sábado, maio 13, 2017

A Lava Jato é o atestado de óbito do PT - ENTREVISTA - ROBERTO JEFFERSON

REVISTA ISTO É
Débora Bergamasco

O presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, foi próximo do ex-presidente Lula até 2006. Onze anos e um mensalão depois, ele aposta que o petista não voltará à Presidência e que, “se voltar, voltará para o ódio”. Em 2005, Jefferson teve seu mandato cassado na Câmara por quebra de decoro parlamentar, ao mentir a seus pares em CPI. Depois, foi condenado a sete anos de prisão pela Justiça por crimes no mensalão, o esquema de corrupção do governo Lula que o petebista denunciou. Em entrevista à ISTOÉ, ele faz uma análise do atual cenário político em meio aos embaraços da Lava Jato. Jefferson diz não acreditar que a classe política faça um “acordão” para impedir a continuidade da operação, embora entenda que isso interessa ao PT. Afinal, a Lava Jato é “o atestado de óbito” do partido. Com o fim da inelegibilidade, ele pretende concorrer no ano que vem ao cargo de deputado federal novamente.

Há um temor que a classe política, de uma maneira geral, esteja se unindo em torno de um entendimento de que seria melhor para todos os partidos o arrefecimento da Lava Jato. O senhor acredita que isso pode ser feito?

Não pode ser feito. A sociedade não aceita. Uma gravíssima crise vai se instalar se tentarem impedir o avanço das investigações e das sentenças. É um grave equívoco. O PT está com suas lideranças envolvidas e a gente até entende que eles queiram tentar esvaziar a operação. Porque a Lava Jato é um atestado de óbito para todo o discurso que o PT praticou durante a sua existência. Mas não creio que o PSDB queira fazer parte de um grupo que vai conspirar contra a Lava Jato. O PTB não ficará a favor disso. O meu partido não vai apoiar qualquer tentativa de se esvaziar a Lava Jato. Entendo que o juiz Sergio Moro vem agindo com muito bom senso. Não é juiz de ficar se promovendo na imprensa, ele fala através de despachos e sentenças. Quem gera muitas tensões são os procuradores, que são mais novos, com as entrevistas que dão, mas o juiz tem sido muito equilibrado.


Quando o ministro Gilmar Mendes, do STF, chamou os procuradores da Lava Jato de ‘os meninos de Curitiba’ o povo não aceitou



O senhor acha que essas tensões causadas pelos procuradores podem atrapalhar a Lava Jato?

Acho que eles não deviam falar. Justiça não se manifesta de público. Quem faz isso é político. Cabe a eles cumprir essa missão, que é difícil, dura, árdua. Destruir reputações, prender pessoas, chefe de família, dona de casa, esposa de político, não é uma coisa simples, não tem que alardear isso para a mídia. Quando isso acontece, é uma coisa que faz parte de uma profissão. No passado, o carrasco aparecia mascarado na hora de botar a forca ou decepar a cabeça de alguém. Todo mundo sabia que tinha um carrasco, mas ele não queria mostrar a identidade. Hoje, todo mundo quer exibir a forca, a corda e a espada? Não deve fazer isso. Faz em silêncio, quieto.

A reação do ministro Gilmar Mendes foi contundente ao criticar uma eventual tentativa de pressão por parte dos procuradores da Lava Jato, que anteciparam uma denúncia contra José Dirceu para tentar evitar que ele fosse solto pela segunda turma do Supremo Tribunal Federal.

Eu ouvi comentários negativos dos dois lados. Os procuradores terem feito isso no dia do julgamento, nitidamente foi uma tentativa de inibir uma decisão do Supremo. E o discurso do ministro de Gilmar Mendes, que os chamou de “meninos de Curitiba”, o povo não aceitou.

Por que os ânimos estão tão acirrados? Cada um usa as cartas que têm para defender a sua causa?

Penso que com a crise moral, você tem pessoas que querem ocupar espaços que não são delas e que não estão sendo supridos pelas que deveriam ocupar esse espaço. Então, o Judiciário está avançando sobre o Legislativo. Ora tenta avançar sobre o Executivo. Às vezes, o Executivo tenta avançar sobre o Legislativo. Ficou uma coisa sem regra, muito louca. Todo mundo querendo cumprir o próprio papel e quer também avocar o papel alheio.

Há uma crise entre os três poderes no Brasil?

Está um Deus nos acuda. As autoridades estão muito acuadas, os nomes estão muito desgastados, aí acontece isso: todo mundo se lança, todo mundo quer governar, todos querem influir decisivamente no processo legislativo, na decisão executiva ou judicial. Claramente, há uma crise. Por isso, o próximo presidente da República precisa ter esse papel conciliador, colocar os limites que precisam ser lembrados a cada um, mas com habilidade. Alguém que seja realmente um pacificador.

O presidente Michel Temer não poderá assumir esse papel de pacificador?

Ele é contestado o tempo todo, com uns dizendo que “é golpe, é golpe”. A partir do momento que ele estabiliza a economia, e permite a retomada do crescimento e a queda do desemprego, ele aumenta o prestígio dele e poderá, então, dialogar. Essa divisão é muito difícil. Quebra muito a autoridade da pessoa. É que ele é um cara sensato, equilibrado. Imagine se ele começasse a responder: “Vocês quebraram o Brasil!”. Mas ele é calmo, tranquilo, recatado, vai levando.

O que achou da decisão da segunda turma do STF que mandou soltar o ex-ministro José Dirceu, que estava preso preventivamente?

Tecnicamente correta, mas moralmente insustentável. Porque o povo não aceita, não dá para aceitar. Mesmo porque tem mais de 30 anos de condenação. E legalmente ela pode ser questionada também, porque ele tem como influir ainda no processo, na formação de prova. Tem muito personagem ligado a ele. Você veja, o diretório do PT faz uma moção de apoio. A primeira coisa que ele faz é uma carta atacando o juiz Moro, os procuradores, dizendo para dar uma guinada à esquerda. Quer dizer, conclamando à luta. Ele pode gerar muito conflito e até ofender a ordem social do País. Respeito a decisão do Supremo, mas entendo que foi muito equivocada.

O ex-presidente Lula conseguiu enfrentar o mensalão, reelegeu-se, emplacou a sucessora duas vezes. É réu em cinco ações e segue favorito nas pesquisas. Como avalia a imagem dele hoje?


Naquela faixa de 20% do eleitorado de esquerda, ele é inocente. E tem uma outra parcela, os mais politizados, que acham que ele é o Robin Hood, quando rouba do rico para dar para o pobre. Tem esse mito. Mas não vejo chance de ele voltar. Ele não será presidente do Brasil outra vez. Ele perde no voto, a rejeição é muito grande. Ele virou um político comum, igual aos outros.

O senhor acha que ele se tornou um “rouba, mas faz”, como ficou conhecido o deputado Paulo Maluf?

Eu não vou dizer que ele é igual ao Maluf. Eu não quero brigar com o Maluf. Não vou ofender o Maluf, tenho respeito por ele. Mas quando ele está no aeroporto do Ceará e o pessoal diz: “Lula, ladrão, teu lugar é na prisão”, aí você já vê. Ele diz que no Nordeste é imbatível, então a gente começa a perceber que lá também está perdendo muito do respeito que conquistou.

As pesquisas, que apontam Lula em segundo turno em qualquer cenário, animaram não só o ex-presidente, como também a militância.

Isso é recall. Eu já não gosto de recall porque eu só vejo isso para trocar peça de automóvel que veio com defeito de fábrica. Lula tem recall e recall, para mim, no Lula é um gravíssimo defeito. Eu aposto com você que vão trocar as peças dele e que ele não volta para a Presidência da República.

O senhor acha que o Lula vai ser preso?

Não agora. Deve ir sendo condenado nos processos. Especialmente com essa robusta declaração que fez o (ex-diretor da Petrobras) Renato Duque contra ele, mostrando que Lula tentou prejudicar as investigações.Impedir a persecução penal, o esclarecimento do crime, é um negócio terrível. Está envolvido, ordenando e tentou impedir que justiça se fizesse. Olha, nem o Lula, que acha que é semi-Deus, consegue sair de cinco inquéritos, não há a menor condição. Preso ele será, mas não sei se agora. Vejo que o Moro está agindo com muita cautela. É um jogo de xadrez. Já jogaram no chão os peões, aí colocaram os bispos no chão, depois os cavalos, as torres. Derrubaram a rainha e o rei está em xeque. Não está em xeque-mate, mas xeque ao rei. Agora é continuar apurando. Esclarecendo esses processos, não tem jeito mais para o Lula, não.

O que espera da eleição presidencial de 2018? Será o ano de um aventureiro?

Aventureiro eu não digo. Quem se lança tem que ter passado, biografia, bom nome, quem não for assim não vai ter condições. Você vai ter gente de fora da política, vai ter governadores e prefeitos bem provados, empresários de grande nome. Nas Forças Armadas pode vir um grande nome militar. Na área de esportes também, o Bernardinho (ex-técnico de vôlei) é um nome disputadíssimo no Rio. Tenho ouvido que há um apelo para que o general Augusto Heleno dispute a eleição presidencial no Brasil. Vamos ter nomes qualificados.


Temer é sensato, equilibrado. Se estabilizar a economia, poderá liderar a pacificação nacional


E qual sua avaliação sobre o João Doria?

Eu acho que é cedo para ele. Tem que esperar um pouco mais. Não mostrou ainda a que veio. Ele joga bem, tem um grupo de imagem em torno dele, é um cara que tem liderança, vigor, atitude. Mas ele é um pouco duro demais nas colocações. Estamos precisando de um perfil conciliador e ele é um rompedor. Ele é de meter o peito, de brigar. Vamos precisar de um político honesto como ele é, bom administrador, mas que seja um conciliador, para o país não ficar dividido.

O senhor acha que tem uma disposição das pessoas em se conciliar?

Você vai ver que quem fizer o discurso de ódio na eleição vai perder. O povo quer paz, quer viver em paz. O povo quer isso? Paulada, facada, sangue? Precisamos de um Maduro aqui? A Venezuela caiu de Maduro.

Lula, se voltar, já falou em regulação da imprensa…

O Lula, se vier, vem para o ódio. Não virá para o amor. Acabou o Lulinha paz e amor. O discurso do Dirceu já deu o tom dizendo “vamos dar uma guinada à esquerda”. Isso é ódio. Não tem regime de esquerda que não se funda no ódio, na luta de classes e no derramamento de sangue.

E qual seu diagnóstico político hoje, neste confuso cenário?

Temos que aprovar as reformas com urgência.

Zé Dirceu e a sedução do mal - FLAVIO GORDON

GAZETA DO POVO - PR - 13/05

Nossos homens de cultura têm o hábito de enfatizar a mistura, a confusão, o lusco-fusco. A percepção de uma diferença nítida entre mal e bem foi desacreditada, tida por arcaica



Em Hitler e os Alemães, o filósofo Eric Voegelin menciona o caso de um prestigiado acadêmico alemão que, recusando as explicações anteriores sobre o Führer, sobretudo as de teor psicológico, pretendeu oferecer uma descrição objetiva e documental, baseada em “fatos úteis”. Imbuído daquela afetação de objetividade, o sujeito saiu-se com pérolas do tipo: “Hitler tinha olhos profundamente azuis, radiantes” e “Tinha um nariz feio, mas também uma fronte alta, orelhas bem formadas, uma compleição de garota e nenhum traço de calvície”, e ainda “Deixava cair os braços casualmente, mas não os colocava nos bolsos da calça”.

Voegelin cita o caso para ilustrar um estado de corrupção cultural que, responsável por haver conduzido os nazistas ao poder, de algum modo sobrevivera à sua queda. Sem que ele próprio tivesse alguma vez demonstrado qualquer simpatia pelo nacional-socialismo, aquele acadêmico sucumbira, no entanto, à pretensa “aura” de Hitler, apegando-se a minúcias insignificantes no ato mesmo de oferecer uma descrição “científica”.

Nosso país foi dessensibilizado por sua elite artística e intelectual para o drama moral da existência 


Lembrei do que vai acima ao notar, espantado, o tratamento que a grande imprensa nacional tem dispensado à soltura de José Dirceu. “Após ser solto, Dirceu come pinhão e tira fotos com amigos”, lemos em um jornal de grande circulação nacional. “Dirceu pede pizza em sua primeira noite livre”, é a manchete de outro. E, por meio de um terceiro, ficamos sabendo que “parecia mais interessado em aproveitar as delícias do café, com queijo de Minas, pães, bolos, frutas e sucos, do que em comentar o seu processo”. Ao que parece, também nossos jornais estão mais interessados em ouvi-lo falar sobre isso.

O tom das matérias ilustra aquilo que demonstraram Mario Vieira de Mello em Desenvolvimento e Cultura: O problema do estetismo no Brasil e, mais recentemente, Martim Vasques da Cunha em A Poeira da Glória: nosso país foi dessensibilizado por sua elite artística e intelectual para o drama moral da existência. Com raras exceções, nossos literatos, artistas e dramaturgos têm ignorado o problema do mal. Nunca tivemos um Dante, um Shakespeare, um Dostoievski, um Bernanos. Não me refiro aqui, bem entendido, à qualidade literária, mas à atenção dada ao tema da moralidade.

Nossos homens de cultura têm o hábito de enfatizar a mistura, a confusão, o lusco-fusco. A percepção de uma diferença nítida entre mal e bem foi desacreditada, tida por arcaica. Fazem-nos ver o “lado humano” de criminosos, ao mesmo tempo que nos induzem a desconfiar da bondade e do heroísmo. “Ninguém é tão bom assim. Esse sujeito deve dormir com a cunhada” – ensinam nossas letras e artes. Descuidados de Mateus 5,37 (“Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; Não, não; porque o que passa disto é de procedência maligna”), aceitamos a língua dupla da malícia disfarçada de “complexidade do real”.

A estetização na cultura conduz àquilo que o poeta T. S. Eliot chamou de “imaginação diabólica” – a sedução pelo mal. Daí que, desprovidos de discernimento moral, muitos de nossos formadores de opinião acabem se deixando seduzir pela “aura” de bandidos como Zé Dirceu e o traficante Nem (certa vez descrito por uma jornalista como “educado, alto, moreno e musculoso”). E, lamentavelmente, como sabemos desde Hannah Arendt, essa banalização do mal não pode deixar de propagá-lo.
Flavio Gordon, doutor em Antropologia, escritor e tradutor, é autor de A Corrupção da Inteligência: Intelectuais e poder no Brasil (no prelo).

Ele nunca sabe de nada - CARLOS JOSÉ MARQUES

REVISSTA ISTO É

Perdoem o réu Luiz Inácio. Ele não sabe de nada. Não sabe o que faz. Não sabe o que tem. Não sabe de onde vem o que recebe. Não sabe por que lhe deram. Não sabe quem pediu para ele ou em nome dele. Não sabe quem são ou o que fazem pelas costas os auxiliares que lhe prestam vassalagem. Gente de boa alma. Nem o que a sua falecida mulher, Dona Marisa, desejava com um tríplex – se para investir ou para abrigar a família – estava no escopo de seu conhecimento. Ou interesse. Suprema desfaçatez, Luiz Inácio, o réu, alegou sequer influenciar nas decisões do PT. Não se metia nas deliberações da agremiação que criou e na qual é, até hoje, o plenipotenciário manda-chuva. Por aí, nessa toada, dá para se tirar uma medida do grau de verdades que emitiu a cada trovejante reação contra as acusações que lhe pesam sobre os ombros. O réu Luiz Inácio parece ter seguido assim a vida inteira. Alheio. Na presidência da República, em casa, entre os parceiros de partido, no âmbito dos assessores, aliados e colaboradores mais diretos. Conveniente alienação de sentidos. Aproveita o jatinho dos outros, as regalias e rapapés que lhe trazem. Mas se o sujeito tem contas a pagar ao cartório, problema dele! Mal comparando, Adriana Ancelmo, a ex-primeira-dama fluminense, mulher do ex-governador enjaulado, Sérgio Cabral, também depôs dizendo desconhecer de onde vinha tanto dinheiro.

Ela adorou as joias, bolsas de grife, viagens em primeira classe, propriedades fabulosas. Porém a culpa sobre a origem ilícita dos recursos que bancavam a farra não é dela. Quem não almeja tamanha benevolência despojada de responsabilidade? O que é mais incrível e improvável é que mesmo sendo tão ausente de percepção do que faziam de errado às suas fuças estava ele, Luiz Inácio, sempre como elo de quase todas as tramoias. Presente ou participando de vários dos entendimentos que levaram a malfeitos escabrosos. 


Histórias cabeludas de favorecimento, lautos desvios de dinheiro público, benesses para os amigos e dos amigos para ele. No conjunto, Luiz Inácio, o réu, responde hoje por crimes que lhe renderão, caso julgado culpado, centenas de anos de cadeia. Dentre os quais, a propina em forma de tríplex, é apenas um deles. O primeiro da lista. Provavelmente com essa violação de conduta – pela profusão de provas documentais e testemunhais e pelas evidências que não param de fluir – será condenado. Luiz Inácio, o réu, continua mesmo assim como aquele “showman” de comício. Faz um carnaval danado de qualquer aparição, com direito a picadeiro e plateia de áulicos seguidores. Esbanja incongruências. Diz para a turba de bajuladores que vai comparecer sempre que a Justiça o chamar. Arranca aplausos efusivos pela demonstração de coragem. Nos bastidores, entretanto, aciona pedidos de habeas corpus para evitar as audiências. Exige afastamento do juiz por suposta perseguição. Adota o mais variado leque de recursos protelatórios, empurrando com a barriga o confronto da verdade. A arguição dos fatos. A procrastinação de processos e a tentativa de politizar toda e qualquer investigação, diz muito do Luiz Inácio que sonha ser mais Lula dos palanques, folclórico, incoerente e trovador de fanfarras para evitar as grades. Seriam Lula e Luiz Inácio a mesma pessoa? Quem sabe até nisso podem pairar dúvidas no entorno do líder bufão e no íntimo dele mesmo. Das duas, uma: ou será o réu, Luiz Inácio, um ladravaz contumaz, ou um abduzido da realidade que o cerca. Sua estratégia de defesa não traz argumentos para contrapor as acusações. Reside nos discursos, nas bravatas, nos ataques àqueles que apontem seus desvios, o modelo de revide. Pobre alternativa. Não é no gogó que Lula – perdão a falha, o réu Luiz Inácio – levará a Justiça. Pode iludir cegos seguidores e cupinchas de rolo. Jamais a lei que pune os crimes gritantes. Mas talvez, até isso, Luiz Inácio, o réu, não saiba o que é.

Um ano de governo Temer - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - 13/05

Temer podia simplesmente completar o mandato reduzindo danos da recessão ou realizar as reformas impopulares, mas necessárias; escolheu a segunda alternativa


O governo Michel Temer completou um ano, entre interinidade e efetividade, na sexta-feira, dia 12. Depois dos 13 anos e meio de descalabro petista, ainda mais evidente nos mandatos de Dilma Rousseff, Temer tinha diante de si duas opções: “levar com a barriga” até o fim de 2018, trabalhando apenas na contenção dos danos da recessão; ou realizar as reformas necessárias e que nenhum governo anterior havia levado a cabo, ou não na intensidade necessária. O presidente demonstrou, desde o início, que optaria pela segunda alternativa.

Há de se reconhecer esse mérito: Temer é um político da velha guarda, mais um articulador político de bastidores que um líder empolgante. Ele assumiu a Presidência já com o risco de perdê-la graças ao processo que corre no Tribunal Superior Eleitoral contra a chapa vencedora em 2014, e depois foi citado em suspeitas de participação em irregularidades de campanha. E, apesar de tudo isso, demonstrou consciência do que precisava ser feito e tem conseguido levar adiante as reformas mesmo no atual pântano político nacional. Um presidente populista não o faria; tampouco alguém preocupado com reeleição ou com fazer um sucessor.

Chega a ser surpreendente que as reformas estejam andando 

Chega a ser surpreendente, portanto, que as reformas estejam andando. Mas não sem um preço complicado. Temer manteve seu grupo político junto de si apesar das suspeitas que já recaíam sobre vários de seus integrantes, apoiando-se em políticos como Romero Jucá, Eliseu Padilha, Moreira Franco, Geddel Vieira Lima e Renan Calheiros (quando este presidia o Senado e era peça importante para a tramitação das reformas). A habilidade na articulação política falou mais alto que a lisura moral, uma falha que não se pode deixar de censurar, até porque, apesar da queda de uns e outros, parte desse grupo permanece no governo.

Na economia, por outro lado, Temer optou pela qualidade técnica da equipe, com saldo bem positivo. Ainda na interinidade, resolveu enfrentar o problema da explosiva dívida pública e anunciou o que se tornaria a PEC do Teto de Gastos. Com sua aprovação, o governo passou às necessárias reformas previdenciária e trabalhista, que avançam no Congresso. Ao lado de uma série de medidas liberalizantes, como a abertura à crescente participação privada na infraestrutura e as “reformas microeconômicas”, que desburocratizam a atividade produtiva, Temer está conseguindo implantar uma plataforma que, se vitoriosa, dará as condições para um crescimento sustentado e duradouro do país.

No entanto, duas grandes ameaças ainda pairam sobre o país. A primeira é a não aprovação das reformas. O perigo não está apenas na rejeição pura e simples de alguma das reformas, mas também em sua mitigação a ponto de torná-las inócuas. Temer está lidando com deputados e senadores que, ao contrário do presidente, têm pretensões para 2018 e adorariam poder dizer a seus eleitores que tornaram mais palatáveis projetos que “tiram direitos” de trabalhadores e aposentados. O próprio perfil de Temer como articulador tem levado a algumas concessões que foram além do ideal e fizeram o ministro Henrique Meirelles dizer que, no caso da Previdência, já não há mais espaço para mudanças substanciais.

E, como se não bastasse, vários desses parlamentares com quem Temer precisa negociar parecem mais preocupados em salvar a própria pele, investigados que são, em vez de salvar o país. Aqui reside a segunda (mas não menos importante) ameaça. As pressões no Congresso pela aprovação de projetos de lei que inviabilizem o combate à corrupção são enormes. Se Temer não quiser que o eventual êxito econômico das reformas acabe ofuscado pela bancada da impunidade, terá de demonstrar força ainda durante a tramitação de projetos como o de abuso de autoridade, ou precisará ter a coragem de vetar textos aprovados pelo Congresso e que tenham o objetivo de facilitar a vida dos corruptos.

Se colocar a economia do país nos trilhos e frear o impulso pela impunidade no Congresso, Temer seguirá os passos de Itamar Franco – outro vice-presidente que deixou um legado para o país, com o Plano Real – e será lembrado de forma positiva por muitas décadas.

Um ano de Temer - SUELY CALDAS

ESTADÃO - 13/05

Em seu 1.º discurso, ele prometia buscar confiança. Desde então, coleciona sucessos e fracassos


Como o grito Eureka!, que o cientista grego Arquimedes bradou ao descobrir a solução para um complexo dilema do rei Hierão, o presidente Michel Temer simbolizou na palavra confiança a descoberta de um novo caminho que tirasse o Brasil do caos deixado por Dilma Rousseff.

Há um ano, em seu primeiro discurso como presidente da República, ainda interino, Temer enfatizou e repetiu três vezes: “Confiança, confiança, confiança”. Prometia buscá-la e, desde então, vem colecionando sucessos e fracassos. Conquistada com falhas e lacunas, a confiança foi fundamental para derrubar a inflação. E isso não é pouco, é condição indispensável para controlar a explosiva dívida pública, reduzir os juros e retomar o crescimento econômico, entre inúmeros outros efeitos positivos para a saúde da economia. Porém a enorme falta de ética e a desconfiança em relação à classe política, sobretudo no partido do presidente, empurram o Brasil para sucessivas crises (oito ministros demitidos por corrupção) e robustecem um clima de instabilidade política que atrapalha e adia a implementação de ações voltadas para acelerar o investimento, o crescimento da economia e a geração de empregos.

Por paradoxal que seja, é justamente neste ambiente de instabilidade política, com parlamentares da base aliada desacreditados e acusados de corrupção pelos delatores da Operação Lava Jato, que Michel Temer vem conseguindo algum êxito na relação com o Congresso Nacional e a classe política.

Aprovou no Legislativo a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Teto dos Gastos, deu um bom empurrão na reforma trabalhista e é provável que a difícil reforma da Previdência seja votada e aprovada na Câmara dos Deputados no início de junho. Nesse campo, tudo indica que, em um ano de governo, Temer vai conseguir o que Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma não conseguiram ao longo de seus mandatos. E isso tudo com a popularidade do presidente no chão.

A confiança clamada por Temer era consequência do enorme descrédito em Dilma Rousseff e da profusão de erros e fracassos a que ela submeteu o País com a desastrada “nova matriz econômica”. Mas durou pouco o clima de otimismo que sucedeu. O mérito do novo presidente ao escolher sua qualificada e respeitada equipe econômica não se repetiu na escolha dos ministros da área política. Até agora, a confiança na gestão econômica foi pouco abalada, e o fato de a inflação ter desabado de 10% para 4,08% em apenas um ano ajudou muito, mas o País dá, ainda, sinais inseguros de saída da recessão.

O programa de privatização poderia estar mais avançado, no entanto ocorreram ações concretas: a licitação dos aeroportos de Fortaleza, Porto Alegre, Salvador e Florianópolis; três novos leilões de petróleo (dois deles na área do pré-sal) previstos para acontecer em setembro e em outubro; parcerias público-privadas com Estados nas áreas de saneamento e distribuição de gás a caminho; e leilões de linhas de transmissão no setor elétrico são algumas iniciativas. Porém, com o Estado aplicando apenas 2% em investimentos, é urgente e necessário planejar uma política estratégica focada em atrair capitais privados para toda a infraestrutura. São iniciativas que dão fôlego ao desenvolvimento, geram riqueza e ajudam a reverter o desolador quadro de 14,2 milhões de desempregados existentes hoje no Brasil.

Por ter tido o cuidado de nomear Pedro Parente, um gestor com experiência técnica e currículo respeitados, Temer obteve importante e positiva resposta na estratégica Petrobrás. Massacrada ética e financeiramente pelos dois governos petistas, há dois trimestres seguidos a estatal já contabiliza lucro, murchou o inchaço de pessoal e tem reduzido seu elevado endividamento. A Eletrobrás não conseguiu ainda sair do prejuízo, mas o governo prepara o desmonte da desastrada política de tarifas de Dilma, que quase levou essa estatal à falência e o setor elétrico à completa desordem.

Inocência - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 13/05

Lula quer fazer acreditar que “forças antipopulares” decidiram se unir em descomunal conspiração para que ele não volte à Presidência. Haja fé para acreditar nisso


É preciso uma dose cavalar de ingenuidade para acreditar que tudo o que se disse e se soube sobre Lula da Silva nos últimos dias é apenas parte de uma conspiração para impedir que o chefão petista volte à Presidência, como insistem em dizer seus sequazes. A ingenuidade é tanta que, provavelmente, ingenuidade não é.

A esta altura, quem ainda acredita, de coração, nos veementes protestos de inocência de Lula, ou bem considera o petista um santo, e por isso lhe presta inabalável devoção religiosa, ou é simplesmente tolo. A julgar pelo fiasco da mobilização promovida pelos sindicatos em Curitiba para apoiar Lula no dia em que este prestou depoimento ao juiz Sérgio Moro, parece haver cada vez menos gente disposta, voluntariamente, a se abalar pelo ex-presidente, restando em sua torcida somente aqueles que são pagos para defendê-lo, como seus advogados e os sabujos de sempre.

Não é para menos. Os depoimentos do ex-diretor da Petrobrás Renato Duque e do casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura colocaram Lula bem no centro do petrolão, o maior esquema de corrupção da história pátria. Decerto há mais por vir – pois ainda não contaram o que sabem os trancafiados Antonio Palocci, ex-ministro, tido como o principal operador petista do esquema, e João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, que arrecadava os recursos desviados da Petrobrás e entregava ao partido. Mas o que emergiu até aqui deveria ser suficiente para fazer qualquer pessoa de bom senso e com razoável nível de inteligência pelo menos desconfiar que Lula talvez não esteja falando a verdade quando nega tudo.

O marqueteiro João Santana, por exemplo, disse que Lula estava plenamente informado de que os pagamentos por seus serviços na eleição de 2006, vencida pelo petista, foram feitos por meio de caixa 2. O mesmo aconteceu com Dilma Rousseff, para cujas campanhas de 2010 e 2014 João Santana trabalhou.

Santana disse que toda a negociação era feita com Palocci, mas afirmou que o ex-ministro lhe dizia que nada podia ser feito sem “a palavra final do chefe”, isto é, Lula. Já Mônica Moura disse que recebeu alguns pagamentos em dinheiro vivo, escondido em caixas de sapato, entregues por um emissário de Palocci. Segundo Mônica, houve vezes em que, nas negociações com Palocci, o ex-ministro disse que “tinha que falar com o Lula, porque o valor era alto, e ele não tinha como autorizar sozinho”.

Não foi apenas João Santana quem se referiu ao ex-presidente como o “chefe”. Renato Duque, acusado de ser o principal representante do PT no esquema de assalto à Petrobrás, informou em depoimento que Lula era chamado de “chefe” e “grande chefe” por aqueles que participavam da roubalheira. Além disso, Duque relatou que teve ao menos três encontros com Lula, nos quais, segundo disse o ex-diretor, ficou claro que o ex-presidente “tinha pleno conhecimento de tudo e tinha o comando”.

Lula, é claro, negou tudo no depoimento ao juiz Sérgio Moro. Mas ele não se limitou a negar. Primeiro, desempenhou o triste papel de viúvo de dona Marisa Letícia. Depois, seguindo a linha traçada por sua defesa desde que surgiram as primeiras denúncias de seu envolvimento direto no escândalo, o petista tratou de reafirmar que é “vítima da maior caçada jurídica que um presidente já teve”. Para caracterizar o complô, ele enfatizou que a imprensa “criminaliza” e “demoniza o Lula”.

Com essa disposição de definir seu processo como uma ação arbitrária típica de um estado de exceção, a defesa do ex-presidente já foi até ao Comitê de Direitos Humanos da ONU para denunciar o juiz Sérgio Moro e a Lava Jato. Segundo esses advogados, Lula não teve assegurado seu pleno direito de defesa e existe uma espécie de “gincana” entre delatores para ver quem compromete mais o ex-presidente. “Eu estou sendo julgado pelo que fiz no governo”, disse Lula ao juiz Moro, a título de defesa.

Lula quer fazer acreditar que todas as “forças antipopulares” decidiram se unir numa descomunal conspiração simplesmente para que ele não consiga voltar à Presidência. Dessa conjura participariam dezenas de executivos de empreiteiras e da Petrobrás, marqueteiros, a Justiça, o Ministério Público, a imprensa e, enfim, todos os cidadãos que não são petistas. Haja fé para acreditar nisso.

Diferença gritante - EDITORIAL ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 13/05


Para cobrir o rombo previdenciário do setor privado, foram necessários R$ 4,4 mil por aposentado, enquanto no setor público o montante per capita chegou a R$ 49 mil



O déficit do INSS e das previdências públicas consome anualmente R$ 315 bilhões da União e dos Estados. Enquanto o sistema de aposentadorias do setor privado leva algo em torno de R$ 150 bilhões para ajudar a pagar os benefícios de pouco mais de 29 milhões de aposentados, as previdências dos funcionários públicos demandam R$ 165 bilhões para atender 3 milhões de servidores civis e militares. A espantosa diferença, destacada em recente reportagem do Estado, ilustra o tratamento privilegiado dado ao setor público, na comparação com o setor privado, e ajuda a explicar o alarido dos servidores públicos contra a reforma da Previdência.

Para cobrir o rombo previdenciário do setor privado, foram necessários R$ 4,4 mil por aposentado, enquanto no setor público o montante per capita chegou a R$ 49 mil. O valor sobe para R$ 113 mil quando se consideram apenas os militares. A explicação para tamanha discrepância é que os servidores públicos dispõem de uma série de regalias. Embora desde 2004 esteja em vigor uma regra que limita a 80% dos salários na ativa o benefício pago aos servidores aposentados, a maioria atualmente no funcionalismo foi contratada antes daquele ano e, portanto, continua a ter direito à aposentadoria integral, relativa ao último salário. Além disso, sempre que o salário dos servidores na ativa é reajustado, o aumento é repassado aos aposentados. Como houve deliberada política de valorização salarial dos funcionários públicos nos governos petistas, o aumento real das aposentadorias chegou a quase 40% nos últimos dez anos.

Leonardo Rolim Guimarães, ex-secretário de Políticas de Previdência Social, resumiu a questão de maneira clara: “Há uma enorme disparidade entre público e privado porque os servidores têm privilégios que elevam o valor do benefício”. A reforma da Previdência encaminhada pelo governo visa justamente a reduzir o abismo entre os trabalhadores do setor privado e os funcionários públicos, ao estabelecer limite de idade para a aposentadoria dos servidores, reajustar os benefícios do funcionalismo pela inflação e impor regras mais severas para o seu cálculo.

Não se pode mais admitir que haja trabalhadores – nem aposentados – de primeira e de segunda classe. Por muitos anos os servidores públicos foram mimoseados com benefícios que a maioria dos empregados da iniciativa privada apenas sonha ter. Agora, a título de defender “direitos”, os servidores lideram os protestos contra a reforma da Previdência, por razões mais do que compreensíveis, já que a proposta do governo, se não acaba integralmente com seus privilégios, ao menos os torna menos escancarados.

Os adversários das reformas acusam o governo de pretender reduzir ou mesmo eliminar benefícios que, segundo esse discurso, atendem majoritariamente os mais pobres. As aposentadorias seriam, então, parte do que os sindicatos à frente dos protestos chamam de “justiça social”, como se fosse função da Previdência contribuir para a redistribuição de renda no País.

O problema, como sempre, é a aritmética. A conta simplesmente não fecha, a não ser que se negue a realidade, como têm feito os sindicatos, em especial quando argumentam, pasme o leitor, que a Previdência não é deficitária.

No mundo real, a Previdência não só é deficitária, como o déficit é explosivo e, se não for contido por uma expressiva reforma, comprometerá as contas públicas nas próximas décadas. Se o Congresso decidir manter os privilégios dos funcionários públicos aposentados, será necessário aumentar impostos, o que trava o crescimento econômico e a geração de empregos; tirar dinheiro de outros setores, como saúde, educação e investimentos em infraestrutura, que geralmente atendem as classes mais baixas da população; e aumentar a dívida pública, o que gera inflação, espécie de “imposto” que pesa muito mais sobre os pobres. Ou seja, a elite do funcionalismo quer manter seus privilégios mesmo que inviabilize totalmente a “justiça social” que tanto diz defender.

Iolanda em obstrução - MERVAL PEREIRA

O Globo - 13/05

Dilma corre risco de prisão por obstruir Justiça.


Há tantas possibilidades de provas nos depoimentos dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura, que não é exagero dizer que a ex-presidente Dilma corre o risco de ser presa por obstrução da Justiça a qualquer momento, em prisão preventiva decorrente da investigação policial que foi desencadeada a partir dos relatos agora liberados para divulgação.

A prisão em flagrante não cabe neste momento, passado tanto tempo do ocorrido. Dilma Rousseff avisou por telefone que João Santana seria preso, numa clara ação de obstrução da Justiça, agravada pelo fato de que Dilma era a presidente da República na ocasião e recebia informações diretamente do então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.

Ele confirmou que, “por dever de ofício”, comunicava a presidente do andamento das investigações à medida que recebia os informes da Polícia Federal. Mesmo que esse dever de ofício o obrigasse a esses relatórios, eles não deveriam ser feitos com tanta antecedência que permitisse avisos aos procurados pela Justiça com 48 horas de antecedência.

E, no limite, a presidente da República não poderia nunca usar as informações que recebia para alertar seus amigos marqueteiros. A maneira como a ex-presidente Dilma Rousseff se comunicava com eles, e os conselhos que dava de acordo com as informações que recebia sobre as investigações, agravam mais ainda a situação.

Mônica Moura relatou, por exemplo, que um dia recebeu um e-mail clandestino da presidente, que se assinava para tais fins com o codinome Iolanda do Carmo Ribeiro, pedindo um telefone seguro para conversar. Passaram-lhe então o número da produtora em que se encontravam, na República Dominicana, e “Iolanda” avisou então que a Lava-Jato já havia obtido um mandado de prisão contra eles.

Anteriormente, já enviara um aviso pelo tal e-mail fake criado para comunicações clandestinas, através de linguagem figurada, de que um amigo estava em fase terminal e o pior era que a mulher dele também estava seriamente doente, advertindo que os dois já estavam na mira da Operação Lava-Jato.

Mas a “presidenta honesta” já atuara em outras ocasiões para obstruir a Justiça. Sugeriu que os marqueteiros transferissem uma conta da Suíça para Cingapura, que seria um lugar mais seguro. Como se vê, a então presidente Dilma tinha mesmo preocupações com as contas na Suíça dos envolvidos no esquema de propinas da Odebrecht, tanto que comentou com o ex-presidente Lula que soubera que Renato Duque, ex-diretor da Petrobras, tinha uma conta na Suíça.

Foi o que bastou para que Lula convocasse Duque para uma conversa, e seu relato do encontro está cheio de contradições. Duque disse que Lula o orientou a não ter contas na Suíça relacionadas aos pagamentos da Odebrecht. Na sua ingênua versão, o ex-presidente disse que, ao receber a resposta de Duque de que não tinha conta na Suíça (o que era mentira), ficou tranquilo e encerrou o assunto.

Tanto o ex-presidente quanto a então presidente Dilma não estavam preocupados com a corrupção em si, que, pelos relatos, comandavam, mas com os sinais de corrupção que uma conta na Suíça deixava pelo caminho.

Dilma Rousseff pode pegar de três a oito anos de prisão pelo crime de obstrução à Justiça, segundo o professor Thiago Bottino, da FGV Direito Rio. Não será difícil identificar tanto o IP do computador de onde saíram as mensagens para a dupla Santana e Mônica, como também o telefone de onde foi feita a ligação para o Panamá com o aviso de que seriam presos.

Mais contradições

O ex-presidente Lula, em seu depoimento ao juiz Sergio Moro, isentou-se de responsabilidade por tudo o que aconteceu na Petrobras, dizendo que não tinha ingerência na empresa.

Pois está circulando na internet um vídeo de 2010 em que o então presidente Lula vangloria-se, em uma cerimônia em Angra dos Reis, de que a Petrobras deixou de ser uma “caixa-preta”, como nas gestões anteriores ao seu governo:

“No nosso governo, ela é uma caixa branca e transparente. Nem tão assim, mas é transparente. A gente sabe o que acontece lá dentro, e a gente decide muitas das coisas que ela vai fazer”.

A ressalva irônica sobre a transparência “mas nem tanto” tirou gargalhadas dos presentes, entre eles o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, que está com seus bens indisponíveis.

Um banco amigo - MIRIAM LEITÃO

O Globo - 13/05
O BNDES aportou mais de R$ 620 milhões para o JBS comprar a National Beef nos Estados Unidos, mas a autoridade antitruste de lá vetou a aquisição. O banco, então, deixou o dinheiro com o grupo para ajudar no fluxo de caixa na crise ou para outras compras. O BNDES e o JBS eram assim: amigos. A operação de ontem está investigando várias esquisitices no tratamento que o grupo recebeu do banco.

Há de tudo, segundo se pode ver em quatro casos periciados pela Polícia Federal. Prazos que terminam e são sucessivamente prorrogados, ações convertidas a preços favorecidos, explicações contraditórias, dispensa de garantias. No caso da National Beef, a BNDESPar poderia ter cancelado a subscrição quando o negócio não pôde ser realizado. Mas não o fez. Alegou, num dos aditivos, que havia uma crise de liquidez no mundo em 2009 e isso eliminaria uma folga de caixa na JBS. Em outro aditivo informou que a empresa faria “uma ou mais compras” de ativos no exterior. A perícia da PF estranha essa mudança de motivos. “Na única seção opinativa, eles repetiram o argumento da análise anterior sobre a folga de caixa do JBS e acrescentaram que ‘é factível que surjam oportunidades de aquisição em decorrência da desvalorização generalizada dos ativos no mundo.’ Essa frase além de genérica, não foi seguida de uma manifestação dos próprios técnicos quanto ao seu mérito”.

Normalmente uma operação assim é precedida de um estudo sobre a viabilidade do negócio específico, não pode ser genericamente transferida para outra finalidade. Portanto a operação teria que ser desfeita. “Os técnicos do BNDES se abstiveram de emitir opinião, favorável ou contrária, acerca do termo aditivo mencionado, limitando-se a informar que ele tinha sido ‘negociado com os controladores do JBS’”.

A Polícia Federal concluiu, com base na perícia em documentos e em auditoria do TCU, que algumas operações produziram prejuízo para o banco. Ao todo o JBS recebeu R$ 8,1 bilhões de empréstimos, ou venda de debêntures à BNDESPar para comprar ativos no exterior. A ideia por trás das operações era que o banco ajudaria o grupo a se internacionalizar.

No fim de 2009 foi feita outra operação no valor de R$ 3,5 bilhões para que o grupo pudesse comprar o frigorífico Pilgrim’s Pride e o grupo Bertin. Neste caso, a perícia da PF apontou que o valor da conversão das debêntures em ações foi por um preço acima do que deveria ter sido se seguisse os próprios termos do contrato. Essa diferença de valor representou no cálculo da Polícia Federal um prejuízo de R$ 614,5 milhões para a BNDESPar.

“Observe-se que o prejuízo calculado está expresso em valores da época e não leva em conta possíveis benefícios inerentes ao investimento em capital societário, tais como: dividendos, bônus de subscrição, diretos de subscrição de ações”.

Nos documentos do BNDES, a PF diz que a explicação do banco foi que era preciso evitar “um crescimento excessivo na participação societária do BNDESPar na JBS”. A operação também foi criticada pelo TCU. “Poderia a BNDESPar ter buscado em conjunto com a JBS outra solução econômico financeira que não resultasse em cessão graciosa de dinheiro público”. Onze meses depois, o banco concordou em transferir as ações ao JBS a um preço 14% inferior ao usado na conversão das debêntures. A PF ressalta três outros pontos: nesta operação o BNDES dispensou as garantias; abriu mão do prêmio de 10% a que tinha direito e fez uma aprovação expressa. O prazo de processamento é em média de 210 dias. Na compra da Pilgrim’s Pride foi de 29 dias.

O crescimento do JBS foi vertiginoso. No primeiro trimestre de 2007, quando a empresa começou a publicar suas informações financeiras, o patrimônio líquido era de R$ 1,39 bi. Essa linha do balanço saltou para R$ 23,77 bi ao final de 2016, de acordo com a consultoria Economatica. Ou seja, em dez anos, o patrimônio do JBS cresceu 17 vezes.

A operação de ontem teve como alvo o ex-presidente do banco Luciano Coutinho, que está voltando do exterior, e os dois principais acionistas do JBS, Joesley e Wesley Batista. Os motivos que levaram a tanta generosidade do banco com o grupo nunca ficaram bem entendidos. E a dúvida continua.

Marqueteiros complicam situação de lulopetistas - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 113/05


Antonio Palocci e Dilma Rousseff aparecem com destaque em delações de Santana e Moura, enquanto a imagem de Lula ser ‘chefe’ fica reforçada


Esta é uma semana para o lulopetismo esquecer. Primeiro, foi o depoimento de Lula ao juiz Sergio Moro, quarta-feira, no processo sobre o tríplex do Guarujá, em que o ex-presidente é acusado de ter recebido o imóvel da OAS como parte de propinas pagas pela empreiteira ao PT, milionário pedágio para poder fazer negócios com a Petrobras. E depois, no dia seguinte, veio a divulgação da delação premiada do casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura.

É certo que Lula, Dilma Rousseff e Antonio Palocci passarão este fim de semana mais apreensivos do que o anterior. No caso do ex-presidente, havia a expectativa de um depoimento matador e de uma invasão vermelha de Curitiba. Não houve uma coisa nem outra. Lula, em alguns poucos momentos, mostrou o dom da retórica, mas não respondeu de maneira convincente à principal pergunta sobre o imóvel: recebeu ou não da OAS?

Lula caiu, ainda, em contradições. Uma delas, sobre o relacionamento entre o tesoureiro do PT, João Vaccari, ainda preso, e o ex-diretor da Petrobras Renato Duque, que diz ter ouvido do ex-presidente o conselho para não ter contas no exterior. Lula disse não saber se Vaccari conhecia Duque, mas foi a ele que recorreu para ter um encontro com o diretor indicado pelo PT. Para completar o mau dia, Lula foi a uma manifestação em seu apoio, em praça pública, ainda em Curitiba, onde havia menos militantes do que certamente imaginara.

As delações de Santana e Mônica, os marqueteiros vitoriosos do PT, divulgadas pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo, reforçam em traços fortes o papel de Lula de “chefe” do propinoduto instalado a partir de empreiteiras, Odebrecht à frente, e conectado principalmente no caixa da Petrobras. Santana e Mônica chancelam a impressão que também teve Renato Duque na conversa com o ex-presidente: era o “chefe”. Os testemunhos também relatam o papel ativo de Dilma Rousseff na gestão financeira subterrânea da campanha de 2014.

A confirmação do uso à larga de dinheiro “por fora”, de caixa 2, é mais do mesmo. Porém, chama a atenção o processamento da distribuição dos recursos, com a participação de Antonio Palocci, o “italiano”, que, diante do pedido de cifras mais elevadas, alegava que precisaria consultar “o chefe”. Sempre ele.

Destaca-se, ainda, a importância da Odebrecht no bombeamento de dinheiro para o propinoduto, não apenas no Brasil. Depoimentos do casal, que, por influência de Lula, trabalhou em campanhas na Venezuela, para Chávez, no Panamá, em Angola e El Salvador, indicam que havia uma espécie de Internacional da Propina, constituída por influência de Lula, cimentada por ideologias terceiro-mundistas e bolivarianas, e sustentadas financeiramente pela Odebrecht, cujo interesse eram obras nesses países. O petrolão internacionalizou-se de vez.