domingo, agosto 12, 2012

Desvio de função - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 12/08


É incontestável: não tivessem acontecido as CPIs do PC e dos Correios não teria havido a destituição de Fernando Collor nem hoje estaria em julgamento o processo do mensalão.

As denúncias de Pedro Collor sobre as negociatas do tesoureiro Paulo César Farias no governo do irmão teriam caído no vazio, bem como valeriam os desmentidos às revelações de Roberto Jefferson sobre um esquema de formação de maioria congressual em troca de vantagens financeiras e a vida seguiria.

Sem o trabalho das comissões de inquérito, o levantamento de provas e tomada de depoimentos à vista do País, nenhum dos casos teria adquirido materialidade e hoje provavelmente ambos seriam enquadrados na categoria das meras suposições.

O escrutínio público tornou irreversíveis as consequências.

Natural, portanto, que o Brasil celebrasse o papel das CPIs, as reconhecesse como instrumentos essenciais no aperfeiçoamento institucional e reforçasse suas funções.

Mas, ao que parece justamente pelas qualidades do instituto, vem ocorrendo o contrário: nos últimos anos houve esvaziamento na função das comissões de inquérito que têm a validade do produto de suas investigações contestada e praticamente perderam a condição de interrogar testemunhas e investigados.

Hoje, na prática há uma inversão de ofício, com as CPIs curvando-se às conveniências dos convocados que teriam a obrigação de prestar os esclarecimentos devidos às comissões.

Chegou-se ao clímax dessa distorção agora na CPI do Cachoeira, cujo procedimento aprovado pela maioria é o de simplesmente dispensar a pessoa que invoca o direito constitucional ao silêncio.

Em 1992, quando da CPI do PC, e em 2005, por ocasião das investigações que resultaram no processo do mensalão, os depoentes depunham a despeito de a Constituição ser a mesma.

O que mudou de lá para cá?

Basicamente o aprendizado do caminho das pedras e o uso deformado de uma garantia individual que, entretanto, não se sobrepõe à prerrogativa da comissão de tocar seu inquérito.

Os convocados "descobriram" a via do habeas corpus concedido pelo Supremo. A Justiça não tem opção a não ser curvar-se ao ditame legal do direito do cidadão de não produzir provas contra si.

Mas o Legislativo tem meios de respeitar o silêncio sem precisar que o Judiciário lhe diga como cumprir a Constituição. Não precisa, como é a regra na CPI do Cachoeira, liminarmente abrir mão do interrogatório.

A comissão poderia, sim, questionar testemunhas e investigados para explicitar as acusações preservando a decisão de cada um de não se defender. Se o caso for de conhecimento notório, o silêncio pode ser tomado como falso testemunho.

Ademais, nem todas as questões implicam necessariamente a produção de provas contra o depoente.

Quando a CPI assim decide trabalha deliberadamente contra si, escorando-se numa decisão judicial para não assumir sua vontade de não ouvir. Como o que alguns teriam a dizer não interessa a esse ou àquele partido, se ninguém falar atendem-se aos interesses da maioria.

Memória. Ontem fez sete anos que o publicitário Duda Mendonça foi à CPI dos Correios dizer que recebera dinheiro de caixa 2 pelos serviços prestados à campanha presidencial de 2002, fornecendo o que o próprio governo à época considerou como a prova material que poderia sustentar a abertura de impeachment contra o então presidente Lula.

Foi o momento crucial da história e também definidor da volta por cima.

A oposição calculou que poderia até ter razão, mas não teria a força necessária para levar adiante o processo. O governo desistiu definitivamente das reformas da trabalhista, sindical e da Previdência, renovando os termos de aliança com o funcionalismo público e o movimento sindical.

Um definitivo reforço no exército de defesa que a oposição pesou, mediu e julgou impossível de enfrentar.

Só o chefe não sabia - FERREIRA GULLAR


FOLHA DE SP - 12/08


Sem dúvida que estava a par de tudo e em tudo interferia, por meio de seus paus-mandados



Falando francamente, qual é a imagem que se tem de Lula? Melhor dizendo, se alguém lhe pedisse uma definição do nosso ex-presidente da República, qual daria? Diria que se trata de uma pessoa desligada, pouco objetiva, que mal repara no que se passa à sua volta? Estou certo de que não diria isso, nem você nem muito menos quem privou ou priva com ele.

Ao contrário de alguém desligado, que entrega aos outros a função de informar-se e decidir por ele, Lula sempre se caracterizou por querer estar a par de tudo o que acontece à sua volta e, muito mais ainda, quando se trata de questões ligadas a seu partido e à realidade política em geral.

As pessoas que o conheceram no começo de sua vida política, como os que lidaram com ele depois, são unânimes em defini-lo como uma pessoa sagaz, atenta e sempre interessada em tudo saber do que se passava na área política e, particularmente, o que dizia respeito às disputas, providências e articulações que ocorriam dentro do seu partido e no plano político de um modo geral.

Isso já antes de sua chegada ao poder. Imagine você como passou a agir depois que se tornou presidente da República. Se hoje mesmo, quando já não ocupa nenhum cargo no governo nem no partido, faz questão de saber de tudo e opinar sobre tudo, acreditaria você que, no governo, deixava o barco correr solto, sem tomar conhecimento do que ocorria? Isto é, sabia de tudo menos do mensalão?

Veja bem, hoje mesmo, alguma coisa se faz na Câmara dos Deputados ou no Senado sem o conhecimento da Dilma? Os repórteres, os comentaristas políticos estão diariamente a nos informar do controle que o Planalto exerce sobre o Parlamento.

A cada problema que surge, a cada decisão importante, Dilma convoca os líderes da base parlamentar para dizer a eles como devem agir, como devem votar, que decisões tomar. Isso Dilma, hoje. Imagine o Lula, quando presidente, mega como sempre foi, mandão por natureza. Sem dúvida que estava a par de tudo e em tudo interferia, por meio de seus paus-mandados. Dá para acreditar, então, que ele só não sabia do mensalão, nem sequer ouvira falar? Claro que você não acredita nisso, nem eu.

É evidente que Lula não podia ignorar o mensalão porque não se tratava de uma questão secundária de seu governo. Longe disso, o mensalão foi o procedimento encontrado para, com dinheiro público, às vezes, e com o uso da máquina pública, noutras vezes, comprar o apoio de partidos e os votos de seus representantes no Congresso.

Não se tratava, portanto, de uma iniciativa secundária, tomada por figuras subalternas, sem o conhecimento do chefe do governo. Nada disso. Tratava-se, pelo contrário, de um procedimento de importância decisiva para a aprovação, pelo Congresso, de medidas vitais ao funcionamento do governo. Portanto, Lula não apenas sabia do mensalão como contava com o apoio dos mensaleiros para governar.

Certamente, o leitor perguntará: por que Lula, esperto como é, arriscou-se tanto? Pela simples razão de que não desejava dividir o poder com nenhum partido forte, capaz de lhe impor condições. Como é próprio de seu caráter e de seu partido, só admitia aliança com quem não lhe ameaçasse a hegemonia.
Não estou inventando nada. Todo mundo leu nos jornais, logo após a vitória nas eleições presidenciais, que José Dirceu articulava a aliança do novo governo com o PMDB.

Só que Lula não aceitou e, em seu lugar, buscou o apoio dos pequenos partidos, aos quais não teria que entregar ministérios e altos cargos nas estatais. Em vez disso, os compraria com dinheiro. E foi o que fez, até que, inconformado, Roberto Jefferson pôs a boca no mundo.

Lula, apavorado, advertiu os seus comparsas para que assumissem a culpa, pois, se ele, Lula, caísse, todos estariam perdidos. E assim foi para a televisão, disse que havia sido traído e se safou.
Bem mais tarde, com a cara de pau que o caracteriza, afirmou que nunca houve mensalão mas, ainda assim, tentou chantagear um ministro do Supremo. Afinal, por tudo isso, recebeu o título de doutor honoris causa! Merecidíssimo, claro!

As medidas do mal - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 12/08


Corrupção não se mede. É da sua natureza ser fugidia, clandestina, sombria. É dinheiro que escapa pelas franjas, por atores que se escondem e camuflam. O diretor da Transparência Brasil Claudio Weber Abramo acha que os números que aparecem são fantasiosos. Gil Castello Branco, do Contas Abertas, diz que é possível estimar as perdas e que os dados reforçam a luta contra o mal.
A Fiesp calculou entre R$ 50 bilhões e R$ 85 bilhões de perdas anuais no Brasil. Gil pensa que essas estimativas, feitas com base em cruzamento de dados, têm solidez. Existe também o índice de percepção da corrupção. Pesquisas com empresários que fazem negócios no Brasil e com o Brasil. Juntos dariam uma boa ideia da dimensão do problema e são coerentes entre si.

Abramo pensa diferente. Ele analisou os cálculos e diz que as bases de dados são frágeis e que as conclusões não passam por qualquer teste. Isso não o leva à conclusão de que o problema não seja sério.
- Pode custar mais ou menos. Mas existe um problema (no cálculo): base metodológica frágil. O crime é escondido. Estimá-lo é difícil. A melhor opção é dizer: não sei quanto é. Isso não significa dizer que não exista a corrupção ou que não se conheça suas consequências. Um número serve para quê? Para dizer que existe corrupção no Brasil? Ora, isso é óbvio, todo mundo sabe - diz Abramo.
- É difícil quantificar, mas é um referencial. O Banco Mundial faz seu esforço de quantificação, compatível com os dados da Fiesp. O professor Marcos Fernandes, da FGV, somou os casos de desvio no Governo Federal de 2002 a 2008 e chegou à conclusão de R$ 40 bilhões. Essa é a ponta do iceberg. O Brasil é o quarto país em volume de dinheiro em paraísos fiscais. É válido medir e trabalhar com extrapolações. São valores substanciais. É bom ter parâmetro. Esse patamar mínimo do estudo da Fiesp, R$ 50 bi, equivale ao investido pelo PAC I em infraestrutura - rebate Gil.
Um problema e duas visões que coincidem num ponto: é necessário combater o mal. Conversei com os dois esta semana e os entrevistei na Globonews. Um interessante conflito de ideias, porque ambos dão contribuições importantes na luta contra os desvios. Abramo acha que a questão mais interessante é o combate.
- Corrupção é um problema objetivo. Não é subjetivo. Não é um problema moral. A corrupção não acontece porque existe gente desonesta no mundo, mas porque gente desonesta pode agir desonestamente. Tem que se ver as condições institucionais e as práticas administrativas. Um foco de corrupção no Brasil é o excessivo número de indicações políticas dos chefes do Executivo - diz Abramo.
Gil acha que a grande medida a tomar para reduzir a corrupção é a adoção do financiamento público de campanha. Ele admite que já há esse financiamento, através do programa eleitoral e do fundo partidário, mas acha que é possível aperfeiçoar:
- As eleições são caríssimas e isso alimenta o caixa dois. As empresas doam para ter proveito.
- É ilusão achar que isso resolve. Se for proibido o financiamento privado, o caixa um vai virar caixa dois. Já foi tentado em outros países com resultado horroroso - diz Claudio Abramo.
Ele acha que usar cargos públicos como moeda de troca produz outro efeito nocivo: o legislativo deixa de fiscalizar e legislar.
A Transparência Brasil foi quem fez a primeira sugestão para se ter no Brasil a Lei de Acesso à Informação. Abramo lembra que a lei não vai criar informação. Cria condições de acesso. Gil Castello Branco lembra que mesmo com a Lei de Acesso à Informação há dificuldades de se conseguir dados de órgãos públicos e das estatais. E as empresas públicas "movimentam um PIB argentino por ano".

Bendita loucura - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 12/08


Segundo Luiz Felipe Pondé, só os loucos ainda viajam. Dou total razão a ele, e assumo que sou louca.


É só aparecer a oportunidade de uma viagem para mais ou menos qualquer lugar que já me alvoroço, e só quando começo a tomar as providências, tipo quem vai cuidar do meu gato, como pagar as contas no fim do mês, e mais mil etcs. -e isso é só o principio- percebo a insanidade que é viajar.
Quando chego ao aeroporto e vejo a fila, penso na minha casa e tenho vontade de chorar, mas aí não dá mais para recuar.
Para os loucos, como eu, existe a ilusão de que uma viagem é e será sempre a melhor coisa do mundo -aliás, nunca é-, e quando posso, meu destino é sempre Paris.
Já vou sonhando com o táxi do aeroporto para o hotel, geralmente conduzido por um motorista francês tendo, no assento a seu lado, um cachorro bem grande (em outros tempos, fumando um gauloise). No rádio, bem baixinho, música clássica; bons tempos.
Da última vez o motorista era um asiático que, além de mal falar francês e não conhecer a cidade, passou todo o tempo do trajeto falando no celular, bem alto, numa língua estranha. Foi horrível.
Logo no primeiro dia, fui avisada: "não vá ao Champs Elysées; não dá nem para andar, de tanta gente, e você ainda se arrisca a ser roubada". Fala sério: estar em Paris e não poder ir ao Champs Elysées é um mau sinal. Me privei de ver a avenida mais linda do mundo, mas vi, nos cafés, restaurantes e museus, multidões; as grandes cidades estão cheias demais.
O mundo está ficando sem graça? Está. Então as viagens acabaram? Não, não acabaram, mas têm que ser repensadas. Eu ando repensando as minhas próximas.
Segundo disse Humphrey Bogart a Ingrid Bergman, em "Casablanca", "we will always have Paris"; nós também sempre teremos Paris, mas em termos.
A razão pela qual se viaja é para ver cidades com características próprias, com coisas que só lá se encontram, mas está difícil encontrar lugares especiais, únicos, já que estão todos tão iguais.
A saída? Estou inclinada a pensar que a solução são as pequenas vilas, no interior, ainda não contaminadas pela globalização. Vamos sempre passar por Paris, claro (ouvi dizer que Roma ficou fora de questão, tal a quantidade de turistas), mas existem lugares deliciosos que ainda não foram descobertos, onde se pode ser feliz por alguns dias, longe desse insensato mundo.
Como na Europa os países não têm a dimensão continental do Brasil, a distância entre duas cidades (e até entre dois países) costuma ser pequena, o que facilita o deslocamento. Da última vez, deixei Paris e fui parar em um pequeno vilarejo na Itália com 6.000 habitantes, nada famoso (poderia ter sido na Espanha, na França, ou em Portugal).
Nele, como em quase todos, havia um pequeno palazzo abandonado, uma ruína e um café na praça, onde passei horas observando o vai-vem dos locais; depois, jantei em um restaurante que não está em nenhum guia, onde comi muito bem e bebi o vinho da região, por metade do preço das grandes cidades.
Ótimo, pois como dizem os conhecedores da gastronomia, come-se mal em Paris.
Me senti como num filme de Fellini: os personagens estavam todos lá, era só olhar para reconhecê-los. Foi uma semana tranquila, que virou minha cabeça pelo avesso, com todas as fantasias de praxe: viver numa cidade em que ninguém está conectado, sem ter conhecimento do que está na moda -nem as comidas, nem os vinhos, nem o último iPad com 350 milhões de programas, nem nada, num clima de paz total, como deve ser bom; será isso a felicidade?
Impossível saber, mas talvez a resposta seja sim.
Talvez".

Misto-quente ou O fim do mundo - LUIZ FERNANDO VERISSIMO


O Estado de S.Paulo - 12/08


Ele pediu um misto-quente. Ela se impacientou.

- Você vai comer só isso?

- Vou.

O sanduíche dela era enorme. A alface saía pelos lados. Um molho amarelo pingava no prato. Pontas de tomate, bacon e cebola também apareciam nas bordas. O pão era com sementes de gergelim.

O misto-quente dele era só presunto e queijo entre duas torradas.

- O que você vai beber?

- Água.

- Toma uma coca. Eu estou pagando.

- Água.

- Olha, se você vai ficar assim, é melhor nem ter esta conversa.

- Assim como?

- Assim, emburrado. Se fazendo de coitadinho.

- Só porque eu pedi um misto-quente?

- Escuta. Nós não estamos brigando. Entendeu? Nós vamos só dar um tempo. Aliás, eu vou tentar aquela bolsa no Canadá. É possível até que eu viaje.

- Tá certo.

- Pelo menos põe ketchup nesse misto-quente!

- Eu gosto assim. Simples. Sem adornos. Você sabe que existe uma ordem religiosa que se alimenta exclusivamente de mistos-quentes? Acho que é no Tibete. Isto que você olha com tanto desdém pode ser um dos caminhos para Deus.

- Escuta...

- O misto-quente é uma lição de vida. Quem precisa de mais do que isto, presunto, queijo e duas torradas? O misto-quente é a vida reduzida ao essencial. Todo o resto é supérfluo. Vou passar a comer só misto-quente com água. Quando você voltar do Canadá, eu talvez esteja levitando. Dizem que os monges do Tibete não andam mais no chão. Cada um é o seu próprio helicóptero. Tudo devido ao misto-quente.

- Eu vou pegar uma cerveja. Você quer que eu lhe traga alguma coisa?

- Água.

- Com gás?

- Sem gás. Bolhinha já é afetação.

- Você quer ou não quer ter esta conversa?

- O que há para conversar? Nós vamos dar um tempo, você vai para o Canadá, eu talvez me dedique a um tratado sobre o misto-quente. Origem, antecedentes, morfologia, simbolismo... Não há mais nada para conversar.

- Você, também, faz um drama. Não é o fim do mundo.

- Como, não é o fim do mundo? É o fim do mundo, sim. Você acaba de me dar a notícia de que um meteoro vai se chocar com a Terra.

- Que exagero. Nós vamos só dar um tempo...

- Que tempo?! Você não entendeu? É o fim do mundo. Maremoto. Nova York que arrasada. O Japão sob as águas.

- Já vi que não podemos conversar. Eu queria acabar tudo de uma maneira civilizada, mas...

- Não existe maneira civilizada de um amor acabar. É como pedir para você comer esse sanduíche de uma maneira civilizada. Não dá, vai espirrar o molho, o bacon vai cair no seu colo... Vai ser um cataclismo. Amor que não acaba em cataclismo, não era amor.

- Tá bom, tá bom. Coma o seu misto-quente, vá.

A fenomenal Curiosidade - MARCELO GLEISER

FOLHA DE S.PAULO - 12/08


Espera-se que a Curiosity ache vida em Marte; mesmo se não encontrar, aprenderemos muito

Só se você estiver em hibernação profunda ou inconsciente terá perdido, nesta semana, em meio às várias transmissões olímpicas, o sensacional feito dos engenheiros e cientistas da Nasa.
Após anos de preparativos e meses de voo, a sonda exploratória Curiosity (Curiosidade) foi depositada em Marte, o planeta que tanto fomenta a imaginação humana.
A máquina é do tamanho de um Mini Cooper, pesando em torno de uma tonelada. Transportá-la por centenas de milhões de quilômetros e pousá-la no local desejado é um feito de tirar o chapéu.
E tudo foi feito automaticamente, por computadores a bordo, já que o pouso levou sete minutos e as comunicações com a Terra demoram 14, devido à distância.
Ou seja, um robô ultrassofisticado pousou por si só em Marte.
Sua função principal? Buscar por traços de vida, atual ou extinta, na superfície e no subsolo marciano.
Hoje (escrevo na quinta), vi as primeiras imagens transmitidas pela Curiosidade após a aterrissagem: meio vagas, mostrando uma colina à distância, a borda da cratera Gale. Elas podem ser vistas emwww.nasa.gov/mission_pages/msl/multimedia/PIA15691.html. Quem gosta de Twitter pode seguir a sonda: @MarsCuriosity.
Marte é como já sabíamos: seco, frio, proibitivo. Na imagem, podem ser vistos pedregulhos na superfície. Com seus instrumentos, a Curiosidade vai coletar amostras do solo e do subsolo e analisá-las quimicamente, buscando traços de matéria orgânica ou de processos metabólicos que indiquem a presença, no presente ou no passado, de algum tipo de vida.
Marte de hoje, com uma atmosfera mais rarefeita do que a da Terra, composta quase que só por gás carbônico, é bem diferente do planeta de bilhões de anos atrás.
Por meio de estudos da geologia marciana e dos depósitos de água que ainda existem lá, estima-se que, quando a Terra era ainda um bólido de fogo e lava, Marte já houvesse se acalmado e fosse bem mais quente e úmido.
Cânions ressecados indicam que a água já fluiu em abundância por lá. E onde há água pode haver vida.
Claro, muita gente espera que a Curiosidade encontre algum traço de vida em Marte, mesmo que já defunta. Ainda que não encontre, aprenderemos muito.
Afinal, acoplada à questão da existência de vida extraterrestre está sua abundância ou raridade. Se não encontrarmos sinais de vida em Marte, planeta diferente mas não tão diferente da Terra, ficará difícil justificar que exista vida em abundância fora daqui.
Por isso buscar vida em Marte é tão importante. Ela pode estar lá e escapar aos nossos métodos de detecção; se achar vida na Terra é fácil, em outros locais ela pode estar bem mais escondida ou ter características que desconhecemos, se bem que é uma possibilidade remota.
Vida precisa de água, carbono e alguns outros ingredientes básicos. Formas exóticas, usando amônia em vez de água ou silício em vez de carbono, são concebíveis mas pouco plausíveis.
Temos o privilégio de poder viver essa busca e participar dela do conforto dos nossos lares. Algo que deve ser celebrado como uma das proezas da nossa história coletiva.

À companheira Dilma - VERA MAGALHÃES - PAINEL


FOLHA DE SP - 12/08


Cinco centrais sindicais do país formalizarão apoio à greve dos servidores federais e repudiarão, em nota oficial, o que chamam de "autoritarismo" do governo nas tratativas com o funcionalismo. No texto, a ser divulgado hoje, as entidades dizem ser legítima a paralisação que afeta 30 categorias e criticam o corte do ponto dos grevistas. "É justamente a falta de negociação, postura adotada pelos governos passados, que gerou descontentamento generalizado dos servidores."

Todos por um Subscrito pela CTB, CUT, Força Sindical, Nova Central e UGT, o documento apoia ainda o pleito de grevistas quanto à regulamentação, em lei, da Convenção 151 da OIT, que trata do direito de negociação coletiva para solução de conflitos.

Morde e assopra Auxiliares de Dilma avaliam que o governo deveria ter apostado em uma dobradinha entre Miriam Belchior e Gilberto Carvalho, como Lula fazia com Paulo Bernardo e Luiz Dulci, para dialogar com os grevistas. Enquanto Bernardo endurecia, Dulci amaciava.

Concreto Um dos projetos que serão entregues ao setor privado no pacote que o governo anuncia nesta semana é a construção de pistas extras da rodovia Dutra na serra das Araras (RJ), avaliado em até R$ 2,5 bilhões.

Luz Já a concessão do setor elétrico está prevista para setembro. O governo deverá prorrogar as concessões em vez de promover novo leilão, como quer Paulo Skaf (Fiesp).

Bandeira Skaf já avisou que recorrerá ao Supremo Tribunal Federal e consultará três ex-ministros da corte, Ellen Gracie, Sidney Sanches e Nelson Jobim, para elaborar pareceres contra a decisão.

Marca Embora o nome de Plano Nacional de Logística drible o carimbo de privatista, há no governo quem defenda slogan mais chamativo para o pacote. Brasil Eficiente é uma das opções.

Uma mão... Na esteira da defesa de José Dirceu, outros advogados do mensalão preparam novos memoriais aos ministros do STF. Evocarão teses de colegas que já falaram para contestar crimes atribuídos a seus clientes.

... lava a outra Luciano Feldens e Antonio Almeida Castro, que defendem Duda Mendonça e Zilmar Fernandes, vão usar o argumento de Alberto Toron de que o Gilmar Mendes não aceitou o crime de lavagem de dinheiro contra João Paulo Cunha em 2007 porque o deputado mandou a própria mulher sacar dinheiro no Banco Rural.

Jurisprudência Segundo os advogados, isso não caracteriza ocultação da transação. "No nosso caso, foi a própria Zilmar que foi sacar o dinheiro'', justifica Castro.

Hora extra Após mais de cinco horas diárias de sessões do mensalão, vários ministros têm feito reuniões com as equipes nos gabinetes para organizar as informações e debater os fatos do dia.

Oremos O ministro Marcelo Crivella (Pesca) negocia com o missionário R.R. Soares e com o apóstolo Estevam Hernandez o apoio das igrejas Internacional da Graça de Deus e Renascer em Cristo à candidatura de Celso Russomanno (PRB) em São Paulo.

Comercial Preocupado em padronizar a propaganda dos 170 candidatos a vereador de sua coligação, ao QG de José Serra centralizará a produção das inserções de TV, que entram no ar dia 21.

Massificação Na tentativa de compensar a ausência de Dilma em seu palanque eletrônico, Fernando Haddad (PT) espalhou 12 mil cavaletes e seis milhões de panfletos em que aparece ao lado da presidente e de Lula.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio
CPIs podem ter provas inválidas, mas quem não reclama na hora não pode reclamar depois. A Justiça não socorre a quem dorme.

DO DEPUTADO MIRO TEIXEIRA (PDT-RJ), defendendo o uso em juízo de documentos obtidos em investigações parlamentares, como no mensalão.

contraponto


Corrida maluca
A ministra Cármen Lúcia, do STF, destoa dos colegas por não utilizar carro oficial do tribunal. Certa vez, ela foi ao gabinete trabalhar num sábado e, na saída, pegou um táxi na Praça dos Três Poderes.

Ao começar uma conversa com o taxista, ele disse que era estudante de Direito e mostrou livros jurídicos, um dos quais escritos pela passageira.

-Sou ministra do Supremo e escrevi esse seu livro -, disse a atual presidente do TSE.

Incrédulo, o motorista não conteve um comentário:

-É, madame, a praça anda meio esquisita...

Dilemas de Brasil e China - ALBERTO TAMER


O Estado de S.Paulo - 12/08


E é a China, de novo, preocupando o mundo. E aqui, o dilema quase existencial da equipe econômica entre investir mais e economizar menos, superávit primário de 3,1% ou 2,8%.

Na China, a inflação que em junho estava em 2,2% recuou para 1,8% no último mês e a economia apresenta mais sinais de desaceleração. Inflação em queda é bom sinal, mas um recuo brusco de 5% para menos de 2% aponta para o caminho da deflação. Isso mostra que o mercado interno não está reagindo aos estímulos do governo. Os chineses não estão consumindo mais. Isso é agravado pelo forte recuo nas exportações - apenas mais 1% em julho, em grande contraste com 11% em igual mês do ano passado. A segunda maior economia mundial está importando, exportando menos e crescendo menos em um clima de inflação declinante apesar do aumento das commodities.

Vem reação. Tudo indica que o governo chinês vai reagir. Já cortou os juros em junho e julho, reduziu o compulsório dos bancos, tentando injetar liquidez no sistema com ajuda de inflação menor. Mas há ceticismo no mercado. Já fez isso antes, os bancos não ofereceram mais crédito porque não havia procura na bolha do mercado imobiliário. Resultado: a demanda interna aumentou apenas 4,7%, revelando um consumidor cauteloso.

Brasil e China. Os desafios que a China enfrenta hoje são semelhantes aos do Brasil: precisa estimular a demanda interna, cortar impostos, reduzir juros, oferecer mais crédito, estimular a produção via investimentos e consumo. Nos dois casos, não há riscos mais sérios de inflação, estável no Brasil em torno de 5%, e 1,8% na China, declinante. A diferença está nas dimensões dos mercados internos. Na China, representa entre 30% e 35% do PIB; aqui, 60%. Lá, são nada menos que 690 milhões de habitantes que vivem nos campos ainda por conquistar; aqui, grande parte dos 50 milhões das classes de menor poder aquisitivo já estão entrando no mercado. Eles vão demorar ainda para criar um mercado interno, que já está ocupado no Brasil.

Ser ou não ser... O dilema brasileiro é outro. O que o governo chinês tem de mais e nós de menos é o espaço fiscal. Eles possuem recursos quase infindáveis, reservas de US$ 3 trilhões e renda gerada pelas estatais que dominam a economia e dependem menos da receita interna para financiar investimentos. No Brasil, o governo vive no momento o drama shakespeariano de "ser ou não ser", economizar menos e investir mais para evitar a recessão que apontou no último trimestre, e manter o nível de emprego. Uma dúvida quase acadêmica que ganhou espaço na mídia esta semana.

Mais um ato. Por enquanto, parece que o dilema continua em Brasília. Após anunciar para o último dia 7 um pacote de grande estímulo para o setor privado, o governo o adiou por uma semana, mas ainda não é certo. A equipe econômica, preocupada, refaz as contas que não fecham com um superávit de 3,1%, a receita continua recuando devido ao menor lucro das empresas e as desonerações, o que deve se acentuar ainda mais nos próximos meses. Ao mesmo tempo, os últimos incentivos à indústria e a redução acentuada dos juros desde agosto do ano passado, com na China, não se refletiram sobre a atividade econômica. O PIB aponta menos de 2% e o emprego vacila.

O governo ainda hesita em reduzir impostos - algo em torno de R$ 30 bilhões, no mínimo - para estimular investimentos privados. Sabe que, sem isso, a economia cai para menos de 2% este ano - muitos analistas preveem 1,5% - mas sente que só tem espaço se reduzir o superávit primário, mesmo favorecido agora pelo juro menor.

Decisão discreta. Para os analistas de mercado, a impressão é que o governo já estaria seguindo a política de superávit primário menor, sem falar muito nisso. Por que? É, dizem eles, o que indicam os números oficiais divulgados em Brasília. Até junho, foram cumpridas apenas 47% da meta programada para este ano, em contraste com 61% em igual período do ano passado. A tendência se acentuou nos últimos dois meses.

Assim, dizem eles, ninguém acredita muito na meta do superávit primário de 3,1% este ano, mesmo porque há desonerações já anunciadas para a energia elétrica para outros setores industriais, além da folha de pagamento. A questão é a dosagem. Para a maioria, o superávit ficaria em 2,8% mesmo. Isso porque a receita do IPI que incide sobre automóveis recuou 73% com as exonerações feitas pelo governo, sem contar a reação à extensão de benefícios a outros setores.

E, assim, saem machucados, mas ninguém morre no fim da peça...

O dinheirinho das crianças - MARCELO NERI

FOLHA DE S.PAULO - 12/08


A taxa de pobreza das crianças no país, antes, seis vezes a dos idosos, foi reduzida em 40%

De todas as mudanças ocorridas na década passada registradas no Censo Demográfico, minha favorita é a redução da mortalidade infantil em 46%. Essa queda atinge 58% no Nordeste, o grande bolsão de pobreza brasileiro. Hoje, cada mulher brasileira tem apenas 1,95 filho, ante 5,7 filhos em 1970, por exemplo.
A queda combinada das taxas de fertilidade e de mortalidade infantil significa menos crianças morrendo. Esse talvez seja o mais simbólico e decisivo passo para um lugar que há 70 anos foi apelidado de "país do futuro".
Na presente década, teremos de revolucionar a educação, cumprir as metas de qualidade de educação do Ideb e do movimento Todos pela Educação para que possamos olhar para trás e comemorar, em 2022, o bicentenário da Independência.
Estamos começando a discutir orçamento crescente para educação e a enfatizar as ações compensatórias voltadas às crianças mais pobres. Vou me ater aqui ao efeito direto do dinheirinho das crianças.
Desde 2011 foram introduzidas várias mudanças no Bolsa Família, entre as quais:
1) reajuste de 45% nas condicionalidades para aquelas entre 0 e 15 anos de idade;
2) ampliação do número máximo, de três para cinco crianças, entre os beneficiários dessas condicionalidades;
3) criação de benefício extra para grávidas e lactantes até os seis meses do bebê;
4) complementação de renda até a linha de extrema pobreza, de R$ 70, para as famílias com crianças entre 0 e 6 anos de idade no bojo do Brasil Carinhoso.
Cabe notar que a taxa de pobreza das crianças -antes, seis vezes a dos idosos- foi reduzida em 40% instantaneamente pelo efeito cumulativo dessas inovações. O custo fiscal das novas e das velhas ações do Bolsa Família é inferior a 0,5% do PIB.
Uma linha que tenho me envolvido é o desenho de programas municipais e estaduais complementares ao Bolsa Família. Em particular, gostaria de enfatizar a implantação do Família Carioca na cidade do Rio, com lições que creio serem úteis para outras localidades. As cidades são as responsáveis últimas pelas crianças, através de ações de assistência, educação e saúde básicas.
Há admirável sinergia entre níveis de governo. A prefeitura aprendeu a explorar a estrutura do Cadastro Social Único e de pagamentos do Bolsa Família federais. Ao mesmo tempo, exporta algumas de suas inovações, como a complementação de renda usada no Brasil Carinhoso.
A cada dois meses, a cidade do Rio aplica 650 mil provas a alunos da rede municipal, inspiradas na filosofia instituída pelo Prova Brasil e pelo Saeb.
Há uma série de incentivos monetários no Família Carioca, produzindo efeitos adicionais aos do Bolsa Família. Isso inclui prêmios por variáveis-meio como a frequência escolar dos alunos e dos pais em reuniões bimestrais nas escolas e também em variáveis-fim como a melhora da performance nas provas bimestrais.
Recentemente, à luz dos bons resultados obtidos, foram introduzidos prêmios maiores para estudantes com deficiência e adolescentes moradores em áreas conflagradas da cidade.
O Família Carioca atinge hoje 540 mil pessoas (mais da metade delas são crianças), ao custo de R$ 130 milhões por ano. Vou me ater aqui ao efeito direto na pobreza derivado dos benefícios básicos, das condicionalidades e do bônus por melhoras de desempenho instituídos.
Usamos a medida de pobreza denominada de P2, que é a favorita para nove entre dez especialistas em pobreza, por enxergar a desigualdade entre os despossuídos, buscando os mais pobres dos pobres. O P2 entre os beneficiários caiu instantaneamente um adicional de 57,7% a partir da implementação do FC. À guisa de comparação, a Meta do Milênio da ONU é reduzir a pobreza em 50% em 25 anos.
O impacto do Família Carioca no topo do Bolsa Família é um passo instantâneo na direção da superação da pobreza no universo de seus beneficiários. A pobreza caiu, nesse universo, 95,6% com a aplicação cumulativa dos dois programas.

Lavagem de dinheiro - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 12/08

O julgamento do mensalão traz com ele uma discussão sobre a legislação brasileira de lavagem de dinheiro que, dependendo do resultado, pode definir uma jurisprudência importante para o combate à corrupção no país. O Supremo quase não julgou casos desse tipo.

Pela lei atual, mais rigorosa que a anterior, mas que não pode ser usada contra os réus pois é posterior aos atos praticados, qualquer dinheiro ilícito está enquadrado no crime de lavagem de dinheiro. Nesse caso, até mesmo o "caixa dois” alegado pelos réus como explicação para a farta distribuição de dinheiro ocorrida, está enquadrado, mesmo sendo crime eleitoral, que não é punido com prisão.

A lei à época dos crimes elenca os diversos casos em que pode se caracterizar lavagem de dinheiro, entre eles peculato, desvio de dinheiro público. Há também discussão em torno do "crime antecedente’,’ visto pela legislação como imprescindível para a prática do crime de lavagem de dinheiro.

Os réus, em ação claramente coordenada, tentam demonstrar que não houve desvio do dinheiro público, que seria o "crime antecedente’ necessário para caracterizar lavagem de dinheiro. Para tanto, querem fazer crer que os empréstimos dos bancos Rural e BMG foram verdadeiros, ao contrário do que acusa a Procuradoria Geral da República, para quem os empréstimos fictícios foram criados para justificar a di-nheirama que o publicitário Marcos Valério e a direção do PT distribuíram pelos partidos.

Como era de se esperar, a intervenção do ministro Joaquim Barbosa no julgamento do mensalão, interpelando o advogado do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, provocou reações negativas entre os advogados dos réus, que as consideraram "muito agressivas”

Como foram transmitidas ao vivo, fica claro que não houve agressividade nas perguntas do relator, apenas colocações que deixaram à vista as contradições da versão do réu. As respostas aparentemente firmes do advogado Marthius Sávio Cavalcante Lobato são desmentidas pelo que há nos autos.

O assunto é importante porque o uso de dinheiro público no esquema de corrupção montado pelo PT é fundamental na acusação do procurador-geral da República.

A origem dos recursos do Fundo Visanet destinados à agência DNA, de Valério e, depois, repassados para políticos ligados ao governo, foi um dos pontos questionados por Joaquim Barbosa.

O advogado de Piz-zolato tentou dizer que se tratava de dinheiro exclusivamente privado, proveniente do uso de cartões Visa pelos clientes.

No entanto, laudo da Polícia Federal deixa a situação mais clara: os recursos destinados ao Fundo de Incentivo Vi-sanet eram compartilhados pelos "incenti-vadores” segundo participação acionária de cada um na empresa.

Isso quer dizer que o BB, com cerca de 30% da sociedade, tinha direito a esse percentual, e o dinheiro desviado para as agências de Valério tinha, portanto, pelo menos em parte dinheiro público.

A DNA tinha contrato diretamente com o BB, e não com o Visanet, o que deixa mais clara a relação do banco oficial com o publicitário cuja expertise era desviar dinheiro de contratos de publicidade de órgãos governamentais para fins políticos.

Até mesmo a tentativa do advogado de dizer que seu cliente não tinha autonomia para autorizar sozinho repasses do Visanet à DNA mostrou-se frágil. Na ocasião, o colegiado que, segundo o advogado, autorizava os repasses era formado por seis gerentes de Marketing do BB, cujo diretor era o próprio Pizzolato.

Na defesa de alguns dos réus, Valério inverteu a sistemática de lavagem de dinheiro;pegou um empréstimo lícito, com base em uma promessa de que esse dinheiro seria pago com favores do governo. Isso livraria alguns dos réus da responsabilidade de ter "lavado” dinheiro sujo. O dinheiro chegou "lavado”; disse o advogado do deputado João Paulo Cunha, numa estranha maneira de se defender.

Em 2007, quando a PGR apresentou ao Supremo a denúncia do mensalão, ainda não havia elementos para acusar Delúbio Soares de lavagem de dinheiro. Mas agora o juiz Márcio Ferro Catapani, da 2^ Vara Criminal Federal em São Paulo, aceitou em 6 de julho a denúncia do Ministério Público em que Delú-bio é acusado de receber de duas agências de Valério — a SMP&B e a DNA — R$ 450 mil, oriundos de atividades ilegais, de um esquema do Banco Rural.

Também nesse processo os empréstimos são tratados como fraudes para justificar o dinheiro ilícito.

Tédio! Acabaram as Olimpiádicas! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 12/08


Mensalão! Zumbilândia! E a multidão de advogados? Mais de 150! É arrastão ou plataforma de metrô?

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!
Piada pronta: "Murilo Benício organiza leilão de gado no Rio". Não pode! Ator que faz o papel do maior corno do Brasil não pode organizar leilão de gado. Organizar chifre?
E o mensalão? Temos o grande injustiçado e o grande culpado. O grande injustiçado é o Professor Luizinho. Que só ganhou R$ 20 mil. Professor ganha mal em qualquer área, até no mensalão. Professor só se ferra.
O grande culpado é o Gabeira. Quem mandou trocar o embaixador americano pelo Zé Dirceu? Rarará! Agora, não reclama. O Zé Dirceu é um finado vivo!
O mensalão dá tanto sono que virou mensonão, mensoneca! E o jornal "Extra" fez a novela "Avenida Brasil" com o mensalão. Lula faz o papel do Tufão, o marido enganado, o corno crédulo. O Zé Dirceu é a Carminha! E o Marcos Velório é a Suelen. Deu pra todo mundo: petistas, tucanos, peelistas etc!
Mensalão! "O Despertar dos Mortos"! ZUMBILÂNDIA! Parece um monte de zumbi! E a multidão de advogados? Mais de 150 advogados. É arrastão ou plataforma de metrô? Arrastão no mensalão. Rarará!
E "Avenida Brasil"? Ops, Gritaria Brasil. A novela tem três núcleos: o que grita, o que chora e o que grita e chora. E quem gritar mais, a imagem congela no final!
Ganhamos menos prata na Olimpíada que a corrente do Tufão. E a Muricy é uma periveia! E o Leleco usa GPS pra transar! E a Muricy e o Leleco não são velhos, têm juventude acumulada. A Ivana parece o Bozo. Aliás, a Ivana parece o Pablo Qual é a Música! E o Max é filho do Roberto Leal com o Kadu Moliterno! "Avenida Brasil" virou obsessão nacional! E a última ameaça da Nina pra Carminha: "Você vai ser professora, sim, senhora". "Não, iiiissso não!". Rarará! É mole? É mole, mas sobe!
Ereções 2012! A Galera Medonha! Direto do Petrolina: Estrume. Vai dar merda! Rarará! E direto de Santa Maria, no Rio Grande do Sul: Estátua Viva. Do PSDB! Mas todos do PSDB são estátuas vivas. Rarará!
Agora eu não sei se voto na Zeni Piroca, no Luciano Bundão ou no Kakinha Jeitoso. Pra onde eu transfiro o meu título? Rarará!
Acabaram as Olimpipocas. Num guento mais ver bolas. Nem as minhas! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

A singularidade humana - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE S.PAULO - 12/08


SÃO PAULO - A notícia ficou velha, mas não resisto a comentá-la: neurocientistas assinaram, no fim de julho, um manifesto em que afirmam que vários animais não humanos, incluindo aves e polvos, possuem algum tipo de consciência.
A questão é interessante porque evoca a singularidade humana. Mais ou menos a metade dos cientistas, aí incluídos os signatários do documento, acredita que o bicho-homem faz parte de um contínuo no qual se inscrevem todos os animais. Já a outra metade, acompanhada pelos religiosos, vê uma ruptura profunda entre a nossa espécie e as de nossos parentes, mesmo os próximos.
Uma frase do psicólogo David Premack dá a dimensão do cisma: "Por que será que o biólogo E.O. Wilson consegue distinguir entre dois tipos de formiga a uma distância de 90 metros, mas é incapaz de ver a diferença entre uma formiga e um homem?".
Não há muita dúvida de que existem diferenças e elas são gritantes. Para começar, nenhum outro animal conta com linguagem recursiva, que permite comunicar mais ou menos qualquer ideia. Também não se vê nos demais representantes do reino coisas como religião, crises existenciais ou gosto por música e poesia.
Ainda assim, é perfeitamente possível que essas diferenças se devam apenas a uma questão de grau, sem que necessitemos invocar uma especificidade irredutivelmente humana.
De minha parte, acompanho o raciocínio de Michael Gazzaniga, exposto em "Human". Para o neurocientista, existem diferenças tanto em nível molecular como anatômico, mas elas são ínfimas. O que torna o estudo do cérebro interessante é tentar compreender como variações tão diminutas nos neurônios e sua organização podem, pelo fenômeno da emergência, produzir um resultado final tão dramático em nossas mentes. Em suma, somos um bicho como qualquer outro mas que, por caprichos da natureza, acabou ficando com um cérebro bastante peculiar.

O tiro no pé do PT - SUELY CALDAS


O Estado de S.Paulo - 12/08


O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, errou de endereço ao apostar, há dias, que ficará decepcionado quem imagina que o julgamento do mensalão desestabiliza o governo Dilma. Se a sentença final do Supremo Tribunal Federal (STF) absolver os que passaram dois anos desviando dinheiro público para seus partidos, a decepção será muito mais da população do que da oposição. Decepção e desesperança de punição para futuros crimes de corrupção.

A possibilidade de desestabilização política de Dilma Rousseff tem outra origem, endereço diferente da pacata oposição e ganhou musculatura nos últimos dias. Ela atende pelas siglas PT e CUT, que lideram os movimentos grevistas de funcionários públicos e que transformaram a vida da população num caótico inferno na última semana. Deixou de ser o fogo amigo da época de Lula, é fogo inimigo mirando Dilma, e com poder de produzir efeitos também no voto da classe média nas eleições. Como não há como separar o governo do partido que lhe dá sustentação política, é o PT atirando no próprio pé.

O prejuízo de uma greve de 30 profissões públicas e 350 mil funcionários é financeiro, mas também político. De tão fragmentado, o prejuízo financeiro é difícil de calcular, pois a greve se estende pelo País todo. Certamente, ultrapassa a casa de muitos milhões de reais: navios e mercadorias parados nos portos, aviões decolando com enorme atraso, contratos de compra e venda desfeitos, multas por descumprimento de prazos. Perdas que abalam a economia do País e são distribuídas entre os setores público e privado. A cifra global é alta, mas não se compara ao drama vivido pelos milhares de brasileiros prejudicados pela paralisação de serviços públicos.

O que pensam pais e alunos de mais de 50 universidades públicas sem aulas há três meses? Ou os milhares de motoristas e passageiros parados durante 9 horas na Ponte Rio-Niterói? Ou quem precisava viajar de avião ou ônibus e não chegou ao seu destino a tempo de cumprir inadiável compromisso? Ou ficou retido horas no engarrafamento da Via Dutra, com a carga do caminhão se deteriorando ou passageiros angustiados, cada um com seu drama pessoal, precisando abreviar a chegada? E quem teve aquela urgente cirurgia cancelada porque os médicos desapareceram do hospital? E os doentes sem atendimento?

Enfim, são milhares e milhares de brasileiros que passaram a enfrentar o inferno com a multiplicação das greves. E, quanto mais pobre, mais penalizada é a população, porque é quem mais precisa e recorre aos serviços públicos. Em contraste com ela estão justamente os grevistas e suas lideranças com seus privilégios: nunca são demitidos, aposentam-se com o mesmo salário da vida ativa, têm prêmios, quinquênios, jornadas de trabalho encurtadas e salários elevados, quando comparados aos do setor privado. É o que faz de Brasília a cidade de maior renda per capita do País, o dobro da de São Paulo, a segunda colocada.

Essa multidão de brasileiros prejudicados pelas greves certamente identifica no governo um dos causadores de suas mazelas. Mas não só. Passaram os tempos do maquiavelismo, do bem e do mal, do mocinho e do algoz. Não se iludam PT e CUT: o desgaste e a desestabilização política não se restringem a Dilma, mas também os contaminam. É o pai do aluno culpando os professores, o passageiro do avião e do ônibus responsabilizando os policiais federais e rodoviários, a mãe desesperada com o filho no colo xingando o médico. E todos identificando no PT e na CUT os incentivadores da eclosão e adesão às greves.

Felizmente, a ascensão dos pobres à classe média deu a eles acesso não só a bens materiais, mas também à educação e à informação. E a democracia deu liberdade para pensar, agir, escolher e votar em partidos e candidatos que os defendam, não que os prejudiquem.

Sem dúvida, a greve é um direito do trabalhador. Mas, quando ela se prolonga indefinidamente, penaliza a população e pretende o absurdo de quase dobrar os R$ 100 bilhões da folha salarial, ela se transforma em tiro no pé do partido que a estimula. No caso, o PT.

Proust, indústria e engenheiros - VINICIUS TORRES FREIRE


FOLHA DE SP - 1208

Queixas habituais de indústria e governo escondem incapacidade de melhorar tecnologia

A PRODUÇÃO da indústria está mais ou menos no mesmo nível de 2007 (na média deste ano em relação à média de 2007). Quase cinco anos. Capacidade ociosa não chama investimento. Não crescemos, entre outros motivos de curto prazo, porque não investimos.

A queixa habitual é um ímã para outros clichês: a indústria desanda devido a câmbio, imposto excessivo, energia cara. Clichês nem sempre mentem, mas são antolhos mentais. "O hábito é a coleira que prende o cão ao seu vômito", escreveu Samuel Beckett, sim, o escritor de Godot e coisas melhores. Tratava de Marcel Proust, mas passemos. Uma boa palavra vale por mil imagens.

É possível tirar os bodes do câmbio, do imposto etc. da sala? Não, pois não se trata de bodes que empesteiam apenas de passagem.

Mexe-se um pouco no câmbio, mas não podemos fazer muita coisa mais (sem provocar efeitos colaterais pesados).

Dá para reduzir um pouco de imposto aqui, outro ali, mas não muito mais enquanto gasto & dívida do governo continuarem o que são.

O governo talvez reduza um pouco da conta de luz das empresas. Mas, de novo, dessa pescaria vai sair mais lambari do que pacu.

O que é a nossa indústria, afora esses lastros indesejáveis? É capaz de inventar produtos, processos? Fala-se demais sobre a parte de fora da fábrica, pouco sobre o que se passa lá dentro. Ou de quem pode mudar o ambiente interno da indústria: centros de pesquisa aplicada.

Mesa de almoço, conversa informal, um colega coreano aqui nos EUA, engenheiro, pergunta o que queremos com a Foxconn (a gigante sino-taiwanesa que fabrica produtos da Apple no Brasil). O governo quer importar a Foxconn para fazer monitores mais avançados etc.

O colega coreano relembra que a Coreia não fez sua indústria com investimento estrangeiro ("eles não transferem tecnologia"). Copiou ("engenharia reversa") e criou institutos de pesquisa fora e dentro das empresas (como a Hyundai e a Samsung), importou engenheiros. O primeiro carro coreano foi projetado por britânicos importados.

A USP levaria uma década para formar os engenheiros que a Hyundai, coreana, ou a Huawei (chinesa de tecnologia de informação) empregam nos centros de pesquisa.

Colegas chineses riem simpáticos e irônicos quando a gente pergunta das queixas mundiais contra suas intervenções nos mercados. Num tom amigável, mas de quem explica enorme obviedade, contam que não fazem mais do que copiar métodos americanos históricos.

Concordam com os coreanos: não dá para confiar que multinacionais espalhem tecnologia no país em que aportam. Por isso as exigências draconianas dos chineses sobre transferência de tecnologia. Por isso o programa maciço de formação de engenheiros, uma das grandes metas do país para o futuro próximo.

A conversa do almoço não é novidade mesmo. É literatura acadêmica faz década e meia, pelo menos. Mas alguém ouve falar de importar ou produzir engenheiros e ciência por aí? Não custa lembrar: até nós já fizemos isso: Embrapa, Petrobras, Embraer.

Uma nova obsessão - LEE SIEGEL


O Estado de S.Paulo - 12/08


Diga-me o que comes e eu te direi quem és, disse famosamente o gastrônomo do século 19 Brillat-Savarin. Se isso for mesmo verdade, então a obsessão selvagem por comida e culinária que se apossou da América é muito reveladora.


Nos últimos dez anos, aproximadamente, cada aspecto do consumo de alimentos foi hiper-racionalizado. Há dezenas de reality shows concorrentes associados a aspirantes a chefs, chefs celebridade aparecendo inesperadamente num restaurante decadente para salvá-lo, um chef celebridade abrindo uma escola de culinária e pondo seus alunos à prova. Há o Cake Boss que acompanha a vida diária de uma família que possui uma confeitaria em Hoboken, Nova Jersey. Há uma coisa chamada The Chew, em que o participante que fizer uma imitação mais perfeita de Julia Child vence.

Ademais, há os livros. Centenas de livros. Há livros que nos dizem como comer de maneira saudável, como comer de maneira elegante, como preparar uma grande variedade de peixes, como assar pão, como cozinhar para seu (sua) amado (a), como cozinhar quando se é um atleta, como cozinhar quando se é solteiro (a), como cozinhar um jantar em 20 minutos... Há memórias na forma de livros de culinária: Como eu parei de amar demais e comecei a comer bem, Como cozinhei para 25 diferentes namorados, Como preparei comida francesa enquanto aprendia sobre pintura impressionista. (Todas invenções minhas, só para dar uma ideia). Há livros que nos ensinam como cultivar a própria comida, livros expondo as práticas desumanas e anti-higiênicas da indústria alimentícia, livros classificando cada tipo de substância comestível conhecida como saudável ou não.

E há o movimento do alimento orgânico. Ele começou com um estilo consciencioso de alimentação saudável, em que os alimentos eram cultivados de acordo com critérios rígidos que excluíam pesticidas e herbicidas. Ele ainda é isso, mas também foi assimilado por corporações gigantes do ramo alimentício que aplicam o rótulo "orgânico" em tudo, até onde a categoria orgânico não faz sentido, como "batata chips orgânica". Ao mesmo tempo, as corporações alimentícias estão introduzindo cada vez mais alimentos artificiais na categoria orgânica. Elas podem fazê-lo porque a agência do governo que supervisiona a produção de alimentos - a Food and Drug Administration - ainda não determinou precisamente o que "orgânico" realmente significa. Enquanto isso, nas mercearias, nos supermercados, e nos mercados de produtores rurais por todo o país, a busca pela comida perfeita continua.

Há duas tendências nacionais que a obsessão por alimentos incorpora. A primeira é a transformação do lazer em mais uma forma de competição. O que pode ser mais agradável e gratificante que uma bela refeição? A cozinha sempre foi o centro da vida familiar. A sala de jantar sempre foi o centro da vida social. Agora, cozinhar, comer e servir comida foram arrastados para o mesmo reino competitivo de fazer carreira ou ganhar dinheiro. As pessoas costumavam ir do trabalho para casa e espairecer na cozinha. Agora, as pessoas voltam para casa para um outro tipo de trabalho, enquanto chefs celebridade, escritores sobre culinária, e gurus da saúde espreitam por cima dos seus ombros enquanto elas cozinham.

A razão de fazer da culinária uma arte sempre foi transformar a necessidade em prazer; enfatizar o lado agradável de nossa natureza animal, em vez do duro lado da sobrevivência. Agora, porém, nos Estados Unidos, o lazer de cozinhar e comer bem virou a luta darwiniana pela supremacia: ser o "melhor" cozinheiro, comer a "melhor" comida, ter o "melhor" físico, e assim por diante. Perdi a conta das vezes em que me sentei para jantar num restaurante em Nova York enquanto meu acompanhante de jantar exibia sua robustez física para mim comendo cada item empanturrado de gordura do cardápio.

A outra tendência nacional é o controle. Seja porque as pessoas se sentem cada vez menos no controle de suas vidas, seja porque a mágica nova tecnologia as encorajou a sentir que administração de seu ambiente está ao alcance, os americanos parecem acalentar a ilusão de controle total. Boa parte disso se manifesta, como já escrevi anteriormente, na ânsia de micro-gerir as vidas de nossos filhos, e também no prevalecimento da escrita sociobiológica, que promete aplicar uma fórmula pró-ativa de existência. Mas o ato de comer agora foi trazido também para a obsessão pelo controle. É como se pela racionalização de cada aspecto do consumo de alimentos nós pudéssemos começar a consertar a própria moralidade. Afinal, nenhuma atividade de lazer está tão conectada às fontes da vida como o comer.

Há anos que se fazem comparações entre os Estados Unidos e a Roma antiga, na maneira como os EUA conduzem suas relações exteriores, na ascensão de uma casta plutocrática, na decadência da cultura. A mim me parece que essa analogia está completamente errada. Enquanto seu império se expandia a ponto de ruptura e depois começava a ruir, os romanos se entregavam ao prazer. Os americanos estão abandonando o prazer para trabalhar, na medida em que cada aspecto da vida é racionalizado e transformado em algum tipo de competição. Pouco importa o que você come. Diga-me o que pensa sobre comer, e eu lhe direi se você é saudável ou não.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 12/08

Minha Casa avança pouco em baixa renda, diz setor

O nível de contratação de moradias na faixa mais baixa do programa Minha Casa, Minha Vida 2 (PMCMV 2) ainda é pequeno, segundo a indústria da construção civil.

Até o final de julho, foram mais de 835 mil unidades contratadas nas três faixas de renda aceitas. O segmento que atende famílias com renda mensal até R$ 1.600 (faixa um) registrou contratação de cerca de 267,5 mil unidades.

Nesse ritmo, será difícil superar a meta de mais de 1 milhão de moradias na faixa um até 2014, diz Sergio Watanabe, presidente do SindusCon-SP (sindicato do setor). Ele afirma que as construtoras especializadas no segmento de baixa renda estão perdendo interesse pelo programa.

A tabela de preços usada pelo governo não está alinhada com os valores praticados pelo mercado, de acordo com a entidade.

"Hoje, não se encontra unidade a R$ 65 mil em São Paulo, por exemplo. Daí a dificuldade do programa em avançar em termos de contratação na faixa mais baixa", diz.

A situação se agrava em regiões metropolitanas.

"São Paulo, que deveria ser uma das cidades que receberiam o maior número de unidades, devido ao deficit habitacional, é uma das que têm baixa contratação."

O Ministério das Cidades diz que o número de casas da faixa um no PMCMV 2 "é inferior ao número de casas das outras faixas porque as contratações podem ser feitas até 2014 -então ainda é cedo para avaliar. O dado está sujeito a alteração", diz o órgão.

ONDA AMERICANA

A americana Waveloch, empresa que constrói piscinas de ondas, chegou ao Brasil com um projeto no Rio Grande do Sul.

Em parceria com a Mapa Investimentos, aportará R$ 60 milhões na construção de um centro de lazer em Porto Alegre, com piscina com ondas surfáveis, sauna, hotel, academia, boate, shopping e restaurantes.

"Deveremos ter projetos semelhantes em outras cinco cidades do Brasil", diz o presidente da Waveloch, Thomas Lochtefeld.

Brasília, Belo Horizonte, Goiânia, São Paulo e interior de São Paulo estão em análise, diz Marcelo Wisintainer, sócio da Mapa Investimentos.

Para serem viáveis, os empreendimentos nas outras cidades devem seguir os moldes do gaúcho, com hotel e restaurantes.

"Parques aquáticos no Brasil que não tinham essa estrutura não deram certo", acrescenta Wisintainer.

As obras começam em novembro e o parque será entregue um ano depois. O hotel, cuja bandeira ainda é mantida em sigilo, ficará pronto em 2014.

30 são os países onde a Waveloch tem piscinas e instalações

117 é o número de instalações que a empresa tem em todo o mundo

Metrô... O projeto de parceria público-privada da nova linha de metrô que ligará Salvador e Lauro de Freitas será apresentado a empresários e investidores amanhã, na sede da Bovespa, em São Paulo.

...com dendê O chefe da Casa Civil da Bahia, Rui Costa, e o secretário de Desenvolvimento Urbano, Cícero Monteiro, farão a exposição. O governo espera receber sugestões de empresários.

O QUE ESTOU LENDO

Victor Pardini, empresário do setor de medicina diagnóstica

Victor Pardini, presidente do conselho de administração do laboratório mineiro Hermes Pardini, releu recentemente "Pragmática da Comunicação Humana", de Paul Watzlawick, Janet Beavin e Don Jackson. "É um livro que me marcou muito. Apresenta os desafios da comunicação com uma característica psicossocial. Nos dias de hoje, em que estamos conectados e nos comunicando o tempo todo, é bem interessante percebermos como a nossa comunicação está falha e a dificuldade de nos fazer entendidos", afirma ele.

O laboratório adquiriu neste mês 70% do laboratório paulista Digimagem. É a primeira compra do grupo desde a entrada do Gávea, em novembro passado.

Em classe A economia da cultura será tema de aula magna no Departamento de Cinema, Rádio e TV da USP, no dia 20. O professor Arjo Klamer, da Universidade Erasmus, da Holanda, será o palestrante.

Volare O Club Med inaugura um village no Piemonte, na Itália. A unidade, com 230 quartos e três restaurantes, fica na estação de esqui que hospedou os Jogos Olímpicos de Inverno de Turim em 2006.

Europa e Brasil, algo a ver? - PEDRO MALAN


O Estado de S.Paulo - 12/08


Duas semanas atrás, o presidente do Banco Central Europeu(BCE), Mario Draghi, fez importante palestra para uma atenta plateia de analistas e investidores, em Londres, sobre as responsabilidades do BCE quanto ao euro. O discurso de 26 de julho teve grande repercussão nos mercados.

Primeiro, porque na reunião de cúpula de 28-29 de junho passado o comunicado dos chefes de Estado dizia: "Nós reafirmamos o nosso compromisso firme de fazer o que for necessário para assegurar a estabilidade financeira na eurozona, em particular quanto ao uso dos instrumentos existentes (EFSF/ESM) de maneira flexível e eficiente, de modo a estabilizar os mercados".O forte discurso de Draghi foi lido, de início, como um sinal de que as conversações intraeurozona estavam avançando.

Segundo, e mais importante, porque Draghi, referindo-se aos custos proibitivos que alguns Países europeus estavam pagando para refinanciar suas dívidas(leia-se Espanha e Itália), afirmou: "Na medida em que estes spreads impedem o funcionamento dos canais de transmissão da política monetária e envolvem riscos de conversibilidade na zona do euro, eles se situam no âmbito do nosso mandato...e,nos termos do seu mandato, o BCE está pronto a fazer o que for necessário (whatever it takes) para preservar o euro". E emendou: "Acreditem em mim, isso seria o suficiente".

O recurso retórico desta última frase foi o que moveu corações, mentes e nervos nos mercados. Afinal, parecia que havia luz no fim do túnel e que talvez estivessem sendo reduzidas gradualmente as conhecidas resistências alemãs, baseadas tanto em seu jogo político doméstico como na interpretação do tratado europeu que proíbe que o BCE estenda créditos a países soberanos (apenas a instituições financeiras ou a entes que possam receber "licença bancária" e atuar como se instituições financeiras fossem).

Mas o primeiro-ministro da Itália, Mario Monti,em entrevista ao Wall Street Journal na semana passada, após ressaltar a importância da parte do comunicado dos chefes de Estado acima citada, afirma que,com base naquele compromisso: "Se eu fosse presidente do BCE me sentiria moral e politicamente protegido em tomar passos ousados no momento apropriado". Muitos, e não apenas na Espanha e na Itália, pensavam como Monti, ao acharem que Draghi estaria preparando o terreno para ação do BCE.

Draghi tem sido cauteloso desde seu discurso londrino.Quem escalou e subiu o tom foi o outro Mario(Monti),que,em entrevista ao periódico Der Spiegel também na semana passada, agora disse algo que surpreendeu os que conhecem bem seu estilo sereno, equilibrado e cuidadoso no uso das palavras. Monti disse que "os governos não se podem colocar numa situação de total dependência de seus Congressos na escolha de políticas para salvar o euro". E mais: que a Europa estava mostrando "traços de‘dissolução psicológica’ nesta crise" e que suas lideranças políticas estavam "fazendo pouco para contê-la". A imprensa registrou que Angela Merkel, em suas férias nos Alpes, ligou para Monti para lhe assegurar que faria..."o que fosse necessário" para salvar o euro.

Maso fato é que a escalada de Monti expressa o sentido de urgência que passou a prevalecer nos países mais afetados, à luz dos riscos crescentes para sua continuada participação no projeto de moeda única. Não é segredo para ninguém que estimativas detalhadas estão sendo feitas tanto pelo setor privado como pelo setor oficial sobre os custos, por exemplo,de uma saída da Grécia. Essas estimativas, necessariamente, têm de incluir o previsível efeito contágio sobre outros países vulneráveis, uma vez que fique evidente que a eurozona enfrentou, de fato, uma "primeira" saída.

A visão que ainda prevalece parece ser a de que, no momento, uma ou mais saídas do euro seriam muito arriscadas e envolveriam altíssimos custos para o conjunto. Mas, também, à medida que o tempo passa é cada vez mais arriscada e potencialmente muito mais custosa a demora excessiva em tomar decisões à altura do desafio. E o país-chave para tais decisões é uma Alemanha internamente dividida sobre o que fazer agora.

Por que é importante para nós, brasileiros, entender o que ocorre - e o que pode ocorrer - Na Europa? Porque a crise europeia está contribuindo para desacelerar o crescimento dos EUA, como reconheceu Ben Bernanke também na semana passada. E ambos, Europa em crise e EUA desacelerando, têm efeitos negativos sobre as taxas de crescimento asiáticas e, portanto, afetam o restante do mundo. Relatório recente do FMI com foco no efeito dos "Systemic 5" - EUA, China, eurozona, Japão e Inglaterra - mostra isso claramente.

A crise com que se depara o mundo desenvolvido há cinco anos não será superada por alguns anos mais. Não era - e não é - uma "marolinha", como se pretendeu por aqui. Foram-se as expectativas de que os países emergentes se teriam "descolado" dos problemas do mundo desenvolvido e, nas suas interações, adquirido uma dinâmica própria que lhes asseguraria um crescimento sustentado no longo prazo, independentemente do que ocorresse no mundo desenvolvido.

Ficou claro para a maioria dos países emergentes que eles também, assim como os países mais ricos, enfrentam dois tipos de riscos: de uma desaceleração cíclica que já não se conta em poucos meses e de uma erosão de mais longo prazo no seu crescimento potencial. O primeiro risco pode ser administrado, ainda que a um custo alto no curto/médio prazo. O segundo é muito maior, porque envolve questões mais estruturais, como produtividade e competitividade internacional, tecnologia e inovação, capital físico e humano, marcos regulatórios e instituições modernas que favoreçam o investimento público e privado, doméstico e internacional. Tudo isso tem a ver conosco.

Guerra de novelas - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 12/08


BRASÍLIA - Nada como um dia atrás do outro para repor as coisas nos seus devidos lugares.

Num dia, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, declarou que a população não está nem aí para o mensalão e para o julgamento no Supremo. "Está mais voltada para [a novela] 'Avenida Brasil' e Olimpíada", decretou.

No dia seguinte, temos aí números que resgatam a realidade e relativizam a ficção. Segundo o Datafolha, 81% dos cidadãos e cidadãs pesquisados têm conhecimento do que significa mensalão, e 75%, de que o julgamento começou.

É verdade que todo mundo fala da novela e da Olimpíada, mas o mensalão também é bem popular.

A Olimpíada desvia a atenção do mensalão, ou o mensalão é que desvia a atenção da Olimpíada? No mínimo, os dois dividem olhares e emoções pelo país inteiro.

O julgamento mal começou, falta a defesa oral de boa parte dos réus e o ministro relator, Joaquim Barbosa, nem proferiu ainda o seu voto, mas o Datafolha mostra que as pessoas já até tiraram suas próprias conclusões.

Sobre o eixo central do debate, 82% se dizem convencidos de que o esquema era de compra de votos de parlamentares, como acusa a Procuradoria-Geral da República -e não apenas de caixa dois, como defendem os réus e seus advogados.

A maioria dos ouvidos, 73%, acha que os acusados devem ser condenados e presos. Poucos, 14%, que devem ser condenados, mas não presos. Só 5% defendem absolvição.

Os que não sabem responder são 8%. Pode ser desinformação, mas parece a resposta mais racional, já que dados e versões ainda estão sendo confrontados e processados pelos reais juízes.

Dado fundamental: se 73% defendem condenação e prisão, a maioria (43%) acha que todos serão absolvidos. Bem, aí já é um outro problema: a descrença nas instituições.

Uma garantia relativa - JOÃO BOSCO RABELLO


O Estado de S.Paulo - 12/08


Ao contrário do que possa sugerir a garantia da presidente Dilma Rousseff ao PMDB, não será pacífica a ocupação das presidências da Câmara e Senado pelo partido em 2013. Fragmentado, o PT não tem unidade para sustentar o aval do governo ao acordo, cuja aparente solidez se explica apenas pelo susto do partido com o ensaio de independência do PSB, imediatamente aproveitado pelo vice-presidente Michel Temer.

Trocando em miúdos, os dois partidos reafirmaram o acordo de rodízio no comando da Câmara depois do rompimento do PSB com o PT em Belo Horizonte e Recife, dando visibilidade à autonomia que o governador Eduardo Campos (PE) se concedeu na parceria construída com o ex-presidente Lula.

Ao retirar o deputado Leonardo Quintão da disputa em Minas para aliar-se ao PT, o vice-presidente Michel Temer obteve da presidente Dilma a promessa de honrar o acordo no Congresso. O movimento interrompeu a intensa articulação de petistas em favor da candidatura dissidente do deputado Arlindo Chinaglia (SP), que investia numa aliança com PSB, PC do B e PDT, sob o olhar de paisagem do Planalto.

Na ocasião, o líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto (SP), já tentara Dilma com a tese de que o acordo não era conveniente ao governo e ao PT, estimulando o receio da presidente com o PMDB no comando das duas Casas do Legislativo.

A mais superficial incursão em território petista mostra, porém, que o partido vive como trégua o que o PMDB trata como caso encerrado. Nada indica renúncia à contestação do acordo - antes, é clara a intenção de reabrir a disputa.


Candidatos 
vulneráveis

O PT conta com a insistência do PMDB nas candidaturas do senador Renan Calheiros (AL) e do deputado Henrique Eduardo Alves (RN), para reabrir em momento mais oportuno a oposição ao acordo que dá as duas presidências ao rival. Com históricos vulneráveis, ambos abrem brecha à tese de que a garantia da presidente foi ao partido, ao qual cabe viabilizá-los, não havendo compromisso com eventual insucesso a que dê causa. Renan já teve de renunciar à presidência do Senado uma vez, e Alves protagonizou episódios polêmicos - o mais recente, um desvio de verbas do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) por afilhados políticos.

Em casa, vale

Os acordos no PT, o líder do partido, deputado Jilmar Tatto (SP), garante. O rival José Guimarães (CE), diz, será o próximo líder na Câmara. Tatto é aliado de Arlindo Chinaglia (SP) e Marco Maia (RS), que disputam com Candido Vaccarezza (SP) e Guimarães o comando da bancada.

Acordão?

A quebra de sigilo das contas da Delta nos bancos do Brasil e HSBC mostram que a empresa repassou, nos últimos dois anos, R$ 254,7 milhões a empresas fantasmas em São Paulo, Rio de Janeiro e na região Centro-Oeste, confirmando que o esquema investigado pela CPI não se concentra em Goiás e Brasília. A maior parte desse dinheiro - R$ 114 milhões -, foi para São Paulo. Para o Rio foram R$ 51 milhões e para o Centro-Oeste, R$ 91,5 milhões. Com esses números, a investigação só ficará restrita ao Centro-Oeste por conveniência geral. Da oposição, inclusive.

Jogo duro

A Anatel anuncia na próxima semana novas regras para as teles cumprirem até novembro. Vão desde investimentos em infraestrutura para a Copa até mudanças na cobrança de rediscagem por queda na ligação quando o cliente não der causa.

Acusação e defesa - JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SP - 12/08


Numerosas contestações pareceram muito mais convincentes do que as respectivas acusações


Os advogados que até agora atuaram no julgamento do mensalão não merecem menos aplauso e defesa do que têm recebido, com fartura, o procurador-geral e acusador Roberto Gurgel. Não bastando que sua tarefa seja mais árdua, os defensores são alvos, digamos, de uma má vontade bem refletida na imprensa, por se contraporem à animosidade da opinião pública contra os seus clientes.

Ainda que não assegurem, necessariamente, a inocência de tal ou qual acusado, numerosas contestações pareceram muito mais convincentes, em pontos importantes, do que as respectivas acusações.

Na maioria desses casos, a defesa se mostrou mais apoiada do que a acusação em testemunhos e depoimentos tomados pelo inquérito, assim como em documentos e fatos provados ou comprováveis.

Com isso, outros pontos importantes da acusação estão ainda mais em aberto. É o caso, crucial, do mensalão como múltiplos pagamentos para assegurar votos ao governo na Câmara ou como dinheiro para gastos de campanha eleitoral.

A acusação não comprova a correspondência entre as quantias entregues a deputados e os votos na Câmara. Nem, sobretudo, a relação entre os pagamentos com valores tão diferentes e os votos que teriam o mesmo peso na contagem.

Não fica resolvida também, na acusação, a afirmada finalidade de compra de votos na Câmara e o dinheiro dado, por exemplo, aos leais deputados petistas Professor Luizinho e João Paulo Cunha, entre outros bem comportados aliados do governo também agraciados.

E houve, ainda, dinheiro destinado a seções partidárias estaduais, que nada tinham a ver com votações de interesse federal.

A afirmação de compra de votos, sustentada pelo procurador-geral Roberto Gurgel, foi tomada à CPI dos Correios por seu antecessor, Antonio Fernando de Souza, para formular a denúncia ao Supremo Tribunal Federal, há cinco anos.

A afirmação prevaleceu na CPI, porém, por conveniência política da oposição, e não porque os fatos apurados a comprovassem. Acertos de campanha eram muito mais coerentes com o constatado pela CPI. E já figuravam nas acusações de Roberto Jefferson, quando admitiu também haver recebido do PT, para o PTB e para candidatos petebistas.

Outro exemplo de afirmação fundamental e em aberto, porque construída de palavras e não de comprovações, está na acusação agora apresentada por Roberto Gurgel ao STF: "Foi José Dirceu quem idealizou o sistema ilícito de formação da base parlamentar de apoio ao governo mediante pagamento de vantagens indevidas" -e segue.

Seriam indispensáveis a indicação de como o procurador-geral soube da autoria e a comprovação de que José Dirceu "idealizou" o "sistema ilícito". Não só por se tratar de acusação com gravidade extrema.

Ocorre que o "sistema ilícito" foi aplicado já em 1998 por Marcos Valério, com suas agências de publicidade, e pelo Banco Rural para a frustrada reeleição de Eduardo Azeredo ao governo de Minas. Foi o chamado "mensalão do PSDB", descrito pela repórter Daniela Pinheiro, como já indicado aqui, na revista "piauí" deste mês.

Logo, para dar fundamento às palavras do procurador-geral Roberto Gurgel, só admitindo-se que José Dirceu "idealizou" tudo uns cinco anos antes do mensalão do PT. E, melhor ainda, que "idealizou" o "sistema ilícito" para beneficiar o PSDB de Eduardo Azeredo, hoje senador ainda peessedebista.

Os votos dos ministros do Supremo não suscitam expectativa só por carregarem consigo a absolvição e a condenação, mas pela maneira como encarem as divergências perturbadoras entre acusação e defesas.

Justiça que trabalha - GAUDÊNCIO TORQUATO


O Estado de S.Paulo - 12/08


À primeira vista, o dado causa impacto: em 2011 chegaram às prateleiras da Justiça do Trabalho 3.069.489 processos, dos quais 3.016.219 foram julgados. Os números mostram que, a cada 100 mil habitantes, 88 ingressaram com ação ou recurso no Tribunal Superior do Trabalho (TST), 296 nos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e 1.097 nas Varas do Trabalho, uma expansão de quase 2% em relação ao ano anterior. A leitura da moldura estatística permite enxergar três hipóteses: a sociedade tem-se tornado mais conflituosa na roda do trabalho; os cidadãos ascendem ao patamar da cidadania pela escada dos direitos individuais e coletivos; a esfera da Justiça trabalhista faz a lição de casa, apresentando-se como uma das mais avançadas na escala da produtividade jurídica.

A pergunta de fundo é: qual a razão para números tão assombrosos, se nações avançadas, como os EUA e o Japão, registram quantidade ínfima de processos trabalhistas - 100 mil e mil, respectivamente? A imagem de sociedade em estado de litígio, convenhamos, não combina com a pacífica fisionomia nacional.

É evidente que os avanços da modernidade têm contribuído para desvanecer os "nobres predicados do caráter nacional", que Afonso Celso apontou em seu clássico Por que me Ufano do Meu País: "a afeição à ordem, à paz; a doçura, o desinteresse, o escrúpulo para cumprir obrigações contraídas, a caridade, a tolerância, a ausência de preconceitos", entre outros. Como o Brasil não é uma ilha tranquila num oceano revolto, é natural que tenha abrigado, ao longo dos ciclos históricos, antagonismos deflagrados por vertentes do capital e do trabalho, originados na desigualdade de classes, na racionalização de processos produtivos (em evolução desde a Revolução Industrial), nas lutas por melhores condições de trabalho, enfim, no desenvolvimento tecnológico, que muda as operações produtivas.

Por essa pista se chega à encruzilhada dos conflitos trabalhistas. Mas esse conjunto de fatores não justifica os exorbitantes dados que emolduram nossa Justiça do Trabalho.

A razão é outra: trata-se de uma legislação produzida na era Vargas, que cria amarras, engessa as relações trabalhistas e acaba jogando os contendores na arena dos embates. De lá para cá pouco se avançou. Em 1932 criaram-se as Comissões Mistas de Conciliação e as Juntas de Conciliação e Julgamento. A Justiça do Trabalho apareceu em 1939, tendo sido regulamentada em 1940 e instalada no ano seguinte. Dois anos depois veio a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), reunindo e ampliando a dispersa legislação feita em duas décadas. Os dissídios individuais e coletivos passaram a formar o escopo da Justiça do Trabalho. As mudanças, ao longo dos anos, foram tênues e pontuais, contemplando transformações socioeconômicas e alguns nichos, como as questões portuária e previdenciária e as ações de indenização por dano material e moral decorrentes de acidente de trabalho e de doença profissional.

O leque foi incorporando muitas dobras, multiplicando os conflitos. E a dissonância se estabeleceu. Acordos entre categorias que chegam a um consenso sobre benefícios - flexibilização de horários, férias, etc. - podem ser contestados na Justiça pelo Ministério Público. Os sindicatos perderam força. A insegurança expandiu-se e hoje o Brasil enfrenta o dilema: enxugar o cipoal legislativo para acompanhar as mudanças tecnológicas que varrem territórios imersos na crise global ou abrir largas fendas no terreno do emprego.

A propósito da nossa gordura legislativa, o professor José Pastore lembra que nos EUA as leis federais do trabalho cobrem apenas seis pautas: salário mínimo, desemprego, aposentadoria, treinamento, saúde e negociação. O que aí não se inclui entra no acordo individual ou no contrato coletivo, sob a égide de máxima flexibilidade. Portanto, não é plausível culpar os tribunais pelo excesso de conflitos e julgamentos de cunho econômico, porquanto eles cumprem tarefa constitucional. Ao contrário, a Justiça do Trabalho apresenta desempenho dos mais produtivos do Poder Judiciário, bastando anotar os resultados de suas instâncias: o TST, em 2011, decidiu 206,9 mil processos dos 211,7 mil recebidos, enquanto os TRTs receberam quase 757 mil, julgando mais de 722 mil ações. A carga de trabalho dos ministros impressiona: 15.857 processos para cada um, considerando, ainda, que o TST reduziu em cem dias o tempo médio de tramitação de processos. Já a primeira instância recebeu 2.135.215 processos e decidiu 2.052.487 casos. E quase R$ 15 bilhões foram repassados para pagamento a trabalhadores que ganharam ações.

Esse eixo do Judiciário é um dos mais integrados à modernização. A tramitação eletrônica dos processos judiciais, que simplifica a burocracia e torna a Justiça mais ágil, já é realidade. Os advogados festejam o fato de hoje ser cada vez mais possível enxergar o fim de uma ação trabalhista, ao contrário do que se constata nas áreas civil e tributária. Outra nota de destaque é a transparência: o TST foi o primeiro dos tribunais superiores a divulgar salários de ministros, juízes e servidores. Obstáculos ainda existem. Há imensos gargalos na fase de execução de processos, em decorrência da insolvência de empresas e do não atendimento às disposições jurisdicionais, o que instiga as Cortes a usar suas ferramentas para pôr os créditos à disposição dos vencedores das ações.

Por último, ressalte-se o vigoroso passo dado pela sociedade na trilha dos direitos humanos. Nas últimas duas décadas os gêneros conquistaram bonitos troféus na luta por igualdade; categorias profissionais fizeram valer as especificidades e condições de suas tarefas; minorias étnicas e raciais, por via de intensa mobilização, levantaram suas bandeiras, concretizando antigos sonhos; as desigualdades entre classes diminuíram.

Sob essa esplendorosa arquitetura de direitos, a Justiça do Trabalho faz bem a lição de casa.