segunda-feira, novembro 27, 2017

Esquerda está engasgada com seu próprio veneno - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 27/11

A esquerda está engasgada com seu próprio veneno. Anda por aí posando de vestal virgem (a redundância é intencional) com a "perseguição" que começa a sofrer por parte da nova direita.

Coitadinha dela! Sempre tão a favor da liberdade de expressão. Tão sempre disposta ao diálogo e à abertura "para o Outro". Tão distante de práticas de reserva de mercado nas universidades, nas escolas, nas redações, ou entre os agentes culturais.

Até feiras literárias chiques a esquerda sempre quis compartilhar com os que têm o hábito de ler "outros livros".

Tenho mesmo perdido horas imaginando como esses "corações livres" sofrem com a injustiça do mundo. Como não reconhecer que a esquerda sempre foi a favor da liberdade de expressão e que nunca praticou o seu modo de censura, conhecido por "politicamente correto"? A boçalidade da esquerda na sua autopercepção como "pura" pode chocar os não iniciados na mentira moral e política que alimentou grande parte da história da esquerda desde suas origens entre os jacobinos no século 18.

Mas, antes, vamos esclarecer uma coisa: não simpatizo com essa guerrilha cultural. E não simpatizo, basicamente, por dois motivos.

O primeiro porque, quando começamos a pedir censura, o processo toma seu próprio curso e logo chegamos à caça às bruxas e à histeria.

O segundo motivo porque, apesar de a direita americana há anos ter optado por essa prática de embate cultural, não estou certo de que funcione no plano das eleições (não julgo a eleição de Trump um sucesso para os setores mais competentes em política da direita americana).

Enquanto esses setores da nova direita brasileira combatem feministas que se ocupam com temas periféricos no mundo (questão "queer"), o PT pode voltar ao poder em larga escala. A escala do retrocesso no país seria paleolítica.

O preço a pagar pelo retorno do PT custaria 50 anos ao país, no mínimo. O PT e seus associados continuam sendo maioria nas universidades, nas escolas, nas Redações, no Poder Judiciário, no STF e nos aparelhos culturais em geral.

A necessidade de alianças com níveis reacionários da sociedade pode se tornar uma triste realidade.

E aí chegamos ao que pensa, pelo menos em parte, essa nova direita que vai para o embate cultural nesse momento.

E é importante prestarmos atenção ao que está por trás da escolha dessa estratégia.

Voltemos ao meu próprio argumento acima (a um detalhe nele, pelo menos).

Eu disse que a questão "queer" era periférica no mundo.

Continuo a duvidar da importância da guerrilha cultural para evitar um retorno do PT e associados ao poder, mas alguém pode contra-argumentar dizendo que, pelo menos em parte, o combate cultural pode ser um elemento essencial na disputa política pelo poder (a tal da "hegemonia").

Não apenas no sentido de política como eleições, mas sim no de política cultural engajada nas instituições e aparelhos que produzem uma visão de mundo que, a médio prazo, poderá impactar todas as formas de política e de sociedade no país.

Alguém pode perguntar: por que o dinheiro dos impostos, pagos por todos (e que sustentam direta ou indiretamente universidades, escolas, museus, teatros e afins), deve ser utilizado em atividades que não estariam de acordo com grande parte da sociedade brasileira?

E mais: por que essa grande parte não poderia, ou não deveria, se manifestar no sentido de inviabilizar esses gastos?

Lembremos que a truculência praticada por esta nova direita já era praticada pela esquerda no país. O que esta esquerda não esperava era ter que provar do seu próprio veneno.

Quem vem a público atirar pedras nessa nova direita deveria lembrar tudo o que a esquerda faz contra quem não concorda com seus pressupostos acerca da "democracia".

Escolas devem sim ensinar que todos são iguais perante a lei. Mas, por que escolas devem se meter na formação sexual de crianças?

Não seria essa suposta "formação sexual" um modo de um número mínimo de pessoas impor suas teorias a um número enorme de crianças que não tem como reagir à "pregação" ideológico-sexual?

Onda retrógrada - DENIS LERRER ROSENFIELD

O Estado de S.Paulo -27/11


Os politicamente corretos são muito barulhentos. Representam uma minoria que se dá ares de maioria como se por mágica fosse a encarnação do “progresso”. Colocam-se numa posição absoluta, a partir da qual procuram desqualificar a todos os oponentes. Agora tentam caracterizar a reação majoritária dos brasileiros às suas imposições como se estivéssemos vivendo uma onda retrógrada.

Retrógrada segundo qual perspectiva?

Curiosa a posição desses que se apresentam como a representação do “progresso”. No mais das vezes estamos diante de gente que por décadas a fio defendeu os petistas, compactuando com toda a ruína produzida por eles e sempre omissa na condenação da corrupção que então já grassava. Como hoje o descalabro salta aos olhos, salvo para quem não quer ver, sobrou a luta pelos costumes, como se assim pudessem ancorar em porto seguro, capaz de lhes angariar um pouco de reconhecimento. Reconhecimento almejado, pois estão ansiosos por uma bússola qualquer. Mas guardam a soberba dos supostamente justos.

Aliás, seus porta-vozes são alguns intelectuais e artistas esquerdizantes. Intelectuais que vivem num mundo à parte, o de universidades que se fecham dentro de si mesmas, resistentes a qualquer confronto com a realidade, e artistas muito bem pagos que procuram aumentar seus rendimentos com verbas públicas.

Exemplo dessa miopia reside no modo de tratar o crime e a insegurança, que se expandem no País. Aqui vivemos uma inversão completa de valores. O cidadão encontra-se desarmado, não tem direito a legítima defesa, enquanto os bandidos ostentam armas militares, exibindo todo o seu poder de fogo. Policiais são assassinados, mas basta a morte de um criminoso para se iniciarem investigações patrocinadas por ditas comissões de direitos humanos.

O direito do cidadão, do homem de bem, é usurpado, enquanto os criminosos encontram defensores. Note-se que quando um bandido é morto em confronto, é frequentemente noticiado que um “morador da favela” teria tido esse destino, como se dessa maneira houvesse a descaracterização do que está em questão. Quem defende o cidadão, que não tem o direito de se defender?

A situação chega às raias do absurdo. No Centro-Oeste do País um casal foi vítima de invasão de seu domicílio por bandidos armados. A mulher deu o alarme e o marido, tendo seu quarto invadido, reagiu, matando um dos assaltantes. Ele tinha registro da arma.

Depois, na delegacia, ele teria sido indiciado por “homicídio”! Não me surpreenderia se, amanhã, a família do criminoso reivindicasse uma reparação qualquer, apoiada por conselhos de direitos humanos, contra o cidadão de bem que defendeu a própria vida e a de sua mulher.

Se o Exército, em sua missão constitucional de defesa da lei e da ordem, mata um marginal em confronto nos morros do Rio, é imediatamente noticiado que ele teria matado um “civil”. Não um marginal armado, pesadamente armado, mas simplesmente um civil, como se fosse um acidente com um cidadão qualquer. A reação do politicamente correto à proteção legal de militares que exerçam funções de polícia bem mostra a deturpação que estamos vivendo. Parece que os politicamente corretos, sim, preferem bandidos que ostentam fuzis. Ficam bem na foto? Aliás, os “defensores” vivem em condomínios de luxo, usufruindo toda a segurança. Isolam-se na vida cotidiana e se dão o reconforto “moral” da verborragia.

Mulheres e crianças são estupradas cotidianamente. A leitura de jornais e sites torna-se um horror, o leitor entrando em contato com as maiores barbaridades. Aí o politicamente correto toma posição contra os estupradores, para logo defender a tese de que na prisão devem ser ressocializados. Como assim? Devem ser punidos e obrigados a viver à margem da sociedade, pois se mostraram inaptos para a vida familiar e social.

O politicamente correto defende uma posição romântica segundo a qual o ser humano seria bom em sua essência, tendo, conforme Rousseau, sido pervertido pela sociedade, pelo capitalismo, pela miséria, e assim por diante. Ora, há pessoas que não têm nenhuma propensão para o bem e, enquanto tal, deveriam passar a vida no sistema carcerário. Saindo, voltam a cometer os mesmos crimes. E permanecem pouco tempo na prisão, beneficiadas por várias medidas de redução de penas.

Uma filósofa americana de gênero, em recente visita pelo Brasil, deu outro claro exemplo do que significa ser “progressista”. Segundo ela, o Hamas e o Hezbollah, por serem de esquerda, seriam progressistas e assim deveriam ser considerados. Traduzindo: os terroristas seriam “progressistas” por serem de esquerda. Aliás, sob sua dominação as mulheres não têm nenhum direito. Homossexuais tampouco. É melhor deixar para lá tantas contradições que são uma afronta ao pensamento.

Quando a sociedade reage à insegurança, à afronta a seus valores, é como se estivesse tomando posição contra o “progresso”. Começam, então, a vociferar contra a “direita”, os “conservadores”, contra os que se insurgem contra essa nova forma de dominação minoritária, particularmente presente nos meios de comunicação e no posicionamento de alguns juízes e promotores.

Procuram impor-se calando seus adversários por “direitistas” e tentando conseguir supostas “interpretações” da lei que lhes dariam ganho de causa contra a imensa maioria da população. E recusam-se a consultas populares por medo de perderem. Poderíamos, por exemplo, ter consultas desse tipo sobre o desarmamento e o aborto. Deveriam submeter-se ao processo democrático.

O politicamente correto vive de sua vociferação na mídia e na atuação de seus grupos minoritários, muito bem organizados. Quando são contrariados, gritam histericamente contra a onda retrógrada!

O show de Dilma - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 27/11

Ao trocar o termo workaholic, que significa obsessão pelo trabalho, por uma expressão que poderia ser traduzida como 'trabalho alcoolizado', Dilma, talvez involuntariamente, fez o melhor resumo de sua passagem pela Presidência da República



Por quase seis anos – penosos anos –, Dilma Rousseff respondeu pelo governo brasileiro. A rigor, deve-se classificar aquela terrível experiência lulopetista como “desgoverno”, já que resultou em mais de dois anos de recessão, na pior crise econômica da história nacional, criada quase exclusivamente por sua incompetência. Muitos se perguntam até hoje, com razão, como foi possível eleger – e reeleger – tão despreparada figura para o mais alto posto da administração do País. Desde o impeachment, sempre que a presidente cassada se pronuncia sobre qualquer tema, em seu linguajar característico, produto de seu ababelado raciocínio, sobrevém irresistível sensação de alívio pelo fato de a petista já não estar mais com a poderosa caneta presidencial na mão e, portanto, não poder continuar a fazer tanto mal ao País.

Nem seria mais o caso de continuar a fazer reparos à glossolalia de Dilma, posto que se tornou comum e, a rigor, deveria causar embaraços apenas a ela mesma. Mas há momentos em que esse constrangimento merece ser notado, pois extrapola o nível pessoal e se torna vergonha nacional. Afinal, Dilma presidiu o Brasil e, por isso, funciona como um símbolo do País no exterior. Além disso, periodicamente sai em vilegiatura, a pretexto de espalhar pelo mundo seu inconformismo com a cassação.

Um desses momentos vexaminosos se deu no mais recente giro da petista pela Europa, bancado com dinheiro público, ocasião em que, mais uma vez, ela se dedicou a enxovalhar a imagem do Brasil, tratando-o como um lugar tomado por golpistas, em que não há leis nem instituições. A um jornalista de Portugal, Dilma achou por bem “explicar”, a seu modo, como os tais golpistas a trataram durante o processo de impeachment. O resultado, registrado em vídeo, é um show de invencionices e de confusão mental.

“Teve um momento, que eu fiquei… no… no, eu, eu, eu… Eu fui suspensa de ser presidente, mas continuava sendo presidente”, disse Dilma ao atônito repórter, que claramente se esforçava para compreender aquele idioma vagamente aparentado com o português. “É uma… uma coisa, é que é uma lei muito antiga, é uma lei de 1950, então ela não dá conta da necessidade que você tem de resolver logo se uma pessoa é presidente ou não é presidente”, continuou Dilma, que imaginava estar sendo didática a respeito da legislação que rege o impeachment.

Mas o melhor estava por vir. “Então eu, eu era, eu era obrigada a ficar no Palácio do Planalto, do, do, do Alvorada, é um outro palácio, é o palácio de residência, e é típico dos palácios terem flores”, sapecou, dando início a uma assombrosa mistura de alhos com bugalhos: “Eu nunca tinha visto se tinha flor ou não tinha flor, porque você não tem tempo de ficar olhando se tem flor, mas, quando eu estava nessa situação, os golpistas são muito mesquinhos, foram lá e tiraram todas as flores e isso foi noticiado pela imprensa”.

E ela continuou, usando o tema botânico: “Para mim, um dos grandes momentos foi as mulheres, encheram a praça em frente ao palácio e me levaram flores. A partir daí, elas durante… Outro dia eu recebi uma flor lá em Berlim, porque elas me mandavam sempre flor, era, vamos dizer assim, era manifestação delas, mas tem uma outra muito bonita: foram as mulheres as primeiras a se rebelarem e a ir pras ruas, então os movimentos de mulheres, de mulheres jovens, foram para a rua as mulheres e os jovens, primeiro, o que pra mim foi muito importante”.

Depois de inventar a rebelião florida, Dilma comentou ao repórter, àquela altura já grogue, qual era seu estilo de trabalho: “Eu era dita como sendo uma mulher que tinha uma mania, era obsessiva compulsiva por trabalho, tinha, era work alcoolic (sic!) e tinha uma mania de fazer todo mundo trabalhar, o homem seria grande empreendedor”. Ao trocar o termo workaholic, que significa obsessão pelo trabalho, por uma expressão que poderia ser traduzida como “trabalho alcoolizado”, Dilma, talvez involuntariamente, fez o melhor resumo de sua passagem pela Presidência da República.

domingo, novembro 26, 2017

O tempo perdido - GUSTAVO FRANCO

ESTADÃO/O GLOBO - 26/11

O papel-moeda está em vias de extinção e o Rio se dedica a criar empregos de cobrador


Há algo de podre no modo como o Brasil trata o desperdício de tempo.

Pouca gente se dá conta que, quando se mede a prosperidade nacional através do PIB, estamos falando de um fluxo de valor adicionado durante determinado período de tempo, geralmente um ano.

Sabemos que a renda per capita do brasileiro foi de R$ 30,4 mil no ano de 2016, o que equivale a cerca de 25% da renda per capita americana. Isso é o mesmo que dizer que, em média, um americano produz quatro vezes mais que um brasileiro durante um ano. O Brasil parece não se preocupar muito com o tempo perdido ou com a produtividade, a julgar pelo noticiário recente.

No município do Rio de Janeiro, por exemplo, a Assembleia aprovou o fim da dupla função do motorista de ônibus, com isso revivendo a figura do cobrador (isso foi aprovado com 40 votos a favor e um solitário voto contrário do vereador Leandro Lyra, do Partido Novo). Os autores do projeto estimam que 5 mil empregos serão criados pela medida.

O papel-moeda está em vias de extinção e o Rio de Janeiro se dedica a criar empregos de cobrador, o que é mais ou menos como proibir o Uber para atender aos taxistas, ou proteger indústrias que eram “nascentes” cinquenta anos atrás.

A lógica torta dessas medidas é semelhante à de uma ideia antiga e errada, pela qual a redução da jornada de trabalho faz aumentar o emprego (ou elevar o salário, via remuneração de horas extras). Na verdade, a redução na jornada funciona exatamente como uma redução de produtividade (um ano passa a ter menos horas trabalhadas, portanto, menos produção, como se tivéssemos mais feriados). E, se as horas são mantidas e apenas se tornam mais caras, é como se o governo criasse um imposto sobre o emprego, o que obviamente diminui a produção.

Nossa legislação trabalhista não tem como foco a produtividade, e por isso cria muitas distorções, que é preciso urgentemente rever. O tempo está passando, a China e a Coreia estão crescendo, e o Brasil está ficando para trás.

O tempo perdido também tomou conta da legislação tributária de forma devastadora. No ranking de ambiente de negócios feito pelo Banco Mundial, o Brasil ocupa a posição 125 em 190 países, um vexame. Pior ainda: em um dos quesitos dessa avaliação, o dos impostos, o Brasil está na posição 184 em 190 países e não é por que a carga tributária seja tão alta, mas por que uma empresa de 60 empregados gasta em média 1.958 horas (81,5 dias) anuais para pagar os tributos e cumprir as obrigações acessórias.

Não há nada parecido com isso em nenhuma parte do planeta. É a Copa do Mundo em matéria de tempo desperdiçado.

Para completar o quadro, o Banco Mundial publicou dias atrás um relatório histórico sobre um assunto que interessa a todos: o gasto público.

O relatório identifica inúmeras “ineficiências”, que alguns descreveriam como “absurdos”, a soma das quais ultrapassando 7% do PIB, podendo chegar a 8,5%. Em dinheiro de hoje estamos falando de R$ 400 bilhões de potenciais economias decorrentes de cortes e reformas associadas a essas ineficiências.

A cifra é assustadora, mas não surpreendente, pois é da mesma ordem de grandeza da deterioração no superávit primário ocorrida na vigência da “Nova Matriz”. O que me preocupa é o conselho do Banco Mundial, cauteloso como sói acontecer com organizações multilaterais, pelo qual essas economias devam ser buscadas gradualmente até 2026.

Da parte deles, esta exasperante falta de pressa, na verdade, é pura delicadeza. Nós é que devemos nos perguntar por que, afinal, devemos tomar 10 anos para acabar com R$ 400 bilhões mal gastos?

Os sentimentos nacionais com relação aos taxistas e cobradores, bem como para os detentores de privilégios e sinecuras identificados pelo Banco Mundial são muito confusos, incluindo o medo e a compaixão. Mas a principal razão de nossa apatia diante das dores do progresso parece mesmo ter a ver com um traço do caráter nacional que Machado de Assis atribuiu ao Conselheiro Aires: “Tinha o coração disposto a aceitar tudo, não por inclinação à harmonia, senão por tédio à controvérsia”.

EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS. 

O que é o ‘novo' - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 26/10

Sociedade clama, na verdade, por lideranças públicas capazes de guiar a Nação tendo como Norte tão somente os já conhecidos – e muitas vezes maltratados – valores da República, da Liberdade, da Democracia


As pesquisas de opinião têm captado um forte anseio dos brasileiros por algo “novo” na política. Dois dos mais agudos sintomas deste desconforto da sociedade em relação ao modo de fazer política, tal como ela vem sendo feita, são correlatos: a descrença com que a maioria da população enxerga os políticos em geral – ora entremeada por indignação, ora por apatia – e a chamada crise de representatividade, um muro invisível, praticamente inexpugnável, que separaria eleitores e eleitos.

Esta desconexão entre uns e outros não é de agora. Entre os vários clamores que insuflaram a heterogênea, e por vezes contraditória, agenda das manifestações populares de junho de 2013, a expressão “não me representa”, no que concerne à ação dos mandatários políticos, foi uma das poucas insatisfações bradadas em uníssono por avenidas e praças País afora. Começava então o chamamento ao “novo”, ainda que indistinto e mal definido, por vozes que expressavam sentimentos como traição, raiva e desalento.

O tempo transcorrido desde junho de 2013 serviu apenas para aprofundar uma divisão que já era preocupante àquela época, vale dizer, a havida entre representantes e representados, e para afoguear os ânimos de gente disposta a explorar, nem sempre movida por boa-fé, as lacunas ainda abertas nos corações e mentes da sociedade, que continua sem saber precisamente o que – e quem – quer, canalizando todas as suas esperanças por um País melhor, mais decente e justo, na direção desse “novo” impreciso, um conceito tão vago que pode caber em qualquer um, do mais impoluto cidadão imbuído de espírito público ao mais irresponsável populista.

Na verdade, o que se convencionou chamar de “novo” na política brasileira nada mais é do que a mais estrita observância aos velhos valores republicanos que deveriam inspirar a ação de todos os detentores de mandatos políticos no País desde o final do século 19.

Mas a separação entre o público e o privado tem sido tão criminosamente negligenciada pelos maus políticos, e com tal frequência, que a desonestidade e a manipulação nociva da res publica parecem, à luz do imaginário coletivo, ser da própria natureza do fazer político no Brasil. Tanto é assim que, ao examinar mais detidamente o que se espera de “novo” na atividade política, se tem tão somente a ideia de um Estado moderno, eficiente e isonômico.

Ao clamar por “novidade” na política, a sociedade não está, necessariamente, pedindo socorro a uma figura inesperada e heroica, messiânica mesmo, que haveria de surgir como uma lufada de ar fresco para conduzir o País de volta à da qual jamais deveria ter sido desviado pelas práticas espúrias dos maus políticos.

O que se busca, na verdade, são lideranças públicas capazes de guiar a Nação tendo como Norte tão somente os já conhecidos – e muitas vezes maltratados – valores da República, da Liberdade, da Democracia.

O País precisa de líderes genuinamente imbuídos de espírito público e rigorosamente comprometidos com os valores liberais e democráticos, não necessariamente neófitos na atividade política, ainda que sejam absolutamente salutares – e necessários – a renovação do quadro de lideranças políticas e o arejamento de ideias e projetos.

Os candidatos a cargos eletivos em 2018 – sejam os majoritários ou os proporcionais – que conseguirem personificar esses valores republicanos e apresentar à Nação um projeto de desenvolvimento para o País que seja claro, responsável e exequível serão capazes de recuperar a confiança da sociedade não apenas em relação aos políticos, mas à própria política como o meio inescapável para a mediação dos múltiplos interesses públicos e a garantia da paz social.

Não é um desafio pequeno, assim como não devem ser os homens e as mulheres dispostos a enfrentá-lo, sejam ou não nomes conhecidos.

As eleições do ano que vem representarão uma encruzilhada para a Nação. A depender dos resultados advindos das urnas, problemas hoje muito graves poderão levar o País ao desastre. Ou prevalecerão a temperança e a racionalidade e, assim, a tranquilidade de um futuro melhor para esta e para as futuras gerações

Lewandowski tem razão - CARLOS ANDREAZZA

O Globo - 21/11

Ricardo Lewandowski acertou. Refirome à decisão de devolver à Procuradoria-Geral da República a delação premiada de Renato Pereira, o marqueteiro que esteve a serviço do PMDB do Rio de Janeiro. O movimento consiste na primeira freada de arrumação do pós- Janot e reage ao estado de frouxidão, chancelado por Edson Fachin, que permitiu que algo como o acordo da JBS fosse firmado, vergonhosa passagem em que o Supremo Tribunal Federal se comportou como despachante do Ministério Público.

Era tranco necessário, o de Lewandowski. Mas que não representa o mais mínimo desrespeito ao que fora definido, em junho, pelo plenário do STF. Naquela ocasião, o tribunal foi claro em estabelecer que os termos de um acordo decorrente de colaboração premiada poderiam ser revistos caso constatada alguma ilegalidade. E não é disso que se trata a demanda do ministro, de um juiz identificando irregularidades e pedindo que o contrato seja reformado para coincidir com a lei brasileira? Note o leitor que Lewandowski não descartou o acordo, que logo será homologado; mas tão somente exigiu reparos que o colocassem em linha com o disposto nos códigos.
Por que, então, toda essa histeria? Por que essa deturpação de leitura tal e qual tivesse o ministro jogado a delação de Pereira no lixo, em vez de simplesmente cobrar seu aprimoramento? Por que, se o que foi determinado pelo juiz outra coisa não faz que proteger o instrumento da delação premiada do achincalhe ao qual justiceiros o submetem? Por quê?
Respondo: porque o influente setor janotista do MP tem um projeto de poder e grita sempre que o vê contrariado. Essa turma conseguiu operar um transtorno de percepção na parte da sociedade que pauta opinião, de modo que de repente se tornou ataque à Lava- Jato — tudo é ataque à Lava Jato — o que não passa de defesa do estado de direito contra a sanha expansionista da facção jacobina dos procuradores.
Mas, afinal, em que consiste esse plano de autonomia do MP?
Numa frente, duela com a Polícia Federal pelo direito de investigar. Um perigo sob qualquer ângulo de análise, tanto porque significaria ainda mais poder a uma instituição que detém o monopólio da denúncia ( e, parece, também do vazamento de conteúdos sigilosos), e sobre a qual são vagos os mecanismos de controle ( como se viu no caso de Marcelo Miller, o braço- direito de Janot que atuou como dublê de procurador e advogado, e que não está preso), quanto porque tecnicamente incapaz de proceder a uma investigação sem deixar furos processuais ( como se observou na anarquia em que a pretensa capacidade investigativa do MP jogou a delação dos Batista, lá onde se fez avançar como base probatória uma gravação não periciada).
Em outra frente, testa os limites da República para se inscrever como um remake de poder moderador. Ou não terá Lewandowski se manifestado contra os pilares de um acordo em que a PGR não só tentou invadir atribuições do Judiciário, a quem exclusivamente cabe a definição de penas e o perdão judicial, como as do Legislativo, ao propor cláusulas não previstas nos códigos legais do Brasil.
Dúvida não há, portanto, de que o Supremo terá de retomar o debate sobre as regras para o estabelecimento de acordo de delação premiada no Brasil — e sobre o alcance da atividade do MP a respeito. Em junho, quando a questão foi apreciada pela corte, a profundidade da barbárie em que consistiu o pacto contratado com os donos da JBS ainda não era senão especulada, de forma que o colegiado, em nome da honestidade intelectual, precisará se lançar à autocrítica desdobrada do fato incontornável de que a posição passiva — equivalente à omissão, se adotada por um Poder — que escolheu para si é a mesma sob a qual a ferramenta da delação premiada chegou à beira do precipício do descrédito.
Fala- se que, nessa matéria, o Ministério Público não pode ser surpreendido por “ato desleal” do Judiciário; mas é precisamente o inverso o que ocorre, sendo, na prática, o MP o agente imprevisível a plantar minas contra o texto legal. A insegurança jurídica não deriva de que um magistrado reveja os fundamentos de um acordo à luz do que versa a lei, mas que não o faça e que deixe a coisa correr no ritmo do direito criativo.
Ao devolver à PGR — para ajustes — o acordo de delação proposto pelo MP, Lewandowski não atacou o mister do procurador relativo a esse tema, o de negociador; mas o destacou: a ele cabe exclusivamente negociar as linhas do contrato, a serem, no entanto, aprovadas ou não pelo Judiciário. E assim se educa um candidato a delator. Se tivermos esclarecidas as propriedades institucionais — cada um no seu quadrado — sobre as quais um cidadão pode colaborar com o Estado, teremos defendidas, em particular, a concessão de benefícios realistas ao delator, em consonância com o ordenamento jurídico brasileiro, e, no geral, a própria segurança jurídica.
Insisto, contra a mistificação: delator premiado é alguém que delinquiu e que acusa terceiros em troca de vantagens que diminuam sua pena, condição que prevê — obrigatoriamente — algum benefício. Podem ser todos aqueles negociados com o MP — ou menos, a depender do juiz. A alternativa é o nada — a integralidade da pena. Isso precisa ficar claro. A melhor garantia ao delator, pois, é a de que as vantagens — maiores ou menores — contratadas no acordo tenham lastro na lei. E quem duvidar que pergunte a Joesley Batista, que levou o tudo à margem da legalidade — e que, por isso, agora está na cadeia.

A Liga da Justiça a Jato - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA
O novo despertar ético está operando o milagre de reabilitar eleitoralmente o PT

O novo despertar da ética no Brasil virou festa com a Operação Cadeia Velha, que prendeu o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A captura de Jorge Picciani e mais uma penca de aliados pela Polícia Federal espalhou o grito de Carnaval: estão atacando a corrupção do PMDB, esse antro de raposas velhas! Mas os éticos deram uma moderada no grito – para não acordar José Dirceu, que tinha sambado até de madrugada.

O Brasil é uma novela. Ou melhor: nem uma novela o Brasil é. Novelas têm complexidade, por mais novelesca que seja ela. O Brasil é um borrão unidimensional, cabe numa marchinha de Carnaval. Foi assim que os abutres de ontem – aqueles fantasiados com adereços politicamente corretos e purpurina roubada – simplesmente sumiram da cena. Quem foi Palocci mesmo? Ué, não era esse que outro dia estava contando tudo a Sergio Moro? Ou esse foi o Santana? Espera aí: que Santana? Não era Mantega?

Do Dirceu parece que todo mundo lembra. Não por ter montado o maior assalto governamental da história, mas porque apareceu outro dia sambando no pé. Uma graça.

O novo despertar ético está operando o milagre de reabilitar eleitoralmente o PT. Do PT você lembra? Isso, esse mesmo – o da senhora Rousseff, a regente do petrolão que hoje viaja o mundo contando história triste à custa do contribuinte. E que lidera pesquisas de intenção de voto para o Senado! O Brasil é uma mãe – e não é a mãe do PAC. Dessa você lembra? A que operou a negociata de Pasadena, isso. Que Pasadena? Ah, deixa para lá. Vamos falar do Picciani. Morte ao PMDB!

O governo Itamar Franco era do PMDB, mas não era. Foi sob um presidente fraco e cheio de compromissos fisiológicos que o Plano Real foi implantado. O governo Temer é do PMDB, mas não é. Assim como na era Itamar, foi nessa gestão pós-impeachmentque se abriu o espaço para a entrada de gente séria, técnica e não partidária disposta a retomar o Estado das mãos dos parasitas da política. É isso o que está acontecendo no Brasil após quase década e meia de pilhagem – e todos os indicadores confirmam o fato. Mas o brasileiro prefere a lenda.

A lenda quer dizer que todos os políticos são igualmente corruptos e agora você vai jogar tudo isso fora para votar numa Liga da Justiça Lava Jato. Se fosse a Lava Jato do Moro até poderia ser uma utopia interessante – mas o Moro já renunciou à candidatura a super-herói de gibi e declarou que pretende ficar onde está, isto é, apenas fazendo seu trabalho direito. Ou seja: é um exemplar de uma espécie em extinção no Brasil – essa dos que acham que o mais nobre objetivo pessoal é cumprir seu papel com integridade até o fim. As espécies que se multiplicam em abundância e sem risco são as dos que põem a cabeça de fora do anonimato e já querem cobri-la com um chapéu de Napoleão carnavalesco. Essa é a Liga da Justiça 2018 – a Lava Jato fake de Rodrigo Janot e seus conspiradores de botequim.

Personagens como o mosqueteiro Dartagnol Foratemer – um desses que após o cumprimento do dever foi à luta do seu chapéu de Napoleão – saíram por aí detonando os políticos para virar políticos. Dartagnol hoje é visto puxando o saco de celebridade petista e fazendo panfletagem digital desonesta – tipo “alertar” que o bando do PMDB capturado no Rio revela o modus operandi que domina Brasília, isto é, o governo federal. Mentira. Os técnicos de alto gabarito que estão trabalhando duro no Banco Central, no Tesouro, na Fazenda, na Petrobras e em outros postos-chaves do Estado nacional deveriam processar esse oportunista, mas estão ocupados demais consertando o desastre do PT – isto é, dos novos camaradas de Dartagnol.

A grita contra a Assembleia Legislativa do Rio quando ela chegou a revogar a prisão de Picciani e sua turma jamais foi ouvida, desta forma retumbante e justiceira, contra a Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Esta protege da prisão, há mais de ano, ninguém menos que o governador do estado, Fernando Pimentel, um dos principais investigados da Operação Lava Jato (a verdadeira).

Olhe para os últimos 15 anos, prezado leitor, e identifique quais foram os grandes protagonistas da vilania que empobreceu a todos nós. Pense bem, porque o Super-Homem é um fracasso de bilheteria e não vai te socorrer.

segunda-feira, novembro 13, 2017

Inimigo do povo - J.R. GUZZO

REVISTA VEJA

O afastamento do jornalista William Waack, acusado de 'racismo' pela Rede Globo, é um clássico em matéria de hipocrisia e oportunismo


A maior parte dos meios de comunicação do Brasil, com a Rede Globo disparada na frente, está se transformando num serviço de polícia do pensamento livre. É repressão pura e simples. Ou você pensa, fala e age de acordo com a atual planilha de ideias em vigor na mídia ou, se não for assim, você está fora. Os chefes da repressão não podem mandar as pessoas para a cadeia, como o DOPS fazia antigamente com os subversivos, mas podem lhes tirar o emprego. É isso, precisamente, que o comando da Globo acaba de fazer com o jornalista William Waack, estrela dos noticiários da noite, afastado das suas funções por suspeita de racismo. Por suspeita , apenas – já que a própria emissora não garante que ele tenha mesmo feito as ofensas racistas de que é acusado, numa conversa particular ocorrida um ano atrás nos Estados Unidos. Mas, da mesma forma como se agia no Comitê de Salvação Pública da velha França, que mandava o sujeito para a guilhotina quando achava que ele era um inimigo do povo, uma acusação anônima vale tanto quanto a melhor das provas.

William não foi demitido do seu cargo por ser racista, pois ele não é racista. Em seus 21 anos de trabalho na Globo nunca disse uma palavra que pudesse ser ofensiva a qualquer raça. Também nunca escreveu nada parecido em nenhum dos veículos de imprensa em que trabalha há mais de 40 anos. Nunca fez um comentário racista em suas numerosas palestras. O público, em suma, jamais foi influenciado por absolutamente nada do que ele disse ou escreveu durante toda a sua carreira profissional. O que William pensa ou não pensa, na sua vida pessoal, não é da conta dos seus empregadores, ou dos colegas, ou dos artistas que assinam manifestos. O princípio é esse. Não há outro. Ponto final.

William Waack foi demitido por duas razões. A primeira é por ser competente – entre ele, de um lado, e seus chefes e colegas, de outro, há simplesmente um abismo. Isso, no bioma que prevalece hoje na Globo e na mídia em geral, é infração gravíssima. A segunda razão é que William nunca ficou de quatro diante da esquerda brasileira em geral e do PT em particular – é um cidadão que exerce o direito de pensar por conta própria e não obedece à atitude de manada que está na alma do pensamento “politicamente correto”, se é que se pode chamar a isso de “pensamento”. Somadas, essas duas razões formam um oceano de raiva, ressentimento e neurastenia.

A punição a William Waack tem tudo para se tornar um clássico em matéria de hipocrisia, oportunismo e conduta histérica. A Rede Globo,como se sabe, renunciou à sua história tempos atrás, apresentando – sem que ninguém lhe tivesse solicitado nada – um pedido público de desculpas por ter apoiado “a ditadura militar”. Esse manifesto, naturalmente, foi feito com o máximo de segurança. Só saiu vários anos depois da “ditadura militar” ter acabado e, sobretudo, depois da morte do seu fundador, que não estava mais presente para dizer se concordava ou não em pedir desculpas pelo que fez. A emissora, agora, acredita estar na vanguarda das lutas populares – não falta gente para garantir isso aos seus donos, dia e noite. William Waack, com certeza, só estava atrapalhando.

iGen: Jovens em agonia - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 13/11

O conceito de geração, criação bem sucedida do marketing americano desde os chamados baby boomers, ganhou "credencial" científica.


A pesquisadora americana Jean Twenge, em seu último livro "iGen, Why Today's Super-Connected Kids Are Growing Up Less Rebellious, More Tolerant, Less Happy -and Completely Unprepared for Adulthood" (Geração i, por que os jovens de hoje, superconectados, estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes -e completamente despreparados para idade adulta), lançado pela Atria Books, constrói, a partir de um arsenal de pesquisas, um perfil dos jovens nascidos entre 1995 e 2012.

O universo é o americano, mas, podemos aplicá-la com razoável segurança aos jovens brasileiros das classes A e B.

Vale esclarecer que "i" (internet) aqui se refere ao "i" do iPhone, logo, a autora está dizendo que esses jovens vivem com um iPhone nas mãos. E também "i" para "individualismo", traço marcante da iGen.

Trabalho com jovens entre 18 e 20 há 22 anos. E posso perceber enormes semelhanças entre o que ela descreve e o que vejo no dia a dia, não só em sala de aula mas também graças ao contato alargado com jovens via mídias sociais.

Muitas dessas características são quase universais, devido à ampla rede de comunicação e distribuição de bens criada pelas mesmas mídias sociais.

Escolas e famílias, muitas vezes, são parte do problema, e não da solução. Ambas se atolam em modas de comportamento e iludem a si mesmas e aos jovens por conta, seja do marketing das escolas, seja das projeções vaidosas dos pais sobre seus filhos. O marketing das escolas é desenhado a partir dessas mesmas projeções vaidosas dos pais em relação aos seus filhos, ou seja, clientes das escolas.

Algumas dessas projeções são: os jovens de hoje são mais evoluídos afetivamente, são mais preocupados com temas sociais, mais tolerantes com o diferente, mais seguros com relação ao que querem, menos submetidos à moral "imposta" pela sociedade, mais sensíveis a desigualdade social, mais conscientes de uma alimentação equilibrada e, no caso das meninas, mais autônomas, independentes e donas do seu corpo.

Algumas dessas projeções não são, necessariamente, falsas.

O discurso da tolerância entre os jovens aumentou de fato, principalmente no tema gay/lésbica/transgênero (associado a questão "cada um é cada um").

A preocupação com a desigualdade social também aparece, mas, principalmente, limitado ao campo das mídias sociais ou intercâmbios caros pra cuidar de crianças sírias na Alemanha, claro, aprendendo alemão junto e conhecendo jovens do mundo inteiro.

A realidade e o clichê não se recobrem totalmente.

Segundo a pesquisa de Twenge, nunca houve jovens tão infelizes na face da Terra. Consumidores de ansiolíticos em larga escala, a iGen busca "safe spaces" nas instituições de ensino a fim de não sofrerem com "frases" que causem desconforto emocional. Se são cuidadosos com os riscos físicos, esse mesmo cuidado no âmbito emocional indica a quase total incapacidade de lidar com a realidade.

Percebe-se facilmente que os jovens, "cozidos" no discurso psi da "vulnerabilidade", vão se tornando mais medrosos. Inseguros, morrem de medo de qualquer ideia que coloque em xeque seus "direitos à felicidade".

O mundo não ajuda. Ainda mais com essa gente que mente por aí dizendo que o capitalismo está ficando consciente ou espiritual. Eles sabem muito bem que o mundo deles será pior: mais incerto, mais violento, mais competitivo. A agonia com o futuro é crescente.

Se esses jovens desconfiam do mundo, têm razão em fazê-lo. Muitos pais e professores optaram por um discurso infantil, muitas vezes querendo "aprender" com os mais jovens -quando deviam apenas pedir ajuda com o iPhone.

Fazem menos sexo, ao contrário do que o blá-blá-blá da liberação sexual diz até hoje. Têm medo de contato físico e veem em tudo a ameaça de assédio sexual. A simples demonstração de desejo é assédio.
Pensar em ter filhos, jamais! Filhos, como eles, custam caro, duram muito e nunca querem virar adultos. Melhor cachorros e gatos.

Um país de chatos - J.R. GUZZO

REVISTA VEJA

Não existe hoje no Brasil obrigação moral e cívica mais cobrada do cidadão do que se manifestar contra o “preconceito” e a “intolerância”


SERIA POSSÍVEL Nelson Rodrigues existir como autor no Brasil de hoje? Não dá para saber com certeza científica, mas é extraordinariamente difícil imaginar que pudesse escrever e dizer tudo o que escreveu e disse. Quem deixaria? Nelson Rodrigues é o maior autor de teatro que o Brasil já teve — seu nome estaria no topo da literatura mundial se não tivesse nascido, vivido e escrito na língua portuguesa. Mas hoje seria considerado uma ameaça nacional. A mídia veria nele um agente da “onda conservadora” ou uma voz da “extrema direita”; estaria banido pela boa sociedade cultural brasileira como intolerante, preconceituoso e fascista. Os educadores públicos fariam objeções à leitura de seus textos nas salas de aula. Sua entrada poderia ser proibida no departamento de novelas da Rede Globo. Procuradores e juízes estariam em cima dele o tempo todo, tentando condená-lo por machismo, racismo ou homofobia. Pense um pouco no que Nelson estaria escrevendo, por exemplo, sobre transgêneros, “feminicídio” ou a indignação contra o papel higiênico preto — isso para não falar no homem pelado como obra de arte, ou nas multas aplicadas aos clubes de futebol quando a torcida grita “bicha” para o goleiro do outro time. Não dá. Nelson Rodrigues não cabe no Brasil de 2017.

Como poderia ser diferente, num país tão empenhado no policiamento da atividade de pensar? Não existe hoje no Brasil nenhuma obrigação moral e cívica mais cobrada do cidadão do que se manifestar contra o “preconceito” e a “intolerância”. Não espere, portanto, nenhum Nelson Rodrigues num ambiente assim. Em vez disso, fique atento às suspeitas da ocorrência, próxima ou distante, de qualquer comportamento que possa ser classificado como preconceituoso ou intolerante. Aí, se quiser ser um bom cidadão, assine o mais depressa possível um manifesto de condenação, desses que aparecem todos os dias no jornal — ou, se não tiver cacife para tanto, por não ser licenciado como celebridade, faça alguma coisa a respeito, nem que seja um telefonema anônimo para o “Disque-Denúncia” mais próximo. É fácil descobrir a opinião que você deve ter a respeito dos assuntos em circulação. Preconceito e intolerância, em termos práticos, são o que o Comitê Brasileiro de Vigilância do Pensamento decreta, de hora em hora, que são preconceito e intolerância.

Que “comitê” é esse? É o habitual aglomerado de artistas, com ou sem obra, pessoas descritas como intelectuais, com ou sem algum intelecto visível, e gente de currículo em estado gasoso, mas que por alguma razão é apresentada como “importante”. São eles os árbitros, hoje em dia, do que é certo ou errado neste país. Decidem como todos os demais cidadãos devem se comportar dos pontos de vista moral, social e político. Não toleram que alguém demonstre intolerância — é assim que chamam, automaticamente, qualquer ponto de vista não autorizado por seu livro de regras. O delito essencial, por esse catecismo, é pensar com a própria cabeça a respeito de uma lista cada vez maior de assuntos. Sobre cada um deles há decisões já tomadas em última instância; são apresentados diariamente nos meios de comunicação.


“Vai se inventando, de cima para baixo, uma sociedade mal-humorada, neurastênica e hostil à liberdade de expressão”


O resultado é que o combate a tudo o que possa ser carimbado como intolerância está criando no Brasil mais uma raça de intolerantes. Acaba de ser derrubada no STF, por exemplo, a regra baixada quatro anos atrás pelos organizadores do Enem pela qual levam nota zero os estudantes que escreverem na prova de redação alguma coisa considerada contrária aos “direitos humanos”. Considerada por quem? Por eles mesmos, os burocratas do “Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais”. Ou seja: nomearam a si próprios árbitros do que os alunos podem ou não podem pensar e dão zero quando não gostam do que o aluno pensa. Nem no regime militar se chegou a esse grau de megalomania na tentativa de controlar o pensamento alheio; nunca, na época, alguém assinou um papel em que se determinava a anulação de provas de conteúdo subversivo. Quem é essa gente para decidir o que você pode dizer?

Outro exemplo comum de hostilidade a ideias discordantes é a conversa da “identidade de gênero” — ou a questão, ou até a “causa”, das pessoas atualmente descritas como “transgêneros”. Ficou estabelecido, como princípio moderno e gerador de mais justiça, que os seres humanos não devem ser diferenciados, para propósitos de identificação, pelo sexo anatômico com que nasceram. Podem escolher o gênero que combina mais com o seu jeito de ser, no momento em que julgarem necessário fazer essa opção. Tudo bem: cada um pensa o que quiser, e, além do mais, todo cidadão é livre para levar a vida que prefere, ou que pode, em termos de sexualidade. Mas não há nenhuma razão para a sociedade se escandalizar com quem não concorda, ou não entende, que as coisas sejam assim — ou não acredita que esse seja um assunto de interesse universal. Qual é o problema? Não deveria ser considerado intolerante, retrógrado ou totalitário quem acredita que os sexos são só dois, masculino e feminino. Ou que todo ser humano, sem exceção, tem um pai e uma mãe, que obrigatoriamente são um homem e uma mulher. Ou que é impossível um homem ficar grávido, por lhe faltarem um útero, trompas, ovário — ou por não ter leite, não menstruar e não produzir óvulos, da mesma maneira que uma mulher não produz espermatozoides. Não pode haver, é claro, nenhum problema com nada disso. Só que há.

A lista de pecados capitais contra o pensamento obrigatório vai longe. Você estará perto da blasfêmia se argumentar que animais não têm direitos, pois a noção de direito se aplica unicamente a seres humanos — animais não podem ter o direito de votar, por exemplo, ou de ter nacionalidade, ou de receber salário mínimo. Mas dizer isso é infração gravíssima.

Está vetado, igualmente, o debate sobre a questão ambiental como um todo; é considerado suspeito qualquer pedido de mais pesquisas científicas sobre temas como o aquecimento global, ou a cobrança de dados mais seguros sobre a previsão de que o Rio de Janeiro vai ser engolido pelo mar daqui a alguns anos. Defensivos agrícolas são uniformemente descritos como “agrotóxicos”; não insista. Também é tido como preconceito grave discordar da ideia de que o crime no Brasil é um “problema social” e que os criminosos, portanto, são vítimas da sociedade, e não agressores. O deputado Jair Bolsonaro foi condenado por uma juíza do Rio de Janeiro, ainda outro dia, por ter feito uma piada de quilombola durante uma palestra. A Constituição, obviamente, proíbe que um deputado seja punido por falar o que lhe passa pela cabeça, mas a juíza argumentou que “política não é piada” e foi em frente. Não é piada? De que país ela está falando?

A intolerância contra opiniões que incomodam começa a produzir, depois de algum tempo, disparates como esse. É uma surpresa que o Ministério Público ainda não tenha proibido as piadas de papagaio, ou que uma juíza não tenha decretado que a dama deve valer a mesma coisa que o rei no jogo de baralho. Vai se inventando, de cima para baixo, uma sociedade mal-humorada, neurastênica e hostil à liberdade de expressão. É um ambiente que convive mal com a observação dos fatos, a ciência e o raciocínio lógico. Estão construindo, talvez acima de tudo, um país de chatos.

quinta-feira, novembro 09, 2017

William Waack, o jornalista mais importante do país, não é racista! Os covardes se assanham - REINALDO AZEVEDO

REDE TV/UOL - 09/11
Não vou me sujeitar a uma ordem de coisas em que eu me veja proibido de dizer a verdade sobre um amigo quando o vejo ser esmagado pela mentira, pela covardia, pela inveja, pelo oportunismo, pela deslealdade, pela fraqueza de caráter, pela vigarice, pela ignorância


William Waack: acusação de racismo é uma indignidade, propagada por mentirosos, covardes e ressentidos
Um desses cretinos ressentidos escreveu por aí: “Vamos ver se alguém tem a coragem de defender William Waack”. Eu tenho. E o faço, antes de mais nada, por uma obrigação moral.

William é meu amigo. E eu sei, como sabem todos os que o conhecem, pessoal e profissionalmente, que ele não é racista. Não vou me sujeitar a uma ordem de coisas em que eu me veja proibido de dizer a verdade sobre um amigo quando o vejo ser esmagado pela mentira, pela covardia, pela inveja, pelo oportunismo, pela deslealdade, pela fraqueza de caráter, pela vigarice, pela ignorância.

E, ora vejam, o mesmo vale para os homens públicos que não são meus amigos.

Pretendo, diga-se, agir assim também na minha vida profissional. Sei o que apanhei dos petistas quando o partido buscava se constituir como força hegemônica, em sentido gramsciano mesmo, e muitos dos que agora o fustigam estavam de joelhos, em postura reverencial. Sei o que me custa hoje, adicionalmente, enfrentar a direita xucra, que não aceita que eu escreva, com todas as letras e sem subterfúgio ou linguagem indireta ou figurada, que Sérgio Moro condenou Lula sem provas. E que vai fazê-lo de novo. Como o fará o Tribunal Regional Federal da Quarta Região.

Ah, como apanhei quando comecei a apontar os desmandos de Rodrigo Janot, tratado como herói por idiotas, canalhas e oportunistas. E a quantidade fabulosa de porradas quando, no dia seguinte ao vazamento da gravação que não trazia o que se anunciava, apontei uma tramoia para derrubar o presidente Temer? Os fatos me dão razão.

Não devo satisfações a ninguém. Sou dono da minha vida e das minhas opiniões. Sim, a independência custa caro! Como custa a lealdade a princípios. Os trânsfugas costumam se dar bem. Os acólitos involuntários de Stálin, que exibem a cabeça dos próprios amigos para tentar ganhar a simpatia daqueles os detestam, também prosperam.

Sei lá se a história se encarregará deles. Se tento me colocar em seu lugar, sinto náuseas. É repulsa física mesmo. Ainda que eu tivesse talento para ser um deles, não teria estômago.

Não há doença moral pior do que a covardia. Não há prazer mais doentio do que a deslealdade. Sem modéstia, digo: só sei ter coragem. Só sei ser leal.

O PT fechou uma revista que eu tinha. A Lava Jato me roubou dois empregos. Eu não lamento nada. Eu constato. E saí inteiro. Não vou aqui apelar à literatice e dizer que fiquei mais forte porque poderia dar a entender que o sofrimento é libertador. Não acho que seja. Mas conheço também, sim, a delícia, não só a dor, de dizer “não” e de andar na contramão quando acho que devo.

A acusação de “racismo”, que agora colhe Waack, já esbarrou em mim quando combati — e combato ainda — a política de cotas nas universidades. É claro que não sou racista. Como William não é. Não somos racistas. Nem covardes. Jornalistas são hoje, e cada vez mais, reféns de milicianos que atuam nas redes sociais. E os há para todos os credos, gostos e vieses ideológicos. Organizo a minha vida de modo a não depender da boa-vontade nem de estranhos nem de conhecidos.

O mais provável é que o tal vídeo tenha vazado de dentro da Globo. Há precisamente um ano, na madrugada de 8 de novembro (dia da eleição americana) para 9, William entrava ao vivo para anunciar a vitória de Donald Trump. Minha hipótese: alguém fez uma pesquisa no sistema interno. As imagens que chegam do sinal e ficam em arquivo antecedem a entrada no ar. Não se tem acesso apenas àquilo que chegou ao público, mas também aos momentos anteriores à transmissão. Como era aquela “a” entrada por excelência referente àquele fato, foi fatalmente vista. Não seria difícil estreitar o campo de possibilidades da safadeza e chegar ao responsável. Mas isso não é comigo. E duvido que William o quisesse. Mas saibam os que por lá permanecem: estão sob vigilância. Cuidado, o próximo pode ser você!

Brincadeira
Parto do princípio de que William falou o que dizem que falou — embora a coisa seja inaudível. Ele próprio faz o mesmo e, por isso, pediu desculpas aos que se sentiram ofendidos. Está longe de ser o amigo mais bem humorado de seus amigos, mas, à diferença do que escrevem os parvos, não manifestava irritação naquela hora. Se disse ser aquilo “coisa de preto”, ia no gracejo um dado referencial: um “outsider”, de direita, com rompantes de extrema-direita, acabara de vencer a eleição no confronto com a candidata de Barack Obama. Negros e imigrantes constituíram as duas forças mais militantemente organizadas contra Trump.

“Ah, mas a piada foi infeliz…” É estupefaciente que isso esteja em debate. Quantos dos que me leem ou dos que atacam William nas redes resistiram à exposição pública de falas privadas? Se disse aquilo, não o fez para que fosse ao ar. Não era matéria de interesse público. Tratava-se de uma conversa privada. Ainda que a fala revelasse um juízo pessoal depreciativo sobre Obama, os “pretos” ou sei lá quem, o que importa é o seu trabalho, é o que diz no ar, é a sua contribuição ao debate civilizado.

Meio preto, um tanto alemão, um pouco árabe
Sabem como os amigos chamamos William? “Alemão”! Sim, “Alemão”. E vai nisso uma penca de brincadeiras cruzadas. Em primeiro lugar, Santo Deus!, ele não é exatamente um “branco”, não sei se perceberam. O homem é meio preto, meio árabe, meio misturado. O apelido remete ao fato de que estudou na Alemanha, mas também alude a seu temperamento, que todos consideramos um tanto, como direi?, germânico porque rigoroso, um pouco irascível às vezes, apegado a detalhes, mas que sempre fazem a diferença.

Escolham os três jornalistas mais brilhantes de sua geração. Ele está lá. Escolham os dez mais importantes do jornalismo brasileiro de todos os tempos. Estará entre eles. Não conheço ninguém no país que tenha sua cultura em matéria de relações internacionais e que domine bibliografia tão vasta na área. É do tipo que ainda se indigna. Já me ligou algumas vezes muito bravo por isso ou aquilo que escrevi — porque temos, sim, algumas divergências. E ele bate duro! Inteligente, brilhante, franco, leal e fraterno. Piloto, nunca conseguiu me arrastar para voar com ele. Duvido que exista um não-especialista que entenda tanto do assunto. Generoso, dá sempre a dica do livro que está lendo, diz por quê, pensa, faz pensar. Nesse caso, eu voo, hehe.

É um privilégio ser seu amigo. Privilegiada é a imprensa brasileira por tê-lo. Que outro, na nossa profissão, tem a sua experiência, o seu currículo, o seu rigor técnico, a sua cultura, a sua vivência de fatos que moldaram o mundo contemporâneo?

“Mas isso dá a ele, Reinaldo, o direito de ser racista?” A afirmação, forma de pergunta, é asquerosa. É um despropósito que um gracejo, por infeliz que seja, tenha de ser submetido a esse crivo, como se devesse a) ser levado a sério; b) em sendo, ser tomado como expressão do que pensa William, resumindo o seu trabalho.

Lúcia Boldrini, jornalista, consternada com a baixaria que colheu William, lembrou o que disse Martin Amis sobre o fundamentalismo religioso. Ele é especialmente nefasto porque não deixa o indivíduo só nem quando vai ao banheiro. Mesmo lá, há que se pensar nas regras. Hoje, há um fundamentalista em cada canto — de todos os gostos, de todos os credos. E, como ela resume, “no dia em que os esfoladores conseguirem acabar também com o nosso sarcasmo privado, só sobrarão eles, os esfoladores”.

A acusação de racismo que colhe William o ofende gravemente, mas também a seus amigos brancos, a seus amigos negros, a seus amigos árabes, a seus amigos judeus, a um grupo enorme de pessoas que sabem por que amá-lo, admirá-lo, respeitá-lo. Ainda que tivesse cometido um pecado, uma falha, uma transgressão — ele se desculpou sinceramente se assim foi interpretado —, o deslize, que não reconheço, não resumiria a sua vida. E explico por que não reconheço: eu me nego a submeter um gracejo expresso num ambiente privado a critérios com que se analisam questões públicas.

De resto, vejam a qualidade daqueles que o atacam. Estão pouco se importando com o que ele disse ou deixou de dizer. Vibram com o fato de estar afastado do “Jornal da Globo”; pedem, com uma sede de sangue que jamais se aplacará, a sua cabeça e secretam seu fel não contra aquilo que pode ter falado no episódio em questão: o que está sob escrutínio são suas opiniões políticas, é sua aversão à demagogia, é seu suposto — como é mesmo? — direitismo! Que piada! “Camaradas – Nos Arquivos de Moscou”, de sua autoria, concorre ao posto de o livro mais importante escrito sobre a esquerda brasileira. Com o rigor de um historiador, não com os faniquitos de um prosélito.

William Waack não é racista.

O que está em curso envergonha os decentes.

Vocês sabem que jamais escrevi aqui sobre essa amizade.

Nunca foi necessário.

Agora é.

E ele pode, como sempre pôde, contar comigo. Para o que der e vier. Menos voar naquelas coisas…

quarta-feira, novembro 08, 2017

Brasil, um país de Luislindas - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 08/11

O artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal estabelece um teto salarial para o funcionalismo: "O subsídio mensal, em espécie, dos ministros do Supremo Tribunal Federal".

Apesar disso, a ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, foi manchete de vários jornais em razão de seu requerimento à Casa Civil, pedindo que fosse somado à sua aposentadoria como desembargadora (R$ 30,5 mil/mês) também o salário integral de ministra (R$ 30,9 mil/mês), o que traria seu ganho mensal para R$ 61,4 mil/mês, ultrapassando, em muito, os vencimentos dos ministros do STF (R$ 33,7 mil/mês).

O "argumento" da ministra (entre outros de validade tão duvidosa quanto se "vestir com dignidade") é que, devido ao teto, seu trabalho no ministério acrescenta "apenas" R$ 3.300/mês a seu rendimento, o que, no seu imparcial entendimento, configuraria trabalho análogo à escravidão, pois "todo o mundo sabe que quem trabalha sem receber é escravo".

Noto somente que o rendimento adicional da ministra supera, com folga, a média de todos os trabalhadores brasileiros, R$ 2.100/mês, e equivale à média da categoria com maior rendimento, o funcionalismo.

Da mesma forma, não podemos deixar passar que ninguém a forçou a assumir um ministério; nesse sentido, sua decisão se equipara à de milhares de pessoas que se dedicam ao trabalho voluntário, sem receber nada, e que, certamente, não se consideram escravas.

Não é esse, porém, o ponto central da coluna, por mais escandalosa que seja sua atitude. Em parte porque o fiasco de seu pedido —consequência da exposição à mídia— é a exceção, não a regra, em casos como esses.

Em agosto deste ano, houve também notícias sobre juízes cujos vencimentos superavam o teto constitucional, por força de vantagens eventuais, indenizações e demais penduricalhos que, por entendimento, vejam só, da própria Justiça, não estariam sujeitos a limitação do teto. E, diga-se de passagem, uma breve busca pelo Google nota casos similares em 2016, 2015, 2014...

Mais relevante ainda é que tais casos ainda não correspondem, nem de longe, à totalidade dos privilégios que tipicamente são conferidos pelo setor público a grupos próximos ao poder.

A triste verdade é que a sociedade brasileira se tornou, e não de hoje, prisioneira de um círculo vicioso de caça à renda (a melhor tradução que vi para rent-seeking ).

"Renda", no sentido econômico do termo, representa a remuneração a algum insumo acima do valor que seria necessário para mantê-lo empregado nas condições atuais. Parece abstrato, mas os exemplos abundam: de licenças para táxis (um caso bastante atual, a propósito) à proteção contra concorrência internacional, passando por subsídios e toda sorte de privilégios.

A caça à renda representa um imenso jogo de rouba-monte, com o agravante de que sua prática contribui para reduzir o tamanho do monte, pois recursos reais da sociedade são utilizados para esse fim, e não para a produção, além de tipicamente favorecer setores menos produtivos. Embora possa enriquecer alguns de seus participantes, esse jogo empobrece as sociedades que o praticam.

Curioso mesmo, porém, é como economistas autodenominados "progressistas" se engajam facilmente na defesa da caça à renda. Eu já passei da idade de achar que se trata apenas de ingenuidade.

Miller envia e-mail a Miller (!) que evidencia que ações contra Temer e Aécio foram mesmo armações - REINALDO AZEVEDO

REDE TV/UOL - 08/11
Mensagem deixa claro que, no dia 9 de março, a empresa já havia acertado a colaboração com o MPF. Ocorre que, em documento oficial, Janot assegurou que o primeiro contato da JBS para fazer uma delação só ocorreu no dia 27 daquele mês

Marcelo Miller e o documento oficial, de responsabilidade de Janot, em que se nega que o então procurador tenha atuado na delação da JBS. Como se nota, ele participou até de seu planejamento


Pois é… E o comprometimento ilegal do Ministério Público Federal com a delação dos Batistas (Joesley e Wesley) e associados é, tudo indica, maior do que se poderia supor, conforme revela reportagem da Folha desta quarta. Até agora, a doutora Raquel Dodge está muda. A continuar assim, ainda se acaba achando que ela não tem o que dizer. Antes que chegue ao ponto, algumas considerações.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a soprano do golpe que tentaram dar no presidente Michel Temer, recorreu até ao Supremo contra a CPMI da JBS. O homem acha que o Poder que ele próprio integra não tem competência e autonomia para investigar lambanças que eventualmente envolvam atos do Ministério Público Federal. Mais: a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) também decidiu apelar ao tribunal para impedir que Eduardo Pelella, ex-chefe de gabinete de Rodrigo Janot, fale à comissão na condição de testemunha. Senador e entidade afirmam que ela busca intimidar os sacrossantos procuradores e o trabalho virtuoso que se faria lá no Ministério Público Federal. Será mesmo?

Não fosse a CPMI, não se teria quebrado até agora o sigilo de mensagens enviadas por e-mail por Marcelo Miller, o ex-procurador que era um dos bravos de Janot e que já admitiu ter participado de forma indevida de entendimentos para que a JBS chegasse a um acordo de delação. Na sua versão, limitou-se a fazer correções gramaticais em textos. De fato, já se sabe que o papel do MPF foi muito maior.

Um e-mail enviado por Miller para seu próprio endereço — é uma forma a que pessoas recorrem para guardar anotações e fazer lembretes — sugere que ele fez, na verdade, o roteiro da delação. O texto é do dia 9 de março, dois dias depois de Joesley gravar a conversa com Michel Temer, e 15 dias antes da gravação com o senador Aécio Neves, em que este pede R$ 2 milhões ao empresário. Segundo Janot, em sua denúncia, trata-se de “propina”. Ele só não diz o que Aécio ofereceu em troca.

O e-mail de Miller é impressionante porque evidencia que:

1: JANOT FALTOU COM A VERDADE EM DOCUMENTO OFICIAL
No dia 8 de março, Mario Celso Lopes, um ex-sócio dos Batistas, foi preso no âmbito da operação Greenfield em razão de operações realizadas quando ligado ao grupo. Escreve Miller:
“Perguntar por que o MPF postulou a prisão do ex-sócio se a empresa já se apresentou à colaboração”

IMPORTÂNCIA DO TRECHO – Ora vejam: então, no dia 9 de março, a empresa já havia acertado a colaboração com o MPF. Ocorre que, em documento oficial, Janot assegurou que o primeiro contato da JBS para fazer uma delação só ocorreu no dia 27 de março. Já se sabia que isso, muito provavelmente, era mentira. Francisco de Assis e Silva, advogado do grupo e um dos delatores, afirmou ter tratado da delação com Pelella no dia 2 de março. Mais: à Corregedoria do MPF, ele afirmou que as tratativas para uma delação começaram a ser feitas no dia 20 de fevereiro. Poderia ser palavra contra palavra, certo? O, digamos, auto-e-mail de Miller não deixa dúvida sobre a inverdade de Janot, a menos que o então procurador tivesse o hábito de mentir para si mesmo.

2: AS GRAVAÇÕES COM MICHEL TEMER E AÉCIO NEVES FORAM ARMAÇÕES PREVIAMENTE COMBINADAS
Escreve Miller: “Estamos trazendo, pela primeira vez, BNDES, que era a última caixa preta da República, estamos trazendo fundos, Temer, Aécio, Dilma, Cunha, Mantega e, por certo ângulo, também Lula. Temos elementos muito sólidos de corroboração.”
IMPORTÂNCIA DO TRECHO: Notaram? Ele escreve dois dias depois de Joesley ter feito a gravação com Temer, o que evidencia que ela era parte da trama. Mais impressionante: Joesley gravaria a conversa com Aécio, aquela que trata dos tais R$ 2 milhões, apenas 15 dias depois. Estava tudo planejado. Aquilo a que se chamou “Ação Controlada” era, na verdade, um flagrante armado. A propósito: tentem achar em que trecho o senador promete algo ao empresário, o que caracterizaria “corrupção passiva”. Não há.

Janot assegurou em diversas entrevistas que só ficou sabendo da gravação que Joesley fizera com Temer quando a empresa o procurou, no dia 27 de março, propondo um acordo. Eis aqui: pegar o presidente, como se nota, era mesmo parte da tramoia, da conspiração. Mas pegar com o quê? Bem, relembrem a gravação. Com nada!

Um “nós” e um “eles”
Outra coisa que impressiona no e-mail que Miller mandou para si mesmo é o uso dos pronomes. Ele era do Ministério Público Federal, lotado na Procuradoria Geral da República, mas, sempre que se refere ao MPF, este aparece como “eles”; todas as vezes em que surge um “nós”, Miller está se referindo à JBS.

Acontece que ele só deixou o MPF no dia 5 de abril. No dia 11, para escândalo dos escândalos, já participou de uma reunião sobre acordo de leniência como advogado… da JBS, aquela mesma para o qual fez o roteiro de delação premiada. Também em documento oficial, Janot asseverou que Miller não teve participação nenhuma nas delações. Está provado ser mentira.

Quantas vezes afirmei aqui que a operação toda é legalmente imprestável? Eis aí a qualidade das delações homologadas por Edson Fachin, cujo papel, em todo esse rolo, não me parece devidamente esclarecido. Como esquecer que Ricardo Saud o acompanhou a gabinetes de senadores quando candidato ao STF? Por quê? Quais são os vínculos? Ora, Saud veio a ser justamente um dos beneficiários do imoral acordo de delação, homologado pelo ministro.

A cada dia fica mais claro: tratava-se mesmo de uma tentativa de golpe.

Brasil é um país ruim para fazer negócios - ANTONIO DELFIM NETTO

FOLHA DE SP - 08/11

A situação social e econômica do Brasil é mais do que preocupante. Nos últimos 30 anos, nosso crescimento econômico, a condição necessária (mas não suficiente) para acomodar uma distribuição razoável do produzido entre o capital e o trabalho, tem sido medíocre. Não é a única mas, certamente, é uma das principais causas da dramática divisão política a que chegamos.

Não há o que discutir. Elas revelaram uma sucessão de terremotos (hiperinflação, crises cambiais etc.) e de eventos extraordinários (morte de Tancredo, Constituição de 1988, plano Real, Lei de Responsabilidade Fiscal etc.) que, entre idas menores do que vindas, ampliaram em quase 30% a nossa distância com relação aos outros países emergentes.

Ficamos relativamente mais pobres, acompanhados de um pequeno surto de melhoria transitória da péssima distribuição de renda, mas terminamos na mais grave recessão dos últimos 50 anos.

O interessante "Doing Business", do Banco Mundial, começou a ser publicado em 2004. O índice agregado de cada país, o chamado "Facilidade de Fazer Negócio", que "mede o sentimento" dos agentes que nele ou com ele trabalham, tem sido calculado desde 2006. O número de países pesquisados cresceu de 155 em 2006 para 190 em 2017.

A posição do Brasil sempre foi muito ruim. Nosso ranking nunca ultrapassou o limiar do limite superior (lembre que o melhor é o ranking 1 e o pior o 190) do nono decil da distribuição. A partir de 2014, num novo aperfeiçoamento, o Banco Mundial passou a divulgar a posição de cada economia com relação à "fronteira", isto é, o país melhor situado para o exercício de uma eficiente economia de mercado, cuja nota é 100.

A posição do Brasil estimada no último "Doing Business" foi 56%, o que significa que estamos 44% abaixo da "fronteira"! Para comparação, a média da América Latina e Caribe é de 41%; da China, 35%; do Chile, 29% e do México, 28%.

No ranking dos 190 países, somos o 125º, enquanto o México é o 49º, o Chile o 55º e a China o 78º, apenas para dar alguns exemplos.

Desde a sua posse, o presidente da República, Michel Temer, tem estimulado a sua equipe econômica a produzir medidas infraconstitucionais que melhorem a classificação brasileira e alguns resultados já são visíveis (legislação salarial, redução do subsídio dos juros etc.).

É evidente que essas classificações têm uma alta dose de "sentimento", apoiada em observações individuais, mas são uma indicação da lamentável "qualidade" geral do nosso sistema econômico para cumprir a sua missão de aumentar a produtividade do trabalho.

Processos arquivados - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 08/11

Arquivamento de investigações que envolvem governadores mostra que acusações baseadas apenas na palavra de delatores nada contribuem para a efetiva erradicação da corrupção

A Procuradoria-Geral da República pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o arquivamento de 5 das 11 investigações que envolvem governadores no âmbito da Operação Lava Jato. Conforme apurou o Estado, a Procuradoria não encontrou indícios concretos contra os denunciados – na maior parte dos casos, só havia delações, insuficientes como provas. Esse desfecho mostra, mais uma vez, que a enxurrada de escândalos a partir de acusações baseadas apenas na palavra de delatores serve muito bem à produção de manchetes e à destruição de reputações e carreiras políticas, mas nada tem a contribuir para a efetiva erradicação da corrupção.

Um dos efeitos dessa onda moralista deflagrada contra os políticos em geral é a presunção de que o foro por prerrogativa de função – ou “foro privilegiado”, denominação preferida dos cruzados anticorrupção – é um intolerável arranjo para proteger criminosos. Há muita gente que, embalada por esse discurso radical de alguns procuradores e até de ministros do Supremo Tribunal Federal, considera que o arquivamento de casos contra governadores no STJ prova a impunidade que se pretende denunciar.

Essa certeza quase fanática não encontra respaldo na realidade. O fato de não haver indícios consistentes contra os governadores cujos processos foram arquivados no STJ deveria bastar para concluir que a lei foi cumprida, sem que se possa falar em “privilégio” de nenhuma espécie. Ao que se saiba, ainda vige no Brasil o Estado Democrático de Direito, em que ninguém pode ser condenado sem o devido processo legal, o que inclui, naturalmente, a produção de provas.

No caso dos governadores e de outros políticos, a situação é ainda mais grave, pois uma mera denúncia, por mais frágil que seja, basta para lançar sobre o denunciado suspeitas que quase certamente lhe custarão preciosos votos. Políticos vivem de imagem, e é claro que acusações de corrupção costumam ser fatais para suas pretensões eleitorais, ainda que mais tarde se comprove a inocência.

Nada disso foi levado em consideração quando as denúncias contra vários governadores foram enviadas ao STJ, que é o foro adequado para julgá-los. Bastou, por exemplo, que Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobrás que está no centro do escândalo do petrolão, dissesse ter distribuído recursos ilegais para Luiz Fernando Pezão, do Rio de Janeiro, e Tião Viana, do Acre, para que ambos os governadores fossem tratados como possíveis delinquentes. O mesmo aconteceu com os governadores Paulo Hartung, do Espírito Santo, Fernando Pimentel, de Minas Gerais, e Flávio Dino, do Maranhão, todos investigados pela Lava Jato e denunciados como corruptos em decorrência de delações de ex-executivos da Petrobrás e da Odebrecht.

O arquivamento dos processos dificilmente restabelecerá a reputação desses dirigentes, pois hoje em dia, diante da escandalização da política, basta aparecer em qualquer lista suja para que automaticamente se considere o indigitado como corrupto. É evidente que essas considerações não devem inibir eventuais denúncias contra políticos, mas é preciso que estas sejam baseadas em fatos concretos, e não na presunção de que todos os políticos são corruptos e que, portanto, os delatores que se dispõem a denunciá-los só podem estar falando a verdade. Delações, nunca é demais repetir, são apenas o ponto de partida de uma investigação. Sem provas que as corroborem, não passam de falatório irresponsável.

Acusações açodadas e ineptas fazem barulho e colaboram para a disseminação da ideia de que o País está engolfado pela corrupção, que é exatamente o que pretendem os justiceiros que as produzem, mas ao fim e ao cabo seu único efeito concreto é a desmoralização da luta contra os verdadeiros corruptos.

Assim, não se está aqui a dizer que os governadores em questão são culpados ou inocentes, corruptos ou probos, e sim que as denúncias contra eles formuladas, carentes da necessária solidez para seguirem adiante, não tinham nem sequer que ter sido encaminhadas. E isso nada tem a ver com impunidade.

Por que privatizar? - CRISTIANO ROMERO

Valor Econômico - 08/11

Em 1953, a classe média foi às ruas pela campanha do "petróleo é nosso", movimento que, na sequência, resultou na fundação da Petrobras. Na mesma época, apenas 25, de cada 100 crianças, estavam matriculadas em escolas de 1º grau. O baixíssimo índice de matrícula, que explica que país somos muito mais do que a estatal petrolífera, não comovia - e ainda não o faz - os brasileiros, mais preocupados com o discurso "soberano" do que com a essência das coisas.

Esse descompasso de prioridades mostra o quão doente era - e é - a sociedade brasileira, imagem que esta coluna toma emprestada de conversas com o economista Samuel Pessoa, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), ligado à FGV do Rio. De fato, somente uma sociedade doente pôde passar tanto tempo sem dispor de escolas para suas crianças - a universalização do ensino básico só se deu quase 50 anos depois, mas a tragédia continua no ensino médio.

De acordo com o Observatório da Criança e do Adolescente, da Fundação Abrinq, a taxa de escolarização líquida, isto é, a razão entre o número de matrículas de alunos com idade prevista - de 15 a 17 anos - para cursar o ensino médio e a população total na mesma faixa etária estava, em 2015, em 56,9%. Isto significa que quase metade dos jovens de 15 a 17 anos não está estudando. Pode-se dizer que falta escola para metade dos jovens dessa faixa etária ou ainda que, de cada 100 alunos que concluem o ensino fundamental, quase 50 param de estudar.

Segundo o Observatório do Plano Nacional de Educação (PNE), cerca de 2,5 milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos estão fora da escola. Desse contingente, aproximadamente 1,5 milhão são jovens de 15 a 17 anos que deveriam estar cursando o ensino médio. A universalização dessa etapa do ensino, conforme determina a Emenda Constitucional nº 59, deveria ter ocorrido em 2016.

"A recente melhora das taxas de fluxo escolar no ensino fundamental faz aumentar o número de matrículas do ensino médio, mas o país ainda está longe de alcançar patamares ideais. Altas taxas de evasão persistem no ensino médio. O modelo curricular ultrapassado, baseado em um número excessivo de disciplinas, torna a etapa desinteressante para o jovem do século 21", diz o Observatório do PNE, que é mantido por 24 organizações ligadas à Educação e coordenado pelo excelente movimento Todos Pela Educação, presidido por Priscila Fonseca da Cruz.

O professor Ricardo Paes de Barros, criador do Bolsa Família e talvez o melhor arquiteto de políticas sociais do país, atribui o fracasso do ensino médio à baixa qualidade do ensino, ao ambiente escolar e à limitada resiliência emocional dos estudantes. Em levantamento recente, num esforço conjunto do Instituto Ayrton Senna, do Insper, da Fundação Bravo e do Instituto Unibanco, Paes Barros previu que quase três milhões de jovens, de 15 a 17 anos, não vão se matricular no ensino médio em 2018. Ele estima que metade dos jovens dessa faixa etária concluirá essa etapa com um ano de atraso, gerando desperdício de R$ 35 bilhões por ano ao erário.

Essas estatísticas são tão vergonhosas, especialmente se considerarmos a megalomania dos brasileiros e a maneira altiva com que estufamos o peito para ainda hoje defender a Petrobras e o slogan "o petróleo é nosso", que pouco se fala do tema. É um assunto que realmente não faz verter uma lágrima na Vila Madalena, reduto da esquerda festiva em São Paulo. A exceção à indolência nada cívica se deu uma só vez, em meados de 2013, quando, de forma difusa, brasileiros foram às ruas protestar contra tudo e contra todos, mas principalmente pela melhora da qualidade do ensino e da saúde. Mas já se passaram quatro anos e o clamor desapareceu.

Enquanto isso, muitos continuam batendo no peito para defender a manutenção da Petrobras sob o controle do governo. Alegam que a empresa é "estratégica" sem explicar por quê - está claro que estratégico é o gasto benfeito em educação e saúde. Não se nega a importância da criação da estatal há quase sete décadas. Ela é líder mundial na extração de petróleo em águas profundas e parece começar a superar os efeitos do mega-assalto promovido por uma quadrilha de funcionários e os desafios tecnológicos da extração de óleo da camada pré-sal.

É importante lembrar que, ao contrário do que se imagina, a roubalheira na Petrobras foi idealizada e operacionalizada por funcionários de carreira. Ninguém foi contratado para ocupar um cargo na estatal e, assim, saqueá-la, até porque, com exceção da diretoria, a estatal não admite empregados que não sejam de carreira. Os políticos de que tanto se fala são, na verdade, os mantenedores dos funcionários corruptos. São importantes para manter o esquema funcionando, mas não são cruciais - o roubo pode ser feito sem eles.

O que se deve discutir, portanto, é a existência de incentivos para um empregado de uma estatal locupletar-se. Não se trata de afirmar que a prática é generalizada. Não é, mas não importa: a corrupção surge nas entranhas do Estado; quanto maior é o aparato estatal, com empresas atuando no setor produtivo e no financeiro e com a existência de regimes legais complexos e de regulações que tentam prever todas as situações da vida cotidiana, mais numerosos e vultosos são os casos de assalto ao erário.

O Brasil criou estatais numa época em que carecia de capitalistas e a economia era fechada - o modelo de crescimento era o de substituição de importações. O sistema funcionou por um tempo e permitiu ao país construir, entre outras coisas, sistemas de energia e telecomunicação interligados nacionalmente. Na década de 1970, a economia se endividou de maneira acelerada justamente para financiar esses investimentos. Uma infraestrutura razoável nasceu ali, mas, nos anos 80, após a segunda crise do petróleo, os Estados Unidos elevaram os juros para combater a inflação resultante da escalada do preço do petróleo, provocando uma turbulência sem precedentes em países em desenvolvimento como o Brasil.

A crise da dívida, em 1982, foi o marco do fim de uma era. Acostumada a crescer a taxas chinesas, a economia brasileira entrou num longo período de inflação alta e baixo crescimento. No fim da década de 1980, concluiu-se, não por ideologia mas por falta de opção, afinal, o Estado quebrara, que era preciso começar a vender e/ou fechar estatais. Embora o diagnóstico tenha sido feito ainda no governo Sarney, na gestão de Maílson da Nóbrega no Ministério da Fazenda, as privatizações só começaram em 1991, com a venda da Usiminas, ainda no governo Collor. Tomaram impulso nos anos seguintes, mas foram paralisadas na gestão Lula.

terça-feira, novembro 07, 2017

Tripla proeza de FHC - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 07/11

Ao defender desembarque de tucanos, FHC enfraquece Temer e PSDB e fortalece PT


Fernando Henrique Cardoso é um dos raros líderes a sobreviver nessa terra arrasada da política brasileira. Até por isso, e por ser um ex-presidente bem-sucedido e um intelectual com conhecida lucidez, que ele deve ter cuidado redobrado com o que diz e escreve. Milhões de órfãos de ideias e referências não têm muitas outras estacas para se agarrar.

Dito isso, uma dúvida: Fernando Henrique tem o direito de pensar e se manifestar apenas como líder de um partido, o PSDB? Ou ele tem o dever e a obrigação de agir como um estadista, um líder que se preocupa antes de tudo com o País?

A Constituição prevê que o impeachment de um (ou uma) presidente não é votado por juristas, mas por políticos, e determina que o (ou a) presidente só pode ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal depois do aval da Câmara dos Deputados. Por quê? Porque juristas, em geral, e ministros do STF, em particular, julgam com base unicamente na lei, enquanto políticos votam, em tese, refletindo o que é melhor para o País naquele momento.

Foi assim que Dilma Rousseff caiu. Além das “pedaladas”, tecnicamente comprovadas, houve um consenso de que o Brasil não resistiria a mais dois anos de erros crassos na economia e na condução política. E foi assim que Michel Temer assumiu e venceu (ou adiou) duas denúncias da PGR. Além de estar escrito na Constituição que o vice assume, seja ele João, Maria ou Michel, há um consenso de que derrubar Temer seria jogar o Brasil num buraco ainda mais profundo.

Ele tem um encontro marcado com a Justiça ao deixar a Presidência, mas até lá a prioridade do País é recuperar a economia e os empregos. Bem ou mal, Temer está conseguindo. Afora o rombo fiscal, que continua aumentando, há alívio com inflação, juros, arrecadação, empregos, contas externas e previsão de crescimento em 2017 e 2018.

Em seu texto de anteontem no Estado, Fernando Henrique falou do “clima de descrença e desânimo” e que as melhoras na economia só serão sentidas pelo “povo” quando baterem “em seu bolso”. Então, decretou: “Daqui por diante, contudo, o capítulo é o futuro”. Futuro do quê? Ou de quem?

No artigo, aflito com o futuro do PSDB, das coligações e do candidato do partido em 2018, não há uma só palavra sobre o futuro do governo, da economia, dos empregos – do País, enfim. E termina com uma ameaça: ou os tucanos desembarcam do governo em dezembro, ou o bicho-papão vem pegar: “O peemedebismo dominante tornará o PSDB coadjuvante na briga sucessória”. Como, se é o PSDB que tem candidato, não o PMDB?

Só falar em desembarque do PSDB já fragiliza ainda mais a posição de Temer e as chances da reforma da Previdência, com o efeito colateral de aguçar a gula dos aliados. E, se consumado, vai paralisar o governo, o País e a recuperação. Significa piorar as condições para o próximo presidente, inclusive se for um tucano. Quem lucra?

O PSDB não é. Se o PT e seu grande líder Lula foram atingidos em cheio pela Lava Jato e pelo fracasso de Dilma, o PSDB não tem nada para se gabar, mas parece, por ora, menos ferido. A diferença, porém, é de postura. O PT segue Lula cegamente, usa Temer como escudo para seus erros, concentra energia contra adversários e exercita o “unidos na alegria e na tristeza”. O PSDB faz o oposto: não segue ninguém, gasta energia se autodestruindo e se divide na saúde e na doença.

FHC consegue, assim, tripla proeza: aprofunda o racha do PSDB, enfraquece o governo e fortalece o discurso do PT de que fez tudo certo, a culpa de todos os males é de Temer e do PMDB. Jogar a troca de quatro ministros no centro da agenda política é, como diz o chanceler Aloysio Nunes Ferreira, um “desserviço ao Brasil”.

Cunha diz a um dos mosqueteiros que Temer não era Richelieu nesta ficção de “toga e espada” - REINALDO AZEVEDO

REDE TV/UOL

Ex-presidente da Câmara nega que Michel Temer tenha tentando comprar o seu silêncio e diz ser isso apenas parte da trama para derrubar o presidente da República





O ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) prestou depoimento, nesta segunda, na 10ª Vara Federal de Brasília, cujo titular é o juiz Vallisney de Souza Oliveira, em interrogatório que integra a ação penal derivada da Operação Sépsis. Vallisney é um dos Três Mosqueteiros (que eram quatro; ainda há vaga para mais uma estrela togada) da Justiça Federal: os outros são Sérgio Moro, da 13ª Vara, o inigualado, inigualável e inigualante (palavra não está no Houaiss, mas podem procurar no VOLP: Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa), e Marcelo Bretas, da 7ª. É aquele que queria mandar Sérgio Cabral, em prisão preventiva (sim, mesmo condenado, é preventiva), para um presídio de segurança máxima sem que se saiba até agora o motivo, a não ser o alegado. Como? Você acha que a prisão perpétua ainda estaria pequena para Cabral? Posso até concordar. Nas democracias, no entanto, cumprem-se leis. E Justiça não se confunde com vingança, assim como um preso não pode ser o troféu de um juiz. Se não for assim, a democracia vai para o vinagre. São apenas três varas, mas poderiam valer por onze mil! Eu me alonguei demais. Quero voltar a Cunha. Mas, antes, vou ter de falar um pouco sobre o presidente Michel Temer e um pedaço da imprensa.

Também nesta segunda, Temer fez um pronunciamento público (ainda voltarei ao tema) apontando a existência de uma trama para derrubá-lo, urdida na Procuradoria Geral da República. Tem razão. Aconteceu, todos sabem, mas, infelizmente, setores da imprensa se recusam a reconhecer porque seriam obrigadas a admitir que dão como verdade o que verdade não é, a saber: na tal gravação que Joesley Batista fez no Palácio do Jaburu, o presidente teria condescendido com a compra do silêncio de Eduardo Cunha. ~´E mentira! Ora, quando reportagens se sustentam numa farsa, e tendo havido uma trama para derrubar o presidente (e houve), então os que assim procedem são cúmplices. Vamos mais um pouco nessa digressão.

Sim, eu ainda falarei sobre Cunha.

A capa da primeira edição da revista Época, versão impressa semanal do grupo Globo, depois que a segunda denúncia contra Temer foi derrotada, traz o presidente de costas e um elíptico “Ele venceu.” Sim, com ponto final. Como a dizer: “ele venceu e ponto.” Só faltou a confissão: “Nós perdemos e ponto.” Mas o segundo tempo do título vai na reportagem: “E o Brasil?” A sugestão de que a vitória do presidente implicou a derrota do país é evidente. O texto tenta demonstrá-lo, sem conseguir. Fosse um campeonato, eu desafiaria aqui a turminha a demonstrar que esse governo, no tempo em que ficou enfrentando a fúria dos “white walkers”, permaneceu parado, limitando-se a comprar deputados. Isso também é falso, como assevera o noticiário econômico do grupo nos seus mais diversos veículos. Mas, para noticiar os dados virtuosos da economia, a personagem sempre foi Henrique Meirelles. Ou por outra: tinham um Temer para derrubar e uma equipe econômica para a manter!

Será que essa equação era possível? Como se equipes econômicas se sustentassem sem a necessária articulação no Congresso, que é política. Não fosse só um cálculo ruim, seria um raciocínio infantil, próprio de um tempo em que a maior referência de quem cobre política é “Game of Thrones”, onde estão os… “white walkers”… Ou Caetano Veloso — o dos últimos cinco anos, não o que existiu anteriormente. O que esperar de uma imprensa que põe as emendas liberadas pelo governo na cota da compra de consciências? Mas que se note: merecem essa denominação apenas aquelas que destinadas a parlamentares da base. Quando vão para oposicionistas, aí o governo apenas cumpre uma obrigação. Entenderam?

Mas volto à revista Época para voltar a Michel Temer e, assim, voltar a Eduardo Cunha. Na mesma edição em que confessa, sem querer, uma derrota, a revista faz um quadro intitulado “Eles não quiseram ver”, que traz, numa coluna, as acusações feitas por delatores, expressas nas denúncias, e, na outra, o que chama “evidências”. Chega a ser espantoso. Quando há a referência à acusação de que Temer teria incentivado Joesley Batista a comprar o silêncio de Eduardo Cunha, escreve a revista: “Na conversa no Palácio do Jaburu, no dia 7 de março, Joesley falou da mesada e ouviu de Temer a famosa frase: ‘Tem de manter isso, viu?”

ACONTECE, MEUS CAROS, QUE, DO QUE VAI ACIMA, ESTÁ NA GRAVAÇÃO APENAS O “TEM DE MANTER ISSO, VIU?” NÃO HÁ QUALQUER REFERÊNCIA A UMA MESADA. JOESLEY DIZIA ALI QUE CULTIVAVA UM BOM RELACIONAMENTO COM CUNHA.
Transcrevo:

JOESLEY: [inaudível]. Como é que eu… Que que eu mais ou menos dei conta de fazer até agora. Eu tô de bem com o Eduardo…
TEMER: Tem que manter isso, viu?


A afirmação de que o trecho se referia a dinheiro e à compra de silêncio é de Joesley não está na fita, como sustenta a revista.

Ninguém mais duvida da imoralidade do acordo celebrado entre Joesley Batista e Rodrigo Janot, homologada por Edson Fachin. Aqueles senhores da JBS, sem querer, confessaram a urdidura criminosa da tal trama a que se refere o presidente. Já sabemos mais: o MPF mandou a lei às favas, mais uma vez, e participou das negociações prévias para se chegar a uma delação. Marcelo Miller, então procurador e auxiliar direto de Janot, já confessou a sua atuação, ainda que a minimize. Os próprios delatores admitiram ter mantido reuniões com membros do gabinete de Janot, incluindo o ser. Eduardo Pelella, que era seu chefe de gabinete do procurador-geral.

Agora, de fato, Cunha
Muito bem! Eduardo Cunha sabe que está bem enrolado. Poderia ter disputado com Lúcio Funaro, esse grande patriota, o galardão: aquele que acusar o presidente Michel Temer livra a cara. Por que o ex-deputado não poderia perseguir tal benefício? Porque, acredito, ficaria difícil evidenciá-lo. No seu depoimento desta segunda, no entanto, o ex-presidente da Câmara afirmou com todas as letras, ao se referir à suposta compra de seu silêncio: 


“Queriam atribuir isso para justificar uma denúncia que pegasse o mandato do senhor Michel Temer. Prova forjada, deram uma forjada, e o senhor Joesley foi o cúmplice dessa forjada. Ele está pagando por isso o preço agora”.

Pois é… Cunha disse a um dos Três Mosqueteiros que Temer não era o seu Cardeal Richelieu.

Aí alguém poderia objetar: “Você está me pedindo que acredite em alguém como Eduardo Cunha, Reinaldo?” Ao que respondo: “Bem, então acredite em alguém como Lúcio Funaro”. Que tal? Nesse ponto, alguém poderia propor um empate: “Então que não se creia nem num nem noutro” . Bem, meus caros, como se estivéssemos num jogo de truco, sou obrigado a chamar “seis!” (é a tréplica) e lembrar: “Calma lá! A acusação contra Temer deve render a liberdade ou uma pena bem reduzida ao sr. Lúcio Funaro”. Em casos assim, é preciso que a gente pergunte se o “lucro” está em contar a verdade ou a mentira. E a resposta me parece óbvia. Afinal, Janot buscava, e ele deixou isso claro, de quem? O que ele queria ouvir?

Cunha negou também outras acusações que lhe faz Funaro. Confrontado com uma planilha de pagamentos de que faria parte, na qual haveria uma anotação feita de próprio punho, o ex-deputado desafiou, dirigindo-se ao procurador Anselmo Lopes, que o inquiria:
“Vossa Excelência faça a perícia e comprove que é minha a letra. Vamos representar à PGR [Procuradoria-Geral da República] para fazer reexame na delação do senhor Lúcio Funaro.”

Bem, dizer o quê? Sua Excelência, o procurador, tem de aceitar o desafio. Aliás, Aramis (ops! o juiz Vallisney) tem de determinar o exame do documento — e não deixa de ser espantoso que isso não tenha sido solicitado pela própria acusação. Se a letra na tal planilha for de Cunha, cabe ainda o exame das outras supostas evidências apresentadas por Funaro. Se não for, é claro que a delação do doleiro tem de ser anulada, que ele tem de ficar na cadeia e de ser denunciado por mais um crime.

A fábrica de isentões - CARLOS ANDREAZZA

O Globo - 07/11

A facção justiceira da Lava-Jato, de inspiração jacobina, será — já é — a principal agente eleitoral brasileira para 2018, cujo alcance para influir se tornou senhor da decisão sobre quem poderá ou não concorrer no ano que vem. Mas os efeitos da cultura acusadora que plantou entre nós — essa que condena publicamente indivíduos nem sequer denunciados — por muito tempo permanecerão. Reúno-os sob o título de “renovação política” — algo que devemos perseguir desesperadamente, ao menos de acordo com quase todas as revistas jornalísticas nacionais.

A propósito, viciado na adrenalina folhetinesca dos últimos meses, mesmo o jornalismo terá de se reencontrar com a capacidade de investigar — desintoxicando-se do comodismo de ser mero veiculador de vazamentos seletivos, hábito barato e de repercussão tão espetacular quanto (não raro) irresponsável, o que o coloca na incômoda posição de ventilador acrítico para a circulação de interesses de parte do Estado.

O Brasil é um país doente, mas que prefere se medicar com cosméticos; que define o que quer destruir sem refletir sobre o que haveria como alternativa. Por exemplo: em vez de reformar, com rigor, o sistema de financiamento empresarial de campanhas eleitorais, optou por dinamitá-lo, daí porque — não havia outro destino — já nos afundamos no atraso por meio do qual o Estado bancará as eleições.

Esse é o verdadeiro extremo que nos ameaça. O das escolhas radicalmente popularescas, que jogam para a galera e que de súbito fazem herói, paladino na luta contra os criminosos de colarinho branco, aquele juiz que anteontem criara as condições para que José Dirceu pudesse ser hoje, em liberdade, articulador oculto do projeto de reerguimento eleitoral do petismo. Esse é o extremismo palpável que perturba o país. O das soluções ultraburras, que ignoram nuances e possibilidades de aperfeiçoamento, e jogam na lama os fundamentos da democracia representativa tão arduamente erguidos. E o que haverá como alternativa?

Ao igualar crimes de naturezas e gravidades diversas — como se o assalto ao Estado para financiar um projeto de permanência no poder pudesse ser comparado ao roubo que enriquece fulano e sicrano — e assim ceifar cabeças indistintamente, à revelia dos processos judiciais, e ao se transformar em pauteira-mor do jornalismo no Brasil, editando e distribuindo o enredo por meio do qual se informa que política é exercício para bandidos, a divisão janotista da Lava-Jato, a que tentou limitar o direito ao habeas corpus, contribuiu decisivamente para a criminalização da vida pública neste país, circunstância a partir da qual se desenrolam consequências reais, orgânicas, como a reencarnação competitiva de Lula, reabilitado pela fabulosa multiplicação de chefes de quadrilha, e artificiais, como a requentada ideia de que a solução para a política se encontra fora da política, no desprezo pela representação partidária, essa sendo a matéria deste artigo.

Ou o leitor não terá notado que querem nos vender, como tendência, a ascensão irresistível de movimentos suprapartidários — bancados por ricaços culpados — dispostos a investir em candidatos com perfil para Macron brasileiro?

O troço é tão falso quanto ardiloso. Uma fábrica de isentões cujo produto correrá para se declarar nem de direita nem de esquerda, porque acima — logo explicará — dessa dicotomia ultrapassada; mas que se apresentará com um programa que desfila a própria cartilha esquerdista para o século XXI, apenas domesticada por concessões liberais na economia: desarmamento, legalização do consumo de drogas e pregação abortista etc., tudo, porém, amortecido pelo compromisso com o tripé macroeconômico. Ou seja: uma indústria reprodutora de Obamas a serem comerciados como Macrons. Não há, no entanto, novidade alguma nisso; a não ser o fato de que Marina Silva teria concorrentes no planeta Melancia — caso típico de quando a oferta supera em muito a demanda.

Aí está o que chamam de renovação política; mas que outra coisa não é que imposição do apolítico, paraíso para o desenvolvimento de personalismos — como Luciano Huck. Erra, pois, quem avalia que a recente aceleração da campanha que pretende forjar, por meio do estigma de extremistas, uma polarização entre Lula e Jair Bolsonaro tenha a intenção de beneficiar, franqueando-lhe o terreno do centro (no caso, da centro-direita), algum nome tradicional, como Geraldo Alckmin — já rotulado de velha política pela mesma narrativa renovadora. Esses movimentos — isto, sim — trabalham para que um outsider, embalado como desprovido de caráter ideológico, encarne e capitalize uma percepção difusa de centro equilibrado. Esse é o campo que querem alargar e preencher: o do nem-nem.

Quebrarão a cara. Entre outras razões, em decorrência de uma premissa fundamental ainda pouco examinada, a se verificar tanto mais em período eleitoral: quando alguém chama, por exemplo, Bolsonaro de extremista, chama de extremista igualmente seu eleitor — e também aquele, até então indeciso, que concorda com uma ou outra ideia do candidato.

Goste-se ou não do que representam, os nossos — segundo a butique — extremistas, precisamente porque fazem política, crescem como massa de pão, quanto mais lhes batem. Isso dá notícia não sobre eles, mas sobre o eleitor. Que tem lado. E quer lado.