação de legendas, como não é correto confundir negociação política legítima, em cima de projetos, com malfeitos.
E será desta ampla conversação, na qual a inclusão do presidente da República é imprescindível, que precisará sair o apoio necessário à reforma da Previdência, vital para o destino do país e, por tabela, do governo. Estão em jogo questões estratégicas, e delas os parlamentares precisam ser informados nos detalhes, para que não persistam dúvidas que costumam ser utilizadas de forma competente pela oposição.
Nela, existem forças poderosas, como de corporações do funcionalismo público, de que constam castas de privilegiados no sistema previdenciário, e que sempre defendem seus interesses em nome do “povo”. Disfarçam-se de espoliados, quando, apenas no caso de servidores da União, há aposentadorias e pensões na faixa de R$ 20 mil ou mais. Em estados e municípios, o quadro não é diferente. É preciso a ajuda do presidente em conversas que esclareçam deputados e senadores que a reforma, ao contrário do que propagam essas corporações, vai em favor da redução das desigualdades em geral, também entre os segurados do INSS, assalariados do setor privado.
Regras de transição e alíquotas progressivas de contribuição, em função dos salários, são coerentes com a busca de justiça social. Deve ficar translúcido que a Previdência brasileira é um instrumento concentrador de renda, em servidores públicos e certas faixas de assalariados. E que para a expectativa crescente de vida do brasileiro (mais de 80 anos para quem chega aos 65), passa-se pouco tempo contribuindo para o sistema, porque se aposenta cedo.
Não o pobre, usado como escudo pelas castas: sem emprego fixo, logo, sem contribuição regular ao INSS, ele recebe o benefício aos 65 anos, quando passa a ter direito a um salário mínimo. Trata-se de balela que eles serão prejudicados pela reforma. O governo e aliados devem acelerar o trabalho político. Os 100 dias perdidos entre incompreensões por parte do governo se refletem no aumento da resistência à reforma no Congresso, como demonstrado em pesquisas.
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