Paulo Guedes teve que admoestar Bolsonaro antes de acalmá-lo
O clima tenso das últimas duas semanas amainou em Brasília, mas os curiosos continuam interessados em saber por que o presidente da República decidiu comprar briga com o presidente da Câmara dos Deputados, um aliado do governo, no momento em que a proposta da mais difícil das reformas - a da Previdência - chegou ao Congresso Nacional. A explicação pode ser mais simples e muito menos sofisticada do que se imagina, mas o alarido, dada a gravidade da crise econômica vivida pelo país há meia década, será sempre grande.
Ao tentar desmoralizar publicamente o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), Jair Bolsonaro seguiu o caminho de Dilma Rousseff, afastada com menos de 15 meses do exercício do segundo mandato. A diferença é que, nada realista, a expresidente achou que impediria a eleição de Eduardo Cunha a presidente da Câmara, enquanto Bolsonaro, em nenhum momento, manifestou oposição à ascensão de Maia.
Bolsonaro é um presidente que assumiu o cargo com raiva. Não é, porém, o primeiro a tomar posse da Presidência da República magoado. Luiz Inácio Lula da Silva perdeu a disputa três vezes (1989, 1994 e 1998) antes de chegar lá, em 2002. Foi reeleito quatro anos depois e, contrariando a "maldição do segundo mandato", era tão popular no 8º ano de poder que escolheu e elegeu a sucessora, uma estreante em eleição.
O sucesso, porém, jamais aplacou profundas mágoas de Lula com jornalistas, que considerava preconceituosos, antigos aliados (o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, dos tempos da luta pela redemocratização, era um deles), empresários e banqueiros, a quem atribuiu o interesse em apeá-lo do poder durante o escândalo do mensalão (em 2005). "Fiz tudo o que esses caras pediram e agora eles querem me derrubar", desabafou o então presidente.
Em seus diários, FHC não poupa a imprensa. Em seus dois mandatos (1995-1998 e 1999-2002), teve amplo apoio das empresas de comunicação para a agenda de modernização da economia, que contemplou a quebra de monopólios estatais e a privatização de companhias como a Vale. Ainda assim, sentiu-se incompreendido e até perseguido por jornalistas e órgãos da mídia.
A amargura de Bolsonaro está apenas começando. Sua eleição não foi antecipada por nenhum dos principais analistas políticos. Para a maioria, senão para todos, o então candidato do desconhecido e "irrelevante" PSL derreteria nas pesquisas tão logo começasse oficialmente a campanha, em agosto do ano passado. Em setembro, ele foi esfaqueado durante ato da campanha e o ataque foi visto como o evento que o teria catapultado à vitória. Essa leitura irrita o presidente. Para ele, os analistas continuam sem enxergar o fenômeno eleitoral.
Bolsonaro considera que, durante os 28 anos em que esteve em Brasília como deputado, jamais foi respeitado pela imprensa. Ele sabe, porém, que numa democracia representativa como a brasileira só são reverenciados dois tipos: os que detêm poder real, como o presidente da República, o ministro da Economia e os presidente da Câmara e do Supremo Tribunal Federal; e aqueles que têm expectativa de poder, caso, por exemplo, de quem governa o Estado de São Paulo, dono do segundo orçamento público do país e cuja economia responde sozinha por mais 30% do PIB nacional.
Fora disso, grosso modo, resta muito pouco em Brasília. Talvez, esteja aí a beleza da democracia: um parlamentar pode chegar desconhecido ao centro do poder e, quatro anos depois, a depender do que realize, tornar-se uma referência, cotado para assumir cargos importantes no Congresso ou no governo.
Um exemplo: o ex-deputado Rogério Marinho, atual secretário de Previdência do Ministério da Economia, negociou em silêncio, na última legislatura, a reforma trabalhista; quando se tomou ciência do assunto, as mudanças foram aprovadas num átimo; na eleição, os potiguares negaram a Marinho um novo mandato - também pudera: sindicatos, inclusive de São Paulo, mandaram a Natal um batalhão de doutrinadores para fazer pregação contra o candidato que atuou como relator de mudanças na CLT -; a coragem e a consciência do ex-deputado quanto à relevância das duas reformas, além de sua habilidade comprovada para negociar temas considerados impopulares, fizeram o ministro Paulo Guedes convidá-lo a cuidar da reforma das reformas; se a proposta passar, Marinho subirá na hierarquia dos que têm expectativa de poder.
Durante sua carreira política, Bolsonaro não teve poder real nem expectativa de um dia vir a ter. Ninguém percebeu que ele se apresentou desde o início como o candidato anti-PT, o símbolo da luta contra a ruína econômica provocada por quase seis anos de gestão Dilma Rousseff. O desgaste do PT era evidente, mas os analistas presumiram que o voto antipetista desaguaria na candidatura do tucano Geraldo Alckmin. Estávamos todos enganados.
Do alto dos 57,8 milhões que obteve no segundo turno da eleição presidencial, Bolsonaro não perdoa essa "falha". Acha que ainda não há trégua e que, em quase cem dias de gestão, só apanha da imprensa. Teria vindo daí a disposição a bater em Rodrigo Maia. Fez isso uma vez, depois outra, levando o mercado, entusiasta da agenda liberal, a duvidar da fé cega no político que tirou o PT do poder depois de 16 anos.
Preocupado, Paulo Guedes procurou o presidente e, depois de uma conversa, convenceu-se de que o acalmara. Bolsonaro ignorou o apelo e bateu novamente em Maia. Foi quando o ministro da Economia decidiu ser mais enfático, mas por meio de nova estratégia. Na primeira oportunidade pública, declarou que não tinha apego ao cargo e que, se seu chefe e o Congresso não quisessem aprovar a reforma da Previdência, ele teria mais o que fazer. O chefe sentiu o golpe.
Admoestado por seu principal ministro, Bolsonaro teria dito o seguinte: "PG, todo mundo só bate em mim, não há folga. Eu só quis dar um peteleco no Rodrigo". PG explicou que a pancada não é conveniente, especialmente, neste momento, e ouviu de volta: "Fala para o Rodrigo que, quando eu retornar de Israel, vou dar um beijo na boca dele".
O clima tenso das últimas duas semanas amainou em Brasília, mas os curiosos continuam interessados em saber por que o presidente da República decidiu comprar briga com o presidente da Câmara dos Deputados, um aliado do governo, no momento em que a proposta da mais difícil das reformas - a da Previdência - chegou ao Congresso Nacional. A explicação pode ser mais simples e muito menos sofisticada do que se imagina, mas o alarido, dada a gravidade da crise econômica vivida pelo país há meia década, será sempre grande.
Ao tentar desmoralizar publicamente o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), Jair Bolsonaro seguiu o caminho de Dilma Rousseff, afastada com menos de 15 meses do exercício do segundo mandato. A diferença é que, nada realista, a expresidente achou que impediria a eleição de Eduardo Cunha a presidente da Câmara, enquanto Bolsonaro, em nenhum momento, manifestou oposição à ascensão de Maia.
Bolsonaro é um presidente que assumiu o cargo com raiva. Não é, porém, o primeiro a tomar posse da Presidência da República magoado. Luiz Inácio Lula da Silva perdeu a disputa três vezes (1989, 1994 e 1998) antes de chegar lá, em 2002. Foi reeleito quatro anos depois e, contrariando a "maldição do segundo mandato", era tão popular no 8º ano de poder que escolheu e elegeu a sucessora, uma estreante em eleição.
O sucesso, porém, jamais aplacou profundas mágoas de Lula com jornalistas, que considerava preconceituosos, antigos aliados (o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, dos tempos da luta pela redemocratização, era um deles), empresários e banqueiros, a quem atribuiu o interesse em apeá-lo do poder durante o escândalo do mensalão (em 2005). "Fiz tudo o que esses caras pediram e agora eles querem me derrubar", desabafou o então presidente.
Em seus diários, FHC não poupa a imprensa. Em seus dois mandatos (1995-1998 e 1999-2002), teve amplo apoio das empresas de comunicação para a agenda de modernização da economia, que contemplou a quebra de monopólios estatais e a privatização de companhias como a Vale. Ainda assim, sentiu-se incompreendido e até perseguido por jornalistas e órgãos da mídia.
A amargura de Bolsonaro está apenas começando. Sua eleição não foi antecipada por nenhum dos principais analistas políticos. Para a maioria, senão para todos, o então candidato do desconhecido e "irrelevante" PSL derreteria nas pesquisas tão logo começasse oficialmente a campanha, em agosto do ano passado. Em setembro, ele foi esfaqueado durante ato da campanha e o ataque foi visto como o evento que o teria catapultado à vitória. Essa leitura irrita o presidente. Para ele, os analistas continuam sem enxergar o fenômeno eleitoral.
Bolsonaro considera que, durante os 28 anos em que esteve em Brasília como deputado, jamais foi respeitado pela imprensa. Ele sabe, porém, que numa democracia representativa como a brasileira só são reverenciados dois tipos: os que detêm poder real, como o presidente da República, o ministro da Economia e os presidente da Câmara e do Supremo Tribunal Federal; e aqueles que têm expectativa de poder, caso, por exemplo, de quem governa o Estado de São Paulo, dono do segundo orçamento público do país e cuja economia responde sozinha por mais 30% do PIB nacional.
Fora disso, grosso modo, resta muito pouco em Brasília. Talvez, esteja aí a beleza da democracia: um parlamentar pode chegar desconhecido ao centro do poder e, quatro anos depois, a depender do que realize, tornar-se uma referência, cotado para assumir cargos importantes no Congresso ou no governo.
Um exemplo: o ex-deputado Rogério Marinho, atual secretário de Previdência do Ministério da Economia, negociou em silêncio, na última legislatura, a reforma trabalhista; quando se tomou ciência do assunto, as mudanças foram aprovadas num átimo; na eleição, os potiguares negaram a Marinho um novo mandato - também pudera: sindicatos, inclusive de São Paulo, mandaram a Natal um batalhão de doutrinadores para fazer pregação contra o candidato que atuou como relator de mudanças na CLT -; a coragem e a consciência do ex-deputado quanto à relevância das duas reformas, além de sua habilidade comprovada para negociar temas considerados impopulares, fizeram o ministro Paulo Guedes convidá-lo a cuidar da reforma das reformas; se a proposta passar, Marinho subirá na hierarquia dos que têm expectativa de poder.
Durante sua carreira política, Bolsonaro não teve poder real nem expectativa de um dia vir a ter. Ninguém percebeu que ele se apresentou desde o início como o candidato anti-PT, o símbolo da luta contra a ruína econômica provocada por quase seis anos de gestão Dilma Rousseff. O desgaste do PT era evidente, mas os analistas presumiram que o voto antipetista desaguaria na candidatura do tucano Geraldo Alckmin. Estávamos todos enganados.
Do alto dos 57,8 milhões que obteve no segundo turno da eleição presidencial, Bolsonaro não perdoa essa "falha". Acha que ainda não há trégua e que, em quase cem dias de gestão, só apanha da imprensa. Teria vindo daí a disposição a bater em Rodrigo Maia. Fez isso uma vez, depois outra, levando o mercado, entusiasta da agenda liberal, a duvidar da fé cega no político que tirou o PT do poder depois de 16 anos.
Preocupado, Paulo Guedes procurou o presidente e, depois de uma conversa, convenceu-se de que o acalmara. Bolsonaro ignorou o apelo e bateu novamente em Maia. Foi quando o ministro da Economia decidiu ser mais enfático, mas por meio de nova estratégia. Na primeira oportunidade pública, declarou que não tinha apego ao cargo e que, se seu chefe e o Congresso não quisessem aprovar a reforma da Previdência, ele teria mais o que fazer. O chefe sentiu o golpe.
Admoestado por seu principal ministro, Bolsonaro teria dito o seguinte: "PG, todo mundo só bate em mim, não há folga. Eu só quis dar um peteleco no Rodrigo". PG explicou que a pancada não é conveniente, especialmente, neste momento, e ouviu de volta: "Fala para o Rodrigo que, quando eu retornar de Israel, vou dar um beijo na boca dele".
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