sexta-feira, março 25, 2016

País conflagrado - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 25.03

SÃO PAULO - Fui ao Oriente Médio e, na volta, encontro o Brasil conflagrado. Quando saí, o governo Dilma respirava por aparelhos; agora, estertora. O fato que mais contribuiu para lançar combustível às chamas foi a divulgação, por Sergio Moro, da gravação de um diálogo comprometedor entre Dilma e Lula.

Para os simpatizantes do Planalto, o juiz federal violou todas as regras atinentes a escutas telefônicas, ao privilégio de foro e desrespeitou a instituição da Presidência da República, a soberania nacional etc. Deveria estar atrás das grades. Para a turma pró-impeachment, Moro agiu como herói ao lançar luzes sobre as entranhas pouco iluminadas do poder.

Como tudo na vida, a questão é mais nuançada. Pelas análises de juristas que li, acho que dá para sustentar que a produção das provas, que incluem o diálogo comprometedor, foi legal; há dúvidas sobre sua validade num eventual julgamento da presidente; e é mais ou menos certo que Moro avançou o sinal ao revelar "urbi et orbi" seu conteúdo.

Isso, é claro, só vale no âmbito jurídico. Na esfera política, é preciso ser apaixonadamente petista para não perceber que o juiz recorreu a um expediente de que o PT não só se utilizou no passado como frequentemente elogiou, que é tornar público aquilo que aos poderosos interessa manter secreto –mesmo que para isso certas leis tenham de ser violadas.

Para ficar num caso recente, o governo não se mostrou tão zeloso com procedimentos quando o ex-agente americano Edward Snowden, em violação às leis dos EUA, divulgou em 2013 dados que mostravam Washington bisbilhotava a presidente brasileira. Um ministro de Dilma disse na ocasião que o ex-espião prestara um "serviço à humanidade".

No que a atitude de Moro difere da de Snowden? Mesmo que o diálogo não valha como prova num tribunal, foi bom para o país ter tomado conhecimento dessa conversa? O velho PT teria dito "sim" sem pestanejar.

Que papelão, Lula - PEDRO DEL PICCHIA

FOLHA DE SP - 25/03

Lula,

Esta de você buscar refúgio na Casa Civil para tentar fugir da investigação da Operação Lava Jato supera todas as espertezas que você já usou e costuma usar na ação política desde a sua aproximação irreversível com os bacanas a partir do final de 2002, logo após sua primeira e triunfal eleição para a Presidência.

Consta que então, em busca de descanso após a árdua campanha eleitoral, você foi para uma fazenda em Mato Grosso, conforme relato de alguém que o acompanhou. Não seria absurdo supor que foi aí que tudo começou em matéria de novas amizades - depois reveladas indecorosas. Hoje, olhando em retrospecto, que diferença daquele Lula do início de 1981 que percorreu alguns países da Europa em busca de apoio político e financeiro para o recém-fundado Partido dos Trabalhadores, junto a partidos políticos de esquerda e organizações sindicais.

Daquela comitiva fazia parte, além de dois sociólogos depois convertidos ao tucanato, o sindicalista Jacó Bitar, pai de Fernando, sócio de Lulinha e proprietário formal do sítio de Atibaia comprado para a família da Silva desfrutar. Na época, sinceramente, ele parecia um humilde sindicalista. A sorte, seguramente, sorriu para a família dele, porque a grana do sítio ou de meio sítio, como se divulga, foi alta, coisa de milhão, também como se diz.

No meu possante Fiat 147, vermelho confesso, carreguei a comitiva petista para um convento de freiras polonesas numa periferia perdida de Roma, onde você, Lula, ganhou as manchetes internacionais ao se encontrar com o líder do Solidariedade, Lech Walesa, que estourava na mídia mundial alavancado pela eleição do papa polonês João Paulo 2º. Walesa, mais tarde, igualmente, se tornou presidente da Polônia e, segundo consta, também igualmente, se deu bem na vida.

Tempos bons aqueles em que no seu rosto estava estampada a palavra esperança. Fomos até comemorar na noite seguinte na minha casa, em companhia do secretário-geral da poderosa Federação dos Metalúrgicos italiana. Você até pediu, em meio a quantidades memoráveis de uísque e vinho, para tomar umas doses de 51 e matar a saudade do "nosso Brasil". Daquela passagem por Roma, restou-me a carta de agradecimento que você me mandou depois.

Hoje acompanho abismado o que se passa no nosso país por conta da gestão desastrosa da triste figura - o "poste" - que, do alto do prestígio de presidente mais bem avaliado da nossa história, você empurrou para os eleitores. Acontece que o "poste", como diria o seu companheiro Jaques Wagner, se lambuzou e em manobra até agora desastrada quer passar a Presidência, de fato, para você, um cidadão sem mandato denunciado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (com pedido de prisão) e investigado pelo Ministério Público Federal do Paraná.

Defenda-se Lula. Explique o até agora inexplicável. Assuma suas responsabilidades. Vivemos num Estado democrático de Direito conquistado a duras penas, como você bem sabe. Mas não venha com essa conversa de que você iria (ou vai?) para o governo a fim de salvar a República.

Você assumiria (ou assumirá?), isso sim, para se livrar do juiz Sergio Moro e tentar o que hoje parece cada vez mais difícil, salvar o seu "poste" do impeachment ou da cassação.

Arrivederci Roma!

PEDRO DEL PICCHIA, 68, é jornalista e escritor. Foi correspondente da Folha em Roma de 1978 a 1981.

Culpa real - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 25/03

O desemprego atinge 9,6 milhões de brasileiros e quase 3 milhões entraram neste grupo em um ano. O problema é sério e doloroso demais para servir como parte da manipulação política do governo para tentar se salvar. O ex-presidente Lula falando aos sindicalistas de sua base quis responsabilizar a Operação Lava-Jato pela queda do PIB e pelo desemprego.

O governo fez uma política econômica desastrosa que levou à aceleração da inflação, queda da confiança, desestabilização das finanças públicas e recessão. Os erros começaram no governo Lula e foram mantidos no governo Dilma. Apesar de Lula ter deixado o país crescendo a 7,5%, foi ele que plantou os desequilíbrios que elevaram a inflação e aumentaram o déficit. Dilma persistiu nos erros e os aprofundou com coisas como as pedaladas e a manipulação de preços de energia. A política econômica dos governos petistas mudou em 2008 e foi essa guinada que provocou a crise atual.

É parte das técnicas de manipulação de Lula, também usadas por Dilma, fazer confusões propositais entre causa e efeito dos problemas ou dos bons indicadores. Esta frase de Lula, dita para a sua base de sindicalistas, deve ser vista dentro dessa estratégia de confusão deliberada:

— Quando tudo isso terminar, você pode ter muita gente presa, mas pode também ter muita gente desempregada neste país. Vocês têm que procurar a força-tarefa e perguntar se eles têm consciência do que está acontecendo neste país.

Com isso, Lula estava tentando confundir o debate brasileiro, uma vez mais, e culpar alguém pelos seus próprios erros. O truque de jogar a crise econômica sobre a Lava-Jato é perfeito porque resolve dois problemas. Ele se afasta do ambiente minado que aumenta a rejeição ao governo e demoniza a Lava-Jato como destruidora de PIB e de empregos.

Lula é extremamente inteligente e especialista em armadilhas mentais nas quais aprisiona os que o seguem por amor ou interesse. Mas é preciso ter clareza do que está em curso no país. Há dois responsáveis pelo desemprego crescente: a política econômica dos governos Lula-Dilma e a corrupção que desestruturou as empresas.

O combate à corrupção tem revelado fatos que não poderíamos ignorar. Ficando só no que soubemos nos últimos dias: havia na maior empreiteira do país um aparelho clandestino, uma contabilidade paralela, uma estrutura secreta de comunicação entre executivos e funcionários que geriam distribuição de propinas a políticos com codinomes. É uma aberração. É incrível que se possa pensar que o combate a isso é que seja desorganizador da economia. A corrupção é o problema.

Lula chegou a ter uma medida. Disse que 2,5 pontos percentuais da queda do PIB são decorrentes do “pânico criado na sociedade brasileira” pela Lava-Jato. Um tumor tão grande não pode ser enfrentado sem que isso abale o organismo, mas o tumor é o problema e não o tratamento.

O ex-presidente é inimigo da Lava-Jato. Se tivesse poderes, ele terminaria hoje com as investigações, pressionaria ministros do Supremo, usaria os órgãos governamentais como aparelhos partidários, cobraria gratidão do procurador-geral da República em moeda de subserviência. Como atingido pelas investigações, entende-se seu sentimento, mas não seus métodos de interferência, ou tentativa, flagrados nas conversas que teve.

Culpar a operação por tirar pedaços do PIB, num momento em que a economia desmorona, e por destruir empregos, com o problema invadindo a casa dos brasileiros, é usar mais uma vez uma arma espúria na sua guerra particular. Mas Lula é assim mesmo: os méritos são todos dele; os problemas são todos alheios.

A inflação deu um salto porque a presidente Dilma manipulou preços públicos, principalmente os de energia, e os soltou após as eleições. O governo ampliou gastos na crise de 2008 e não reverteu o processo no momento seguinte. Para esconder os rombos fiscais, maquiou estatísticas. A dívida bruta deu um salto. Por isso o Brasil foi rebaixado. A má gestão e corrupção fizeram a maior empresa do país ter perdas contábeis de R$ 100 bilhões. A Lava-Jato não tem responsabilidade em nada disso. O governo é o culpado.

A culpa dos outros - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 25/03

Acossado pela ameaça cada vez mais concreta de amargar um melancólico fim de carreira atrás das grades, Luiz Inácio Lula da Silva perdeu a noção do ridículo e abriu mão da responsabilidade imposta por sua condição de líder popular. Lula protagonizou na quarta-feira passada, em São Paulo, um comício em recinto fechado dirigido a líderes das centrais sindicais – todos identificados com pulseiras brancas atadas ao pulso direito – aos quais transmitiu importante palavra de ordem: a Operação Lava Jato é um dos principais responsáveis pela crise econômica, particularmente pelo aumento do desemprego e pelo consequente “pânico criado na sociedade brasileira”. Mas garantiu que, se o Congresso Nacional tiver “seis meses de paciência”, ele, Lula, produzirá o milagre de transformar o Brasil no “País da alegria”.

Afirmou Lula: “Essa operação de combate à corrupção é uma necessidade para esse país. Mas eu acho que vocês deveriam procurar a força-tarefa, o juiz, para saber o que eles estão discutindo sobre quanto essa operação já deu de prejuízo para este país. Será que não dá para combater a corrupção sem fechar as empresas? Já ouvi falar R$ 200 bilhões, R$ 250 bilhões de prejuízo”. E acrescentou: “Quando isso terminar, você pode ter muita gente presa, mas pode ter muita gente desempregada nesse país. Vocês têm que procurar a força-tarefa e perguntar se eles têm consciência do que está acontecendo nesse país”.

São inacreditáveis o cinismo e a irresponsabilidade de Lula. O subtexto de seu discurso é claro, ao estabelecer uma hierarquia entre valores como o combate à corrupção e os interesses dos assalariados, sugerindo que estes devem prevalecer sobre aqueles, como se fosse impossível a solução óbvia de compatibilizá-los. Lula quer induzir as lideranças sindicais a enxergar o combate à corrupção como prejudicial à “classe operária”. Quer ver os trabalhadores na rua atacando a Lava Jato e o juiz Sergio Moro e defendendo, na verdade, a impunidade dele, Lula, afastando os riscos de ter de pagar por ilicitudes que possa ter praticado em relações promíscuas com a elite representada pelos empresários e executivos corruptos das maiores empreiteiras de obras públicas do País.

As sucessivas derrotas de Lula, Dilma e o PT nos tribunais – só até certo ponto aliviadas pela decisão do ministro Teori Zavascki de manter o ex-presidente momentaneamente fora da jurisdição do juiz Sergio Moro – estimularam o lulopetismo a partir para um vigoroso ataque no campo político. Faz parte dessa estratégia, além dos recentes e frequentes pronunciamentos de Dilma Rousseff em atos públicos programados com esse objetivo, também a intensa agenda de encontros de Lula com lideranças políticas e com as chamadas “bases populares” do PT. A capacidade de mobilização dos petistas e das entidades e organizações sobre as quais o partido mantém forte influência já não é a mesma de tempos atrás, quando o PT e seus líderes eram exemplos de virtude, mas ainda é o trunfo mais valioso com os quais Dilma e Lula contam hoje para se livrarem do impeachment e da cadeia.

Essa estratégia, que se por um lado tem obrigado Dilma à tarefa ingrata de se haver com suas enormes dificuldades de manejar a língua e a lógica – na quinta-feira acusou a oposição de “criar motivos inexistentes” para atacá-la –, por outro lado coloca Lula exatamente no lugar em que se sente mais à vontade: o palanque. Eventualmente, o picadeiro, considerando a risível promessa de criar o “País da alegria” no fantástico prazo de seis meses.

Mas Lula acha que pode tudo, até mesmo considerar-se mais poderoso do que nunca, apesar de estar na incômoda situação de enfrentar entraves na Justiça para assumir o cargo de ministro e ficar a salvo das “perseguições” de Sergio Moro. Lula preferiria, é claro, livrar-se do magistrado que se tornou herói nacional por ousar tratá-lo, e a muitos outros poderosos, como cidadãos iguais perante a lei. Do alto de sua soberba, Lula continua se achando mais igual do que todo mundo e fala como se fosse o chefe do governo – o que, de fato, é, depois que Dilma Rousseff se dobrou a todas as suas exigências, no desespero de salvar um mandato que não exerce.

Roncos da reação - DORA KRAMER

ESTADÃO - 25/03

Não era de se esperar silêncio e conformismo por parte daqueles que apoiam o governo, a presidente Dilma Rousseff e o PT. Tampouco é de se menosprezar suas manifestações, apenas porque são obviamente minoritárias em relação aos protestos dos que não apoiam o governo, Dilma e o PT. Seria adotar o mesmo critério equivocado, por autoritário, de desdém à oposição da época em que os inquilinos do Planalto eram muito populares.

A situação se inverteu, mas nem por isso deixou de existir o contraditório que ora se manifesta com mais contundência devido à possibilidade concreta de que a Câmara dos Deputados aprove a abertura de processo de impeachment presidencial no Senado. Isso é uma coisa. Normal. Outra coisa bem diferente é a tentativa de se inverterem também os valores e os fatos em jogo, para transformar os agentes da lei em mensageiros da ilegalidade.

O ataque é um movimento clássico de defesa. Notadamente nos casos em que o atacante luta no campo do indefensável. Como ocorre agora, com a ofensiva governista contra o Judiciário em geral, quando as decisões não agradam, ao juiz Sérgio Moro em particular, e aos integrantes da força tarefa da Lava Jato - os eleitos como os inimigos a serem combatidos. Posição já ocupada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

Com uma diferença abissal: Cunha é réu no Supremo Tribunal Federal, alvo de inquéritos e de acusações graves, o que não tira a razão do governo em agravá-lo. Já os investigadores no máximo têm questionada uma ou outra ação relativa aos procedimentos formais. É flagrante, pois, a impropriedade (para dizer o mínimo) de pretender enquadrá-los na condição de criminosos e imprimir àqueles que passeiam pelo código penal a condição de injustiçados, perseguidos e vilipendiados.

Aqui, a ordem dos fatores altera de modo absoluto o resultado: não é a democracia que corre risco, mas a “cleptocracia” que está tendo seus passos seguidos e seus esquemas desvendados.

O embate de argumentos ganharia mais consistência e equilíbrio se do lado dos governistas as aludidas injustiças fossem relativas ao mérito das questões e não apenas (embora possam ser também) nos aspectos formais. Naquele, o do fundamento das acusações, os debatedores deixam a desejar apresentando arrazoados estapafúrdios.

Como o último feito por Luiz Inácio da Silva a uma plateia de sindicalistas na quarta-feira, em que atribui a derrocada da economia brasileira a juízes, promotores e agentes da Polícia Federal. Propondo, inclusive, que os companheiros deixem de reclamar das (in) decisões da presidente Dilma e passem a cobrar da força-tarefa de Curitiba o fim das investigações em nome de um Brasil mais próspero e socialmente justo.

Não sendo piada, recende a deboche.

Vermelho é a cor mais quente - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA

Quase todos estão no vermelho no Brasil real. Nossa convulsão mais sangrenta não é política, é econômica



Quase todos estão no vermelho no Brasil real. E isso explica a ampla rejeição ao governo Dilma. Explica também o apoio da maioria dos brasileiros à saída da presidente da República – seja pelo impeachment, seja pela cassação de sua chapa com novas eleições, seja por sua renúncia. A voz das ruas, das pessoas mais simples – as que não têm tempo, estudo ou dom para discussões eternas, técnicas ou ideológicas, sobre esquerda, direita, legalidade de grampos, obstrução da Justiça e condução coercitiva –, é a seguinte: “O Brasil precisa voltar a andar”.

Mesmo na crise, os gastos do governo Dilma continuam a aumentar, e isso inclui as despesas com funcionários públicos. Não é pedindo ao Congresso aval para um rombo de R$ 96,65 bilhões em 2016 que Dilma vai recuperar o apoio popular perdido. Números podem ser chatos de ler, mas não dão margem a interpretações mirabolantes de juízes, ministros, parlamentares, petralhas ou coxinhas. A meta do governo era um superavit de R$ 24 bilhões. Só que o azul virou vermelho. É a cor mais quente, a que demonstra o maior crime de responsabilidade contra o país. É a cor do Planalto e das contas dos brasileiros.

O governo está no vermelho profundo, como lava fumegante de vulcão. Mas o nome de Dilma endividada não irá para a lista negra do SPC – somente os nomes dos brasileiros comuns e sem foro privilegiado, que não podem apelar ao Supremo Tribunal Federal. Esse deficit do governo federal está subestimado, porque não leva em conta os R$ 6 bilhões da renegociação da dívida com os Estados. Além disso, todos os planejamentos do ministro Nelson Barbosa contam com a injeção, no caixa, de uns R$ 10 bilhões da CPMF. Companheiros e companheiras, o rombo do governo Dilma este ano deve superar os R$ 100 bilhões. É o descrédito na capacidade desse governo de recuperar ou estabilizar a economia que acentua a insatisfação geral e as olheiras de Dilma. Não é só o nojo com a corrupção.

O golpe que pode derrubar Dilma é o que freou a mobilidade social dos pobres e da classe média. Ao depositar o voto na urna, acreditavam que subiriam na vida e que seus filhos e netos poderiam estudar em boas escolas e ser alguém. Poderiam ser bem tratados em hospitais. O golpe da gestão incompetente de Dilma rasgou as bandeiras sociais do próprio PT. Desde 1992, o Brasil registrou pela primeira vez, em 2015, a combinação de queda de renda e aumento da desigualdade.

O desemprego recorde em sete anos, de 8,2% no mês de fevereiro, atinge quase 10 milhões de brasileiros. É muita gente que acreditou no Partido dos Trabalhadores. Eles estão na busca frenética de trabalho e dormem nas filas do seguro-desemprego, que torturam quem está ali ao exigir documentos de décadas atrás para conceder o benefício. Ouvir depoimentos de quem busca seu direito legítimo ao seguro-desemprego é uma aula para entender a impopularidade de Dilma. Só em janeiro e fevereiro, 428 mil vagas de trabalho foram destruídas, 40% delas no comércio.

A desculpa do governo para descumprir a meta, jogar pelos ares o ajuste fiscal e assumir gastos irresponsáveis é um primor: “Achamos que neste momento o governo tem de atuar para estabilizar a economia”, disse Nelson Barbosa. Quem, em sã consciência, acredita que pode estabilizar alguma coisa contraindo dívidas e mais dívidas? Se a Odebrecht tem uma central de propinas para caranguejo, avião, nervosinho, drácula, lindinho, passivo, proximus, atleta, grego, múmia, viagra, feira, há, no Palácio do Planalto e em seu Ministério da Fazenda, uma central para imprimir dinheiro e disseminar mentiras.

A convulsão mais sangrenta no Brasil não é política, mas econômica. A Petrobras fechou 2015 com prejuízo de quase R$ 35 bilhões e uma dívida de quase R$ 500 bilhões. A recessão levou 277 indústrias a fechar as portas. Trabalhadores ocupam instalações de

Quase todos estão no vermelho no Brasil real. E isso explica a ampla rejeição ao governo Dilma. Explica também o apoio da maioria dos brasileiros à saída da presidente da República – seja pelo impeachment, seja pela cassação de sua chapa com novas eleições, seja por sua renúncia. A voz das ruas, das pessoas mais simples – as que não têm tempo, estudo ou dom para discussões eternas, técnicas ou ideológicas, sobre esquerda, direita, legalidade de grampos, obstrução da Justiça e condução coercitiva –, é a seguinte: “O Brasil precisa voltar a andar”.

Mesmo na crise, os gastos do governo Dilma continuam a aumentar, e isso inclui as despesas com funcionários públicos. Não é pedindo ao Congresso aval para um rombo de R$ 96,65 bilhões em 2016 que Dilma vai recuperar o apoio popular perdido. Números podem ser chatos de ler, mas não dão margem a interpretações mirabolantes de juízes, ministros, parlamentares, petralhas ou coxinhas. A meta do governo era um superavit de R$ 24 bilhões. Só que o azul virou vermelho. É a cor mais quente, a que demonstra o maior crime de responsabilidade contra o país. É a cor do Planalto e das contas dos brasileiros.

O governo está no vermelho profundo, como lava fumegante de vulcão. Mas o nome de Dilma endividada não irá para a lista negra do SPC – somente os nomes dos brasileiros comuns e sem foro privilegiado, que não podem apelar ao Supremo Tribunal Federal. Esse deficit do governo federal está subestimado, porque não leva em conta os R$ 6 bilhões da renegociação da dívida com os Estados. Além disso, todos os planejamentos do ministro Nelson Barbosa contam com a injeção, no caixa, de uns R$ 10 bilhões da CPMF. Companheiros e companheiras, o rombo do governo Dilma este ano deve superar os R$ 100 bilhões. É o descrédito na capacidade desse governo de recuperar ou estabilizar a economia que acentua a insatisfação geral e as olheiras de Dilma. Não é só o nojo com a corrupção.

O golpe que pode derrubar Dilma é o que freou a mobilidade social dos pobres e da classe média. Ao depositar o voto na urna, acreditavam que subiriam na vida e que seus filhos e netos poderiam estudar em boas escolas e ser alguém. Poderiam ser bem tratados em hospitais. O golpe da gestão incompetente de Dilma rasgou as bandeiras sociais do próprio PT. Desde 1992, o Brasil registrou pela primeira vez, em 2015, a combinação de queda de renda e aumento da desigualdade.

O desemprego recorde em sete anos, de 8,2% no mês de fevereiro, atinge quase 10 milhões de brasileiros. É muita gente que acreditou no Partido dos Trabalhadores. Eles estão na busca frenética de trabalho e dormem nas filas do seguro-desemprego, que torturam quem está ali ao exigir documentos de décadas atrás para conceder o benefício. Ouvir depoimentos de quem busca seu direito legítimo ao seguro-desemprego é uma aula para entender a impopularidade de Dilma. Só em janeiro e fevereiro, 428 mil vagas de trabalho foram destruídas, 40% delas no comércio.

A desculpa do governo para descumprir a meta, jogar pelos ares o ajuste fiscal e assumir gastos irresponsáveis é um primor: “Achamos que neste momento o governo tem de atuar para estabilizar a economia”, disse Nelson Barbosa. Quem, em sã consciência, acredita que pode estabilizar alguma coisa contraindo dívidas e mais dívidas? Se a Odebrecht tem uma central de propinas para caranguejo, avião, nervosinho, drácula, lindinho, passivo, proximus, atleta, grego, múmia, viagra, feira, há, no Palácio do Planalto e em seu Ministério da Fazenda, uma central para imprimir dinheiro e disseminar mentiras.

A convulsão mais sangrenta no Brasil não é política, mas econômica. A Petrobras fechou 2015 com prejuízo de quase R$ 35 bilhões e uma dívida de quase R$ 500 bilhões. A recessão levou 277 indústrias a fechar as portas. Trabalhadores ocupam instalações de empresas que decretaram falência. O protesto não é pela esquerda nem pela direita. Eles não empunham bandeiras do Brasil nem muito menos vermelhas. Querem sua dignidade de volta. Não querem só comida, mas até o alimento anda escasso.

O menino que deixou um saco de paçoquinhas no meu espelho retrovisor lateral por R$ 2,00 me comoveu, embora seja ilegal e arriscado o magrelo correr em meio aos carros na avenida. Não gosto de paçoca, mas as palavras na etiqueta eram: “Quem dorme sonha. Quem trabalha conquista”. Abri a janela do carro e comprei o doce de amendoim, torcendo para ele não ser atropelado e voltar para casa. Seria bom se sonho e trabalho fossem garantidos a ele. Era hora de aula. Deveria estar na escola, não é mesmo, Dilma? empresas que decretaram falência. O protesto não é pela esquerda nem pela direita. Eles não empunham bandeiras do Brasil nem muito menos vermelhas. Querem sua dignidade de volta. Não querem só comida, mas até o alimento anda escasso.

O menino que deixou um saco de paçoquinhas no meu espelho retrovisor lateral por R$ 2,00 me comoveu, embora seja ilegal e arriscado o magrelo correr em meio aos carros na avenida. Não gosto de paçoca, mas as palavras na etiqueta eram: “Quem dorme sonha. Quem trabalha conquista”. Abri a janela do carro e comprei o doce de amendoim, torcendo para ele não ser atropelado e voltar para casa. Seria bom se sonho e trabalho fossem garantidos a ele. Era hora de aula. Deveria estar na escola, não é mesmo, Dilma?

Dilma na cerimônia do adeus - REINALDO AZEVEDO

Folha de SP - 25/03

A irresponsabilidade de Dilma Rousseff e de Lula nessa reta final do governo é assombrosa. Tanto a dupla como o establishment petista sabem que nada mais pode ser feito. Acabou mesmo! Eles se dedicam agora é a criar uma narrativa da partida que possa manter reunido ao menos um pedaço da militância.

Quando a presidente, seu antecessor e a cúpula petista gritam "golpe!", já não falam mais para o conjunto dos brasileiros. É um discurso voltado para os fiéis, para a militância. Criar uma mitologia da derrota, para os tempos de deserto, é tão importante como criar uma da vitória para os tempos de bonança.

O PT está deixando o poder, mas pretende voltar. Para que possa se reorganizar, terá de encolher; de buscar as suas origens; de resgatar a mística do confronto de classes; de excitar, como nos tempos primitivos, não o desejo de consumo das massas, mas o ressentimento dos oprimidos. Lula não quer deixar o poder como um ladrão, mas como um excluído.

Será o patriarca banido da Terra Prometida depois de tê-la conquistado. Viverá de contar histórias e de excitar a imaginação dos mais moços. O PT, como o conhecemos, está morto, mas não a mística intelectualmente vigarista da redenção dos oprimidos que o embala. Esta é um dado permanente na história.

Até um novo barbudo já veio à luz para divulgar "a palavra". O Lula renascido é Guilherme Boulos. Consoante com os tempos da nova esquerda, ele não vem do chão de fábrica, mas dessas milícias supostamente benignas a que chamam "movimentos sociais".

Achando que um é pouco, o rapaz comanda dois movimentos: o MTST e a Frente Povo Sem Medo. Deveria logo abrir uma incubadora de produtos ideológicos do gênero. Se houver impeachment, o novo profeta promete "incendiar o país". Dito de outro modo: se o Congresso não vota como quer Boulos, ele não reconhece o resultado.

Lula nasceu para a política quando a esquerda foi levada a aderir à "democracia como um valor universal", para citar um texto de 1979, de Carlos Nelson Coutinho. Boulos será o líder de um período partidário em que a tolerância perderá até seu valor instrumental. Sem violência, ele está convicto, não haverá redenção. Sai Coutinho do altar, entra um delinquente intelectual como Slavoj Zizek.

Não se descarte, anotem aí, a criação de uma nova sigla que funda o que restar de PT, PSOL, PSTU e outras excrescências mais à esquerda. Como no começo.

A certeza de que o impeachment virá e a necessidade de organizar a resistência com os apaniguados expulsos do paraíso levam Dilma e Lula a anunciar país e mundo afora que um golpe está em curso no Brasil.

Fora do ministério, ele apenas exercita a retórica irresponsável de sempre, cada vez mais típica de um Lula que se mostra uma farsa de si mesmo. Ela, no entanto, se o que está na Constituição é para valer, está incorrendo em novo crime de responsabilidade ao acusar, na prática, o Supremo Tribunal Federal, que votou o rito do impeachment, de fazer parte de uma arquitetura golpista.

Não se descarte, ainda, que alguns cadáveres possam integrar essa narrativa da partida. Eles sempre estão no imaginário delirante e essencialmente criminoso das esquerdas. Ora, o que são alguns mortos quando o que está em jogo é a salvação da humanidade –e algumas contas secretas na Suíça?

Cada dia uma agonia - FERNANDO GABEIRA

ESTADÃO - 25/03

Pensei que esta seria uma semana de trégua. E é, de certa forma, no plano nacional. Na verdade, o atentado em Bruxelas mostrou a face covarde da guerra. Ao considerá-la assim, uma semana de trégua, lembrei-me de uma grávida que entrevistei num bairro infestado de mosquitos em Aracaju: “Graças a Deus, o que tive foi chikungunya”.

Os fatos da semana passada não me permitiram tratar de escutas telefônicas. Tenho experiência disso. Nas eleições de 98, um repórter ouviu ligação minha e divulgou uma frase em que dizia que uma deputada estadual era suburbana. Isso num contexto sobre implantação de aterros sanitários, que, para mim, deveriam ter um enfoque metropolitano. Reclamei de forma, mas não me detive nisso porque havia algo mais importante a tratar: o conteúdo.

O adversário na época, Eduardo Paes, fez uma grande campanha em torno disso. Vestiram camisetas com a inscrição Sou suburbano com muito amor. Ainda hoje as fotos me fazem rir.

A reação de Dilma e seus defensores foi dissociar a forma do conteúdo e discutir só aquela. A tentativa de explicar o diálogo gravado foi ridícula, segundo o New York Times. Patética para outros, que observam o fluxo dos últimos acontecimentos. No caso, não se trata de um grampo, mas de levantar o sigilo de um processo. Moro investigava Lula e o conjunto das gravações indicava a busca de um ministério para escapar do processo. O último áudio apenas foi uma espécie de CQD.

A Lava Jato é, para mim, a maior e mais bem-sucedida operação realizada pela polícia brasileira. Sua atuação é espetacular, mas, se comparamos com o futebol, é possível jogar uma partida magnífica e ainda assim cometer algumas faltas.

No meu entender, elas estão no levantamento do sigilo de áudios que tratam de assuntos pessoais, sem importância real no processo. Eu deparo com esse problema no trabalho cotidiano. Outro dia entrevistei uma cozinheira e ela disse que se casou com o primo por falta de alternativa. Minutos depois me procurou para que apagasse esse trecho da entrevista. Atendi imediatamente. Que interesse teria isso para a história que estava para contar? Nenhum.

O que é irrelevante para o público pode ter enorme repercussão na vida da pessoa. Uma frase mal colocada, absolutamente inócua para o espectador, pode desatar inúmeros dramas familiares, suspeitas, rancores.

Com escritores, juristas, tanta gente de talento defendendo Dilma, ninguém trata do conteúdo do processo levado por Moro, o que, na verdade, interessa mais ao povo. Falam em defesa da democracia, mas ignoram o mensalão, o escândalo na Petrobrás, dois ataques violentos à própria democracia.

Fui deputado alguns anos e me sinto enganado por ter de discutir com parlamentares que foram comprados pelo governo. Não há debate real. As posições foram pagas no guichê do palácio. Para mim, isso é a real negação do processo democrático. E os dados estão aí: a Petrobrás foi arrasada, apenas em 2015 teve um prejuízo de R$ 43,8 bilhões; só a Operação Lava Jato conseguiu bloquear R$ 800 milhões no exterior.

Que tipo de democracia é esta em que você compete com campanhas milionárias sustentadas com grana roubada de empresas estatais, via propinas das empreiteiras?

As delações premiadas da Andrade Gutierrez e de Marcelo Odebrecht vão demonstrar tudo isso. No caso de Odebrecht, é preciso ver ainda o que tem a falar, porque sua resistência acabou provocando um avanço da Lava Jato sobre os segredos mais guardados da empresa.

Outra discussão que reservei para a semana de trégua: a condução de Lula. Tenho amigos que a criticam, na verdade, tenho amigos que até são contra o impeachment. A Lava Jato, a esta altura, fez 130 conduções coercitivas. Mas Lula estava disposto a depor, dizem. E os outros, se chamados, também não estariam dispostos? O que determina a medida é análise dos fatos, a lógica da investigação.

Outros lembram: Lula é um símbolo. Respondo que a lei vale para todos. Está escrito na Constituição. Teríamos de redigir a emenda: a lei vale para todos, menos para os símbolos.

Aliás, o termo símbolo é muito vago. Eventualmente um homem desconhecido pode se tornar símbolo de algo. O pedreiro Amarildo transformou-se num símbolo. Um jovem negro assassinado os EUA vira símbolo do conflito racial.

É surpreendente ver como Lula se transformou, na realidade, num líder conservador: a esperança dos corruptos de melar a Operação Lava Jato. Deixando de lado o machismo, que não é novidade, suas falas gravadas mostram um personagem típico: sabe com quem está falando? Seu ataque à autonomia da Polícia Federal é simplesmente reacionário. Ainda mais, articulado com frases em que condena a busca de autonomia em outros setores. “Só Dilma não consegue governar, não tem autonomia”, diz ele.

Uma visão realmente política não culpa a oposição pela imobilidade do governo. Seria o mesmo que Lenin, derrotado num bar do Quartier Latin, afirmar que a revolução fracassou por causa dos mencheviques.

Dilma não consegue governar, concordo com Lula. Mas o problema não está na oposição, está nela. Lula reconhece isso nos seus discursos, pedindo que Dilma sorria pelo menos algumas vezes. Acho um apelo inútil, como os que encontramos em algumas lojas: sorria, você está sendo fotografado.

Se Lula reconhece que Dilma não é capaz de presidir, terá de reconhecer também que errou ao lançá-la. E toda essa imensa máquina petista teria de compreender que não se inventa um quadro político, ele se faz na história cotidiana, ao longo de mandatos, no fascinante jogo político, um jogo tedioso para quem não gosta dele.

Isso são reflexões de uma semana de trégua. Não há futuro para o governo. Toda a sua energia se consome na defesa do impeachment, no medo da Lava Jato. Cada dia que um projeto fracassado consegue sobreviver é mais um dia em que o Brasil afunda. Isso parece não ter nenhuma importância para eles. Lamento.

Tentativa de sabotagem - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 25/03

A divulgação, sem autorização judicial, de uma lista com centenas de nomes de políticos de diversos partidos que teriam recebido doações da empreiteira Odebrecht, é sinal de que algum grupo dentro da Polícia Federal está querendo misturar alhos com bugalhos, sabotando as investigações. A lista foi apreendida há um mês, e estava sendo analisada.

O vazamento só ajuda a quem quer melar a Operação Lava-Jato. A Polícia Federal divulgou a “lista da Odebrecht” sem o Juiz Sérgio Moro saber. Ele a colocou em sigilo, por que não havia ainda a definição do que era caixa 2 e o que era contribuição legal. E agora ainda há a dificuldade de distinguir as contribuições legais daquelas que, com ares de legalidade, na verdade proveem de propinas.

A tese dos petistas e seus aliados é que “todo mundo é ladrão”, e esse Congresso não tem legitimidade para aprovar o impeachment da presidente Dilma, pois está “todo mundo na lista da Odebrecht”. Se todo mundo é culpado, ninguém é culpado. A tentativa é chegar a um grande acordo: está todo mundo envolvido, então vamos limpar a pedra e começar tudo de novo.

É uma situação tão surreal quanto a de Lula dizer que a Operação Lava-Jato é responsável pelo desemprego no país. O maior desemprego já registrado no país nos últimos quatro anos foi anunciado por esses dias, e Lula o atribui à Lava-Jato, e tem a coragem de afirmar que o Juiz Sérgio Moro está desempregando as pessoas.

Recentemente Lula fez outro discurso inacreditável defendendo justamente as empreiteiras, que estão no centro desses escândalos de corrupção. Segundo ele, as empreiteiras têm que ser preservadas por que geram empregos. Mas geram também favores à cúpula petista, aos políticos corruptos de maneira geral, e ao próprio Lula, enrolado em diversas denúncias de “presentes” de empreiteiras, como o sítio de Atibaia e o triplex de Guarujá, e otras cositas más.

Numa distorção completa da realidade, quem está tentando limpar a política, quem está tentando coibir a corrupção empresarial no país, é acusado de ter causado o desemprego e a queda da economia. E quem está no governo há 14 anos, que comprovadamente roubou, que quebrou a Petrobras, que acabou com a economia do país utilizando-se de decisões econômicas completamente equivocadas, além de ter permeado a estrutura estatal de métodos corruptos na nomeação de dirigentes e no direcionamento de financiamentos para empresas amigas, levando o país à pior recessão já registrada em sua história republicana, esses são os coitadinhos, os perseguidos, os defensores dos pobres e dos oprimidos.

Uma versão tão fantasiosa quanto a que vende a falácia do golpe, quando estamos há dois anos nesse processo de investigação de um vasto sistema de corrupção organizado pelo governo petista. Todos os ritos constitucionais estão sendo cumpridos, conforme atesta o próprio Supremo Tribunal Federal, que supervisiona a atuação da Força Tarefa da Operação Lava-Jato e também aprovou o rito do impeachment, corrigindo o que considerou estar errado na decisão do Congresso.

Por outro lado, é muito estranho a empreiteira Odebrecht ter anunciado um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal que nem sequer está sendo negociado. O PT e seus blogs amestrados acusam a Lava-Jato de não aceitar um acordo com a Odebrecht por que a tal lista inclui políticos da oposição, que estariam sendo blindados pelo juiz Moro.

É evidente que há em gestação um conluio do PT com o governo para tentar melar a Lava-Jato, transformando o Juiz Moro, que agora mesmo foi eleito uma das 50 personalidades mais importantes do mundo pela revista Fortune, em vilão dessa história.

A estranha divulgação da “lista da Odebrecht” pode estar relacionada com uma inscrição encontrada no celular de Marcelo Odebrecht, conforme recorda o site O Antagonista. A inscrição era "Armadilha Bisol/contra-infos”, e se refere a um episódio ocorrido em 1993, quando o Congresso realizava uma CPI sobre empreiteiras.

A Polícia Federal apreendeu 18 caixas de documentos na casa de um diretor da Odebrecht que indicariam “a existência de um cartel das grandes empreiteiras para fraudar as licitações de obras públicas”, inclusive com a relação de políticos que receberiam propinas.

José Paulo Bisol, relator da CPI das Empreiteiras e candidato a vice-presidente na chapa de Lula em 1989, denunciou o fato com estardalhaço, mas na realidade a lista não indicava apenas propinas, mas brindes, como calendários e agendas, e até doações legais. Ao colocar no mesmo balaio, como agora pode estar acontecendo, inocentes e culpados, a CPI das Empreiteiras, desmoralizada, foi arquivada. E, como vemos hoje, o cartel das empreiteiras continuou a atuar.

Perda total - NELSON MOTTA

O GLOBO - 25/03

Podem reparar: quando negam ‘veementemente’ ou ordenam ‘rigorosa’ investigação, é sinal de mentira grossa


Depois de um ano negando “veementemente” qualquer malfeito, a Odebrecht finalmente vai assumir suas responsabilidades no “sistema ilegítimo e ilegal de financiamento do sistema partidário-eleitoral” tentando uma delação “definitiva” que salve seus sócios e executivos da cadeia.

Reparem: quando negam “veementemente” ou ordenam “rigorosa” investigação, é sinal de mentira grossa.

Quando uma grande empreiteira contribui, ainda que legalmente, para mais de 200 políticos de todos os partidos, há algo de muito podre no sistema partidário-eleitoral do país. Óbvio que não contribui por patriotismo e espirito público, mas porque, como sabem todas as outras grandes empresas que sustentam esse sistema, quem paga a conta é que diz a hora que terminou o jantar.

O que dizer então de uma planilha com propinas pagas a políticos, funcionários e empresários, em dinheiro vivo e no exterior, com o nome e o apelido de cada um? Parece que o pessoal que paga a propina, seja como suborno ou achaque, expressa seu desprezo por quem recebe com apelidos debochados, que devem lhes ter provocado boas risadas em tempos mais risonhos.

Drácula, Nervosinho, Viagra, Candomblé, Caranguejo, Múmia, não é uma quadrilha de bandidos da Rocinha, são os homens que comandam a política brasileira, fazendo da vida pública, privada. Piada velha, mas mais atual do que nunca.

Como reconstruir um sistema politico-eleitoral quando a Lava-Jato revela ao país que dele só sobraram ruínas e escombros, que a perda é total? Como podem reconstruí-lo justamente os que o destruíram, financiados por um cartel de empreiteiras que saqueava o país e contribuía para fraudar eleições e apodrecer as instituições democráticas ?

Como o ovo e a galinha, quem veio primeiro, o político achacador ou o empresário corruptor? Tanto faz, o que interessa é que os dois se combinaram como um sádico e um masoquista, numa perfeita integração para assaltar os cofres públicos e aviltar a vida política do país, porque uns confiavam no seu dinheiro e outros no seu poder para sentirem-se acima de todos, da Constituição e das leis. Pelo menos até a Lava-Jato.

O torneio dos judas - RUY CASTRO

Folha de SP - 25/03

Amanhã, Sábado de Aleluia, é dia de malhação do judas. É um rito secular, em que os católicos se vingam de Judas Iscariotes, o apóstolo que, segundo os autos, entregou Cristo aos romanos e o levou à crucificação. Judas é representado por um boneco recheado com trapos, jornais ou serragem, arrastado pelas ruas, pendurado num poste, xingado, cuspido, surrado pela multidão e, por fim, queimado. Mas não mais por ser traidor. O judas moderno tornou-se apenas alguém que as grandes massas estejam odiando. O ex-treinador Zagallo cansou de servir de judas.

Ouço dizer que, nas últimas décadas, a malhação do judas declinou no Brasil. Não por falta de judas a malhar, mas pela perda de fiéis entre os católicos. Além disso, o valor pelo qual Judas vendeu Cristo – 30 dinheiros, a moeda da época – ficou insignificante. Em seu tempo, daria para levar Maria Madalena para jantar à luz de velas no melhor restaurante de frente para o mar Morto. Hoje não pagaria nem um cafezinho na cadeia para Delcídio, Vaccari, Dirceu e outros guerreiros do povo brasileiro.

Mas tradição é tradição e vice-versa, e quero crer que a conjuntura tem oferecido motivos para que a malhação do judas volte amanhã ao seu esplendor. Candidatos ao boneco abundam nas duas correntes em litígio.

A julgar pelas passeatas antipetistas, em que somente Lula e Dilma são contemplados com pixulecos – os bonecos infláveis gigantes, agora também em versão portátil –, são eles os únicos com potencial para surras (os outros nomes do PT se volatizaram). Já os petistas, podendo escolher entre FHC, Aécio Neves e Geraldo Alckmin como suas "bêtes noires", certamente se concentrarão no juiz Sergio Moro.

As manifestações de rua têm sido comparadas por números. Talvez seja o caso de, neste sábado, se fazer também a contagem dos judas.