folha de sp - 04/03
SÃO PAULO - Se um terço do que diz o senador Delcídio do Amaral em sua suposta delação premiada for comprovado, a casa caiu. Reportagem da "IstoÉ", que teve acesso ao documento que teria sido negociado entre o senador e a força-tarefa da Lava Jato, revela detalhes de como Dilma, Lula, ministros, parlamentares da situação e da oposição e altos magistrados teriam participado de maquinações graves o bastante para recolocar o impeachment na ordem do dia e para pôr alguns desses figurões na cadeia. As denúncias envolvem corrupção e obstrução à justiça, sem prejuízo de outros crimes.
Há, é claro, cuidados que precisam ser tomados. Delcídio já deu mostras de ser um bravateiro. Suas declarações, que ainda não foram homologadas pelo STF, não podem ser compradas pelo valor de face. Tudo o que ele diz tem em tese de ser corroborado por outras provas para valer numa corte. Nos casos mais escabrosos, que envolvem conversas ao pé do ouvido, essas outras provas parecem em princípio difíceis de obter. É preciso também assegurar que todas as pessoas implicadas por Delcídio tenham chance de defender-se.
Independentemente do que possa ocorrer na esfera jurídica, no plano político, o estrago já está feito. O governo, que já não andava bem, tende agora a tornar-se ruínas. Agrava o quadro o fato de haver outras delações premiadas a caminho.
A chance de boa parte dos podres da República virem à luz, mostrando de forma inédita tanto os corruptos como os corruptores, não é desprezível. O interessante aqui é constatar que essa pequena revolução no campo dos esforços anticorrupção só foi possível graças ao advento das delações premiadas. Elas colocaram a matemática, mais especificamente a teoria dos jogos, a serviço do combate ao crime. Basta oferecer um benefício penal importante ao colaborador que entregar seus comparsas que a natureza humana faz o resto.
sexta-feira, março 04, 2016
A gota d'água - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 04/03
A impossibilidade de negar com todas as letras que tenha feito a delação premiada é o indício mais forte de que o documento vazado para a revista IstoÉ corresponde ao depoimento que o senador Delcídio do Amaral teria feito à Procuradoria-Geral da República em Brasília. Bastaria que o próprio senador, ou o Procurador-Geral Rodrigo Janot, ou o relator no Supremo, ministro Teori Zavascki, qualquer deles, negasse peremptoriamente a existência da delação premiada para que estivéssemos diante de uma grande fraude, com repercussões gigantescas na Operação Lava-Jato.
Seria um documento falso daqueles para entrar na História do país, como o Plano Cohen, o que, de cambulhada, salvaria o governo, o PT e o ex-presidente Lula, colocando em descrédito tudo o que foi apurado até agora na Operação Lava-Jato. Mas não, nenhum deles se dispôs a um desmentido cabal, o que leva a crer que estão às voltas com questões técnicas e burocráticas.
Em termos políticos, o depoimento é devastador para o ex-presidente Lula e para a presidente Dilma Rousseff, sem falar no PT, que se confirma uma organização criminosa nos detalhes mais nauseabundos. E reforça o pedido de impeachment no Congresso. Criminalmente, será preciso ainda reafirmar com provas o que o testemunho do senador Delcídio do Amaral relata com detalhes dos que conhecem por dentro o funcionamento do governo.
No dia 10 de dezembro do ano passado publiquei uma nota no blog sob o título “Tudo a mando de Lula e Dilma” onde relatava conversas de Maika, mulher de Delcídio, com pessoas próximas. Ela simplesmente dizia que se Delcídio não voltasse para casa antes do Natal, faria uma delação premiada contando tudo o que sabia, isto é, que tudo o que fizera fora mando de Lula e de Dilma.
Quem passou o Natal em casa foi o banqueiro André Esteves, e Delcídio, a partir dali, viu que estava sozinho no seu labirinto. Assim como constatou ontem, quando o que seria sua delação premiada foi divulgada. A reação dos governistas foi de desacreditá-lo, ou dizendo que ele não teria “credibilidade” segundo o Advogado-Geral da União José Eduardo Cardozo, ou seus colegas no Senado, que se apressaram a dizer que a delação o tornava um réu confesso e, portanto, o processo de cassação do mandato seria acelerado.
Dizer a esta altura que aquele que até a prisão era líder do governo no Senado não é uma pessoa séria desacredita quem o diz, pois somente um governo desacreditado teria como líder um político capaz de inventar tantas mentiras.
Tudo indica que os envolvidos nessa operação de delação premiada – Delcídio, Janot e Zavascki – não podem se pronunciar explicitamente por que a delação ainda precisa ser homologada. O ministro do Supremo Teori Zavascki está em uma situação delicada, pois se se recusar, por uma questão meramente técnica ou burocrática, a homologar a delação premiada de Delcídio, será acusado de tentar proteger a presidente Dilma e o ex-presidente Lula.
Ao mesmo tempo, ele precisa ter a segurança de que o senador cumpriu todas as normas para dar seu aval à delação, até mesmo que não foi obrigado a delatar. A questão de provar o que está dizendo é uma segunda etapa, na qual caberá ao Ministério Público e à Polícia Federal produzir as provas que embasem as acusações.
No momento, o relato do senador petista foi considerado crível pelos Promotores, que já devem ter indícios dados pelo próprio Delcídio de que tem condições de provar o que falou – como a citação de que na sala em que conversou com o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Marcelo Navarro no Palácio do Planalto havia câmeras de segurança.
Nessa conversa, que o ministro Navarro não desmentiu por enquanto, Delcídio teria levado ao ministro do STJ o pedido da presidente Dilma para que soltasse os presidentes da Odebrecht e da Andrade Gutierrez.
O ex-presidente Lula entra, no relato do senador Delcídio do Amaral, com o papel que sempre lhe coube desde o escândalo do mensalão, mas que até agora não havia sido possível provar: o de grande chefão de todo o esquema de corrupção petista.
Já existe agora um testemunho direto, o do próprio senador, preso numa operação de obstrução da Justiça que ele acusa Lula de ter concebido. Resta agora saber se Delcídio, que foi apanhado com a boca na botija numa gravação clandestina, tem na manga alguma prova de que tudo se passou como relatou aos Procuradores.
A impossibilidade de negar com todas as letras que tenha feito a delação premiada é o indício mais forte de que o documento vazado para a revista IstoÉ corresponde ao depoimento que o senador Delcídio do Amaral teria feito à Procuradoria-Geral da República em Brasília. Bastaria que o próprio senador, ou o Procurador-Geral Rodrigo Janot, ou o relator no Supremo, ministro Teori Zavascki, qualquer deles, negasse peremptoriamente a existência da delação premiada para que estivéssemos diante de uma grande fraude, com repercussões gigantescas na Operação Lava-Jato.
Seria um documento falso daqueles para entrar na História do país, como o Plano Cohen, o que, de cambulhada, salvaria o governo, o PT e o ex-presidente Lula, colocando em descrédito tudo o que foi apurado até agora na Operação Lava-Jato. Mas não, nenhum deles se dispôs a um desmentido cabal, o que leva a crer que estão às voltas com questões técnicas e burocráticas.
Em termos políticos, o depoimento é devastador para o ex-presidente Lula e para a presidente Dilma Rousseff, sem falar no PT, que se confirma uma organização criminosa nos detalhes mais nauseabundos. E reforça o pedido de impeachment no Congresso. Criminalmente, será preciso ainda reafirmar com provas o que o testemunho do senador Delcídio do Amaral relata com detalhes dos que conhecem por dentro o funcionamento do governo.
No dia 10 de dezembro do ano passado publiquei uma nota no blog sob o título “Tudo a mando de Lula e Dilma” onde relatava conversas de Maika, mulher de Delcídio, com pessoas próximas. Ela simplesmente dizia que se Delcídio não voltasse para casa antes do Natal, faria uma delação premiada contando tudo o que sabia, isto é, que tudo o que fizera fora mando de Lula e de Dilma.
Quem passou o Natal em casa foi o banqueiro André Esteves, e Delcídio, a partir dali, viu que estava sozinho no seu labirinto. Assim como constatou ontem, quando o que seria sua delação premiada foi divulgada. A reação dos governistas foi de desacreditá-lo, ou dizendo que ele não teria “credibilidade” segundo o Advogado-Geral da União José Eduardo Cardozo, ou seus colegas no Senado, que se apressaram a dizer que a delação o tornava um réu confesso e, portanto, o processo de cassação do mandato seria acelerado.
Dizer a esta altura que aquele que até a prisão era líder do governo no Senado não é uma pessoa séria desacredita quem o diz, pois somente um governo desacreditado teria como líder um político capaz de inventar tantas mentiras.
Tudo indica que os envolvidos nessa operação de delação premiada – Delcídio, Janot e Zavascki – não podem se pronunciar explicitamente por que a delação ainda precisa ser homologada. O ministro do Supremo Teori Zavascki está em uma situação delicada, pois se se recusar, por uma questão meramente técnica ou burocrática, a homologar a delação premiada de Delcídio, será acusado de tentar proteger a presidente Dilma e o ex-presidente Lula.
Ao mesmo tempo, ele precisa ter a segurança de que o senador cumpriu todas as normas para dar seu aval à delação, até mesmo que não foi obrigado a delatar. A questão de provar o que está dizendo é uma segunda etapa, na qual caberá ao Ministério Público e à Polícia Federal produzir as provas que embasem as acusações.
No momento, o relato do senador petista foi considerado crível pelos Promotores, que já devem ter indícios dados pelo próprio Delcídio de que tem condições de provar o que falou – como a citação de que na sala em que conversou com o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Marcelo Navarro no Palácio do Planalto havia câmeras de segurança.
Nessa conversa, que o ministro Navarro não desmentiu por enquanto, Delcídio teria levado ao ministro do STJ o pedido da presidente Dilma para que soltasse os presidentes da Odebrecht e da Andrade Gutierrez.
O ex-presidente Lula entra, no relato do senador Delcídio do Amaral, com o papel que sempre lhe coube desde o escândalo do mensalão, mas que até agora não havia sido possível provar: o de grande chefão de todo o esquema de corrupção petista.
Já existe agora um testemunho direto, o do próprio senador, preso numa operação de obstrução da Justiça que ele acusa Lula de ter concebido. Resta agora saber se Delcídio, que foi apanhado com a boca na botija numa gravação clandestina, tem na manga alguma prova de que tudo se passou como relatou aos Procuradores.
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