terça-feira, dezembro 09, 2014

O petróleo era nosso - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 09/12


Preços em queda forçam governo Dilma Rousseff a rever estratégia equivocada para explorar o pré-sal, sob risco de quebrar a Petrobras


O mercado internacional ainda não se refez do atordoamento com a queda no preço do petróleo de 35% em quatro meses. De cerca de US$ 100 o barril em julho, patamar que vigorava desde 2011, o valor recuou para menos de US$ 70.

A retração acentuada parece derivar da confluência de redução do ritmo de crescimento do consumo global com o persistente aumento da oferta por fontes não convencionais, em especial nos EUA.

O consumo perde força pela falta de dinamismo da economia, mas também pela maior eficiência no uso do petróleo, causada, por sua vez, pelos preços elevados.

A Agência Internacional de Energia estima que a oferta de petróleo e gás natural liquefeito por parte de países não membros da Opep crescerá 10% entre 2013 e 2020, atingindo 56,1 milhões de barris/dia.

Nos últimos anos o avanço tecnológico nos EUA permitiu a exploração de reservas antes inviáveis, como as de gás de xisto, o que elevou a produção em 4 milhões de barris/dia. Estima-se que o país possa tornar-se autossuficiente em energia dentro de poucos anos.

Também tem contribuído a produção normalizada em regiões de conturbação, como a Líbia, e a falta de acordo entre os membros da Opep para cortar a oferta. Alguns, como a Arábia Saudita, ao que parece, querem testar os limites de baixa para expulsar do mercado os produtores com custos maiores.

Analistas já preveem que o preço baixo pode perdurar. Isso contribuiria para conter a inflação mundial e para redistribuir renda em favor de importadores, especialmente Europa e China, com estímulo da atividade nessas regiões.

Já nações exportadoras passarão por momentos difíceis, em particular as que dependem dessas receitas para financiar gastos do governo, como Irã, Venezuela e Rússia.

Para o Brasil impõe-se uma análise cuidadosa dos impactos na Petrobras. Os erros estratégicos do governo em sobrecarregá-la com a exploração monopolista do pré-sal podem acarretar graves problemas.

A Petrobras executa o maior programa de investimentos do mundo, de US$ 220 bilhões entre 2014 e 2018. Está obrigada a operar todos os campos petrolíferos, com uma participação mínima de 30%.

Quando o pré-sal foi descoberto, na década passada, estimava-se que a extração só seria lucrativa com o preço do barril acima de US$ 70. Qual seria o patamar hoje, depois das explosões de custos?

A dívida da estatal já chega aos US$ 240 bilhões, equivalente a cerca de quatro vezes o chamado Ebitda (indicador da capacidade de geração de caixa). Não por acaso, as agências de classificação de risco têm reduzido a nota de crédito da Petrobras, que pode perder o grau de investimento em breve.

Se o preço baixo permanecer, e se o governo não quiser quebrar a empresa, precisará repensar a estratégia. Rever planos de investimento, abrir a exploração para mais parceiros --quem virá, nesta altura?-- e elevar preços internos de combustíveis para recompor o caixa são pontos cruciais.

Lula, Dilma e o petrolão - MARCO ANTONIO VILLA

O GLOBO - 09/12

Todas as evidências vinculam o maior esquema de corrupção da história ao PT, inclusive à campanha de 2010


Não há na história da República brasileira um escândalo da magnitude do petrolão. Mais ainda: não há na história mundial nenhuma empresa pública que tenha sofrido uma sangria de tal ordem. Ficamos cada dia mais estarrecidos com a amplitude do projeto criminoso de poder que controla o país desde 2003. Bilhões de reais foram desviados da Petrobras. Agora as investigações devem também alcançar o setor elétrico, as obras do PAC e aquelas vinculadas à Copa do Mundo. Ou seja, se já estamos enojados — aproveitando a expressão utilizada por Paulo Roberto Costa na acareação na CPMI da Petrobras, na semana passada — com o que foi revelado, o que nos aguarda? E quando soubermos da lista de parlamentares e ministros envolvidos?

O país está como aquele indivíduo em Pompeia, no ano 79 d.C., que caminhava tranquilamente nem imaginando que o Vesúvio entraria em erupção. O Congresso mantém sua rotina trocando votos por dinheiro, o que já não causa nenhuma estranheza. O governo não conseguiu nomear seu Ministério e o país está sem orçamento aprovado para 2015. E o Judiciário mantém o ramerrão de sempre: muito formalismo e pouca justiça.

A boa nova é que sociedade civil está se mobilizando. Diferentemente de 2006 e 2010, desta vez o espírito cívico se manteve. Manifestações nas ruas, reuniões, debates nas redes sociais têm marcado a conjuntura pós-eleitoral. É uma demonstração de interesse pelos destinos do país e que desagrada — e não poderia ser o contrário — aos marginais do poder. Mas o que chama a atenção é o silêncio de entidades que, em certa época, estiveram à frente na defesa do Estado Democrático de Direito. Uma delas é a Ordem dos Advogados do Brasil. Qual a razão da omissão? E os artistas? O silêncio tem alguma relação com os generosos patrocínios da Petrobras?

O petrolão atingiu em cheio o governo Dilma. Pesquisa Datafolha divulgada no último domingo mostra que 68% dos entrevistados consideram que a presidente tem responsabilidade no caso. Todas as evidências apresentadas até agora vinculam o maior esquema de corrupção da história ao PT, inclusive à campanha presidencial de 2010. Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, executivo da empreiteira Toyo Setal, afirmou que pagou propina em dinheiro vivo, em remessas a contas no exterior e em doações oficiais ao PT, tudo, segundo ele, combinado com João Vaccari, tesoureiro do partido. Portanto, foram cometidos vários crimes eleitorais. Por que a Justiça Eleitoral está silenciosa? Mendonça Neto disse também que entregava dinheiro vivo a três emissários do PT que se apresentavam com alcunhas típicas de traficantes do Complexo do Alemão: Tigrão, Melancia e Eucalipto.

Alberto Youssef foi claro quando disse: “Não sou o mentor nem o chefe desse esquema. Sou apenas uma engrenagem desse assunto que ocorria na Petrobras. Tinha gente muito mais elevada acima disso, inclusive acima de Paulo Roberto Costa.” A afirmação permite, no mínimo, três perguntas:

1 - Como é possível um esquema dessas proporções sem que autoridades superiores tenham conhecimento ou até comandem essas operações?;

2 - Por que foi organizado este esquema e com quais objetivos?

3 - Como foi possível movimentar fortunas sem que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) tomasse conhecimento?

Neste processo, duas pessoas têm enorme responsabilidade como representantes do Estado brasileiro. O primeiro é o ministro Teori Zavascki. Caberá a ele a responsabilidade de, inicialmente, ser no STF o responsável pelo processo. Na Ação Penal 470, infelizmente, o ministro acabou acatando a tese de um novo julgamento que levou à derrubada da condenação por formação de quadrilha da liderança petista. E, como ficou patente, o julgamento acabou desmoralizado e objeto de chacota. Já no caso do petrolão, é incompreensível a libertação de Renato Duque. O outro é o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Quando assumiu a PGR — e participou da segunda parte do julgamento do mensalão — deixou nos brasileiros uma enorme saudade do seu antecessor, Roberto Gurgel. Teve uma atuação, no mínimo, pífia. Agora, segundo noticiado, teria se encontrado sigilosamente com representantes das empreiteiras envolvidas no escândalo para, sempre de acordo com a imprensa, evitar que o processo chegue aonde deve chegar, ao Palácio do Planalto.

É impossível acompanhar o escândalo sem questionar o papel de Luiz Inácio Lula da Silva. Afinal, a organização e a prática do esquema de corrupção tiveram inicio durante o seu longo período presidencial. Porém, até hoje, apesar da gravidade dos fatos, Lula se mantém em silêncio. Tudo indica que aguarda a revelação das provas em poder da Justiça para só daí — a contragosto — emitir uma opinião. Lula é um safo, como vimos durante o processo do mensalão. Tinha pleno conhecimento do petrolão — e disso não há qualquer dúvida. Nomeou a diretoria da Petrobras com o intuito inequívoco de organizar o maior caixa 2 da história republicana. Se no mensalão ele se salvou, desta vez vai ser muito difícil. Pela primeira vez neste país poderemos ter um ex-presidente não só indiciado, mas condenado pela Suprema Corte. Resta saber se o STF vai agir dentro da lei ou permanecerá um mero puxadinho do Palácio do Planalto, como em outras oportunidades.

Do outro lado do Atlântico, em Portugal, o ex-premiê José Sócrates continua detido suspeito de fraude fiscal e corrupção. Um dia Chico Buarque cantou — ironicamente — que o Brasil iria virar um imenso Portugal. Espero que ele tenha razão.

‘Vamos dominar esse país’- JOSÉ CASADO

O GLOBO - 09/12

Do ‘cartel de leniência’ à relutância em cassar Vargas e Argôlo, sinais de um acordo em Brasília para atenuar punições aos que provocaram prejuízos bilionários à Petrobras



Ensaia-se em Brasília um grande acordo com o objetivo de suavizar punições ao condomínio político-empresarial que fraudou em licitações, lavou dinheiro de corrupção em campanhas e provocou prejuízos bilionários à Petrobras.

No governo, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, estrutura um “cartel de leniência”, no qual algumas empreiteiras pagariam multas. Como resultado, ficariam limitadas investigações sobre a dimensão dos desvios, os pagamentos de subornos e a conivência de instituições financeiras.

Na Câmara, líderes do PT, do Solidariedade e do PMDB advogam por indulgência para os deputados André Vargas e Luiz Argôlo.

Vargas, paranaense de 50 anos, foi flagrado em maracutaias com Alberto Youssef, agente pagador de propinas, quando ocupava a vice-presidência da Câmara pelo PT. Argôlo, baiano de 34 anos, foi surpreendido em obscuras transações com Youssef na posição de vice-líder do partido Solidariedade, ligado à Força Sindical.

Há oito meses adiam-se os seus processos de cassação, por corrupção. Não foram à votação porque assim quis o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, candidato do PMDB de Eduardo Cunha e Michel Temer a um ministério no governo Dilma Rousseff.

Alegações de dificuldades para o Legislativo atuar em ano eleitoral soam tão falsas quanto contratos de assessoria de Youssef com empreiteiras: em 1992, apenas 96 horas antes de uma eleição municipal, 474 deputados decidiram, por voto secreto, afastar Fernando Collor da Presidência da República, por corrupção.

Agora, tem-se uma confluência de interesses partidários e governamentais. Alguns querem evitar a decisão até o recesso, que começa em dez dias. Outros propõem a votação, que é aberta, mas sem estímulo ao quorum. Para cassar mandatos são necessários, pelo menos, 257 votos a favor — a maioria absoluta do plenário.

Punidos nas urnas, Vargas e Argôlo não foram reeleitos. Se premiados no Legislativo, permanecem elegíveis para cargos públicos, até eventual decisão contrária do Judiciário.

Contra ambos há fartura de evidências. Entre elas, meio milhar de telefonemas e mensagens que retratam a aposta na impunidade.

Em setembro do ano passado, por exemplo, festejavam as perspectivas milionárias de um convênio com o Ministério da Saúde. Youssef era sócio oculto de um laboratório farmacêutico, em Indaiatuba (SP), cujo galpão abrigava seis dúzias de máquinas enferrujadas após 30 anos de inatividade. O Labogen só produzia papéis falsos: em 30 meses falsificou 1.945 operações de câmbio para ocultar a remessa de US$ 113,3 milhões ao exterior.

Numa segunda-feira (16/9) técnicos do ministério visitaram o laboratório-fantasma. Viram máquinas camufladas com reluzentes folhas de sucata de alumínio. Dias depois, o então ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT-SP), solenizou a assinatura de “parceria” com o Labogen e os laboratórios EMS e da Marinha.

Youssef escreveu ao vice-presidente da Câmara: “(Será) tua independência financeira. E a nossa também, claro.” A resposta: "Kkkkk.”

Argôlo não se conteve: “A gente vai dominar esse país” — teclou para Youssef, que retrucou: “Se Deus quiser, vamos sim.” O vice-líder do Solidariedade arrematou, em despedida: “Porque somos bons.”