quinta-feira, novembro 01, 2012

Crime e castigo - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 01/11



A CBF estuda uma forma de obrigar os clubes a não atrasarem os salários dos jogadores.
O modelo, em vigor em países da Europa e, embrionariamente, no Campeonato Paulista, prevê que o clube perderá ponto se não honrar seus compromissos trabalhistas.

Em tempo...
Roberto Dinamite, presidente do Vasco, foi infeliz ao tentar justificar os atrasos de salário, dizendo: “Fui atleta 20 anos e nunca recebi em dia.”
Todo trabalhador tem direito a receber em dia — notadamente, numa área que movimenta tantos milhões. Francamente.

Coleguinhas
A CBF estima em 800 o número de jornalistas que vão estar em Goiânia durante a preparação da seleção de Mano Menezes para a Copa das Confederações.

PIB da favela
Em dez anos, a classe média brasileira passou de 38% para 53% da população.
Já nas principais favelas do país, o
salto foi bem maior: de 29% para 56%.

Poder de compra...
Esses favelados dispõem de R$ 38 bilhões por ano para gastar.
As contas, do Data Popular, serão apresentadas pela Cufa dia 12 no I Fórum Novo Brasil: Vozes da Classe Média Brasileira.

Os dois ‘tês’
O TRF do Rio garantiu à rede Mega Matte o direito de usar seus dois “tês”.
É que sua concorrente Matte Leão pleiteava exclusividade sobre a expressão “matte”. Segundo o escritório Dannemann Siemsen, a expressão é genérica, pois identifica a erva-mate, grafada, até o início do século passado, com dois “tês”.

Milhões para Elton
Vem aí um espetáculo de dança com músicas de Elton John, o astro britânico. Vai se chamar “Elton: adeus à estrada de tijolos amarelos” e será apresentado em cinco capitais.
A KBMK Empreendimentos foi autorizada a captar R$ 2.370.621 pela Lei Rouanet, dinheiro meu, seu, nosso.

Chapéu do Chico
O livro “Chapeuzinho amarelo”, de Chico Buarque, vai ganhar nova versão para o teatro.
A peça será dirigida por Zeca Ligiéro e produzida pela Palco 33, autorizada pelo MinC a captar R$ 2.020.160.

Dilma no cinema
Dia 8, Dilma vai assistir, no Alvorada, ao filme “O palhaço”, de Selton Melo, nosso candidato ao Oscar.

Publicidade e cultura
A Petrobras explica: a exigência de que entre 15% e 20% de suas verbas de patrocínio cultural sejam aplicadas pelos contemplados em publicidade e divulgação, conforme nota aqui ontem, deve-se ao fato de a empresa considerar... “a comunicação um item fundamental”.
Ah, bom!

ONDE MORA O PERIGO
Abandonado há mais de 15 anos, este prédio, do antigo Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Trabalhadores em Transportes e Cargas (Iapetec), na Av. Venezuela, no Centro, tornou-se arapuca para centenas de pessoas que passam todo dia por ali. Com oito andares, suas janelasestãoemfrangalhos—easesquadrias,meuDeus,podemvirararmasperigosas.Há vidros quebrados com pontas que lembram adagas. Em janeiro, a Defesa Civil do município removeu uma marquise que ameaçava cair e interditou o edifício. A calçada, porém, não foi isolada. Há pontos finais de ônibus, sempre com muita gente, veja na foto. Alô, Carlos Osório, novo secretário de Transportes! Não seria prudente transferir os pontos para outro lugar? 

Investigação reaberta
O MP do Rio vai retomar a investigação da chacina de Nova Brasília, no Complexo do Alemão, que deixou 13 mortos em 1995.O inquérito tinha sido arquivado em 2009.
O pedido de desarquivamento, feito pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, foi aprovado esta semana pelo procurador-geral de Justiça do Rio, Cláudio Lopes.

Sem piedade
José Beltrame, o xerife do Rio, assinou ontem solicitação ao TJ para que se retirem o posto e a patente do capitão PM Adjaldo Luiz Piedade Júnior.
É aquele, lembra?, que comandava a UPP do Morro de São Carlos até ser afastado e preso, acusado de receber um mensalão de R$15 mil do traficante Peixe.

Automóvel Clube
Deu no DO do Rio. A prefeitura, em caráter emergencial, contratou sem licitação, por R$ 3,2 milhões, a cimenteira Concrejato para obras de manutenção no antigo prédio do Automóvel Clube do Brasil, no Centro.
Adquirido pelo município em 2007, o edifício está até hoje desocupado.

Rouba-se tudo
Comerciantes de Copacabana amanheceram ontem sem telefone.
Segundo a Oi, um cabo que abastece o bairro foi... surrupiado.

Neves com Dilma
Rodrigo Neves, o petista eleito para a prefeitura de Niterói, será recebido hoje por Dilma.
Da safra de prefeitos eleitos no segundo turno, a presidente só recebeu, até agora, Haddad, de São Paulo.

Voando nu
Sexta passada, um piloto de asa delta levou um turista peladão para voar.
A Associação de Voo Livre do Rio deu dez dias de suspensão ao safadinho.

BELEZA COR DE JAMBO
Lucy Ramos, 30 anos, desfila sua formosura num intervalo das gravações de “Salve Jorge”, a novela de Glória Perez. A bela interpreta Sheila, amiga da protagonista Morena (Nanda Costa). Na trama, as duas irão para o exterior e ficarão nas mãos de traficantes de gente

INVASÃO NA PRAIA DO CASSETA
Hélio de la Peña e Maria Melilo vão aparecer assim no “Casseta & Planeta Vai fundo” de amanhã. Nosso humorista será uma formiga que vende biscoito na praia. A toda-toda, um mulherão que busca um marido rico

Ponto Final
Parodiando Drummond, que ontem teria feito 110 anos:
E agora, Dilma? O povo votou,
a luz apagou,
Haddad ganhou, o STF julgou...
E agora, Dilma?

A pressão salarial - SÉRGIO AMAD COSTA


O Estado de S.Paulo - 01/11

É de ficar surpreso quando se vê o resultado do balanço das negociações salariais ocorridas no Brasil neste ano. São reajustes, na maioria dos casos, não compatíveis com a realidade econômica, apresentando ganhos num momento em que o País, economicamente, não está crescendo praticamente nada. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), quase a totalidade dos acordos salariais realizados no primeiro semestre de 2012 resultou em aumentos reais para os trabalhadores.

Essa pesquisa mostrou que 96,5% dos 370 reajustes analisados ficaram acima da inflação registrada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), do IBGE. Como 3% dos acordos tiveram reajustes iguais aos da inflação no período, apenas 0,5% do total ficou abaixo do índice. Os aumentos foram, em média, 2,23% acima do INPC, superando todos os resultados apresentados desde o início desses estudos, em 1996, não só na média dos ganhos reais, mas também na porcentagem de acordos acima da inflação.

Vale assinalar que até mesmo os resultados apresentados em 2010 foram superados pelos de agora. Naquele ano, quando foi registrado um Produto Interno Bruto (PIB) de 7,5%, o maior desde 1996, o total de acordos que obtiveram reajustes salariais superiores ao INPC foi de 88,2% e os reajustes salariais ficaram, em média, 1,68% acima do índice da inflação.

Na verdade, o que está acontecendo é uma espécie de populismo salarial, decorrente de uma economia fundada agora num paradoxo de quadro de quase pleno emprego com crescimento pífio do PIB, de cerca de 1,5%. Isto é, boa parte das empresas, para reter seus profissionais, concede aumentos salariais que não são justificados nem pelo desempenho nem pela produtividade.

Tal quadro de reajustes, como está sendo realizado, é um risco para a nossa economia. O resultado dessa pressão salarial encarece ainda mais o custo do emprego, gerando a redução da capacidade competitiva das empresas, o desestímulo a novos investimentos e a possibilidade de o número de postos de trabalho diminuir no País.

Os aumentos salariais, da forma como têm sido concedidos, em muitos casos desvinculados do aumento de produtividade e desconectados do contexto do mercado interno e externo, contribuem, também, para o aumento da inflação. Alguém tem de pagar esse desequilíbrio em que os salários se elevam e a produtividade não acompanha tal elevação. E esse alguém somos todos nós, consumidores. Inclusive os próprios trabalhadores que receberam o aumento salarial.

Os dirigentes sindicais deveriam ver, de maneira bem clara, esses riscos acima mencionados. São eles que negociam os reajustes salariais. E, embora muitos deles afirmem que as pautas das negociações são originadas das assembleias de trabalhadores, o fato é que em boa parte dos casos a maioria dos representados não tem a mínima ideia do que acontece no momento da chamada data-base, ou seja, na época do reajuste salarial.

Pelo fato de existir essa distância muito grande entre dirigentes sindicais e seus representados é que vários sindicalistas deveriam pensar seriamente nas consequências que os exageros incluídos na pauta de reivindicações podem ocasionar. Não raro, estão apresentando, até mesmo de forma bem-intencionada, um resultado para os seus representados que no curtíssimo prazo parece ser o melhor, mas que no médio prazo é o pior.

Celso Ming, nesta página (26/10), ao analisar a falta de mão de obra no País, de forma muita oportuna encerrou sua coluna com uma pergunta-chave: "Que acontecerá com o nível de emprego no Brasil se a atividade econômica (PIB), em vez do atual 1,5% ao ano, crescer os 3% a 4%, como conta o governo Dilma?". E eu deixo também uma indagação: Se neste ano, com um crescimento econômico quase nulo, assistimos a essa pressão salarial, como será o nível da pressão em 2013, caso o País volte a ter um avanço respeitável no PIB?

Um sistema interligado hidroeólico para o Brasil - JOAQUIM F. DE CARVALHO e ILDO L. SAUER

Valor Econômico - 01/11


O Brasil dispõe de potenciais hidrelétrico e eólico que lhe abrem a possibilidade de produzir, de forma renovável e sustentável, toda a energia elétrica que consome - e consumirá, quando a população estiver estabilizada em 215 milhões de habitantes, o que, segundo o IBGE, deverá acontecer por volta de 2050.

A interligação dos parques eólicos com a rede hidrelétrica, visando a estruturar um sistema hidroeólico, contribuirá para suavizar a intermitência dos ventos, pois isso permite que se firme a energia eólica mediante a sua "acumulação", por assim dizer, nos reservatórios hidrelétricos, nas épocas de ventos abundantes, para ser usada nas temporadas secas. A interligação dos parques eólicos entre si também contribui para contornar o problema da intermitência dos ventos, por meio do chamado "efeito portfólio", pelo qual, à semelhança de uma carteira de ações na bolsa de valores, a produção conjunta de todos os parques varia menos do que as produções individuais de cada um.

Graças ao seu imenso potencial hidrelétrico - e à possibilidade, ainda existente, de se implantarem grandes reservatórios de acumulação - o Brasil tem uma extraordinária vantagem comparativa em relação à maioria dos países europeus e asiáticos, que são obrigados a apelar para as onerosas e poluentes usinas termelétricas convencionais ou para as antieconômicas centrais nucleares que, ademais, expõem as populações a inaceitáveis riscos de acidentes catastróficos.

Modelo seria sustentável e teria capacidade para cobrir demanda por energia elétrica até 2050

Naturalmente - além de se orientar por critérios técnico-econômicos e ambientais - a implantação de parques eólicos e, principalmente, de novos reservatórios hidrelétricos deve respeitar o direito das populações regionais, particularmente as ribeirinhas, mediante a execução de programas de reassentamento, planejados em cooperação com as lideranças locais.

Entretanto, determinados segmentos da sociedade têm a percepção de que a geração hidrelétrica é invariavelmente deletéria, por causar a "artificialização das bacias hidrográficas". Devido a essa percepção equivocada, o Brasil corre o risco de ser obrigado a imitar países que, não dispondo de vantagens como as brasileiras, têm que apelar para usinas termelétricas convencionais ou nucleares.

Na verdade, os reservatórios hidrelétricos podem ser aproveitados para múltiplas finalidades, tais como regularização de vazões, transporte fluvial, irrigação de grandes áreas visando à produção agrícola, pesca interior, turismo ecológico, etc.

Todos esses usos requerem a preservação das matas ciliares e são ambientalmente benéficos, ao contrário do que supõem os adversários emocionais dos reservatórios hidrelétricos.

Um notável exemplo de uso múltiplo de bacia hidrográfica é o da usina hidrelétrica de Três Marias, originalmente projetada apenas como reservatório de regularização, para irrigar 100 mil hectares do Projeto Jaíba, em Minas Gerais. Esse reservatório (que cobre uma área maior do que o dobro da Baia da Guanabara) é responsável pelo desenvolvimento da outrora paupérrima região nordeste de Minas. A geração hidrelétrica foi apenas uma decorrência de sua construção.

Outro exemplo é o da hidrelétrica de Sobradinho, que permitiu o desenvolvimento do maior polo de fruticultura irrigada do Brasil.

Ainda outros exemplos são algumas hidrelétricas da Light e da Cesp, cujos reservatórios regularizam a vazão da bacia do rio Paraíba do Sul e permitem a captação de água para a região metropolitana do Rio de Janeiro e algumas cidades do trecho paulista daquela bacia.

Um sistema hidroeólico estruturado nas condições brasileiras seria inteiramente sustentável e teria capacidade para cobrir indefinidamente a demanda brasileira por energia elétrica. As usinas térmicas a gás natural já existentes, com suprimento flexível de combustível, seriam acionadas apenas em períodos críticos, servindo como seguro para otimizar a operação do sistema.

Quanto à verdadeira magnitude do potencial eólico brasileiro, cabe assinalar que, em 2001, o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel) realizou um inventário, estimando-o em 143 GW.

Estudos mais recentes, promovidos pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), apontam para um potencial superior a 280 GW. As perspectivas de se inventariar um potencial ainda maior são muito auspiciosas, com a realização de uma rigorosa campanha de medições em todas as regiões promissoras do país - e com os ganhos de escala e aprendizado, resultantes do desenvolvimento tecnológico e da nacionalização da cadeia produtiva eólica.

Por fim, no tocante aos custos da energia elétrica, lembremos que estes se compõem de uma parte fixa, correspondente à amortização do capital investido - e de uma parte administrável, composta pelas despesas necessárias ao funcionamento da usina geradora.

A parte fixa abrange as despesas incorridas na implantação da usina (projetos, equipamentos, construção, montagem e testes), e a parte administrável compreende as despesas de operação e manutenção, seguros, encargos trabalhistas, etc. No caso de usinas nucleares, há também os custos do combustível, do descomissionamento ao fim da vida útil e da administração dos rejeitos radiativos.

Os custos finais devem ser calculados e estabelecidos por meio de negociações entre o poder concedente e o investidor, nas quais entram critérios subjetivos tais como "atratividade" para o investidor e "razoabilidade" para os consumidores; daí o imperativo ético de que o processo seja absolutamente transparente.

Assim, no Brasil, o custo da energia hidrelétrica fica em cerca de R$ 80/MWh, o da eólica em R$ 100/MWh e o da nuclear em R$ 200/MWh.

A volta do perfeito fracassado brasileiro - EDUARDO DE CARVALHO ANDRADE

Folha de S. Paulo - 01/11


Brincar com a inflação no Brasil é um crime, o BC dá cervejinha a um ex-alcoólatra. E favorecer setores da indústria só atende a lobbies, não ao desenvolvimento

Os desenvolvimentistas ficaram longe do comando da política econômica no país da volta das eleições livre até o fim do governo Lula, com exceção do relâmpago governo Itamar e suas políticas pró-fusquinhas.

Nesse período, talvez justamente por causa disso, o país conseguiu realizar dois importantes avanços: econômico, com a estabilidade macroeconômica, e social, com uma melhora na distribuição de renda e no padrão de vida do brasileiro médio.

Mas, no governo Dilma, infelizmente eles voltaram. Não é difícil entender como conseguiram, mas é fácil ver que é algo a se lamentar.

De fato, com a crise mundial, vários governos passaram a adotar políticas impensáveis há pouco tempo.

O governo suíço estabeleceu um piso para a sua moeda. O Fed (banco central americano) escolhe setores a serem beneficiados através da compra de papéis diretamente no mercado. O governo americano assumiu a gestão de empresas para evitar a falência. O governo argentino persegue consultorias com previsões de inflação diferentes das oficiais, expropria empresas e impõe controles comerciais e cambiais.

Parece que, de repente, todos os experimentos econômicos, por mais esdrúxulos, são permitidos para substituir o fracasso do mercado. No Brasil, os desenvolvimentistas voltaram com o seu receituário para resolver os problemas do país.

Eis: basta desvalorizar a moeda, reduzir a taxa de juros para padrões internacionais e com isso obter maiores taxas de crescimento, mesmo com a inflação mais alta. Basta escolher os setores da indústria a serem beneficiados com crédito subsidiado, aumento das alíquotas de importação, redução selecionada de impostos, estabelecimento de um mínimo de conteúdo nacional na compra governamental.

Voltar com essa mesma combinação de políticas fracassadas no passado é esquecer as lições da história.

Em primeiro lugar, o Banco Central do Brasil deveria continuar com um único mandato: baixa inflação.

Num país com tradição de taxas de inflação elevadas, brincar com a inflação é um crime. É oferecer uma cervejinha para um ex-alcoólatra. É arriscar com a volta da indexação da economia, com consequências nefastas para os ganhos sociais dos últimos anos. Política monetária simplesmente não é capaz de gerar crescimento econômico sustentado.

O argumento de que até o país mais desenvolvido do mundo, os EUA, tem um duplo mandato para a política monetária (e que portando deveríamos imitá-lo) é um equívoco.

Os EUA estão em guerra contra a depressão econômica. Numa guerra vale muita coisa. Mas essa certamente não é a situação brasileira.

Desenvolvimentistas se inspiram nas experiências asiáticas para justificar a escolha de setores prioritários da indústria. Mas mesmo os burocratas considerados mais competentes do mundo, os japoneses, escolheram, em geral, empresas "losers" em vez de "winners" na implantação da sua política industrial. Na Coreia, os setores beneficiados não registraram taxas de crescimento da produtividade maiores do que os demais, e várias empresas beneficiadas simplesmente faliram. Uma leitura mais apropriada é que os países foram bem sucedidos apesar da intervenção dos seus burocratas.

Mesmo que burocratas asiáticos soubessem escolher os setores de forma apropriada, os nossos não sabem. A nossa experiência atesta que quem se beneficia das benesses governamentais, em geral, são empresas grandes, com poder de pressão e lobby, e em setores com déficit comercial, sem relação com eficiência.

Quem paga a conta são os consumidores e os produtores (que se tornam ineficientes), obrigados a comprar, respectivamente, produtos e insumos caros e de baixa qualidade.

O furacão resgata o Estado - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 01/11


O poder público é único, quando funciona, para defender a sociedade na hora das tragédias


Os "Estadofóbicos" e os céticos a respeito da mudança climática deveriam ter segundos pensamentos a partir da passagem do furacão Sandy.

Comecemos pelo papel do Estado. Foi relevante para evitar uma tragédia ainda maior, como lembra Edward Alden, em seu blog encravado no sítio do Council on Foreign Relations.

Alden lista meia dúzia de iniciativas tomadas pelo poder público que reduziram os estragos e a perda de vidas.

Começa pelo fato de que "a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica, do Departamento de Comércio, que é responsável por seguir a rota de furacões e outras tempestades, previu com dias de antecedência -e com absoluta acuidade- tanto a rota como a força do Sandy. Isso deu aos governos em toda a região tempo para planejar uma resposta".

Eis algo que só os recursos públicos podem custear devidamente, por mais que todos reclamemos dos impostos pagos para que o governo possa funcionar.

No Brasil, a reclamação torna-se pertinente, na medida em que a capacidade de prever tragédias climáticas parece diminuta, de que dão prova os desastres anuais provocados por fenômenos atmosféricos menos imponentes do que o Sandy.

Não é a única comparação possível. O prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, ordenou a retirada de quase 400 mil pessoas das zonas mais baixas da cidade, além de ter criado abrigos de emergência. "Provavelmente salvou incontáveis vidas, dado o pesado alagamento na Baixa Manhattan", escreve Alden.

O governador Andrew Cuomo paralisou metrô, trens e ônibus. Com isso, apesar de o furacão ter provocado os piores problemas em cem anos de história do metrô, "ninguém ficou ferido nas estações vazias".

No Brasil, ou porque não há previsões de tanta acuidade ou porque as autoridades são historicamente lerdas ao reagir, só há providências depois das tragédias.

O problema não está, portanto, no Estado em si, mas na maneira como ele funciona. Claro que o poder público não pode ser um cabide de empregos nem atuar como empresário, fabricando aço, gerindo hotéis ou controlando companhias aéreas. Essa parte o setor privado faz melhor.

Mas ações como as citadas "representam um sucesso nascido de planejamento e ação coordenada para melhorar o resultado para grande número de pessoas -exatamente o que governos podem e deveriam estar fazendo".

Vale para os Estados Unidos, vale para o Brasil, em especial para os prefeitos recém-eleitos.

Passemos à questão da mudança climática. Admito, como diz editorial de ontem desta Folha, que "há muita controvérsia, ainda, sobre a influência do aquecimento global na propagação desses eventos extremos -inconclusiva, até o momento".

Ok. Mas o simples fato de que os danos ao metrô de Nova York e a obrigatoriedade de fechar a Bolsa por dois dias foram fenômenos que não ocorriam havia pelo menos um século recomenda "encarar [o clima] sob o signo da precaução", sempre de acordo com o editorial.

Ou, para ser bem original, controvérsias à parte, é sempre melhor prevenir do que remediar.

Corrupção? - MARCELO MITERHOF

Folha de S. Paulo - 01/11

O perigo de um discurso anticorrupção sem maiores mediações é que ele tende a ser regressivo e paralisante

O combate à corrupção é evidentemente desejável. Por certo, exageros e injustiças acontecem, o que é característico de períodos de amadurecimento, como o que ocorre com a jovem democracia brasileira. Isso não é motivo para querer que esse processo se interrompa, mas uma dose de parcimônia é saudável ao lidar com o tema.

Por exemplo, ao contrário do que costumam indicar diversos estudos sobre a corrupção, não vejo motivos para acreditar que por conta dela o crescimento econômico seja estruturalmente menor.

A corrupção tira recursos de algumas pessoas e finalidades, transferindo-os para outros. É verdade que grandes esquemas são concentradores de renda, tirando recursos dos mais pobres para enriquecer poucos, prejudicando o efeito multiplicador da renda na formação do PIB. Entretanto, a corrupção miúda -como de policiais, flanelinhas ou pirateadores de produtos- tem efeitos desconcentradores. Difícil dizer qual é o resultado final.

Além disso, crescer é essencialmente uma questão de demanda. Se há muitas pessoas procurando novos produtos e serviços, existem perspectivas de lucro e, assim, de investimento e crescimento, que pode ocorrer a despeito de diversas mazelas, como carência de mão de obra qualificada, produtividade baixa e corrupção. O crescimento cria as condições para ir solucionando esses problemas.

Ainda assim, é inegável que a corrupção significa perda de eficiência. Licitações viciadas em compras da saúde pública fazem ser pior o atendimento à população. Independentemente das implicações sobre o PIB, isso deve ser combatido.

Por isso, sou um chato ao lidar com serviços públicos. Mesmo sem bons resultados, costumo ligar para a Prefeitura do Rio para reclamar dos motoristas de ônibus que não param no ponto. No curso que faço na UFRJ, protesto porque, em grande parte das disciplinas, os professores não cumprem a carga horária mínima.

Tento lutar contra a corrupção no varejo e na prática, mas sem fazer generalizações indevidas. Afinal, ela está bem mais próxima de nós do que sugerem os esquemas ilícitos dos políticos. Por isso, é melhor combater a corrupção em nós mesmos -por exemplo, preferindo ser multado a pagar propina- e naquilo que está mais ao nosso alcance.

O perigo de um discurso anticorrupção demasiadamente geral e sem maiores mediações é que ele tende a ser regressivo e paralisante, estabelecendo dicotomias e pré-julgamentos que dificultam o enfrentamento dos problemas.

Por exemplo, a Lei das Licitações tenta previamente fechar tanto a porta para possíveis fraudes nas compras públicas, que torna tais procedimentos ineficientes ou leva os gestores a buscarem formas de não aplicá-la. Em outros países, as regras são menos rígidas, mas há punição severa quando irregularidades são encontradas.

Vale ainda lembrar frases que ouvimos cotidianamente, que denotam a dificuldade que o discurso anticorrupção indiferenciado impõe ao lidar com os assuntos públicos. "Congressistas só trabalham de terça a quinta-feira", como se suas obrigações se resumissem a estar no plenário. "Policiais são corruptos e bombeiros heróis", embora geralmente ambos sejam da mesma corporação, a PM.

É claro que há profissões em que é mais fácil não cumprir as jornadas de trabalho, como as que têm estabilidade no emprego. Outras atividades são mais favoráveis à propina, como são os casos óbvios dos operadores da lei e de políticos. Mas há muita gente honesta nessas atividades, além de outras que, face a regras críveis e estímulos de punição e recompensa, se adaptam a um sistema mais racional.

Todas são atividades imprescindíveis para melhorar a qualidade de vida na sociedade. Para funcionarem melhor precisam de planejamento, regulação e cobrança racional por parte dos poderes constituídos e da população.

A agenda tem vários temas: criar novos parâmetros para a estabilidade de servidores públicos, elevar os salários de policiais, professores e médicos, regras de financiamento das campanhas eleitorais etc. Melhor enfrentá-los do que simplesmente gritar contra políticos.

A caneta de Dilma - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 01/11


Nesses próximos meses, o país terá condições de avaliar as habilidades políticas da presidente Dilma Rousseff no sentido de atrair ou enfraquecer aliados que almejam o lugar dela na Presidência da República. Afinal, eventos para esse teste de habilidade não faltarão e vão desde a acomodação dos partidos na disputa pela presidência da Câmara e do Senado como também a reforma ministerial.

Vejamos primeiro a reforma do governo: oferecer um cargo importante para Ciro Gomes, do PSB do Ceará, é visto dentro e fora do PT como uma forma de bagunçar a vida do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, dentro do próprio partido. Afinal, não dá para deixar de registrar o gesto de apoio que o governador do Ceará, Cid Gomes, fez em defesa da reeleição da presidente Dilma. Logo, reforçar o time levando Ciro não deixaria de ser uma deferência ao ex-deputado que foi impedido de ser candidato a presidente da República em 2010.

Essa operação, na avaliação de alguns, ainda faria “sobrar” no caso a Secretaria de Portos para negociar com o PSD, outro partido que está hoje pronto para ingressar na equipe da presidente. Dentro do PSD, a única certeza que se tem hoje é a de que o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, não será ministro. Quanto aos demais, a vaga ainda é algo em negociação. A equação Ciro só tem um probleminha: os ministérios que poderiam interessar ao ex-deputado estão todos ocupados pelo PT, ou seja, Dilma teria que “desalojar” os seus e ainda provocaria a ira dos PT cearense, que perdeu a prefeitura e ainda veria o adversário vitorioso compensado com um cargo.

Por falar em PT…

Alguns petistas acompanham com uma lupa esses desenhos ministeriais da presidente Dilma, de olho na presidência da Câmara. Há quem esteja torcendo para que o atual 4º secretário da Câmara, Júlio Delgado (PSB-MG), se lance candidato a presidente da Casa para, nesse clima, os petistas terem condições de apresentar um nome capaz de servir de terceira via entre Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) e Delgado. Henrique Alves, o nome da maioria, aliás, lançou a candidatura num jantar esta semana em Brasília, na casa do deputado Júnior Coimbra (PMDB-TO), que reuniu ministros e quase uma centena de políticos.

Em relação à presidência da Câmara e do Senado, o que se comenta no Planalto é que não é hora de “fazer marola” nem desequilibrar a relação com o PMDB. Dilma e o vice-presidente Michel Temer fizeram inclusive uma reunião ontem no sentido de afastar os fantasmas que tentam desgastar a relação entre os dois partidos. No Senado, o nome do presidente será o escolhido pelos peemedebistas, leia-se Renan Calheiros (PMDB-AL). E, na Câmara, graças ao acordo que fez do deputado Marco Maia (PT-RS) presidente da Casa há dois anos, a intenção dos partidos aliados é fechar com Henrique Alves e fechar todas as portas para que o PT venha a insuflar candidaturas alternativas. Afinal, no governo, ninguém se esquece do efeito Severino Cavalcanti, que se tornou presidente da Casa justamente por conta de uma briga interna no PT, que terminou lançando dois candidatos a presidente da Casa. Desta vez, o Planalto não quer correr o risco de ver o partido da presidente dividido em dois candidatos da base.

Enquanto isso, no Recife…

Aliados do governador Eduardo Campos são unânimes em afirmar que é preciso ter cuidado com os deputados que estão insuflando a candidatura de Júlio Delgado a presidente da Câmara apenas para negociar logo ali na frente com o PMDB. O PV, por exemplo, hoje não tem um cargo para chamar de seu na estrutura das secretarias que administram a Casa e também tem pouco espaço nas comissões técnicas — há alguns parlamentares verdes acenando apoio a Delgado. É preciso, antes de um lançamento oficial e sem volta, verificar as reais intenções dos apoiadores. A ordem, da parte de Eduardo Campos, é deixar a bancada livre, mas, se obviamente ele perceber que não terá sequer 200 votos numa disputa onde a indicação é secreta, a tendência será não lançar nenhum nome para concorrer à presidência da Casa. Afinal, depois da vitória retumbante no Recife, não dá para iniciar 2013 com um desempenho fraco na guerra pela presidência da Casa. Já basta, para o momento, Ciro Gomes despontando no cenário dos ministeriáveis.

Liberdade ameaçada - FLÁVIA PIOVESAN

O GLOBO - 01/11


Na recente Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), em São Paulo, graves denúncias foram lançadas acerca da restrição da liberdade de imprensa em países como Venezuela, Argentina, Equador, Bolívia e México. As hostilidades partem, sobretudo, de governos incomodados com o papel crítico da imprensa, resultando em um quadro generalizado de afronta à liberdade de expressão e ao acesso à informação. São estes os atores que tentam ainda debilitar o sistema interamericano de direitos humanos, tendo com uma das bandeiras ameaçar a Relatoria para a Liberdade de Expressão da OEA.

Segundo dados da SIP, na região, em 2012, foram assassinados 17 jornalistas e outros 3 estão desaparecidos, sendo que 6 assassinatos ocorreram no México, 5 no Brasil, 4 em Honduras, 1 no Equador e 1 no Haiti. No período de 1987 a 2012, aponta a SIP a ocorrência de 418 assassinatos e 23 desaparecimentos de jornalistas na região, sendo que 42 mortes e 1 desaparecimento se deram no Brasil.

Ao propor uma Agenda Hemisférica para a Defesa da Liberdade de Expressão, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da OEA elucida que os assassinatos de jornalistas são causados por motivos estritamente relacionados com o exercício profissional. Crimes são perpetrados para silenciar jornalistas, dissidentes e críticos. A impunidade que os acoberta revela uma cultura de intolerância à crítica com o aceite tácito dos crimes cometidos.

Se, por um lado, há o crescente reconhecimento internacional de que a América Latina tem apresentado resultados exitosos no eficaz combate à pobreza e à desigualdade social, por outro, regimes “hiperpresidencialistas” têm colocado em risco o aparato civilizatório das liberdades públicas, resistindo de forma autoritária ao controle social. Calar a imprensa é o antídoto à crítica da opinião pública, ao permitir o retorno à perversa tese da irresponsabilidade absoluta do governante.

Como lembra Norberto Bobbio, a opacidade do poder é a negação da democracia, que é idealmente o governo do poder visível, ou o governo cujos atos se desenvolvem em público, sob o controle democrático da opinião pública.

A democracia pressupõe o livre exercício do direito de opinião, da liberdade de expressão, do direito de comunicação e do direito de informação (abrangendo o direito de informar, o direito de se informar e o direito de ser informado). Daí a importância do controle democrático exercido pela opinião pública.

Uma imprensa livre e independente surge como uma exigência democrática. Para Amartya Sen, a liberdade de imprensa cumpre ao menos 4 funções essenciais ao regime democrático, ao contribuir para: a) a melhor compreensão do mundo em que se vive; b) a disseminação do conhecimento e a construção da crítica (função informativa da mídia); c) conferir voz aos grupos mais vulneráveis (função protetiva da mídia); e d) a formação de valores (a demandar o livre fluxo de ideias, informações e argumentos, mediante um processo interativo).

A Declaração Universal de Direitos Humanos enuncia que: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.” No mesmo sentido, prescreve o Pacto de Direitos Civis e Políticos, ratificado por todos os países da região, adicionando que o exercício da liberdade de expressão “implicará deveres e responsabilidades especiais”. Também a Convenção Americana de Direitos Humanos consagra a liberdade de pensamento e de expressão, dispondo que o “exercício deste direito não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores”.

Acrescenta que “não se pode restringir o direito à liberdade de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel da imprensa, (...) nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e de opiniões”.

No atual contexto regional, salvaguardar a liberdade de imprensa é salvaguardar a própria democracia, protegendo o acesso à informação, fontes alternativas de informação, liberdade de expressão, diálogo e interação pública. A liberdade de imprensa se realiza na democracia, sendo, ao mesmo tempo, sua condição, pressuposto e requisito essencial.

Halloween! Troco bruxa por saci! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 01/11


E para os que desconhecem as nossas lendas: apesar do cachimbinho, o Saci não é mascote da Cracolândia!


BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Sandy provoca furacão no mundo sertanejo. Wanessa Camargo chateada: "Pai, como faz pra virar furacão?". "Toma umas seis devassas!" Rarará!
E adoro o Bonner pronunciando Sandy: Seindi! E o bordão de todos os furacões: sabe por que furacão tem nome de mulher? Porque chega quente e leva embora tudo que você tem: casa, carro e a coleção de DVDs raros! E só uminha de humor negro: "Sandy derruba navio de 'Piratas do Caribe'". Já sei, não gostou do filme! Rarará!
E o calor continua! O bafo dos infernos! Dormi no freezer. Ligado no modo nevar! E uma amiga minha dormiu no chão com a porta do frigobar aberta! E vamos filar ar-condicionado de banco! Um amigo levou cadeira de praia pra agência do Banco do Brasil! E quando a Dilma vai lançar Meu Ar Condicionado, Minha Vida? E a Argentina não serve mais nem pra mandar frente fria!
E os postes do Lula? Adorei a charge do Tiago Recchia: sabe o que o Lula falou pro poste daqui da rua? "E você, quer se eleger o quê?". Rarará! Luz Para Todos! E a manchete do Piauí Herald: "Humoristas imploram pra Serra continuar campanha". Queremos que ele continue beijando todas as periguetes da Vila Mariana! E o Haddad é mais insosso que o Cigano Igor! Rarará!
E é semana do Halloween! A Dilma já parece uma abóbora! Só falta acender uma vela na boca! E Halloween é pra gringo. Diz que é cafona, caipira! Nóis queremos o Saci! Dia Nacional do Saci! Tem até cartaz: "Halloween, não! Deixe de pagar pau pra gringo! Dia do Saci!". E atenção para os que desconhecem as nossas lendas: apesar do cachimbinho, o Saci não é mascote da cracolândia. O Saci não é o símbolo da cracolândia!
E pra comemorar o Dia do Saci, sabe o que o Saci falou pra Sacia? Fica de três! Rarará! E sabe o que mais o Saci falou? Vou num pé e volto no mesmo! Rarará! Troco Bruxa por Saci. E abóbora só com carne-seca! E a minha sogra foi comprar máscara de Halloween e só ofereceram o elástico! Rarará! Dia do Saci: todo mundo pulando num pé só!
Predestinado do dia! Um amigo estava no aeroporto de Congonhas quando passou um oficial da PM com o crachá: Coronel Tiro! Rarará. Medo!
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Sem dó do porco! - TUTTY VASQUES

O ESTADÃO - 01/11


É como estar com a mãe na UTI ouvindo a todo instante piadinhas sobre a orfandade. Ninguém respeita a dor e o desespero do torcedor de time grande com pé na cova da segunda divisão!


Já fui corintiano, eu sei que nessas horas, onde quer que o pobre coitado vá, tem sempre alguém conhecido pelo caminho só esperando a chance de um cumprimento para meter o dedo na ferida do sujeito atormentado pelo fantasma da Segundona:

"E o seu Palmeiras, hein?!"

Do porteiro do seu prédio aos colegas de trabalho, passando pelo português da padaria, o jornaleiro e o taxista do ponto da esquina, todo mundo quer tirar casquinha da angústia do sofredor.

Podiam comentar com o infeliz sobre o calorão danado, a tempestade em Nova York, a situação do José Dirceu, a violência em São Paulo, o Enem, a SP Fashion Week, o Salão do Automóvel, qualquer assunto, enfim, que não agravasse o sofrimento do outro, mas não:

"O Palmeiras pode ser bicampeão da Segunda Divisão em 2013, né?" - cutucou Ronaldo Fenômeno no Bem Amigos do Galvão Bueno. No caso do ex-jogador do Corinthians, a satisfação é dupla: o 'porco' ocupou o lugar de sua barriga nas conversas de torcedor.

A fila da piada andou!


Em sã consciência

Uma coisa pode até não ter nada a ver com a outra, mas o fato é que no mesmo dia em que a presidente da Petrobrás, Graça Foster, revelou em palestra que tem tatuagens pelo corpo "até em locais que a roupa não mostra", Soninha Francine comprometeu-se no Twitter a fazer uma "tatuagem do Lula com Boné do Corinthians" se Fernando Haddad realizar 10% das obras que prometeu no tal 'Arco do Futuro'. Se não foi coincidência, o mais provável é que ambas tenham dito essas coisas publicamente anteontem sob forte influência da "Lua Cheia e Vazia com Sol e Plutão em sextil" - deu na coluna do mestre Quiroga de terça-feira. Tudo a ver, né não?

Trololó

José Serra disse a amigos e correligionários que "renovação" é coisa de velho transviado. FHC fez que não era com ele!

O legado de Sandy

Sem querer tirar o mérito da tempestade, quem criou as alterações climáticas necessárias para potencializar o desastre natural em curso nos EUA foi o ser humano. Em especial os chefes de Estado de todo o planeta que ajudaram no fracasso das últimas conferências sobre meio ambiente.

Abstinência

Calma! Faltam 6 dias para o reinício do julgamento do mensalão no STF. Passa rápido!

Boca de urna

Pela avaliação dos comentaristas políticos americanos, os ventos sopram a favor da reeleição de Barack Obama nos EUA!

Mil e uma cartas

Com o lançamento ontem de mais uma obra da vasta coleção epistolar de Mário de Andrade - desta vez em correspondência com o historiador Sérgio Buarque de Holanda -, o escritor modernista deve estar bem próximo de atingir a marca do seu milésimo livro de cartas publicado.

Balas e agulhas - PAULA CESARINO COSTA

FOLHA DE SP - 01/11


RIO DE JANEIRO - Uma furadeira na mão poderia ser uma arma. O som de um pneu estourado poderia ser o de um tiro. Eram possibilidades, viraram tiros certeiros.
Rafael da Silva, 17, morreu no domingo com uma bala de fuzil no pescoço quando estava no carro da mãe com cinco jovens em Cordovil, na zona norte do Rio. Policiais disseram ter ouvido um "disparo". O sargento da PM está preso.
Hélio Ribeiro, 47, morreu em maio de 2010, atingido por um disparo no terraço de casa, no Andaraí, com uma furadeira na mão. Sua mulher regava as plantas. A polícia fazia uma operação na área e achou que tinha uma arma. O cabo do Bope que o matou foi absolvido.
Pontaria perfeita, com origem em treinamento feito para matar.
Mortes absurdas como essas não deveriam acontecer. Uma política de segurança que tenta mudar paradigmas exige intensificação do preparo e Corregedoria rigorosa.
Uma porção de sopa, meia xícara de café com leite. Dois tubos trocados. Duas idosas mortas.
Uma estagiária aplicou café com leite na corrente sanguínea de Palmerina Pires Ribeiro, 80, no Posto de Assistência Médica de São João de Meriti. Nunca tinha ministrado medicamentos. A responsável falava ao celular. Foram exoneradas.
Uma técnica de enfermagem injetou sopa na veia de Ilda Vitor Maciel, 88, na Santa Casa de Barra Mansa. Foi afastada. Outros 36 já tinham sido expulsos por exercício ilegal.
Isoladamente, cada caso pode ser entendido como fatalidade, à qual se misturam incompetência e falta de treinamento. Reunidos, simbolizam uma estrutura pública sem respeito pela vida dos cidadãos.
Retrato exímio de um país que alardeia a todo instante que deixou o Terceiro Mundo, mas está mais próximo do Congo do que da Noruega.
Uma arma e uma seringa deveriam salvar vidas. Por aqui, ainda tiram.

Engana que a gente paga - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 01/11


Coisa de 200 anos atrás, jornalistas do “Times” de Londres já utilizavam um critério original para saber o que deviam ou não apurar e publicar. “Notícia, diziam, é tudo aquilo que alguém não quer ver publicado; o resto é propaganda.”

Desse ponto de vista, tudo que o governo fala, em qualquer país, deve ser entendido como propaganda e marketing. Claro, não é mesmo? Os governantes só falam aquilo que gostariam de ver publicado com o devido destaque.

No Brasil de hoje, isso faz muito sentido. Os governos, em todos os níveis, carregam na propaganda, em volume e conteúdo. Reparem, por exemplo, nos anúncios do Banco do Brasil e da Caixa.

Tem financiamento barato para todo mundo, quem toma empréstimo está felicíssimo porque comprou seu carro ou abriu seu negócio, todos prosperam e por isso riem o tempo todo. Um espetáculo: não tem inadimplência, os juros são baratíssimos. Parece que só os mais bobos, ou desconfiados, não correm lá para pegar dinheiro fácil.

Pode-se dizer que aqueles bancos estão no mercado, disputando clientes com as outras instituições. Mas não é bem assim. A propaganda dos bancos federais, assim como da Petrobras, outras estatais e de ministérios, não oferece propriamente um produto. Seu principal propósito é passar uma imagem positiva do país e, sobretudo, das ações do governo.

Regra do jogo, pode-se argumentar. Trata-se de propaganda paga, o governo, como qualquer outro anunciante, diz o que quer e ninguém é obrigado a acreditar.

Sabemos que não é bem assim. Nem precisa argumentar muito. É intuitivo. Trata-se de dinheiro público, mesmo no caso dos bancos comerciais, como BB e Caixa. Eles não funcionam como os privados. Recebem dinheiro do governo, já foram resgatados com injeções de capital público mais de uma vez e todo mundo sabe que não vão quebrar porque o governo, ou seja, o contribuinte, estará lá para cobrir eventuais buracos.

Necessariamente, portanto, deveriam agir de modo diferente, como instituições públicas, e estas, como todo governo, têm compromisso com a informação correta.

O que nos leva ao outro lado da história. Hoje em dia, entende-se que mesmo empresas privadas têm compromisso com o público. Propaganda enganosa não pode ser tolerada. Claro, é difícil definir e apurar a tentativa de ludibriar o consumidor, mas é outro problema, de regulação.

E, se isso vale para empresas privadas, por que não se aplica ao governo, suas empresas e suas repartições? Na verdade, a propaganda enganosa pública é mais grave, porque o governo tem também a obrigação de informar e, assim, orientar a sociedade.

Isso é especialmente importante no caso da política econômica. O governo, ator decisivo em qualquer economia, precisa dizer claramente o que vai fazer, prestar contas regularmente sobre o que está fazendo, dar as regras do jogo, mostrar como vê o andamento da situação e esclarecer o cenário com o qual trabalha.

Há rituais definidos para isso, aqui no Brasil e em toda parte. Os ministérios da área econômica e o Banco Central divulgam regularmente suas mensagens. Assim, em qualquer país organizado, os agentes econômicos, ao planejar e agir, consideram os cenários do governo para crescimento, inflação, arrecadação, gastos orçamentários etc.

Por isso, quando o nosso Ministério da Fazenda sustenta que o país crescerá 4,5%, quando todo mundo já viu que não vai dar, isto é, sim, um tipo de propaganda enganosa. Idem quando o Banco Central diz que cumpriu a meta de inflação quando o índice bateu em 6,5%, dois pontos acima. Há mesmo uma confusão, que parece deliberada, entre meta, centro da meta e margem de tolerância. Resultado: ficamos sem saber se o objetivo de fato é uma inflação de 4,5% (a meta ou o centro) ou qualquer coisa abaixo de 6,5% (o teto da margem de tolerância) ou até mais do que isso, como ocorreu recentemente.

Do mesmo modo, é uma informação enganosa quando o governo jura que vai cumprir a meta de superávit primário sem truques. Nestes casos, a informação do governo causa menos danos porque todo mundo já sabe que o cenário oficial não vai se realizar. Vale para todos os anúncios do setor público, federal, estadual e municipal, que simplesmente afirmam que tudo vai maravilhosamente bem.

Mas isso desmoraliza a informação pública e cria o ambiente, negativo, de que é assim mesmo: o governo mente e a gente não acredita ou deixa pra lá. Só que nós, cidadãos e contribuintes, fazemos o papel de trouxas. Nós pagamos pela farsa.

Segurança (uma modesta proposta) - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 01/11
A certeza de que o socorro será precário, lento ou ausente alimenta a sensação de insegurança


A CIDADE de São Paulo está insegura como não estava há tempos. Claro, estão acontecendo ataques mortíferos contra policiais e prováveis execuções dos supostos responsáveis por essas mortes. Mas não é só isso.
A nova insegurança de nossas ruas é óbvia para qualquer paulistano, no aumento dos crimes contra ele mesmo ou contra seus próximos. No dia 21 último, a morte de Caroline Silva Lee, de 15 anos, confirmou o que já sabíamos: a cidade, absurdamente perigosa, parece voltar aos piores momentos do fim dos 1980 e começo dos 1990.
Naquela época, as grandes acusadas eram a exclusão social e a desigualdade excessiva de nossa sociedade. Hoje, parece mais provável que alguns jovens da novíssima classe C estejam adotando, como símbolo de status, uma necessidade imperiosa de consumo -e isso sem incorporar hábitos menos tentadores e menos conspícuos da classe média (ética do trabalho, meritocracia etc. Nota: melhorias socioeconômicas não implicam necessariamente melhorias do tecido social da comunidade).
Hoje, como naquela época, é pífia, se não nula, a confiança dos cidadãos no socorro da força pública.
A prova disso está nas estatísticas apresentadas pela Folha na sexta, 26, (http://migre.me/bsb4k). Em 2012, os latrocínios (roubo seguido de morte) aumentaram 27% em relação ao mesmo período de 2011 e os roubos de veículos aumentaram 13%, enquanto os roubos simples aumentaram apenas 4%. Nenhum mistério nessa disparidade: o crime é denunciado quando há morte ou roubo de veículo (o seguro pede o boletim de ocorrência). No mais, chamar a polícia e registrar a ocorrência é fora de questão: já pegaram meu relógio, vão querer meu tempo também?
Silogismo. 1) A certeza de que o socorro será precário, lento ou ausente alimenta a sensação de insegurança; 2) a sensação de insegurança entrega a rua aos criminosos; 3) diminuir a sensação de insegurança seria uma maneira de combater a insegurança efetiva da cidade.
Um carro de bandidos em fuga capotou na sua frente atropelando duas pessoas, que agora gemem debaixo do carro revirado. Você, escondida, tem como dar um telefonema.
Qual é o número mesmo? Dos bombeiros, para que levantem o carro acidentado e salvem os atropelados? Seria 193, se não me engano. Da Polícia Militar? Esse, a maioria das pessoas conhecem: 190. Ou da Polícia Civil? Seria 147, é isso? O pronto-socorro médico é 192, mas será que são eles que despacham as ambulâncias?
O 190 responde, em tese, no primeiro ou segundo toque. Já, se você for atrás de uma ambulância, pode acontecer a situação descrita num tweet de @toledoana (em "Mdrama", SP Escola de Teatro, Gov. do Estado): "Você ligou para Godot. Por favor, aguarde na linha. Sua ligação é muito importante para nós".
A segurança pública deveria ter um número único, que respondesse obrigatoriamente com a rapidez que constatei no 190. Quem atende deveria 1) decidir qual é o socorro certo e despachá-lo (ambulância, guindaste, polícia) com a urgência adequada, 2) permanecer na linha, assistindo quem ligou até a chegada do socorro, 3) preparar, enquanto isso, o encaminhamento do socorro (encontrar e prevenir o melhor hospital de destino, por exemplo).
No atendimento, a prioridade deveria ser saber o local e a natureza da urgência (o CPF e o RG de quem chamou não são condições para escutar e assistir).
A rapidez e a competência desse atendimento unificado seriam uma piada de mau gosto se não houvesse um tempo de resposta decente entre a chamada e a chegada do socorro.
As unidades móveis de socorro (carros das polícias e dos bombeiros, ambulâncias públicas ou privadas) já dispõem (ou deveriam dispor) de GPS, de maneira que pode ser monitorada constantemente a cobertura do território do município, garantindo que nenhuma área esteja fora de um alcance rápido.
Em Nova York, o tempo médio é de quatro minutos para os bombeiros e oito minutos para a polícia (esse tempo desce drasticamente se a urgência for uma ação criminosa armada em curso).
Que tal propor uma meta -um tempo médio de resposta- até o fim do ano? Muitas vezes, de qualquer forma, os socorros chegarão tarde demais, mas 1) será possível medir, em cada caso, onde e por que se originou o atraso e, sobretudo, 2) será bom os cidadãos sentirem que, na hora em que eles pedem socorro, alguém se apressa.
Como disse, a segurança é, antes de mais nada, uma sensação.

O rato que troca a pele pela vida - FERNANDO REINACH


O Estado de S.Paulo - 01/11


Você já tentou pegar uma lagartixa pelo rabo? Na hora que você agarra o rabo e vai levantar a lagartixa, ela solta o rabo e sai correndo. Você fica com o rabo na mão e cara de trouxa. É assim que ela escapa dos predadores, entrega o rabo e preserva a vida. O mais interessante é que o rabo regenera ao longo de semanas e rapidamente a lagartixa fica como nova, pronta para reagir a outro ataque.

Outros répteis, como as salamandras, podem deixar para trás uma perna inteira. Semanas depois, uma perna nova aparece no lugar. Nos últimos cem anos, esses processos que ocorrem em répteis têm sido investigados detalhadamente. A esperança dos cientistas era não só entender como a perda e a regeneração ocorrem, mas talvez utilizar esse aprendizado para tentar melhorar o processo de cicatrização no ser humano.

Não seria ótimo se fosse possível induzir a regeneração de membros perdidos? Lula teria de volta seu dedo e talvez a história do Brasil tivesse se desenrolado de outra maneira.

Foi descoberto nas últimas décadas que o processo de regeneração dos répteis é muito diferente do que ocorre nos mamíferos. E apesar de hoje entendermos muito bem como isso funciona nas lagartixas e salamandras, esse conhecimento não foi útil no tratamento de seres humanos.

Mas agora a esperança voltou ao coração dos cientistas. É que os habitantes do Quênia, na África, costumam comentar que uma espécie de rato do deserto seria capaz de deixar para trás sua pele quando abocanhada por um predador. A pele ficaria na boca do predador e o bichinho sairia correndo sem a pele, que se regeneraria em poucos dias.

Ratos e camundongos são mamíferos e sua pele é muito semelhante à de seres humanos. Por isso, um time de pesquisadores dos EUA se aliou a cientistas de Nairóbi para ir ao deserto, achar os ditos ratos, capturar uma colônia e verificar se a história era verdadeira.

Armadilhas foram colocadas no deserto e os ratos (Acomys kempi e Acomys percivali) foram capturados. Mas bastou um cientista colocar a mão na gaiola e agarrar o rato da mesma maneira que agarramos um rato de laboratório para descobrirem que a população do Quênia sabia do que estava falando. As fotos são impressionantes. Você agarra o rato e parece que está agarrando um sabonete molhado coberto por uma fina folha de papel liso. Você fica com a pele do rato e ele escapa por entre os dedos, como os malditos sabonetes nos escapam no chuveiro.

Estudo. Capturados os ratos, começou o estudo. Foi observado que eles podem perder até 60% da pele que cobre o corpo, até a que cobre o rabo. Trinta dias depois, estão de pele nova, sem cicatrizes, sem áreas com falta de pelos ou qualquer outra evidência do susto que passaram na boca do predador.

Os cientistas então começaram a estudar as características da pele. Observaram que a pele de um rato de laboratório, em comparação, é 20 vezes mais elástica. Se você tentar esticar a pele desses ratos do deserto, em vez de esticar, ela se rompe. E, para romper a pele de um rato comum, seria necessária uma força 77 vezes maior.

Quando os cientistas observaram a pele dos ratos do deserto no microscópio, constataram que ela é composta dos mesmos elementos das peles dos ratos de laboratórios ou dos humanos, mas em proporções distintas. Além disso, ela é fracamente conectada com o tecido que está na camada de baixo, uma propriedade também encontrada na pele de algumas raças de cachorro.

Os primeiros estudos indicam que o truque para conseguir essa regeneração rápida, sem infecção ou vestígios, deve-se a uma série de fenômenos, todos presentes na nossa pele, mas que nesses ratos são regulados de maneira muito mais sutil. Primeiro, existe muito pouco sangramento quando a pele se solta, portanto as famosas cascas de ferida (lembra do seu joelho quando tinha 10 anos?) não se formam. O tecido de baixo da pele forma uma camada protetora e a pele intacta, na periferia da lesão, contrai-se e cobre a maior parte da ferida rapidamente. Logo depois, as células da pele intacta começam a migrar da parte intacta para a superfície da lesão e ela é rapidamente recoberta. O mesmo ocorre com as células que vão formar os novos folículos capilares e em 30 dias o rato está novo em folha.

Esses estudos estão ainda na sua infância. Afinal, é o primeiro trabalho científico que analisa o que acontece nesses ratos. Mas todos estão animados. Parece que os fenômenos são todos muito semelhantes aos que ocorrem em seres humanos. A esperança é que seja possível aprender com os ratos do Quênia algum truque que permita melhorar o tratamento em seres humanos.

É assim que funciona a ciência. Uma observação casual de um fenômeno da natureza (algum carnívoro abocanhando um rato nos desertos do Quênia) leva à investigação experimental detalhada do fenômeno (cientistas medindo e descrevendo o processo de perda e regeneração) e, com um pouco de sorte, pode resultar em uma tecnologia que nos permita controlar uma pequena parte do mundo natural (acelerar a cicatrização de feridas em seres humanos).

Infelizmente, como essas três etapas muitas vezes estão separadas por dezenas de anos, é difícil para a pessoa que teve sua ferida curada em poucos dias apreciar a contribuição de um queniano que viu um rato escapar da boca de um predador.

Síndrome do dia seguinte - ROGÉRIO GENTILE

FOLHA DE SP - 01/11


SÃO PAULO - Nada como o dia seguinte a uma eleição. "Inimigos" restabelecem relações, medidas represadas durante a campanha para não prejudicar correligionários são adotadas e aquilo que era "urgente" para o candidato vira "assim que possível" para o eleito. É a política no seu momento de liquefação.
Há anos a Prefeitura de São Paulo reclama que é necessário renegociar a dívida da cidade, "impagável", segundo a expressão de Kassab. Pois foi só Haddad ganhar a eleição que o governo federal encheu o peito para anunciar que aceitou modificar o seu indexador. Por que só agora Dilma resolveu se mexer?
A mesma pergunta vale para Alckmin. Até outro dia, seu governo dizia que a estratégia de combate à violência era a correta e que havia muita lenda em torno do PCC. Acabada a disputa, horas depois, resolveu assumir que a cidade vive um momento de "maior estresse" e mandou 600 policiais ocuparem uma das principais favelas de São Paulo, reduto da facção criminosa, de onde teriam partido ordens para matar PMs. Por que ele demorou tanto para agir?
Kassab foi outro que deu uma bela aula de esperteza política. Não esperou nem um dia Serra esfriar e já pulou para o barco do PT. Apesar de ter sido duramente atacado por Haddad nos últimos meses, não hesitou em declarar que vai dar apoio "incondicional" ao sucessor. Incondicional?
O próprio Haddad não escapou da síndrome do dia seguinte, quando as verdades começam a pipocar. O petista, que chegou a anunciar em março que o PT iniciaria uma mobilização para acabar o quanto antes com a taxa de inspeção veicular, disse, na segunda-feira, que depende da compreensão dos vereadores e que a medida pode ficar para o segundo ano de governo. Segundo ano?
Mas se a taxa era tão injusta e desnecessária como ele dizia na campanha, por que o eleito não pede para Kassab mandar hoje mesmo um projeto à Câmara propondo seu fim? Afinal, o apoio é incondicional, não é?

Anatomia de um choque - ALEXANDRE SCHWARTSMAN


Valor Econômico - 01/11



Não é segredo que o Banco Central trata o recente aumento do preço internacional de commodities agrícolas como um "choque de oferta", com implicações fortes para a política monetária. Pressupõe-se que seja um fenômeno semelhante à elevação das tarifas de serviços públicos, ou dos preços de petróleo, que tendem a elevar a inflação e reduzir a renda, limitando a propagação do aumento inicial de preços.

Em tais casos o BC combate os chamados "efeitos secundários", por exemplo, tentativas de repasse dos preços mais altos, mas acomoda o impacto do choque no intervalo ao redor da meta. Diga-se, aliás, tal intervalo existe apenas para tal fim, certamente não para que o BC mire a priori na parcela entre a meta e o limite superior do intervalo.

Diga-se também que, pela mesma lógica, no caso de um choque de oferta positivo, por exemplo, uma redução de tributos sobre um insumo relevante (energia?), o BC igualmente não deveria reagir ao efeito primário; apenas às reações que pudessem levar a inflação abaixo da meta, mas estas são apenas divagações de um obsessivo, não o ponto central do artigo.

A questão é saber se podemos caracterizar a seca nos EUA, que contraiu a produção agrícola naquele país, como um choque de oferta do ponto de vista do Brasil? Tenho dito que não. Os preços se elevaram, mas, como o Brasil é exportador líquido dessas commodities, o efeito sobre a renda nacional é positivo: não há plantador nacional de soja chorando pela quebra da safra americana. Na perspectiva desse fazendeiro o que houve foi um aumento na demanda por seu produto, levando a preços internacionais mais elevados.

Na verdade, na visão do fazendeiro brasileiro o motivo para alegria é ainda maior. Não houve apenas aumento dos preços em dólar, mas também um aumento dos preços medidos em reais, elevando adicionalmente sua renda às expensas dos consumidores nacionais, em particular a fração mais pobre da população, cujo gasto com alimentos compromete parcela maior do seu orçamento (argumento algo demagógico, sim, mas não menos verdadeiro).

Alguém poderia imaginar que isto é inevitável: se os preços aumentam lá fora devem também subir por aqui e que, portanto, nada poderia ser feito, mas a evidência sugere precisamente o contrário.

Começo notando que de 2006 a 2010, a despeito de uma elevação considerável dos preços internacionais de commodities (em torno de 35%), os preços em reais subiram consideravelmente menos (9%). O motivo é claro: a elevação dos preços das commodities corresponde a um aumento dos preços das exportações brasileiras relativamente às importações. Tal melhora de termos de troca tende a fortalecer a moeda, atenuando o impacto dos preços.

Em contraste, a recente elevação de preços internacionais de commodities se traduziu integralmente sobre preços domésticos porque a taxa de câmbio, ao contrário do ocorrido anteriormente, foi mantida fixa.

Isto fica claro no contraste da experiência brasileira com a de países latino-americanos que, como o Brasil, são exportadores líquidos de commodities, mas que, ao contrário do que ocorre por aqui, mantiveram o regime monetário e cambial que vigorava até há pouco nestas plagas, a saber, metas para a inflação e câmbio flutuante.

A comparação é reveladora: preços de commodities (índice CRB) medidos nas moedas destes países (Chile, Colômbia e Peru) têm caído desde o começo do ano, enquanto os preços em reais seguem pronunciada trajetória de elevação, mesmo antes da elevação dos preços em dólar, que permanecem algo abaixo de onde estavam no início de 2012. É óbvio que o desempenho distinto se deve ao comportamento díspar das moedas: enquanto o dólar encareceu 10% no Brasil, se tornou mais barato (de 3% a 8%) nas demais economias.

É interessante notar que, até 2010, estas moedas eram fortemente correlacionadas. Foi, portanto, a política brasileira de manipulação do câmbio que implicou a elevação dos preços domésticos de commodities. Caso a moeda flutuasse de verdade, o real provavelmente teria se apreciado em linha com as demais e estaria hoje entre R$ 1,70 a 1,80/US$. Neste caso os preços domésticos de commodities seriam em torno de 15% mais baratos e a inflação consideravelmente mais baixa.

Este resultado traz duas conclusões relevantes. Em primeiro lugar que, conforme argumentado, a elevação de preços domésticos de commodities nada tem de choque de oferta. Revela, além disso, os limites muito claros da possibilidade de manter a inflação na meta quando o BC tem como um de seus objetivos principais fixar a taxa de câmbio. Nada que não soubess mos; apenas o que nossas autoridades resolveram ignorar.

Alexandre Schwartsman, doutor em economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley, e ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é sócio-diretor da Schwartsman & Associados. Escreve mensalmente às quintas-feiras.

PRISÃO E MULTA - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 01/11


Pelos cálculos iniciais, os principais réus políticos do mensalão -os petistas José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares -teriam que pagar multas de pelo menos R$ 2 milhões cada um pela condenação por corrupção no processo do esquema. A ideia é fazer uma campanha de arrecadação para saldar o débito.

DE FORA
A iniciativa de uma coleta, julgam interlocutores dos réus, ajudaria a politizar os resultados do julgamento. E seria uma forma de tentar mostrar que os condenados contam com apoio também fora das fronteiras do PT.

CLIMA
Marco Aurélio Garcia, assessor de assuntos internacionais do governo Dilma Rousseff, é direto ao criticar a mídia no julgamento do mensalão: "É isso: eu estou falando da TV Globo", disse ele em entrevista à rádio BandNews FM no domingo das eleições. "Houve concretamente uma tomada de posição por parte de analistas", o que, segundo ele, vai além dos limites de órgãos de concessão pública. "Vamos ter claro: não estou me referindo a jornais, mas a órgãos de concessão pública."

CLIMA 2
Garcia referiu-se ao resumo que o "Jornal Nacional" fez do mensalão no dia 23 de outubro, quando mais da metade de seus 32 minutos foi dedicada a um balanço do julgamento. "Quando você tem uma emissora que dedica 19 minutos do seu principal noticiário para fazer um resumo do mensalão às vésperas do segundo turno (...) Não é uma questão que passa batido para nós."

CLIMA 3
Procurada pela coluna, a TV Globo diz que "não tem lado e só fez jornalismo".

CLIMA 4
E o PT estuda apoiar projeto de iniciativa popular para propor ao Congresso Nacional a regulação do setor audiovisual no país. A ação seria em 2013, com a coleta de 1,5 milhão de assinaturas, número necessário exigido por lei. O ex-presidente Lula já foi consultado. Ainda não deu sinal verde.

NA BASE DA COUVE
A modelo Alessandra Ambrósio, que passou 18 horas no Brasil anteontem para desfilar pela Colcci na SPFW, tenta perder peso cinco meses depois de ter seu segundo filho. "Tô comendo muita couve", afirma ela, que atualmente mora em Los Angeles. "Não estou como eu estava antes. A pele ainda não tem a mesma elasticidade. Agora, a natureza precisa fazer milagre para voltar."

NUNCA ESTIVE PRONTA
Na semana que vem, a modelo terá um desfile de calcinha e sutiã para a grife Victoria's Secret.

Se ela está pronta? "Nunca vou estar pronta para desfile de lingerie, nem dez anos atrás eu estava. Sou a maior crítica de mim mesma."

ETERNA NAMORADINHA
A exposição "Espelho da Arte - A Atriz e seu Tempo", sobre os 50 anos de carreira de Regina Duarte, no Rio, teve 28.722 visitantes. Em cartaz em SP com "Raimunda, Raimunda", no teatro Raul Cortez, a atriz recebe a exposição neste mês na cidade.

ESCUTE ESSA CANÇÃO
No programa "Viva Voz" (GNT), que vai ao ar amanhã, a atriz Marieta Severo conta que música em casa atrapalhava Chico Buarque. "Por causa dele, aprendi a parar para ouvir música", diz.

GAY POWER
A revista internacional "Mate" publicou especial com os 500 gays mais influentes da história. Leonardo da Vinci é o número um. Há brasileiros na lista: André Fischer, do Mix Brasil, em 261°, o diretor José Celso Martinez Corrêa (358°), o professor Luiz Mott (379°) e o escritor João Silvério Trevisan (422°).

TERCEIRO TEMPO

A terceira SPFW do ano teve Alessandra Ambrósio como atração principal. Foram aos desfiles, no parque Villa-Lobos, os atores Cássio Scapin, Giselle Batista e Lucy Ramos e o cabeleireiro Celso Kamura. Os modelos Ronaldo Martins, Daiane Sodré e Daniela Braga estavam lá a trabalho.

MOÇA FINA

A atriz Paola Oliveira apoia o projeto Satisfeito, do Instituto Alana, para o qual clientes de restaurantes de SP vão reverter valores a ONGs quando toparem pagar o mesmo preço por pratos 30% menores. O Kaá começa a promoção na segunda. Outras 30 casas iniciam a ação no fim do mês.

CURTO-CIRCUITO

Almir Guineto faz show de lançamento do CD "Cartão de Visita" de hoje a domingo na choperia do Sesc Pompeia. Classificação etária: 18 anos.

Nando Reis apresenta seu novo álbum, "Sei", com show no dia 1º de dezembro, no Credicard Hall. Classificação: 14 anos.

O espetáculo "Trixmix" acontece hoje, às 20h30, no Estúdio Emme. 18 anos.

A Tucca (Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer) recebeu permissão para construir uma Casa Ronald McDonald para pacientes no Hospital Santa Marcelina.

A Noor realiza hoje coquetel de aniversário em sua loja no shopping Pátio Higienópolis.

Os dois fechamentos do 'Jornal da Tarde' - EUGÊNIO BUCCI


O ESTADÃO - 01/11


Para quem ainda não admite que o sentido das palavras muda conforme a classe social do cidadão que a pronuncia, aí vai mais uma: o verbo fechar, ou, se você preferir, o substantivo fechamento.

Se um jornalista diz que vai fechar o jornal, nada de novo sob o Sol. Após o fechamento (feito pelo jornalista), o diário vai para as rotativas e, depois de impresso, dobrado, refilado e encadernado, cairá, exemplar por exemplar, naqueles saquinhos plásticos alongados, dentro dos quais voarão por cima dos muros das casas dos assinantes, com notícias supostamente frescas. Quando o jornalista fecha, estamos em vida normal. E boa. Antigamente o fechamento era até comemorado, noite após noite. No tempo em que se fumava em cima da máquina de escrever, o pessoal fechava a edição e depois esticava a conversa em torno de um chope.

Hoje, como antes, fechamentos fazem subir o estresse e têm aquele tom ameaçador da "vitória do caos sobre a vontade augusta de ordenar a criatura", mas, invariavelmente, terminam mais ou menos bem. Não se tem registro de um fechamento que não tenha, por assim dizer, fechado. O que faz a diferença, o que distingue um bom editor, é saber fechar bem. Saber fechar está para o profissional de imprensa assim como saber "finalizar" - no jargão do futebolismo pós-moderno - está para o artilheiro. Embora a qualidade editorial resida não no fim, mas no início do processo, com pautas bem concebidas e bem planejadas, os jornalistas vangloriam-se de ser grandes fechadores, mesmo quando não o são. O verbo fechar, enfim, é constitutivo da profissão, como um verbo positivo.

Agora, se a gente se afasta da redação e se aproxima dos escritórios da chamada gestão empresarial, a pior coisa que pode existir é um patrão que gosta de fechar. Quando o dono anuncia que vai fechar um jornal, até as rotativas empalidecem. O sentido do verbo se inverte, mortalmente. Jornalista, quando fecha, faz o jornal viver, mas o empresário, ao fechar, mata.

Infelizmente, é desse fechamento (fechamento no sentido empresarial) que se tem falado cada vez mais. Nos países que eram chamados de "ricos" até há dois ou três anos, alastra-se uma crise drástica: veículos impressos caem como frutos cujo tempo já foi, num morticínio sem recurso. Nos Estados Unidos, a partir da quebradeira de 2008, a devastação afetou principalmente os diários locais (que viviam dos classificados do mercado imobiliário, nada menos que o cerne do desastre financeiro daquele ano), numa derrocada que foi imediata e minuciosamente descrita no relatório The Reconstruction of American Journalism (um nome otimista para um cenário tétrico), escrito pelos professores Michael Schudson e Leonard Downie Jr. e editado pela Escola de Jornalismo de Columbia em 2009 (disponível na internet). Desde então o quadro só piorou. Recentemente a revista Newsweek avisou que depois de dezembro de 2012 suas edições impressas serão extintas. Quanto à Time, não anda passando muito bem, mais fina que um folheto de missa dominical.

No Brasil, onde os números parecem saudáveis e a circulação dos diários cresce, os sinais do estrangulamento vão pipocando. Ontem pudemos sentir mais um desses, com o fechamento do Jornal da Tarde. A última edição do JT circulou exatamente ontem, dia 31 de outubro de 2012. "No mundo todo, a competição das novas mídias digitais têm afetado os seus jornais", explicou o texto Missão cumprida, publicado na página 6A da edição de ontem. "Nesse contexto, o JT teve sua circulação reduzida, assim como seu número de anúncios. O Grupo Estado tentou diversas medidas para revitalizar o JT, mas decidiu focar sua estratégia para o futuro no seu principal título, O Estado de S. Paulo."

Aqui, a palavra fechamento vira sinônimo de falecimento. O JT está morto. Morreu aos 46 anos de idade. Os jornalistas de São Paulo estão de luto, como de luto estão os leitores, ainda que poucos. Um jornal que se fecha é uma voz que se cala, ou, mais ainda, como uma língua que desaparece, seja porque os falantes minguaram, seja por força das guerras, que dizimam a memória e a identidade dos povos conquistados. Bons jornais são uma cultura à parte, têm um léxico próprio, um "idioma" inconfundível.

Bem sabemos que jornais e revistas abrem e fecham (no sentido empresarial) o tempo todo; nascimentos e mortes são normais, corriqueiros, tanto para os seres humanos como para os órgãos de imprensa, embora nestes a mortalidade infantil seja bem mais alta (dos novos veículos são lançados nas bancas todos os meses, a maioria não sobrevive aos dois ou três primeiros anos). Mas o falecimento do JT não cabe na categoria das trivialidades. Trata-se de um passamento de outra ordem. Nas suas páginas se deu uma renovação jornalística que irrigou todo o ambiente da imprensa, em texto, no design e no uso da fotografia (no JT, uma única foto, imensa, sem que fossem necessárias palavras, era capaz de sintetizar sozinha a notícia e seu sentido). A sua redação ficará como um ponto de luz na história da imprensa paulistana, apesar das sombras que o levaram a desaparecer melancolicamente. Estamos realmente de luto.

No fim da tarde de terça-feira, por volta das 18 horas, um longo aplauso (longo mesmo, longo de três minutos) ecoou no sexto andar do prédio do Estadão, na Marginal do Tietê. Eram os jornalistas de todas as redações do grupo aplaudindo o último fechamento (no sentido jornalístico) do jornal que seria fechado (no sentido empresarial) no dia seguinte. Eram palmas de um funeral. Nos próximos dias os cronistas se ocuparão de lembrar os talentos que por ali criaram peças memoráveis e os episódios folclóricos do JT. Agora, fiquemos apenas com isto aqui, que não é nem um obituário; talvez seja apenas um lamento metalinguístico, um réquiem sem nomes próprios. O nosso mundo está menor e eu penso nisso enquanto fecho mais este artigo.

Um caso de patologia institucional - ROBERTO FREIRE

O GLOBO - 01/11


A gangrena política italiana guarda lições úteis ao PT, atolado no pântano do mensalão, e também à oposição de esquerda, em dificuldade para estabelecer uma alternativa de poder



O caso brasileiro, examinado à luz da ação penal 470, o conhecido mensalão, e mesmo anteriormente, em meio à avassaladora mobilização do Estado para finalidades partidárias, ensejou comparações com o México do PRI e a Argentina de Perón. Chegou-se a afirmar, com sagacidade, que, se vingasse entre nós o fatal entrelaçamento entre máquina de partido e aparelho de Estado, teríamos um cenário “mexicano”. Se predominasse o personalismo e o culto ao “líder operário que se tornou presidente”, teríamos uma “argentinização”. Por décadas afora, variados grupos reivindicariam, sem cessar, o patrocínio de um “guia genial”, mesmo que tivessem posições diferentes ou até antagônicas.

Tudo isso merece reflexão e gostaria de lembrar um outro caso de patologia institucional em sociedade moderna. Trata-se da Itália, um dos países de fronteira na Guerra Fria, no qual o principal partido de oposição, o antigo Partido Comunista Italiano (PCI), tinha vetada a participação no governo, embora apresentasse credenciais indiscutíveis, dada a participação na resistência antifascista e a condição de refundador do país, num momento em que tal refundação era essencial. Refiro-me, evidentemente, à Constituição republicana do segundo pós-guerra, que teve entre seus redatores nomes importantes do comunismo democrático, como Palmiro Togliatti e Umberto Terracini — este último, um dos “prisioneiros ilustres” do fascismo, ao lado de Antonio Gramsci.

Mas a participação no poder estaria sempre vetada ao PCI, apesar da sólida implantação popular e da invariável fidelidade constitucional. Criou-se, assim, um verdadeiro regime de ocupação de cargos e funções, especialmente no plano central, por parte do outro grande partido do pós-guerra, a Democracia Cristã. O PCI só podia participar de administrações regionais, o que fez muito bem.

A repartição de poder central obedecia a ritos bizantinos: as correntes da Democracia Cristã eram “premiadas” de acordo com complicados cálculos, o que não se alterou com a admissão do tradicional Partido Socialista Italiano à área de governo. A conclusão é que o Estado não se renovava e as equipes dirigentes envelheciam sem a possibilidade de oxigenação. O “sistema de poder” assim gerado chegou a se confundir com grupos criminosos, como a máfia e a camorra, para não falar em setores desviados dos serviços de segurança, lojas maçônicas, grupos terroristas de direita.

A gangrena só foi remediada com a famosa Operação Mãos Limpas, realizada pelo Judiciário e o Ministério Público contra organizações mafiosas nos anos 1990. O país assistiu a um grande esforço conjunto das instituições democráticas no sentido de combater a corrupção e punir os envolvidos em escândalos. Na ocasião, houve uma série de denúncias e centenas de pessoas foram presas, entre políticos, empresários e funcionários públicos. Do entrelaçamento com a política, a crise institucional se instalou. O sistema partidário ruiu, e os cinco partidos que estavam no poder liderados pela Democracia Cristã se esfacelaram e caminharam para o desaparecimento. O primeiro- ministro Bettino Craxi, envolvido em escândalos, caiu em 1992 e teve de se exilar na Tunísia, fugindo da Justiça.

A Democracia Cristã e o Partido Socialista Italiano transformaram-se em notas de pé de página. E o velho PCI, que manteve as suas forças, começou uma evolução interessante até o atual Partido Democrático — impulsionada pela queda do Muro de Berlim, em 1989, e o fim do socialismo real. No Brasil, tal movimento também foi executado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), o primeiro partido comunista da América Latina a reformular profundamente sua estrutura orgânica, com o surgimento do Partido Popular Socialista (PPS), em 1992. Tratava-se de uma nova alternativa democrática e de esquerda, pioneira e ousada, distante da visão totalitária dos regimes comunistas de então.

A situação italiana, pelos muitos laços de afinidade que temos, guarda sugestivas aproximações com a brasileira. E guarda, sobretudo, lições não só para a força hoje hegemônica no Brasil, o Partido dos Trabalhadores (PT), atolado no pântano do mensalão, como também para as forças de oposição, que ainda têm dificuldade para estabelecer uma sólida esquerda democrática com vistas a uma eventual alternativa de poder, altamente necessária para o futuro das nossas instituições.

Sinal amarelo no ar - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 01/11


BRASÍLIA - Um jato da FAB teve de escoltar um Boeing da TAM que perdeu contato com o sistema de radares e isso acende um sinal amarelo.

Só neste ano, um avião da companhia apresentou problemas na rota Guarulhos-Londres e teve de retornar; outro que vinha de Paris para o Rio também voltou com falha num motor; um terceiro acaba de fazer um pouso de emergência em Nova York. E teve ainda a pane num voo que decolara de Natal e foi obrigado a fazer meia-volta.

Sem falar nos problemas de check-in na TAM e na Gol que, com um intervalo de dias, deixaram milhares de usuários sofrendo em filas enormes, com voos cancelados e atrasados, uma bagunça típica do caos aéreo do governo Lula.

Não é preciso ser nenhum gênio nem ter acesso a informações de inteligência para saber que algo está errado. E, quando está errado a milhares de pés de altura, é bom acordar e fazer alguma coisa.

Alô, alô, governo! Cadê a Anac, que é a Agência Nacional de Aviação Civil? Cadê a nova Secretaria de Aviação Civil, que ninguém sabe exatamente a que veio? Cadê o Palácio do Planalto, que não vê, não ouve, não fala nada?

A presidente Dilma Rousseff se elegeu com a imagem de eficiência, daquelas que bate na mesa, dá gritos e foi aplaudida por enfrentar bancos, planos de saúde, companhia de telefone. Sempre é melhor prevenir do que remediar, especialmente no caso de aviões.

Além da imobilidade literalmente assustadora diante do setor aéreo, ela também precisa fazer mais do que uma reunião atrás da outra a cada apagão. Ops! Essa palavra está banida de Brasília. No atual governo é só "apaguinho" -mesmo quando se repete de forma "anormal", como reconheceu o ministro interino, e mesmo quando afeta uma região inteira.

A Copa e a Olimpíada vêm aí, mas, antes, tem férias, Natal, Ano-Novo...