quarta-feira, março 27, 2019

Política destrutiva de Bolsonaro abala apoio até entre militares - IGOR GIELOW

FOLHA DE SP - 27/03

Já há general questionando se governo sobreviverá após o embate da Previdência



A política da destruição adotada por Jair Bolsonaro (PSL) é caótica, mas no fundo segue um método anunciado desde a campanha eleitoral de 2018 e reafirmado no corrente embate com o Congresso sobre a tramitação da reforma da Previdência.

Bolsonaro prometeu enfrentar o que chama de velha política. O fez na montagem do governo, com algo que se pode chamar de sucesso se a análise de mérito das escolhas do ministério for deixada de lado.

Ao repetir Collor e Dilma ao desprezar a relação com o Congresso, o presidente flerta com o destino dos antecessores. Mas há diferenças: ambos os impedidos do passado eram odiados do outro lado da praça dos Três Poderes, mas ainda trabalhavam dentro de um diapasão de normalidade institucional mínima.

Bolsonaro rompeu isso nessa largada das negociações da reforma, e o resultado está aí. Duas semanas de trabalho no Congresso perdidas para uma crise que só tem duas saídas possíveis, ambas não muito alvissareiras para o presidente.

Na mais provável, algum tipo de acomodação ocorrerá e pelo menos a reforma mínima esperada pelo mercado, que economize de R$ 500 bilhões a R$ 600 bilhões em dez anos, pode acabar passando. Já o cenário mais abrupto vê a reforma indo para o vinagre, o agravamento da crise política com a perspectiva de uma ainda maior piora econômica.

Ambas as possibilidades rondam as cabeças dos militares que emprestaram seu apoio à aventura bolsonarista com tintas dramáticas. Já há general da ativa perguntando aos botões da farda se o presidente resistiria à hipótese de ruptura mais radical, lembrando que Jânio Quadros também se refestelava em polêmicas comportamentais inúteis enquanto o nó da entropia o levava à renúncia em 1961.

Mesmo o caminho mais benigno, o de alguma acomodação, comporta entre os militares e outros agentes políticos a semente da dúvida: será que o governo se aguenta com esse ritmo trotskista de crise permanente? Nunca é demais lembrar que a lei do impeachment, de 1950, abre brecha praticamente a qualquer motivo para impedir um mandatário.

A conhecidos, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou estar convicto de que Bolsonaro faz o que faz não porque sua articulação é falha ou porque há voluntarismo excessivo no grupo de WhatsApp que atende pelo nome de PSL no Parlamento. Ele acredita que há propósito e método no conflito, baseados na crença presidencial de que na hora H a população se levantará em favor da agenda do presidente.

Isso foi explicitado várias vezes no bolsonarismo, mas ganhou corpo inédito nas mãos do assessor internacional Filipe Martins, um dos alunos do curso online de Olavo de Carvalho no poder. Na semana passada, ele postou no Twitter um verdadeiro manifesto de radicalização do bolsonarismo, conclamando a rua a seguir uma certa vanguarda "antiestablishment" que ele diz integrar para evitar o sequestro dos inocentes Paulo Guedes e Sergio Moro pela obscura turba da velha política.

Desnecessário dizer que essa linha de pensamento é mágica. Se não pela sua essência, pelo fato de que a popularidade do presidente é declinante e também porque "povo" algum vai à rua defender algo que percebe como negativo para si —caso da reforma previdenciária. Em favor dessas ideias, só a certeza de que o Congresso é de tão baixo nível e está tão desarrumado que fornece uma vantagem tática a seus adversários.

Ao mesmo tempo, o mentor da turma ideológica acentuou o bate-boca com os militares do governo, xingados de golpistas para baixo pelo escritor radicado nos EUA. Difícil ver vantagem ao bolsonarismo nisso.

Os militares evitaram o pior no caso da Venezuela por enquanto porque colocaram o Itamaraty olavista sob tutela. Não tiveram o mesmo sucesso no igualmente capturado pelos eflúvios miasmáticos de Virgínia Ministério da Educação —onde a entropia da tal destruição criativa do bolsonarismo ameaça deixar a criançada sem livro didático, tal a desorganização instalada.

De forma simplificada, o governo é composto por ideológicos, técnicos e militares. Os primeiros estão dobrando suas apostas, e podem acabar rapidamente sem fichas. Os segundos têm sua agenda, e não é aberrante pensar que Guedes e Moro podem pedir o chapéu a qualquer momento. A bola cada vez mais está com os terceiros, cada vez mais receosos do caminho à frente.

Ilusionismo - ROSÂNGELA BITTAR

Valor Econômico - 27/03

Bolsonaro está blefando no pôquer da reforma


Quem tem razão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ou o presidente da República, Jair Bolsonaro? Não é difícil apontar, depende dos interesses que formam o ponto de vista. Sim, são antagônicos, com linguagens e gestos diferentes um do outro. Mas, principalmente, sua diferença no momento é que o primeiro quer a reforma da Previdência e prometeu ao seu eleitorado da elite financeira realizá-la; o segundo não quer a reforma da Previdência também para agradar ao seu eleitorado, da elite do funcionalismo. Mas faz de conta que apoia. É um blefe alto, para a bolsa não cair e o dólar não subir, além de evitar que a equipe econômica peça o boné por falta de condições de fazer o crescimento.

Eis a equação do tumulto. Por isso a crise política e por isso a sensação de vazio, falta de comando, de ação de governo, que persiste há semanas.

Maia não tem dito nada demais. A essência do seu argumento é óbvia, a de que a formação de maioria no Congresso é tarefa do presidente da República e não do presidente da Câmara, por isso não precisa ficar ouvindo desaforos. Afirma que o presidente deve trabalhar em vez de ficar tuitando. Estava ficando com todo o desgaste para ajudar alguém que não quer ser ajudado, esta a síntese. Levando carão até mesmo do ministro da Justiça, Sergio Moro, que quer o pacote criminal tramitando junto com a Previdência o que, para Rodrigo, só prejudica a Previdência.

E levando bordoada de filho do presidente. Enquanto Maia se explica, a resposta lhe vem atravessada por mensagem na rede de um dos três membros da CUT particular de Bolsonaro, o vereador Carlos: "As pessoas que querem Bolsonaro longe das redes sociais sabem que é isso que o conecta com o povo, foi isso que garantiu sua eleição. O querem fraco e sem apoio popular pois assim conseguiriam chantageá-lo". Chama Rodrigo Maia de chantagista e o acusa de não querer o sucesso do governo.

Os generais também criticam o desgoverno, mas o vereador acusa só os políticos, mais fracos nessa arena eleitoral que não se transforma nunca em governo.

O presidente não só não faz força para levar adiante a reforma, como, por meio de seus associados, ataca quem quer.

Os militares, o Judiciário, o Ministério Público, as corporações, as altas castas do funcionalismo público, não querem e nunca quiseram a reforma da Previdência. Bolsonaro está liderando esse pelotão, era seu lado até eleger-se.

Depois de eleito presidente, se sentiu obrigado a abraçar a tese apresentada como única salvação da pátria, inclusive para garantir as aposentadorias de todos os brasileiros no futuro, uma sobrevivência em risco. Mas não perde chance de provar que discurso é uma coisa, ação é outra.

A revelação de sua realidade fica com os filhos. O mesmo Carlos lembrou, no seu comunicado contra Rodrigo, que foi graças ao Twitter que Bolsonaro foi eleito, e permanecerá assim fiel ao instrumento que alcança seu eleitorado. Esse é o ponto.

São ingredientes que deixam a Presidência, o partido do presidente e seus comandantes, inclusive o quádruplo presidencial que nos comanda, cada vez mais parecidos com os governos do PT.

Bolsonaro, depois de alertado pelas pesquisas que apontaram queda de popularidade, trocou seu assessor oficial de comunicação, providência que não impediu o filho de dizer nas redes que a queda nas pesquisas não existe, foi registrada pelas mesmas pessoas que diziam, na campanha, haver Bolsonaro batido no teto.

É o inconformismo com a realidade, um discurso falso mas ao gosto dos fiéis da seita, método copiado do governo do PT. Bolsonaro fala para 30%, 40% de eleitores, fala para fora, um público bolsonarista, como os 30% a 40% que Lula sempre teve e o seguraram no cargo.

O presidente está bem acompanhado na sua resistência. Os militares não querem a reforma da Previdência, tanto que fizeram, com a maior candura, uma proposta inacreditável, que melhora o soldo da ativa e nada economiza.

Como está valendo tudo nas hostes de Bolsonaro, os seus contrários começam a atribuir a ele e aos seus tudo o que é ofensivo, agressivo e provocador nesta crise. A começar do esfacelamento do MDB. O ex-ministro Moreira Franco estava em Brasília, na reunião da Executiva, na quarta-feira, e foi dormir na casa de Rodrigo Maia, genro de sua mulher, de cujos filhos é avô. Moreira, por pouco, não foi preso na casa da Presidência da Câmara. Isso valeu da família Bolsonaro um comentário irônico e maldoso sobre as razões de Rodrigo estar tão nervoso com o governo.

Para o presidente da Câmara, foi um caso clássico de vendeta de Sergio Moro, com quem havia trocado farpas, porque o ministro queria fazer tramitar o pacote anticrime junto com a Previdência e Rodrigo preferiu separá-los para não prejudicar a Previdência. Estaria Moro representando outro grupo, do Ministério Público, que nunca quis e não quer a reforma da Previdência, já derrubada por eles no governo Temer, às vésperas de entrar em votação, com a desestabilização do governo provocada por denúncias de corrupção. A agenda de Moro é antirreforma, como é antirreforma o presidente largar o circo pegando fogo, ontem, e passar uma manhã no cinema, com a primeira dama.

Atribui-se ao governo também a tentativa de esfacelar o Centrão, desarticulado em parte e agora tentando se erguer já com uma proposta de mudança da reforma que reduz a economia pretendida. Rodrigo vinha reorganizando o Centrão, no qual incluiu o PSL, partido do presidente no momento já rachado e tão perdido na política quanto Bolsonaro no governo. Queria acelerar a possibilidade de votação. Claro que isso o fortaleceria, no confronto com Bolsonaro. Com os ataques, teve que desacelerar e abrir mão de ficar poderoso, mas não deixou de ser o político mais importante, mais bem situado e com mais responsabilidade e instrumentos à mão para enfrentá-las. Outro tiro, o do Centrão, que os experts deixaram sair pela culatra.

Se Bolsonaro estivesse governando, poderia ter a chance de ganhar pontos nessa disputa, mas não está e por isso não tem sido páreo para o Congresso. Bolsonaro não tem um modelo de comportamento ou de governo. Não sabe como enfrentar a necessidade de desenvolvimento. Sua agenda anticrime caminha sozinha, não precisa dele, só precisa dos políticos que ataca. Nenhuma de suas brigas foi armada em torno de ideias, projetos, fatos e atos. O presidente parece estar no meio de uma grande conversa de botequim. Na qual Rodrigo Maia desafina, por estar convicto de que só será um presidente da Câmara relevante se realizar o crescimento.

"Para que servem as universidades? - RODRIGO CONSTANTINO

GAZETA DO POVO - PR - 27/03


O que os filhos vão aprender sobre o caráter se os próprios pais estão dispostos a subornar as universidades para que seus filhos entrem sem o devido mérito?


O cineasta e comediante Woody Allen tem um conto divertidíssimo chamado A rejeição. É a história de um russo do mercado financeiro que vive em Manhattan e entra em desespero ao receber uma carta com o aviso da expulsão de seu filho de três anos da melhor creche da cidade.

Com um perfil obsessivo, como o do próprio Allen, o pai começa a ter calafrios ao imaginar o que essa notícia representa para o futuro de seu rebento: acabou tudo! Ele será um indigente, não será aceito em nenhuma das boas universidades, não vai conseguir um bom emprego.

O exagero é divertido justamente porque toca na realidade: em certos círculos elitistas, não conseguir acesso “àquela” escola ou mesmo creche já pode representar uma sensação de exclusão. O filhinho não montou direito os blocos de armar, foi vetado na creche? Então melhor esquecer Yale, Harvard ou alguma outra da “Ivy League”.

Lembrei-me desse conto ao acompanhar uma notícia que teve grande repercussão aqui nos Estados Unidos, mas que sequer foi mencionada no Brasil. Um grande esquema de corrupção envolvendo as melhores universidades foi exposto pela Justiça, resultando em prisões. Artistas e ricaços subornaram técnicos de esportes ou funcionários das universidades para facilitarem a entrada de seus filhos nelas. Em alguns casos, centenas de milhares de dólares foram gastos.


Se alguém estudou em Yale ou Harvard, presume-se que seja inteligente, dedicado e de boa formação


Quando pais milionários torram meio milhão para que seu filho possa frequentar Yale, cabe perguntar: qual o real benefício disso? Para que serve a universidade? E o vídeo de uma das beneficiadas pelo esquema talvez traga a melhor resposta: ela confessava que não iria estudar muito, pois é modelo e viaja bastante, mas que teria muita diversão por lá e conheceria muita gente legal. A sinceridade é tocante, mas ela não está errada.

A triste verdade é que muitas universidades, hoje, servem apenas para essas duas funções, basicamente: rede de contatos e credencial. É a opinião do conservador Ben Shapiro. Se alguém estudou em Yale ou Harvard, presume-se que seja inteligente, dedicado e de boa formação, com um network invejável. Na cultura do diploma, o que vale é o selo em si, além dos contatos feitos durante aqueles anos de “estudo”. A crème de la crème da sociedade frequentou o mesmo lugar, e dali vão sair os herdeiros de empresas, os CEOs, os senadores.

Claro que estou generalizando, mas o escândalo mostra bem como o principal fator é mesmo o “pertencimento” ao seleto grupo, não necessariamente o conteúdo ensinado ali. Até porque podemos assumir que quem não tem capacidade para entrar por mérito próprio não deveria sequer conseguir concluir o curso. Ainda existem cursos que efetivamente ensinam coisas úteis para o mercado de trabalho, sem dúvida. Mas estão concentrados nas áreas de exatas, enquanto as ciências humanas parecem dominadas por pautas políticas e ideológicas, que agregam pouco ou nenhum valor concreto.

É espantoso o grau de destruição da qualidade do ensino universitário, tanto no Brasil como aqui nos Estados Unidos. Os resultados estão aí para quem quiser ver: inúmeros militantes “progressistas” que, de forma arrogante, querem “salvar o planeta” ou “construir um novo mundo”, mas não sabem o básico de história, brigam com a matemática, flertam com o socialismo e defendem agendas radicais.

Vários autores já trataram do tema, como Roger Kimball em Radicais nas universidades, David Horowitz em The Professors, Bruce Bawer em The Victims’ Revolution, Greg Lukianoff em Unlearning Liberty, entre outros. No caso brasileiro temos o excelente livro de Flávio Gordon, A corrupção da inteligência, que já resenhei nesse espaço. O fato preocupante é que as universidades foram tomadas por revolucionários com uma agenda política e ideológica, e isso produziu um efeito devastador no ensino. Somado ao politicamente correto, que criou os “espaços seguros” contra as “microagressões”, isso gerou uma catástrofe de grandes proporções na qualidade das universidades.

Aquele que deveria ser um local para se absorver conhecimento, aprender a pensar por conta própria, trocar argumentos em debates calorosos, produzir uma elite intelectual preparada para o mundo real, acabou se transformando em máquina de produção de mimados arrogantes e ingratos, que repetem slogans vazios e votam em Bernie Sanders, o democrata simpático ao regime soviético. E os pais gastam fortunas para isso!

Não há uma explicação mercadológica para isso além dessa levantada por Ben Shapiro. Esses pais querem que seus filhos estejam no meio de outros igualmente ricos, usando a universidade como filtro elitista para montar uma boa rede de contatos e garantir uma credencial louvável na busca por emprego – não necessariamente trabalho. Não é preciso, em suma, ser eficiente de fato, focar no mérito pessoal, pois diploma e network vão compensar. A patota vai se afunilando em sua bolha, e olha para fora com desprezo, para todos aqueles “alienados” que não se graduaram ou não se formaram nas melhores universidades, ainda frequentam igrejas e, cruzes!, votam nos republicanos.

Dennis Prager escreveu sobre o assunto para o Townhall.com, questionando por que as pessoas fariam aquilo que sabem ser imoral e mesmo ilegal só para que seus filhos entrem em Yale, ou até na USC, e respondeu: “Estou certo de que o maior motivo é o direito de se gabar”. Eles definem seu valor como pais com base em qual universidade seus filhos frequentam. Mas Prager se mostra chocado com o nível de superficialidade disso. Afinal, seu filho ir para Yale nada diz sobre sua maturidade, bom senso, decência ou caráter. Ou seja, não diz nada sobre aquilo que é realmente importante para uma pessoa.

E se os próprios pais estão dispostos a subornar as universidades para que seus filhos entrem sem o devido mérito, o que isso lhes ensina sobre tais questões importantes, sobre o caráter? Se não aprendem isso em casa, não será em Yale ou Harvard que vão aprender. Ao contrário: lá, nos dias atuais, vão aprender a usar essas características imorais só para “se dar bem”. Os mais “capazes” poderão até se tornar um político democrata, para defender agendas radicais como o aborto tardio, a ideologia de gênero e o socialismo. Deus salve a América, porque, se depender de Harvard ou Yale, lascou...

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal."

Planalto piora as condições para aprovação de reformas - EDITORIAL VALOR ECONÔMICO

Valor Econômico - 27/03


O presidente Jair Bolsonaro está se colocando, por livre e espontânea vontade, em um beco sem saída. Com o projeto de reforma da Previdência à espera da indicação dos relatores em duas comissões da Câmara dos Deputados, Bolsonaro, com a ajuda de seus filhos, voltou suas baterias contra um importante aliado para a tarefa, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A PEC da reforma é dura e sua aprovação, muito difícil. Há inimigos do projeto por todos os lados e poucos apoiadores visíveis, como Maia. Pois o presidente resolveu atacar justamente quem defende o projeto de seu governo.

As críticas à falta de coordenação política do governo procedem e ela não pode prosperar quando a vontade do chefe do Executivo parece ser a de decretar que está fazendo "nova política", algo que ainda não se sabe o que é e que, do jeito que o presidente vem conduzindo suas relações com os partidos, pode até mesmo prescindir dos políticos. Não há linha estratégica, com começo, meio e fim, que facilite a transição para o novo nível em que Bolsonaro, em tese, pretende elevar a atividade política. Na verdade, não há nada, afora um clima de "briga de rua", como comparou o vice-presidente Hamilton Mourão.

Durante visita ao Chile e no fim de semana, o presidente rebateu as afirmações de Maia de que cabia ao presidente organizar o processo de busca de apoio a seu projeto no Congresso - um acacianismo. Bolsonaro disse que já havia "despachado" o processo ao Congresso e a este competiria o seu destino a partir de então, como se tivesse dado por encerrada sua participação no principal e primeiro projeto de reformas de sua administração. Diante de novas cobranças do presidente da Câmara, provocou-o ao dizer que "compreendia sua situação", em uma referência à prisão de Moreira Franco - Maia é casado com a enteada do ex-ministro de Michel Temer.

É uma longa cadeia de desentendimentos, que envolve os três Poderes, e compõe um preocupante preâmbulo para um governo com menos de três meses de existência. Sergio Moro, ministro da Justiça, havia cobrado Maia por adiar a tramitação de seu projeto e recebeu como resposta que não trataria da questão com um "funcionário" de Bolsonaro. O presidente da Câmara disse que a partir de agora terá um "papel institucional", o que significa que nada fará para ajudar o governo na Casa e que poderá dificultar sua vida.

Um dos motivos imediatos de estranhamento entre Bolsonaro e Maia - e de assombro para quem defende a reforma - foi o envio das mais que suaves mudanças na previdência para os militares, acompanhada de generosa recomposição salarial. O presidente da Câmara, em uma primeira avaliação, afirmou o óbvio: manter a paridade e integralidade das pensões dos militares estava fora de questão. Esse projeto ampliou a algazarra na Câmara, atingindo em especial, o partido de Bolsonaro, o PSL. Os líderes da legenda não entenderam os motivos para privilegiar militares e discordaram.

Depois que nas redes bolsonaristas, impulsionadas por Carlos Bolsonaro, corria a pergunta de por que Maia andava "tão nervoso", Bolsonaro chamou no domingo ao Planalto o líder do governo na Câmara, major Vitor Hugo (PSL-GO) para afinar o discurso. Hugo saiu postando que Bolsonaro estava convicto de suas posições e fez críticas à "velha política", referência que o presidente sempre usa, por coincidência, após reuniões com Maia. Na segunda, em reunião com ministros, o governo decidiu fazer as pazes com Maia - não se sabe até quando.

O uso compulsivo do confronto, além de afastar aliados e potenciais aliados, arranhou o prestígio de Bolsonaro. Ele perdeu 15 pontos na avaliação de seu governo, a mais rápida derrocada de popularidade de um chefe do Executivo em período tão curto. O entusiasmo do mercado financeiro está sofrendo abalos e os que contavam com a "curva de aprendizado" a ser percorrida por todo governo novo não estão vendo a linha ascender.

A missão de Bolsonaro se tornará cada vez mais difícil caso se aprofunde a piora de avaliação do governo e prossigam as hostilidades em relação aos políticos. Para quem acha que o presidente não quer de fato a reforma da previdência, o líder do PRB, Marcos Pestana, acrescenta - ele nunca quis. A ligação essencial entre essa reforma, a retomada da economia e a governabilidade parece escapar a Bolsonaro.

No fim desse caminho há uma crise. Mourão citou três condições para evitá-la: "Clareza de ideias, determinação na busca do objetivo e paciência no diálogo". Bolsonaro não exibiu até agora nenhum desses atributos.

Reforma no meio das trapalhadas - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 27/03


A confusão de ontem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) era esperada. Como o ministro da Economia, Paulo Guedes, comunicou algumas horas antes que não iria e mandaria representante, evidentemente haveria reação. Com isso, atrasou-se mais um pouco a tramitação do projeto da Previdência. Todo o episódio mostra o grau de descoordenação do governo. E como se não fosse confusão suficiente, um dia depois de desprestigiar a Câmara, Guedes confirmou a ida hoje ao Senado. No fim do dia, a Câmara manda um recado forte à equipe econômica ao aprovar a emenda do Orçamento impositivo, que é o oposto do que o Ministério da Economia quer fazer.

A tramitação começa na Câmara, então o lógico é que fosse lá o primeiro comparecimento do ministro. Mas ele vai é ao Senado. A CCJ era considerada a etapa mais fácil. A ser queimada rapidamente. A discussão é apenas para admissibilidade da proposta e exige cinco sessões em plenário. O projeto de Temer ficou uma semana na CCJ. Foi recebido no dia 7 de dezembro e aprovado na madrugada do dia 15. O atual chegou na CCJ no dia 22 de fevereiro, mas só no dia 13 de março foi instalada a Comissão e ainda nem teve seu relator indicado. Se não há relator, não há parecer e nada está valendo ainda, um mês e 5 dias depois. A reforma da Previdência de Bolsonaro está na verdade atolada na CCJ, comissão que ontem foi palco da briga que impediu o secretário Rogério Marinho de falar.

Depois de passar lá é que vem a etapa difícil, o debate do projeto em si na Comissão Especial. Na PEC 287, houve um período de três meses entre a instalação dessa Comissão, que aconteceu depois do recesso, até a aprovação do substitutivo do deputado Arthur Maia (DEM-BA), no dia 9 de maio de 2017. Poucos dias depois, no dia 17, a divulgação das gravações do empresário Joesley Batista com o então presidente fez aquele governo perder o rumo e o projeto.

Desta vez, o que se tem é uma administração no seu início, que tinha muito mais chances de andamento rápido do projeto. Mas o governo comete erros seguidos e se mostra incapaz de organizar as forças, mesmo dentro do seu próprio partido. O que houve ontem foi prova de “desarrumação e fragilidade” do governo, segundo o comentário de parlamentar que tende a votar a favor da reforma. O fato de não se conseguir um deputado que aceite relatar a admissibilidade da PEC é péssimo sinal.

A instalação da Comissão Especial é sempre difícil, os debates exigirão uma base coesa e congressistas dispostos a defender as propostas, além de maioria para aprovação. O problema é que o fogo amigo tem imperado até agora nesta massa disforme que pode vir a ser a base parlamentar.

Quanto tempo vai demorar a tramitação dessa proposta ninguém sabe, mas será preciso instalar a Comissão Especial e iniciar a discussão assim que passar na CCJ. A avaliação de especialistas é que pode demorar na Comissão Especial mais tempo do que a reforma do governo anterior porque é mais complexa. O que torna mais difícil aprovar neste semestre.

O manifesto dos 13 partidos que ontem apoiaram a reforma deixou claro os pontos dos quais discordam. Isso mostra no que o governo terá que ceder. Primeiro, a mudança no Benefício de Prestação Continuada (BPC). Esse ponto o governo já sabe que terá que entregar. A dúvida é porque incluiu um item que facilmente seria atacado por todos, enfraquecendo o apoio ao projeto. Afinal, para ter direito ao BPC hoje a pessoa precisa ter 65 anos e estar em condições de “miserabilidade”. O segundo ponto é o da aposentadoria rural. E o terceiro é mais complicado. É o da desconstitucionalização, que o governo acha importante e quer defender, mas que será muito difícil aprovar.

O recado ontem à noite pela Câmara, ao aprovar o Orçamento impositivo, já é um aviso contra a outra reforma pré-anunciada, da desvinculação. Além disso, um alerta de que sem se organizar a base, o governo será surpreendido o tempo todo.

Na verdade, o que o governo Bolsonaro deveria ter feito desde o começo, na avaliação de quem entende de tramitação e torce pela reforma, é aprovado o projeto que já tinha passado por todas estas etapas. Bastava uma emenda aglutinativa em plenário. Se isso estivesse aprovado, outras mudanças mais profundas poderiam ser apresentadas depois. O que fez o governo querer começar do zero foi só a vaidade de ter uma reforma para chamar de sua. Isso está levando o país a perder tempo. Muito tempo.

Forças ocultas? - CRISTIANO ROMERO

Valor Econômico - 27/03

Ninguém entendeu ainda o que pretende Jair Bolsonaro

A forma como o presidente Jair Bolsonaro está lidando com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEMRJ), deve ser parte de uma estratégia ainda não compreendida pelos melhores observadores da cena política em Brasília. Ou não, o que torna tudo ainda mais nebuloso e preocupante, uma vez que Maia não integra as fileiras da oposição ao governo, muito pelo contrário. Número 2 da República, o presidente da Câmara se comprometeu com a articulação para a aprovação das mudanças nas regras de aposentadoria - a reforma das reformas - e de projetos relevantes, como o que dá autonomia legal ao Banco Central.

Convidado para um encontro com Maia e Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro decidiu desmoralizar o anfitrião (o presidente da Câmara) ao levar 20 ministros, anulando assim o caráter "petit comité" da reunião. Nas redes sociais, Bolsonaro deu a ideia de que Maia o convidou para oferecer apoio em troca de cargos. Foi um golpe de marketing de resultado pífio e perigoso.

A carreira política de Maia tomou impulso quando ele se elegeu presidente da Câmara no período 2017-2018, um momento extremamente delicado da vida nacional. Dilma Rousseff foi afastada em maio de 2016 - e impedida, em caráter definitivo, de ficar no cargo em agosto daquele ano - em meio a uma das mais graves crises econômicas da história do país, ruína da qual a nação ainda não se recuperou. Impeachment de presidentes eleitos é sempre um processo traumático numa democracia.

Ninguém entendeu ainda o que pretende Jair Bolsonaro
No presidencialismo de coalizão, modelo político que grassa no Brasil na ausência de partidos fortes, presidentes da República dependem sobremaneira, para governar, dos presidentes da Câmara e do Senado Federal, especialmente do primeiro. A deposição de Dilma mostrou isso com clareza. A então presidente tentou, em vão, impedir a ascensão ao comando da Câmara do deputado Eduardo Cunha, e este lhe deu o troco - usou uma das prerrogativas do cargo, a decisão monocrática de tirar da gaveta e colocar em tramitação um dos pedidos de impeachment contra a então chefe do Poder Executivo, para derrubá-la.

É verdade que Cunha tentou negociar durante meses um armistício com Dilma, mas a ex-presidente julgava-se, como Bolsonaro, acima dos políticos que, inclusive, integravam sua base de apoio no Congresso e cujos apadrinhados ocupavam milhares de cargos, muitos sem nenhuma qualificação, no enorme aparato estatal nacional. Eleita, Dilma, passou a ter desprezo até pelo responsável por sua chegada triunfal ao poder - Luiz Inácio Lula da Silva -, sem nunca ter sido eleita antes para coisa alguma.

"House of Cards Brazil": quando se tornou público o escandaloso caso da compra superfaturada, pela Petrobras, da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, Lula teria mandado um emissário - o ex-ministro Antonio Palocci, coordenador da primeira campanha de Dilma, em 2010 - informar à presidente que Pasadena ajudou a elegê-la. A reação da mandatária teria sido um festival de palavrões dirigidos ao interlocutor e ao remetente do aviso. Lula decidiu mandar o recado depois de ver Dilma, como presidente do conselho de administração da Petrobras, confessar, em entrevista, que assinara um parecer tecnicamente "falho" em defesa da compra da refinaria em 2006, em pleno governo Lula. Amigos do ex-presidente têm convicção de que Dilma procurou jogar o caso no colo de Lula para conter seu assanhamento para ser o candidato do PT à Presidência em 2014.

Bolsonaro quis mostrar a seus milhões de seguidores nas redes sociais, e com os quais ele acha que governa este imenso país, que repele a "velha política" e que Maia é um exemplo acabado da velhacaria. Duas hipóteses derivam da ação de Bolsonaro:

1) Ao tentar desmoralizar publicamente o presidente da Câmara, ele tenta enfraquecê-lo porque sua desenvoltura em Brasília, segundo assessores, o incomoda desde sempre. Fraco, Maia perderia poder sobre seus pares e, assim, os governistas dominariam a Câmara com o "apoio" das redes sociais, o que facilitaria ao presidente e seus aliados impor sua principal agenda - mudar na marra, com a força das leis, os costumes de uma sociedade marcada pela diversidade e que, desde a redemocratização, vem avançando de forma significativa no quesito tolerância;

2) Qual Policarpo Quaresma, o anti-herói quixotesco de Lima Barreto, Bolsonaro estaria dizendo ao povo que em Brasília só há políticos corruptos que não o deixam governar com decência, idealismo e em favor dele, o povo. Seria, claro, um simulacro, uma vez que Bolsonaro, eleito presidente do Brasil quando ninguém esperava por isso, não compartilha a ingenuidade de Quaresma. A intenção, portanto, seria atirar em Rodrigo Maia para atingir toda a classe política e, desta forma e com o "incrível" apoio das massas, pedir licença para ter poderes excepcionais nesta quadra da vida nacional, momento que, dada a gravidade da crise econômica, demanda líderes fortes, destemidos, obstinados, denodados e, por que não, autoritários.

Ontem, dia em que as tensões na Praça dos Três Poderes se intensificaram, o presidente "matou a reforma e foi ao cinema". O chiste de mau gosto, que se disseminou nas redes qual epidemia, foi inevitável. No clássico "Matou a Família e Foi ao Cinema", de 1969, o cineasta Júlio Bressane mostra um rapaz que mata os pais com uma navalha e, impassível, vai ao cinema. Bolsonaro se mostra solene e imune a paixões em sua marcha contra Maia.

No retrovisor, vemos o seguinte: em 1961, Jânio Quadros comanda governo dividido por forças da esquerda e da direita e, sete meses depois da posse, renuncia, alegando "forças ocultas" e achando que o povo iria às ruas para lhe dar o poder supremo. Ninguém deu o ar da graça porque o presidente se esqueceu de combinar o ardil com os "russos". Collor assumiu em 1990 sem a companhia dos partidos tradicionais. Confiscou, no primeiro ato, o dinheiro dos viventes sem o apoio de PMDB, do PFL etc. Deu tudo errado e um ano depois caiu nos braços da tradição - o PSDB só não aderiu porque Mário Covas não deixou -, o que não o impediu de ser apeado do cargo em setembro de 1992.

O 'abacaxi' da Previdência - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADÃO - 27/03

Paulo Guedes foi designado por Jair Bolsonaro como articulador da reforma da Previdência no Congresso, como se isso bastasse para aplacar os ânimos hostis à proposta


O ministro da Economia, Paulo Guedes, desistiu de comparecer a uma audiência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara convocada para ouvi-lo sobre a proposta do governo de reforma da Previdência. Oficialmente, o ministro alegou que considerava “mais produtivo” esperar a escolha do relator do projeto. Na prática, o ministro declinou do convite porque a audiência certamente seria convertida num espetáculo dos adversários da reforma, estimulados pela franca desorganização da base governista – onde, aliás, se abrigam muitos dos que se opõem à proposta do governo.

A decisão de Paulo Guedes faz todo o sentido, especialmente quando se observa a qualidade da atual articulação política do governo no Congresso. Sem a certeza de contar com algum apoio no plenário da CCJ, o ministro provavelmente calculou que sua ida à comissão, além de ser inócua – porque nem relator a reforma tem ainda –, permitiria aos demagogos de sempre confrontá-lo com as costumeiras mistificações acerca do estado das contas da Previdência e sobre a cassação de “direitos”.

O ministro Paulo Guedes foi designado pelo presidente Jair Bolsonaro como articulador da reforma da Previdência no Congresso, como se isso bastasse para aplacar os ânimos hostis à proposta e fosse suficiente para conferir à base do governo um mínimo de coesão em favor das mudanças propostas. Paulo Guedes pode até ser competente ministro, o que ainda está por ser provado, mas definitivamente não é mágico.

A desarticulação da base governista é tão acentuada que torna praticamente impossível defender a proposta de reforma tal como foi desenhada pelo ministro – e pode-se dizer que essa bagunça política dificultará a aprovação mesmo de uma versão mais branda do projeto. Portanto, não havia nada que Paulo Guedes pudesse fazer na CCJ ontem – e não há perspectiva de que esse quadro se altere nos próximos tempos.

O problema de fundo é a qualidade das lideranças políticas destacadas pelo presidente Jair Bolsonaro para atuar em nome do governo. O caminho natural para uma discussão madura sobre a reforma da Previdência seria o engajamento dessas lideranças para isolar os sabotadores de sempre, mas o que se tem observado é que esses políticos têm sido incapazes de arregimentar apoio mesmo entre os correligionários do presidente da República.

O PSL, partido de Jair Bolsonaro, ainda não fechou questão em relação à reforma – isto é, não orientou a bancada a votar a favor da proposta do presidente. “Sobre o fechamento de questão, nem o PSL está convencido da reforma”, explicou, com clareza meridiana, o deputado Delegado Waldir (GO), líder do PSL na Câmara. “Quando chegou a reforma, fui o primeiro a questionar que veio um abacaxi aqui, e até agora a faca não chegou. Não vamos abrir esse abacaxi no dente”, disse o parlamentar, que cobrou do ministro Paulo Guedes um “facão” para cortar o “abacaxi” – em outras palavras, uma redução drástica na ambição da proposta do governo. Do contrário, disse o líder do PSL, “dificilmente” o presidente terá os votos dos deputados de seu próprio partido.

Não surpreende que assim seja. O líder do governo na Câmara é Major Vitor Hugo (PSL-GO) e a líder do governo no Congresso é Joice Hasselmann (PSL-SP), ambos parlamentares de primeira viagem. O primeiro não conquistou o respeito de seus pares e tem sido frequentemente boicotado em suas iniciativas; a segunda parece mais dedicada a bater boca publicamente com correligionários, nas redes sociais, em vez de trabalhar para arregimentar apoio à reforma.

Tudo isso é reflexo natural da notória incapacidade do governo, a começar pelo presidente Jair Bolsonaro, de definir suas prioridades e organizar-se para defendê-las no Congresso. Sem ter convicção sobre a reforma da Previdência, o presidente parece bem mais à vontade e seguro quando se dedica a ampliar os antagonismos que tantos votos lhe deram na eleição.

Nesse cenário, em que o presidente da República hostiliza até o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que apoia a reforma, parece perda de tempo falar em negociação política. Sem apoio real de Jair Bolsonaro, nem um “superministro” como Paulo Guedes terá poder para mudar essa realidade.

Não há governo - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 27/03

Rebelião na Câmara empareda governo, reformas naufragam, há anarquia em ministérios


O Congresso está à deriva, no que diz respeito aos interesses do governo. Alguns ministérios implodem em anarquia vexaminosa. A Câmara aprovou uma pauta-bomba nuclear, que na prática impede o governo de conter déficits —falta apenas a aprovação do Senado. Manter o teto de gastos talvez agora dependa da paralisação de parte da máquina pública.

Sem o serviço de bombeiro em tempo integral de Rodrigo Maia, foram detonadas várias bombas. Nada mais se pode dizer do que será feito da política e, pois, da economia, pois Jair Bolsonaro se omite, quando não agrava a crise.

No Congresso, havia ameaças de derrubar decretos do governo ou de chamar ministros às falas. Tudo isso, porém, virou picuinha, pois à noite a Câmara aprovou emenda constitucional que impede o Executivo de cortar certas despesas (como investimentos e emendas parlamentares).

Em menos de duas horas, maioria massacrante de deputados votou em dois turnos uma PEC que vai emparedar o governo, caso seja aprovada também no Senado.

De manhã, lideranças de partidos que juntam uns 300 dos 513 deputados até propuseram um novo pacto, mas com uma faca no pescoço do Planalto. Podaram da reforma previdenciária as mudanças nos benefícios para idosos muito pobres (BPC) e na aposentadoria rural. É um adeus para o trilhão de reais de economia em uma década, plano do ministro Paulo Guedes (Economia). Mas os deputados disseram ao menos que aceitam conversar, nessas novas bases.

O governo, porém, não tinha ordem ou capacidade nem de reagir a esse manifesto que na prática junta a Câmara inteira, afora oposição, o PSL e uns gatos pingados.

Os deputados não querem levar a fama de esfoladores de idosos, ainda mais porque os atingidos pela barragem da reforma da Previdência andam nas calçadas em que ficam os escritórios regionais dos parlamentares. Querem dividir a conta com o Planalto. O governo não está nem aí.

Ainda nesta terça-feira de naufrágio, Guedes ouviu dos governadoresque a reforma não anda sem que o governo crie um grupo de negociação, bancado por Bolsonaro. O ministro prometeu garantias para empréstimos estaduais, antecipação de receitas de privatizações e dinheiro do petróleo (royalties, participações e parte das concessões). Mas governador tem pouco voto no Congresso.

Vendo o tamanho do desarranjo, Guedes reuniu seu pessoal e o que resta de articuladores governistas a fim de nomear ao menos um relator para a reforma previdenciária. Não vai adiantar muito, pois a Comissão de Constituição e Justiça, onde a reforma tem de começar a tramitar, está em pé de guerra, interna e com o resto da liderança bolsonarista. O governo é omisso.

Deputados governistas faziam troça da desordem. "O cabaré pegou fogo e o Bolsonaro está lá resolvendo os problemas do Carluxo [Carlos, filho do presidente] na Secom [Secretaria de Comunicação] e recebendo o Flávio [o filho senador], que virou um zumbi", dizia um deles.

Um parlamentar próximo de Rodrigo Maia se dizia espantado com a ausência presidencial em assuntos críticos. Falava da anarquia no Ministério da Educação e o "risco" do Ministério do Turismo, "que está para explodir a qualquer momento". O ministro Marcelo Antônio é acusado de montar um esquema de candidatos-laranjas do PSL, na eleição de 2018.

Era difícil de entender se o governo espera um milagre, não entende a gravidade do vácuo ou quer um colapso, de propósito.

O pesadelo do sono de Bolsonaro - ELIO GASPARI

O GLOBO/FOLHA DE SP - 27/03

Bill Clinton tomou jeito, mas a soneca de Churchill era sagrada


Foi o presidente Jair Bolsonaro quem contou. Durante uma de suas internações os médicos conferiram a qualidade do seu sono e registraram 89 breves alterações por hora. Nas suas palavras: "Um recorde. Os médicos disseram: 'Como é que você consegue raciocinar?'".

Sono é assunto sério. Donald Trump diz que dorme de quatro a cinco horas por dia num quarto onde tem três televisões. Talvez isso explique muita coisa. Os primeiros meses da Presidência de Bill Clinton foram uma calamidade. Irritava-se, não conseguia prestar atenção nos outros. Era a noite maldormida. O primeiro-ministro britânico Winston Churchill regulava com o horário de Trump, mas sua soneca da tarde era sagrada.

Em dezembro do ano passado Bolsonaro sentiu-se mal porque se confundiu com os medicamentos e teve uma sonolência. Dormindo pouco, ou mal, ele compromete seu desempenho nas horas em que fica acordado, sobretudo se tiver um celular à mão. Nesse caso, o disparador de mensagens produz no meio político o efeito letal do revólver que mantém ao alcance mesmo quando está na cama.

Desde que entrou no Planalto, Bolsonaro descumpre uma das normas que regem o funcionamento do prédio. Ele se destina a diminuir o tamanho dos problemas. Alguns presidentes, como Fernando Henrique Cardoso e Lula, foram amortecedores de encrencas e crises. Nos seus 16 anos de poder a crise entrava no palácio e saía menor. Outros, como Dilma Rousseff e João Figueiredo, foram propagadores de dificuldades. Ambos perderam o controle de seus governos.

À primeira vista, Bolsonaro continua em campanha. Isso explica que vá a Washington condenar o "antigo comunismo" e que tenha obrigado o presidente chileno, Sebastián Piñera, a considerar "infelizes" algumas de suas opiniões. Campanha é assim mesmo, quanto mais tensão se puser na mesa, melhor, sobretudo numa disputa como a eleição brasileira do ano passado.

Governo é outra coisa e Bolsonaro sabe que a campanha terminou, mas procura afirmar-se produzindo tensões. À falta do "antigo comunismo", não tendo Lênin nem Fidel Castro para desafiar, encrencou com Rodrigo Maia. Ganha um fim de semana em Cuba quem souber por que ele se desentendeu com o presidente da Câmara.

Há duas semanas anunciou-se que o presidente da República teria um almoço com os presidentes dos dois outros poderes para um encontro harmonizador. Não era bem assim. O que poderia ter sido uma conversa de três pessoas virou um churrasco ao qual compareceram 15 ministros. Uma assembleia geral, enfim. Maia não reclamou, mas registrou.

Fabricar tensões é mau negócio para governante. Como ensinou Tancredo Neves, presidente tem que dar as cartas, não pode ficar o tempo todo embaralhando-as.

Nos últimos meses Jair Bolsonaro teve uma vida dura, com um atentado, três cirurgias e longas internações. Em poucos meses passou pela tensão da montagem do governo e, desde janeiro, chefia uma equipe que pretende mudar a estrutura e os métodos da administração. Em alguns setores, como nos ministérios da Agricultura e da Infraestrutura, a coisa está funcionando. Em outros, como na Educação, o clima é de gafieira.

Quando os médicos de Bolsonaro surpreenderam-se com a má qualidade do seu sono, eles sabiam do que estavam falando. Uma das consequências mais mencionadas desse distúrbio é a irritabilidade. Pode parecer bobagem, mas David Gergen, conselheiro de Bill Clinton, contou que as coisas melhoraram quando o presidente passou a dormir direito.

Quase confissão - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 27/03


Todo político quer ser acusado de caixa 2, e não de corrupção e lavagem de dinheiro, que valeram a Lula a condenação


O pedido da defesa para que o processo que resultou na condenação do ex-presidente Lula pelo tríplex do Guarujá vá para a Justiça Eleitoral, além de uma tentativa patética de chicana, é quase uma confissão de culpa.

Ele não foi condenado por caixa 2, mas sua defesa alega que o processo acusa Lula de ter liderado um esquema de arrecadação de dinheiro para custear campanhas eleitorais do PT e de partidos aliados.

Todo político quer ser acusado de caixa 2, e não de corrupção e lavagem de dinheiro, que valeram a Lula uma condenação de 12 anos e um mês. Querer se beneficiar da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que mandou para a Justiça Eleitoral os crimes conexos ao caixa 2 é também admitir, o que nega até hoje, a existência de um fundo formado pelo dinheiro de propina em obras públicas para financiar as campanhas eleitorais de seu partido.

Ganhar de empreiteiras um tríplex na praia ou melhorias no sítio em Atibaia que usava como se fosse seu, dificilmente, pode ser considerado um crime eleitoral. No limite, o ex-presidente terá desviado dinheiro da propina para a campanha eleitoral para uso próprio, o que descaracteriza a finalidade política. E, como os desvios foram de dinheiro público, através da Petrobras e de outras estatais, não existe caixa 2, mas sim peculato, como ficou decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do mensalão.

Lula volta, quase 14 anos depois, a utilizar-se de uma estratégia de defesa montada pelo então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos para amenizar as acusações contra o PT, pois naquela época o crime eleitoral quase nunca levava políticos para a cadeia. Ainda hoje pelo menos a percepção continua a mesma.

Em 2005, no auge das acusações sobre o mensalão, o então presidente em duas oportunidades jogou para o caixa 2 o esquema de corrupção que montou em seu governo. Em julho, em entrevista no “Fantástico”, da Rede Globo, gravada em Paris, Lula disse que “o que o PT fez, do ponto de vista eleitoral, é o que é feito no Brasil sistematicamente”.

Em novembro, em entrevista no “Roda Viva” da TV Cultura, Lula disse que a denúncia do deputado cassado Roberto Jefferson revelou o caixa 2 nas campanhas eleitorais do PT, o que o então presidente da República classificou como uma ação “contra a história do próprio partido”.

Agora, Lula, depois de tantos anos de revelações terríveis sobre a corrupção institucionalizada que patrocinou nos governos do PT, comprovadamente não contra a história do partido, quer através de sua defesa que essa corrupção, que de fato foi geradora das benesses de que ele e sua família usufruíram, seja transformada em ações de cunho político-eleitoral.

É como se o ex-governador Sérgio Cabral, que depois de anos preso confessou afinal seu esquema de corrupção, alegasse que tudo o que ganhou de propina — joias, helicópteros, roupas de grife, bebidas caras —tinha um objetivo político-eleitoral.

A única maneira de essa chicana dar certo seria os juízes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que vão julgar nos próximos dias os recursos a favor de Lula, aceitarem a tese de que o ex-presidente, por ser o chefe da organização criminosa que atuou durante os anos petistas, usou o caixa 2 do partido para obter o tríplex e, por extensão, também o sítio de Atibaia.

Mas o simples senso comum, além da delação premiada do ex-ministro da Fazenda Antonio Palloci e de outros, impede que essa tramoia dê certo.

Mais confissões
Outro que acabou confessando seus crimes foi o terrorista Cesare Battisti, que admitiu a participação direta e o envolvimento em quatro assassinatos durante interrogatório feito na prisão pelo procurador Alberto Nobili, responsável pelo grupo antiterrorista da cidade italiana de Milão.

Na confissão, Battisti disse que alegava inocência para obter apoio político da esquerda do México, da França e do Brasil, principalmente do ex-presidente Lula, que proibiu sua extradição, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O ex-ministro da Justiça Tarso Genro, que pediu a Lula que não extraditasse o terrorista agora confesso, e o ex-senador Eduardo Suplicy ainda alimentam dúvidas sobre sua culpabilidade. Querem saber por que Battisti confessou. Muito simples: perdeu a proteção dos governos de esquerda.