segunda-feira, outubro 05, 2009

AUGUSTO NUNES

VEJA ON-LINE

Os vampiros aliados festejam a ampliação do banco de sangue

5 de outubro de 2009

Menos de um mês depois de promover o Brasil a potência petroleira, Lula promoveu-se a presidente de uma potência olímpica. Em 6 de setembro, Dia da Segunda Independência, não precisou de um só barril a mais para apresentar ao mundo o caçula da OPEP. O que resolveu que vai acontecer daqui a 10 ou 15 anos pareceu-lhe suficiente. Em 2 de outubro, depois de derrotar os ianques, os espanhóis e os japoneses na Batalha da Dinamarca, não precisou de uma única medalha de bronze para instalar o país no clube dos colossos esportivos. Bastou o que resolveu que vai acontecer no Rio em 2016.

O curto espaço entre os dois assombros avisa que a metamorfose ambulante sofreu mais uma mutação para pior. Lula sempre se apropriou do passado para fingir que fez o que outros fizeram. Quem ouve a discurseira interminável imagina, por exemplo, que a inflação liquidada em 1994 pelo Plano Real foi banida em 2003 pelo maior governante da história. Pois agora decidiu também expropriar o futuro para moldá-lo às conveniências do presente e fingir que já foi feito o que está por fazer. O craque que vive reinvindicando a autoria de gols alheios agora deu de assumir a paternidade dos que nem aconteceram.

A fantasia seria menos inverossímil se Lula não inaugurasse o futuro sempre em companhia de gente que eterniza o passado. No descobrimento do pré-sal, protagonizou uma superprodução futurista à frente de um elenco de cinema mudo liderado pelos canastrões José Sarney e Edison Lobão. No comício em Copenhague, anunciou a ascensão do Brasil à primeira divisão do planeta num palanque de segunda. O país não tem sequer algum arremedo de política esportiva. Investe apenas, e com frequência desastrosamente, no esporte de alto rendimento. Isso a gente resolve até a festa de abertura, sugeriu a discurseira em Copenhague.

Dinheiro é o que não falta, deixou claro ao informar que serão investidos no Rio quase R$ 30 bilhões. A bolada vai ser muito maior, corrigiu o sorriso de empreiteiro malandro no rosto da cartolagem. E boa parte vai parar no bolso dos campeões do salto sobre cofres públicos, modalidade não-olímpica praticada com muita competência por figurões federais e supercartolas.

Só os olhos gulosos dos bandidos e a miopia dos idiotas incuráveis enxergam um Brasil dividido entre nacionalistas grávidos de patriotismo com o triunfo incomparável e traidores da nação em aliança com os mortos de ciúme da Cidade Maravilhosa. O Brasil não precisa hospedar a Olimpíada para afirmar-se como uma grande nação em marcha acelerada para longe das cavernas. O Rio não precisa virar sede dos Jogos de 2016 para merecer as atenções, o respeito, o carinho e as verbas que a cidade mais bela do mundo reclama há tanto tempo. Consumada a escolha, ninguém minimamente sensato vai torcer pelo naufrágio. Mas o desastre só não virá se a tripulação for trocada a tempo.

Em 2003, a população do Rio soube que os Jogos Panamericanos de 2007, orçados em R$ 400 milhões, trariam como brinde a linha de metrô da Barra, a despoluição da Baía de Guanabara, a ressurreição da Lagoa Rodrigo de Freitas e outros espantos. A conta ficou em R$ 4 bilhões e os milagreiros nada santos esqueceram o prometido. Tudo será feito agora, declama Carlos Nuzman, que presidiu o comitê do Pan, preside o COB e presidirá o comitê dos Jogos de 2016. É errando que a gente aprende, recita Orlando Silva, ministro do Esporte desde 2006 e parceiro de Nuzman numa dupla que sempre faz bonito no campeonato nacional da gastança suspeita promovido pelo Tribunal de Contas da União.

O cinismo dos vendedores de ilusões só não é mais espantoso que a ingenuidade dos iludidos. Com o mesmo entusiasmo dos vampiros encarregados da administração, multidões de doadores festejam a ampliação do banco de sangue.

JOÃO SAMPAIO

Pré-sal não pode ser o pós-etanol

Folha de S. Paulo - 05/10/2009

Em desrespeito ao setor agrícola e em prejuízo da sociedade, criou-se um clima de instabilidade para o agronegócio

AS JAZIDAS de petróleo do pré-sal, mais uma dádiva natural do Brasil, são uma riqueza expressiva e um diferencial competitivo no comércio exterior. Se o cronograma de extração não sofrer alterações e se viabilizarem os elevados investimentos previstos, a produção deverá iniciar-se em cerca de dez anos, conferindo sobrevida à velha economia baseada nos combustíveis fósseis, persistente em numerosos países sem alternativas viáveis para alterar a matriz energética.
O Brasil, detentor da melhor situação mundial (áreas disponíveis, solo, clima e tecnologia) para produzir biocombustíveis, em especial o etanol, terá, então, posição privilegiada.
Poderá ampliar o uso interno de fontes renováveis, menos poluentes e sem a mínima suscetibilidade às crises internacionais e se tornar exportador de petróleo para nações que não dispõem de reservas nem condições de cultivar cana-de-açúcar, embora desejassem muito poder fazê-lo. Assim, desprezar a importância do pré-sal seria tolice tão desmedida quanto um retrocesso nos biocombustíveis.
Por isso, são preocupantes algumas posições e atos de organismos públicos federais que, de repente, parecem esquecer as vantagens socioeconômicas e ambientais da cadeia produtiva da cana-de-açúcar, empregadora de mão de obra intensiva, grande exportadora e base de pesquisa, inovação e tecnologia -os automóveis flex são um ótimo exemplo.
Mais grave: esboçam-se ataques ao setor, num movimento estranhamente proporcional à substituição dos biocombustíveis pelo monopólio semântico do pré-sal no discurso energético do presidente Lula.
Dentre tais manifestações, inclui-se a recente "nota verde" do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama, com a anunciada intenção de divulgar informações sobre os níveis de emissão veicular de carros leves de passeio. O documento chega à "brilhante" conclusão de que, em muitos casos, o etanol polui mais que a gasolina. Utilizou-se metodologia inadequada, fazendo parecer corretos resultados muito distorcidos quanto aos volumes de monóxido de carbono.
Compararam-se modelos diferentes, inclusive alguns importados, com graus muito díspares de tecnologia embarcada. Um atentado contra os preceitos da ciência, da pesquisa e da ética. Quanto a este último aspecto, cabe a ressalva: se motivado por dolo e não mera incompetência...
A análise não respeitou os critérios aplicados na homologação de veículos. Além disso, ignorou por completo os gases causadores do efeito estufa.
Nesse quesito, o etanol derivado de cana-de-açúcar apresenta boas propriedades, pois é praticamente neutro quanto às emissões de dióxido de carbono.
Ou seja, a "nota verde" é um desserviço, ao colocar em xeque 30 anos de avanços concretos no desenvolvimento do etanol como combustível mais barato, limpo e renovável.
Como se não bastasse, o Ministério do Meio Ambiente acaba de divulgar o seu Plano de Ação para Controle do Desmatamento no Cerrado, apontando a cana-de-açúcar como uma das principais causas da devastação.
Isso não procede, considerando que 98% da cultura não provoca o corte de uma árvore sequer, pois são utilizadas áreas há muito tempo destinadas à agropecuária.
E, num ato que até parece articulado com esse programa, o governo federal lançou o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar. Em tese, a proposta é correta, na medida em que coíbe desmatamentos para fazer plantação. Até aí, nada contra.
O projeto, entretanto, coloca restrições à lavoura até mesmo em áreas agrícolas e pastoris já existentes.
A artilharia contra a cadeia produtiva da cana-de-açúcar, incluindo a insinuação de que o pré-sal pode significar a obsolescência do etanol, parece inserir-se num olhar distorcido pelo comprometimento ideológico do governo com o MST, que nem existe juridicamente, a CUT e movimentos de intenções dúbias.
Por causa disso, produtores rurais em geral têm sido ameaçados por propostas como o exagerado aumento da produtividade mínima das fazendas e a reforma do Código Florestal, além de prejudicados por medidas como as sanções relativas às reservas legais e áreas de preservação permanente.
Criou-se um clima de instabilidade para o agronegócio, numa atitude de desrespeito ao setor e à sociedade, a maior prejudicada pelos equívocos e desmandos das políticas públicas.


JOÃO SAMPAIO , economista e empresário do setor agrícola, é o secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (Consea).

GOSTOSA


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J. R. GUZZO

REVISTA EXAME
Vida Real
Revista Exame - 05/10/2009

Tinha mesmo que ser ele?


O Brasil é o terceiro país do mundo em número de advogados. Não falta gente qualificada para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Por que escolher alguém que peca em todos os requisitos?

O Brasil tem no presente momento um pouco mais de 570 000 advogados habilitados a exercer sua profissão dentro das fronteiras do território nacional; na verdade, só dois outros países em todo o mundo, Estados Unidos e Índia, têm mais gente que nós nessa atividade, segundo os registros atuais da Ordem dos Advogados do Brasil. É advogado que não acaba mais, por qualquer critério que se adote. Fica mais do que claro, portanto, que o último problema que um presidente da República poderia ter na hora de indicar alguém para o Supremo Tribunal Federal é a falta de nomes -- ainda mais se forem somados a essa multidão os juízes de carreira, os promotores e os procuradores, caso em que o número total de cidadãos brasileiros hoje em atuação no mundo jurídico chega à vizinhança dos 600 000. Com todo esse pesqueiro à sua disposição, entretanto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu que a pessoa mais qualificada do Brasil para preencher a vaga aberta no STF com o recente falecimento do ministro Carlos Alberto Direito é o advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, nomeado por ele próprio, em 2007, para ocupar o cargo.

Será que não haveria, mesmo, outro nome para ser indicado? Um ministro do STF, o tribunal que dá a última palavra na questão vital do cumprimento das leis, tem, obrigatoriamente, de ser portador de confiança pública na sua imparcialidade e na sua independência em relação ao governo; não é fácil, e por isso mesmo se espera que o presidente da República faça o máximo de esforços para escolher entre os nomes que mais se aproximem desse perfil. Praticamente toda a carreira profissional de Toffoli, entretanto, foi consumida a serviço de um partido político, o PT, e do atual Poder Executivo: trabalhou como assessor jurídico da bancada do PT na Câmara dos Deputados, foi advogado das campanhas eleitorais de Lula em 1988, 2002 e 2006, serviu na Casa Civil com o ex-ministro José Dirceu e acabou como advogado-geral da União. Outro quesito essencial para alguém ocupar um cargo de ministro do STF, pelo menos no entendimento comum, é ser um craque indiscutível em direito -- algo que se afere pelo histórico profissional do candidato, pelo êxito de suas ideias nos tribunais e pela reputação que tem nos meios jurídicos. De novo, aí, não está claro o que o nome preferido pelo presidente tem a apresentar.

Faltam a Toffoli títulos acadêmicos, conclusão de cursos importantes e experiência. Não tem (e, diga-se a seu favor, não finge que tem) mestrados nem doutorados em direito. Não escreveu livros nem artigos de grande impacto para um melhor entendimento da lei. Não fez defesas nem acusações que possam servir de marco importante na sua atividade. Não se conhece, de sua parte, nenhuma contribuição teórica original para o avanço da ciência jurídica no Brasil. Tem apenas 42 anos e, como todos os cidadãos na sua idade, ainda muito o que aprender -- e o tribunal supremo da nação não é, seguramente, o lugar ideal para fazer aprendizado do direito. Toffoli prestou dois concursos para entrar na carreira de juiz estadual; foi reprovado nos dois. Para encerrar, já foi condenado em dois processos, dos quais está recorrendo -- naturalmente, com as melhores chances do mundo, quando se leva em consideração que as particularidades da lei brasileira tornam praticamente impossível a condenação de um advogado, ou mesmo de um ex-advogado, geral da União.

O presidente Lula, é claro, disse que as críticas quanto à indicação de Toffoli são "uma bobagem". Tudo bem, porque ele acha simplesmente impossível tomar alguma decisão errada, mas o que se faz com os fatos descritos acima? Eles não vão sumir. Se Lula estivesse precisando indicar um especialista em mecanismos de simetria na física subatômica, vá lá; pouca gente entende disso e nessas horas, como se diz, "se não tem tu, vai tu mesmo". Mas achar um advogado no meio de 600 000? Aí já fica difícil acreditar que o melhor nome disponível, ou o único, seja o de Toffoli. Justamente esse?

FERNANDO ABRUCIO

REVISTA ÉPOCA

Nossa Política

Revista Época - 05/10/2009


Faltam democratas de verdade à América Latina


A situação política de Honduras é um bom exemplo da dificuldade de muitos países latino-americanos em assimilar a democracia por inteiro. Os dois lados não são integralmente democratas. Um porque quis passar por cima das instituições para aumentar seu poder. E o outro, que efetivamente deu o golpe e tomou o poder, porque usou subterfúgios legalistas para romper com a ordem democrática e evitar o que mais teme: a inclusão de grupos sociais que vão demandar um país mais justo e igualitário. Nesse contexto, quem venceu foram os militares, os verdadeiros comandantes do país. Com o fim de um longo ciclo de regimes autoritários, a democracia se tornou o principal ponto da agenda política da região. A principal novidade é que as eleições ganharam primazia sobre os golpes. Não obstante o período atual ser o mais democrático da história latino-americana, há um enorme obstáculo a transpor: como conjugar o respeito às instituições democráticas com a necessidade de incluir milhões de pessoas à plena cidadania?

Esses dois vetores nunca foram consagrados pela ordem política da América Latina. A adesão às regras do jogo sempre foi feita de forma instrumental pela elite local. Daí se prenderem ao legalismo quando lhes interessava, para em seguida rasgar a Constituição por meio de golpes de Estado. Foi assim no governo Jango e se repete hoje em Honduras, como tragédia e farsa.

Obviamente que o presidente Zelaya desejava ampliar seu poder para além da ordem constitucional. O problema é que a elite política hondurenha queria retirá-lo de cena, pois temia sua força junto à população. Diante disso, optou por uma aliança com as Forças Armadas, da qual saiu a solução ao imbróglio: deportar o presidente de pijamas para outro país. Detalhe: a deportação de qualquer cidadão hondurenho é proibida pela Constituição – e fazer isso com o comandante maior da nação, eleito democraticamente pelo povo, só pode ser chamado de golpe.

Produziu-se um comportamento esquizofrênico em relação à democracia. Rasgou-se a Constituição para cumpri-la; foi feito um golpe preventivo para evitar o golpismo de Zelaya; e, ao final, o poder de fato ficou com os militares, para proteger a elite civil de sua incompetência para respeitar as instituições e assegurar a incorporação dos mais pobres à cidadania.

Eles se prendem às leis quando lhes interessa, mas rasgam a Constituição por meio de golpes de Estado O medo maior da elite hondurenha precisa ser chamado por seu verdadeiro nome: a incorporação dos mais pobres ao processo político. Isso aparece agora porque já não se podem mais criar barreiras à participação, como historicamente se fez. E o temor vai além de Honduras, pois surgiram lideranças na região denunciando a situação social. O problema é que tais líderes, no geral, professam uma visão chamada de “democracia iliberal”. Isto é, busca-se incorporar a maioria da população por eleições e plebiscitos, mas procura-se reduzir o peso dos outros poderes e da opinião pública como “freios e contrapesos” dos governantes.

A falta de liberalismo político esparrama-se pela região e, embora seja mais visível entre os “bolivarianos”, como Hugo Chávez (Venezuela) e Rafael Correa (Equador), incorpora também presidentes à direita, como Álvaro Uribe (Colômbia). O resultado dessas democracias iliberais é o enfraquecimento das instituições e a redução do espaço para o pluralismo no jogo político. Para corrigir esse processo, não basta consagrar o respeito às regras e fortalecer os “checks and balances”. É preciso também construir projetos que garantam os direitos básicos de todos, principalmente dando condições para a ascensão social dos mais pobres e menos escolarizados.

O casamento destas duas condições – respeito às instituições e ampliação da cidadania – é o que deveria ser discutido num evento como o golpe em Honduras. Alguns países da região, como Chile, Brasil, Uruguai e Costa Rica, já conseguem conjugar bem esses ideais. Por que os demais fracassaram e não são democracias por inteiro? Eis a pergunta mais importante para definir o destino dos países latino-americanos e sua desejável integração.

A MENTIROSA

PAULO RABELLO DE CASTRO

REVISTA ÉPOCA

Nossa Economia

Revista Época - 05/10/2009


O Caribe não é mesmo nossa praia


Imagine uma pacata cidade do interior do Brasil. A capital hondurenha – Tegucigalpa – não será muito diferente. Honduras é um país pequeno, com 8 milhões de habitantes, incrustado na verde cordilheira da América Central. Pode parecer um cenário convidativo para aqueles filmes americanos com mestres da valentia de mentirinha, como Sylvester Stallone. Pois é lá que o governo brasileiro resolveu exercitar, de maneira desajeitada, sua musculatura diplomática.

O Brasil interferiu numa delicada questão interna de Honduras oferecendo um palanque privilegiado ao ex-presidente Manuel Zelaya, cujo afastamento fora decretado pelo Supremo Tribunal local. Nessa “bola dividida” em que resolveu enfiar a perna, o governo Lula corre o risco de fraturar a canela. Por trás do impasse diplomático, há uma velada denúncia de abandono econômico não só de Honduras, mas também de toda a região centro-americana, palco de sucessivas escaramuças entre grupos políticos que se opõem apenas para manter a estagnação e dependência. Isso é a cara de nossa Latinoamérica, que – com escassas e honrosas exceções – não conseguiu ainda se livrar de quarteladas sucessivas de direita e esquerda, embora cada vez mais distanciada do interesse de seu vizinho rico, os Estados Unidos. No caso Zelaya, o padrão pastelão não foi diferente: os EUA deram de ombros à iniciativa escoteira de Lula, de esconder no prédio de nossa embaixada o presidente protogolpista.

Infelizmente, o Brasil ainda não lidera a região como deveria, puxando o exemplo de um crescimento acentuado de sua economia. Com uma taxa de investimento sofrível, nosso país não gera poupança suficiente para bancar o script de líder regional, apesar do abalo financeiro dos americanos. Surfamos, no momento, uma fase positiva. Mas isso é apenas uma promessa de liderança futura, não um cheque à vista, como Lula parece querer sacar de seu caixa político externo. Ações de influência estratégica são perfeitamente concebíveis para um país que senta no G20, como o Brasil. No âmbito centro-americano, porém, o espaço de influência do Brasil se restringe ao bom exemplo. Países da América Central estão completamente fora de nosso arco de persuasão. Além disso, a ofensiva brasileira em Honduras empareda a posição de outro aliado nosso, o México, também participante do G20, que teria muito mais a dizer nesse episódio.

O Brasil busca organizar um espaço de liderança, mas por enquanto só se alinha com antidemocratas O mundo pós-crise se organizará em torno de poucos e poderosos blocos de aliança política e comercial. Os EUA lideram um desses blocos, do qual fazem parte a América Central e o Caribe. A China é outro bloco, espalhado pela Ásia, mas com tentáculos avançando pela África e na vizinhança sul-americana. A Eurolândia, um terceiro enorme bloco. E qual seria o bloco do Brasil? (Por favor, não vale a piada rápida de que é o bloco de Carnaval!)

Este mundo de blocos e relacionamentos delicados entre nações está pegando o solteirão desajeitado chamado Brasil meio despreparado para a construção de um espaço em que tenha liderança e destaque. O Brasil busca organizar o tal bloco, mas sua presença, por enquanto, só se faz ouvir pelo alinhamento com contestadores da democracia no mundo.

Esse modelo de atuação precisa mudar, sob pena de nos prejudicar o avanço na implementação de um bloco de efetivas afinidades econômicas, culturais e geográficas. O Brasil perde ao não se concentrar em seu próprio jogo, que depende de desenvolver primeiro a infraestrutura em seu território, estendendo-a, em seguida, aos vizinhos mais próximos. E nisso tampouco vamos bem, com o PAC empacado. Lula sabe fazer barulho e criar situações de barganha política desde seus tempos de sindicato. A cena internacional pode parecer, numa avaliação ligeira, uma assembleia de sindicato ampliada, mas os resultados adversos podem ser bem mais perigosos. Convém, por isso, manter o foco em nossas próprias “honduras” (no vernáculo, funduras). Como Colombo uma vez dissera, esperamos que Lula possa em breve dizer: “Gracias a Dios que hemos salido de esas Honduras”.

ROBERTO ZENTGRAF

Cuidados para não entornar o caldo

O Globo - 05/10/2009


DINHEIRO EM CAIXA

Aproveitando que na próxima segunda, dia 12, comemorase também o Dia das Crianças — além do Dia da Padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida — optei por um de meus assuntos preferidos, o tema “Finanças e Filhos”.

Leitor fiel e que me acompanha desde cedo, sabe que nesta época costumo contar “causos” financeiros dos meus, o Rodrigo, de 10 anos, e a Maria Luiza, de 14, que desde pequenos foram acostumados a lidar e a conversar sobre dinheiro sem qualquer censura, obviamente respeitados aí os devidos limites: não precisam, por exemplo, saber sobre saldos de contas, senhas e outros detalhes, até mesmo para sua própria segurança! Bem, e qual é a ideia central de tudo isso? Sinceramente? Acho que me sentiria estupidamente irresponsável se, após anos de vivência na área financeira e presenciando diariamente histórias de adultos mal resolvidos quando o assunto é dinheiro, deixasse passar essa oportunidade e, desta forma, desperdiçasse a ótima relação que temos, não os orientando ou não os ajudando a formar bons hábitos.

Na minha cabeça, julgo mesmo que este tem sido o melhor presente que eles têm recebido ao longo dos anos, mas sei que este reconhecimento só virá daqui a muitos anos, provavelmente quando eles próprios tiverem os seus filhos... Paciência, fazer o quê, não é mesmo? Por enquanto ainda valorizam mais o brinquedo, a roupa etc: vou morrer em uma grana, não tem jeito! Listo a seguir alguns conceitos e dicas que já usei — com sucesso — para evitar que o papo financeiro se transformasse em uma guerra de gerações.

E anote o mais importante: muita, muita paciência e carinho quando o assunto for esse, senão o caldo entorna! 1. Restrições: até os mais abastados as têm e, assim, acho salutar que desde cedo eles saibam claramente quais as deles.

Por que acostumá-los a viver fora de suas possibilidades? Por acaso quer metê-los em futuras encrencas financeiras? 2. Origem: saber que o dinheiro não brota espontaneamente, mas sim que é o resultado do seu esforço também é muito importante, pois irá lhes dar uma boa dimensão do que precisarão fazer no futuro para continuar a usufruir dos seus atuais confortos.

3. Preços: comento sempre sobre os principais itens que eles consomem e até o menor já faz pequenas pesquisas para saber onde comprar mais barato, ainda que tal economia se reverta para o bolso dele... Terrível ter filhos internautas! 4. Juros: devagar e muito suavemente, use um exemplo numérico para demonstrar o poder que uma taxa de juros tem sobre uma quantia parada durante um tempo; com certeza isso irá ajudálo nas duas próximas dicas! 5. Poupança: se forem muito pequenos, a ideia do cofrinho em que as moedas guardadas hoje permitem o brinquedo de amanhã já passa de forma exemplar o conceito de poupar.

Com um pouco mais de idade, alie o conceito dos juros, estimulandoos a guardar numa caderneta, que permitirá-lhes antecipar seus sonhos.

6. Crediário: doutrine-os a ficarem longe deles; para isso, demonstre como aquilo que é pago em prestações acaba saindo bem mais caro. Se não me enganei, acredito que você se surpreenderá com a resposta.

Um grande abraço e até a próxima semana!

Roberto Zentgraf é coordenador dos MBAs do Ibmec Rio

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LOURDES SOLA

Autoritarismo Eleitoral


O Estado de S. Paulo - 05/10/2009

Nos últimos anos vários governos latino-americanos eleitos democraticamente têm recorrido a fórmulas antidemocráticas com o objetivo de controlar a arena política e, assim, minimizar a concorrência eleitoral preexistente. Buscam livrar-se de um dos atributos da democracia eleitoral que lhes garantiram o acesso ao poder. É justamente esse impulso regressivo que chama a atenção como uma das características dos experimentos de "governo popular" em curso na Venezuela, na Bolívia, no Equador e na Nicarágua. Insisto: uma das marcas. Pois esse caráter regressivo se combina com o componente popular, inaugurando uma lógica e uma dinâmica política novas, das quais as noções de "populismo" ou "neopopulismo" não dão conta. Ao cientista social cumpre observar o fenômeno novo sem se esquivar da tarefa de nomeá-lo adequadamente, recorrendo a uma inovação conceitual, se necessário. Pode ser útil para refletir sobre as fórmulas de terapia preventiva mais adequadas.

Esses governos governam sob a égide de duas contradições que convém analisar melhor, pois delas derivam sua força e suas fraquezas. A primeira diz respeito à atitude para com a concorrência eleitoral: por um lado, são levados a jogar o jogo de eleições multipartidárias regulares, minimamente competitivas, para continuarem se legitimando - é que o otimismo democrático que varreu a América Latina desde 1980 e o resto do mundo a partir dos anos 90 fixou a preferência popular por eleições como o principal critério de legitimação para acesso ao Poder Executivo e ao Legislativo; por outro, onde há concorrência e, portanto, oportunidade de contestação, eleva-se o teor de incerteza quanto aos resultados das urnas. A contradição incômoda é resolvida pelo controle da arena eleitoral, que pode assumir várias formas: cerceamento dos direitos políticos e das liberdades civis, restrições aos meios de comunicação de massa e de financiamento quando em mãos oposicionistas, regras eleitorais discriminatórias.

Acabo de listar as características típicas de um novo animal: o autoritarismo eleitoral. É uma variedade de regimes cujo traço distintivo é uma profunda ambiguidade institucional. Têm eleições multipartidárias, socialmente inclusivas, porque baseadas no sufrágio universal, e são minimamente pluralistas, pois a oposição tem direito a concorrer e, embora nunca ganhe, obtém votos e cadeiras no Congresso. O autoritarismo eleitoral, em suma, caracteriza-se por fazer de eleições competitivas um instrumento de poder autoritário, não de democracia. A lista cobre países da antiga União Soviética, inclusive a Rússia; do Oriente Médio e do Norte da África, como Egito, Argélia e Tunísia; alguns do Leste e do Sul da Ásia, como Cingapura, Camboja e Malásia; além de vários da África subsaariana.

Os experimentos latino-americanos de autoritarismo eleitoral são uma espécie singular desse gênero porque resultam de uma dinâmica política regressiva - ao contrário dos demais, que em sua grande maioria nunca experimentaram instituições representativas e/ou sistemas de contrapesos entre Poderes. Estes têm matrizes autoritárias e são experimentos de liberalização política embrionários.

Uma segunda contradição, remete ao controle da arena política, graças à instrumentalização da participação popular. Por um lado, o recurso a eleições competitivas implica o reconhecimento institucional de um princípio de cepa liberal: a "vontade do povo soberano". Por outro, implica conceder ao eleitor e às oposições os recursos institucionais - e os valores - que os capacitam a contestar as eleições e o próprio regime. Com isso a coalizão dominante corre riscos de se deslegitimar, vendo-se obrigada a optar entre duas alternativas indigestas: arrochar o controle da arena política ou ceder mais espaço às oposições.

Essa caracterização vale para o gênero, mas a espécie dominante na nossa região se distingue pelo fato de que os governos relevantes têm (ou tiveram) raízes populares. É essa condição que lhes serve de incentivo para erigir a parcela majoritária do eleitorado em "vontade do povo soberano". Daí o impulso revisionista (das Constituições) e a vocação para legitimar-se por meio de plebiscitos. O problema é que, em condições mínimas de concorrência eleitoral e de liberdade de informação, periga que a "vontade do povo soberano" se revele volátil e, além disso, se apresente dividida. Por isso o controle da arena política passa necessariamente pelas restrições à liberdade de imprensa e pela tendência ao monopólio da informação. Deve-se isso a dois conjuntos de problemas, inerentes à democracia de massa e que a liberdade de imprensa contribui para atenuar - a par de instituições que obrigam os governantes a prestar contas. O primeiro é que a operação ideológica pela qual a vontade do eleitorado é convertida em "vontade do povo soberano" passa ao largo do xis da questão: quanto o eleitorado e a opinião pública sabem ou podem saber dos assuntos de interesse público? Mas há um segundo problema que se torna agudo nos países periféricos. Nas democracias de massa há uma enorme defasagem entre a democratização das informações, às quais a população tem acesso via rádio, TV, jornais, internet, e a capacidade que a população tem de elaborar as informações. No curto prazo, é à imprensa que cabe reduzir o espaço dessa defasagem, sempre e quando apresenta e divulga as formas possíveis e alternativas de elaboração da mesma informação por diferentes atores políticos. Nessas circunstâncias exerce um papel pedagógico.

A fórmula complementar para minimizar a defasagem, no longo prazo, é apostar na educação de qualidade.

JENI KLUGMAN

Um novo acordo para a migração


Folha de S. Paulo - 05/10/2009



O medo e a xenofobia podem vir à tona e, com isso, perdemos de vista os resultados positivos da migração



NO CENÁRIO atual de recessão mundial, perda de postos de trabalho e cada vez mais pressão nos sistemas de saúde e outros serviços públicos, a migração desperta fervorosos debates. Mas grande parte gira em torno do peso dos migrantes para as economias já debilitadas. E uma minoria em situação irregular acaba no centro das atenções. O medo e a xenofobia podem vir à tona e, com isso, perdemos de vista os resultados positivos da migração.
Isso não precisa nem deve ser assim. "Não deve" pois a mobilidade, a capacidade de buscar melhores oportunidades em outros lugares, é um elemento fundamental da liberdade humana. E "não precisa ser" porque as políticas migratórias podem satisfazer necessidades internas, reduzir preocupações e ampliar a contribuição da migração para o desenvolvimento humano.
A migração é um processo a ser gerenciado, e não um problema a ser resolvido, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano 2009 -um relatório independente comissionado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento-, lançado hoje mundialmente.
Esse estudo inovador, "Ultrapassar Barreiras: Mobilidade e Desenvolvimento Humanos", examina com cuidado os dados sobre a migração -interna e internacional- a partir da perspectiva das pessoas: migrantes, parentes que acompanham, os que ficam e as comunidades de destino.
O relatório mostra o potencial de ganhos para todos os envolvidos, bem como os riscos e os custos, especialmente para os mais pobres.
O estudo afirma, no entanto, que a migração não deve substituir, mas sim complementar as estratégias de desenvolvimento socioeconômico. O relatório também revela as barreiras que impedem o movimento: as proibições absolutas, os altos custos e as exigências e dificuldades que muitos migrantes enfrentam.
O relatório também derruba diversos mitos. A maioria dos quase 1 bilhão de migrantes do mundo migra dentro de seus próprios países e entre suas regiões de origem. Ao contrário do que muitos pensam, o número de migrantes tem se mantido estável nos últimos 25 anos. Mas é verdade que, recentemente, aumentou o número de emigrantes de países em desenvolvimento para países desenvolvidos.
É preciso desafiar os estereótipos de que os migrantes "roubam empregos" e "lesam os contribuintes".
Migrar raramente é processo fácil. Conflitos, desastres naturais e dificuldades econômicas obrigam muitos a deixar suas cidades, seus países, suas famílias. Alguns se tornam vítimas de traficantes, muitas vezes com consequências terríveis. Mas, na maioria dos casos, os custos, as dificuldades e o estresse da mudança são compensados pela melhoria de qualidade de vida: renda, bem-estar, saúde, escolaridade e empoderamento.
Os empregos normalmente estão no cerne do debate. O relatório propõe uma série de medidas que podem ampliar o acesso dos migrantes, vinculadas à demanda por trabalho. E este é precisamente o momento oportuno para um novo acordo sobre migração que pode beneficiar aqueles que migram, os que ficam e as comunidades de destino. Baseadas em boas práticas de diversos países, as medidas propostas são politicamente viáveis. Com a retomada do crescimento econômico, novos postos de trabalho vão abrir.
Esta é a hora de reformar políticas migratórias para que elas beneficiem migrantes e as sociedades de destino.
Em muitos países desenvolvidos onde as populações estão envelhecendo, principalmente na Europa, é preciso garantir o fluxo de trabalho se esses países quiserem manter o crescimento econômico.
Mas o interesse mútuo requer planos de desenvolvimento mais amplos. A desigualdade entre municípios, Estados e países é um grande motor da migração. E os pobres têm mais a ganhar ao migrar.
Se houver maior acesso para os menos qualificados, por exemplo, isso pode ajudar a aumentar os ganhos para o desenvolvimento humano. Garantir o tratamento digno aos migrantes é tão importante quanto. Lutar contra a discriminação salarial, por exemplo, beneficia trabalhadores locais tanto quanto os migrantes. Os direitos dos migrantes devem ser protegidos, inclusive os daqueles em situação irregular.
Sabemos que os desafios são difíceis. Para isso, é preciso uma perspectiva de longo prazo, em que governos, empregadores, sindicatos e sociedade civil têm papéis fundamentais.
O relatório lançado hoje contribuiu para um debate mais equilibrado e informado, já que pessoas do mundo todo vão continuar migrando: a mobilidade é inevitável e é um elemento fundamental do desenvolvimento humano.

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CARLOS ALBERTO SARDENBERG

Meirelles, terrorista?


O Estado de S. Paulo - 05/10/2009
"Terrorismo fiscal" - essa é nova. Designa qualquer comentário ou crítica ao aumento de gastos do governo federal. Qual seria o objetivo de um "terrorista fiscal"? Provocar uma subida dos juros. E por que esses terroristas estariam interessados em subir os juros? Para ganhar no mercado financeiro. Tal foi a teoria expressa pelo secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, em entrevista na quinta-feira.

Foi uma resposta aos seguidos comentários segundo os quais a forte expansão dos gastos públicos, promovida pelo governo federal, é uma fonte de pressões inflacionárias. Quer dizer, se fossem apenas comentários, teses, digamos, seria o caso de discutir. Mas como se trata de "crítica baseada no fim do mundo", como disse Barbosa, não há o que debater. "Não negociamos com terroristas", decretou.

Tem sido uma atitude comum no governo Lula. Para ficar em dois temas da semana: quem considera equivocado o modo como a diplomacia brasileira trata do caso Honduras é "golpista"; e quem considera ruim o modelo do governo para a exploração do pré-sal é "entreguista".

Mas sem dúvida o secretário Barbosa foi, digamos, criativo - sem considerar, é claro, a qualidade da criação. Há boas e más. E levar o golpismo e o terrorismo para a esfera da política econômica está mais para bobagem do que outra coisa.

Seria para deixar de lado, se não houvesse uma circunstância extraordinária: a touca Ninja de terrorista cabe na cabeça do presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles. Pois está lá, no último Relatório de Inflação do BC, a observação de que o aumento dos gastos públicos é fonte de pressões inflacionárias.

Verdade que Nelson Barbosa respondeu negativamente quando os jornalistas perguntaram, na lata: o BC é terrorista?

Mas, afirmou, são terroristas os analistas privados que tratam desse assunto. Ora, esses analistas começaram a discutir o tema justamente por causa da referência feita no Relatório de Inflação. Logo...

Além disso, não é de hoje que há diferenças importantes entre o Ministério da Fazenda de Guido Mantega e o BC. Por exemplo: para Mantega, foi a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), ato da Fazenda, que salvou a venda de automóveis. Já Meirelles observa que foi a recuperação do crédito, promovida pela política anticrise do BC. "De que adiantaria o preço menor se não houvesse crédito para comprar carros?" - como tem repetido o presidente, aliás, com uma boa dose de razão.

Há algum tempo, Mantega tentou se apropriar da política de compra de dólares, que havia sido iniciada pelo BC em 2003, muito antes da entrada dele na Fazenda. Eis por que o debate em política econômica não pode ser completamente ideológico. Pode-se atribuir até com facilidade a acusação de golpista a uma crítica da diplomacia. Trata-se de uma discussão que fica no nível do que "poderia ser". Mas na economia há números em torno dos quais não pode haver dúvidas.

É certo que os gastos do governo estão aumentando. E aumentando mais do que em anos anteriores. É o relatório do Tesouro, do Ministério da Fazenda, que mostra isso todos os meses.

Mostra também que o superávit primário é cada vez menor. É oficial e pública a decisão do governo de reduzir a meta do superávit primário. (Estão mudando o alvo para poder acertá-lo). Também são oficiais os números que mostram o aumento da dívida pública como proporção do Produto Interno Bruto.

Por outro lado, a teoria econômica diz que aumento de gasto público - a expansão fiscal - é uma pressão inflacionária. Claro, há discussões sobre o modo como se processa essa relação. Discute-se, por exemplo, quanto de gasto público gera quanto de inflação. Mas não se discute a natureza da relação.

A teoria também aceita sem problemas que, em certos momentos, a expansão do gasto público pode ser uma coisa boa, mesmo que provoque pressões ou impactos inflacionários. É quando se aumenta o gasto para combater uma recessão ou desaceleração econômica, como estão fazendo quase todos os governos pelo mundo afora.

E, para falar a verdade, quase todos os analistas, aqui e lá fora, estão achando perfeitamente tolerável e perdoável o aumento do gasto público brasileiro neste momento. A maioria desses analistas acha mesmo que o governo não vai conseguir cumprir nem a meta rebaixada de superávit primário, mas que isso não será problema neste ano de crise.

É um endosso bastante amplo ao que a Fazenda está fazendo. Então por que a bronca tão ácida de Mantega e seu pessoal? Por que chamariam de "terroristas" os caras que consideram positivo o modo como o Brasil está saindo da crise? Por causa dos próximos passos. Os analistas, os "terroristas" têm dito que essa forte expansão do gasto público não pode continuar e que, em 2010, o governo deveria voltar a fazer um superávit primário mais elevado. Também o BC acha isso. Quando monta os cenários para os próximos anos - e declara que a inflação está bem comportada dentro da meta -, o BC está considerando que a Fazenda vai voltar ao superávit pré-crise.

Ao dizer que isso é terrorismo, a Fazenda passa um péssimo recibo. Barbosa disse que os críticos estão querendo de volta o "Estado mínimo" e que não veem saída sem o emagrecimento do Estado. Ora, ninguém está dizendo isso. Críticos e comentaristas neutros, como o BC, estão dizendo apenas que a continuidade da expansão do gasto público, neste nível, é ou pode ser uma pressão inflacionária, assim como o é a redução dos juros. Trata-se de observação mais que razoável.

Mas, ao acusar todo mundo de terrorista, a Fazenda parece estar dizendo que o aumento do gasto público veio para ficar, que o governo aproveitou a crise para tirar uma licença permanente para gastar. Como Mantega - antes de ser ministro, como economista desenvolvimentista - nunca gostou dessa história de superávit primário, a suspeita faz sentido.

FERNANDO RODRIGUES

Desolação


Folha de S. Paulo - 05/10/2009

Os locais reservados para senadores e deputados tomarem café propiciam uma das imagens mais fantasmagóricas de Brasília. As enormes vidraças do edifício permitem observar vasto gramado em frente ao Congresso. É um local quase sempre vazio, sem vida e pouco hospitaleiro.
Neste ano, mais de 90 escândalos foram registrados no Congresso.
Ninguém foi punido. Deputados e senadores continuaram a entrar e a sair do local sem serem admoestados, com as exceções de praxe.
Nos últimos tempos, passeatas de protesto quase simétricas chamaram a atenção. Os jornalistas Filipe Coutinho e Rodrigo Haidar mataram a charada. Não havia ocorrido um súbito aumento da indignação cívica. A balbúrdia cronometrada era fruto dos novos serviços prestados por uma empresa de Brasília: manifestantes profissionais "alugados" por R$ 40 cada.
Uma explicação para essa apatia nacional a respeito de como se comportam as instituições está no resultado da pesquisa do Datafolha sobre ética e corrupção, publicada ontem. Expressivos 83% dos brasileiros admitem já ter cometido algum desvio de comportamento -dos mais banais, como estacionar em fila dupla, até vender o voto durante o período eleitoral.
Formou-se um círculo vicioso nefando. O exemplo completo é o da venda de voto. O brasileiro parece admitir esse desvio sob a alegação de perda de confiança nos políticos. Dentro do poder, ao mesmo tempo, praticam-se estripulias com a certeza de uma reação apenas anêmica dos eleitores.
É possível argumentar a favor do Brasil citando o pouco tempo de vivência democrática. São menos de 25 anos desde o final da ditadura militar. Hoje, se as instituições não são perfeitas, é necessário admitir muitos avanços. OK. Mas o gramado vazio em frente ao Congresso não deixa de produzir uma horrorosa sensação de desolação.

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RICARDO NOBLAT

É só o que falta

O Globo - 05/10/2009

" Dilma será presidente do Brasil. Sei que vão me acusar de ingerência, meu coraçãozinho é que está falando" (Hugo Chávez)

A coleção de êxitos de Lula é notável. A economia cresceu com distribuição de renda e atravessou veloz a crise financeira mundial. O governo balançou com o escândalo do mensalão, mas não caiu e hoje é sustentado por 14 partidos. O País nunca teve presidente tão popular. A Copa do Mundo de 2014 é nossa e os Jogos Olímpicos de 2016 também.

O que falta para Lula proclamar do alto de sua reconhecida modéstia que realizou a obra perfeita? Eleger seu sucessor. Jamais na história democrática do País um presidente da República passou a faixa para quem escolheu. Itamar Franco passou para Fernando Henrique, seu ex-ministro das Relações Exteriores e da Fazenda. Mas quem elegeu Fernando Henrique não foi Itamar – foi o Plano Real que acabou com a inflação.

Em visita ao Maranhão, o ex-ministro José Dirceu, articulador “ad hoc” da candidatura da ministra Dilma Rousseff a presidente, soprou para colegas a fórmula que imagina capaz de garantir a eleição dela. Primeiro há que se comparar à exaustão as realizações do atual governo com as do seu antecessor. Segundo há que se massificar a informação de que Dilma é a candidata de Lula. Cerca de 40% dos brasileiros ainda ignoram isso.

E o mais importante: a certa altura da campanha, Lula haverá de se afastar das tarefas prosaicas da administração para se dedicar com exclusividade a percorrer o País carregando Dilma debaixo do braço. Dilma não tem e dificilmente terá votos próprios. Com a entrada em cena da senadora Marina Silva (PV-AC), perdeu a condição de ser a única mulher candidata a presidente. Vencerá se o eleitor se convencer de que ela é Lula de saias.

Tanto melhor se o eleitor acreditar que Dilma na verdade é candidata a um mandato tampão. Uma vez que se eleja, cederá o lugar depois de quatro anos a quem não pôde concorrer ao terceiro mandato consecutivo. Lula costuma dizer que será mais fácil tentar voltar em 2014 no caso de derrota de Dilma em 2010. Bobagem! Na prática, o mandato de presidente, governador e prefeito é de oito anos – com uma confirmação pelo meio.

Enfraquecido ao final do seu governo, Fernando Henrique sabia que seu candidato estava condenado à derrota. De sua parte, José Serra sabia que chegara a hora de Lula. Nem Fernando Henrique suou a camisa para eleger Serra, nem Serra quis que ele suasse. Preferiu manter distância. Jogou na mesa uma carta implausível, a única que tinha: apresentar-se como o candidato da mudança, talvez mais confiável do que Lula. Não deu certo.

A ninguém Fernando Henrique confessou que apostava no insucesso de Lula para subir outra vez a rampa do Palácio do Planalto. Mas não é de todo um disparate especular que ele apostava, sim. Lula poderia ter cedido à tentação de mexer com a política econômica. Havia conselheiros de sobra ao seu redor sugerindo que mexesse. Era desprovido de experiência para governar – Dilma não é. E foi atropelado por mensaleiros e aloprados.

Fernando Henrique é um retrato na parede. Lula recusa tal destino. Desistiu de brigar pelo terceiro mandato consecutivo porque a idéia pegou mal no seu círculo íntimo de assessores e aliados. Contudo, a candidatura de Dilma foi concebida por ele para ocupar espaço à espera da ocasião ideal do lançamento de algo parecido com o movimento “queremista” que devolveu Getúlio Vargas ao poder em 1950. Mas aí veio a crise dos bancos.

A crise despachou o “queremismo” para o freezer. Enquanto espera que Dilma volte a subir nas pesquisas de intenção de voto, Lula deixa Ciro Gomes (PSB-CE) brincar de candidato a presidente. Ciro só será candidato para valer se abrir uma razoável vantagem sobre Dilma. Então Lula poderá até trocar Dilma por ele. Do contrário, acabará forçado a abandonar o páreo e a disputar o governo de São Paulo se quiser.

Falta cacife político e financeiro a Ciro para enfrentar Dilma contra a vontade de Lula e do seu próprio partido.

DIRETO DA FONTE

''Setor público exige lógica empresarial''

SONIA RACY

O ESTADO DE SÃO PAULO - 05/10/09

Ajudando, com o Instituto Ayrton Senna, a dar mais qualidade à educação, Viviane Senna avisa: escola pública não foca o resultado



Depois da morte do irmão, Viviane Senna pensou que a Fórmula 1 nunca mais faria parte de sua vida. Estava enganada. Desde que seu filho Bruno entrou no circo da velocidade, há cinco anos, ela não só voltou a assistir corridas como passou a participar ativamente das negociações com escuderias e patrocinadores. Apesar da apreensão, sempre que o caçula entra no carro fica comovida com os olhos dele por trás da viseira - são idênticos aos de Ayrton.

Fora das pistas, Viviane comanda uma das mais bem sucedidas organizações sociais do país, o Instituto Ayrton Senna, que desde 1994 ajudou a capacitar 468.483 educadores. A irmã do piloto mais querido - e bem sucedido - do automobilismo brasileiro usa ferramentas do mundo corporativo para administrar sua ONG. Que em 15 anos movimentou R$ 183,5 milhões, investidos em 1.372 municípios de 25 Estados. E no qual descobriu que a cultura pública "não é como a empresarial, que trabalha com foco".

A psicóloga junguiana, mãe de outros dois filhos, mais uma vez homenageia o irmão e autografa, dia 13, na Livraria da Vila do Cidade Jardim, o livro Ayrton Senna-uma lenda a toda velocidade, de Christopher Hilton.

Seu marido morreu em um acidente de moto e o Ayrton, na pista. Agora seu filho, o Bruno, é piloto. Você fica apreensiva?
Minha relação com o automobilismo não é amistosa. Quando o Bruno decidiu que seria piloto, tentei enrolá-lo por dois anos. Achei que podia ser fogo de palha, mas não era. Ele começou a correr há cinco anos, foi tudo muito rápido. Tinha 18 quando falou comigo pela primeira vez. Disse que o sonho da vida dele era correr.

Foi uma surpresa?
Sem dúvida. Bruno não falava sobre isso desde o acidente do Ayrton, quando ele tinha 10 anos. Quando me contou que queria ser piloto, achei que isso poderia passar. Não passou. Não adiantou eu insistir para ser jornalista, engenheiro, chefe de equipe... (risos).

Como foi essa trajetória?
Em quatro anos o Bruno chegou onde outros precisam de 15 para chegar. Começou no kart, mas como é alto e magro vivia quebrando a costela e cada vez ficava dois meses parado. Chegou a quebrar seis costelas em um ano. Aí o (Gerhard) Berger disse que o Bruno não podia andar de kart porque não desenvolveu musculatura. No dia seguinte ele arrumou um teste na BMW.

E a Fórmula 1?
Estávamos com um contrato da Honda na mão, de três anos. Aí veio a crise mundial e eles saíram da Fórmula 1. Se tivessem ficado, o Bruno estaria correndo.

Vai ser feito um filme sobre Ayrton?
Demorou três anos para aprovarmos, mas agora ele vai sair, pela produtora americana Working Title. Um documentário, com estreia em 2010. A Warner ia fazer, com o Banderas no papel dele. Ele queria muito o papel. Veio aqui, no escritório, convencer a gente.

Por quê não deu certo?
A Warner queria 100% da decisão final. Não quisemos dar essa liberdade total e ficar sem o menor controle do que vai sair. Ficamos dois anos negociando. O Banderas ficou superfrustrado. Outro dia ele ligou e disse que agora está muito velho para fazer o Ayrton (risos).

Depois do acidente com o Felipe Massa, falou-se muito de como a morte do Ayrton levou a uma mudança de paradigma na segurança da F-1...
Mudou sim. A própria pista mudou. A cabeça não fica mais para fora, antes ficava. O Bruno diz que não vê a ponta do carro. Ele mesmo já teve um acidente feio, na F-3.

Como você faz para administrar tanta gente e tanto dinheiro no instituto?
A gente funciona como uma empresa. A diferença é que produzimos gente de qualidade.

O que faz o instituto?
Trabalhamos muito com escolas públicas, ajudamos governadores e prefeitos a melhorar a qualidade da educação. Fazemos diagnóstico e combinamos as intervenções necessárias. Fazemos capacitação de equipes usando uma linha de gestão.

Que tipo de problema existe na área?
O problema é a gestão. A escola pública é pouco eficiente porque não tem foco no resultado. A cultura pública não é como a empresarial, que trabalha com foco e meta. Queremos trazer a cultura empresarial para dentro da área pública. O setor público precisa da lógica do setor privado. Uma escola é uma fábrica de crianças.

O poder público está perdendo a guerra da educação?
De cada dez crianças que entram na primeira série, só cinco saem no final da oitava. E só três no final do ensino médio. Entre a 1º e o 3°ano do ensino médio, perdemos 70% das crianças.

Você é a favor da aprovação automática?
Ela não consegue, sozinha, resolver o problema da repetência. A qualidade da escola é muito ruim. A taxa de sobrevivência escolar é de 30%. Perguntei para médicos se existe alguma doença com índice de letalidade como esse. Não existe. É como se só 30% dos pacientes de um hospital sobrevivessem. Um indice absurdo.

Já pensou em fazer política?
Me ofereceram vários cargos; de deputada até ministra. Nunca quis. Não confundo o público com o governamental. E, pelo estatuto, não posso ter vínculo com partidos.

GOSTOSA DO TEMPO ANTIGO

PAINEL DA FOLHA

Alto rendimento

RENATA LO PRETE

FOLHA DE SÃO PAULO - 05/10/09

Apontado pelo TCU como um dos responsáveis por superfaturamentos no Pan-2007, cujos processos ainda tramitam no tribunal, o funcionário do Ministério do Esporte Ricardo Leyser Gonçalves cuidará agora das obras do Rio-2016. Leyser é hoje um dos homens fortes na estrutura do PC do B. Chegou ao poder público na administração de Marta Suplicy (PT) em São Paulo, como chefe de gabinete da então secretária de Esportes, Nádia Campeão. Na época, coordenou reforma no autódromo de Interlagos para o GP de F1.
Instalado na Esplanada, Leyser continuou a gerenciar orçamentos e contratos com empreiteiras. A preparação para a Olimpíada envolverá investimentos da ordem de R$ 26 bilhões.


Contas 1. De janeiro a agosto deste ano, Leyser usou R$ 230 mil em diárias de viagens -há casos de viagens que ultrapassam R$ 80 mil.

Contas 2. O TCU também investiga contratos do Ministério do Esporte firmados sem licitação. Um deles é com a FIA (Fundação Instituto de Administração), que elabora estudos de impacto econômico. Entre 2008 e 2009, a entidade faturou R$ 12 milhões a título de consultoria.

Confraria 1. Um jantar na casa do presidente da Câmara, Michel Temer, amanhã, vai fechar a estratégia do PMDB para o encontro com Lula, que deve ocorrer nesta semana. Os peemedebistas esperam selar nessa conversa o tal pré-acordo eleitoral em torno de Dilma Rousseff.

Confraria 2. Participarão do concílio peemedebista, além do presidente da Câmara e potencial vice de Dilma, os ministros da sigla, o presidente do Senado, José Sarney, e líderes no Congresso.

Quadrado. Por trás do discurso de obediência a Lula e subordinação ao projeto Dilma-2010, é grande o desconforto no PT-SP com a possibilidade de o partido vir a apoiar Ciro Gomes (PSB) para o governo estadual. O velado mal-estar não se restringe aos pré-candidatos petistas e seus aliados. Pelo interior afora, prefeitos do partido alegam que causaria ruído pedir votos para Ciro em suas bases.

Deixa disso. Os lulistas mais engajados tentam acalmar os correligionários dizendo que, se tudo sair conforme esperado, no final Ciro não aportará em São Paulo, e sim na chapa de Dilma, como vice. Só não explicam como a ministra escapará de subir ao altar com o PMDB.

Argumento. Aliados de Geraldo Alckmin circulam com uma pesquisa na qual o ex-governador tucano obtém na região metropolitana de São Paulo, coalhada de administrações petistas e área de influência de Gilberto Kassab (DEM), vantagem ainda mais expressiva do que em algumas regiões do interior do Estado.

Espécie... Cresce dia a dia o pânico dos deputados do PSDB com o "chapão" que terá, além de tucanos, candidatos à Câmara do PPS, talvez do PMDB e principalmente do DEM, estes escolhidos a dedo e turbinados por Kassab.

...ameaçada. Os otimistas projetam 35 eleitos pelo "chapão". Os céticos duvidam do número e apostam que nenhuma das outras siglas perderá tanto quanto o PSDB.

Chefinho. Carlos Lupi ficou apenas cinco dias fora, mas já foi o suficiente para que servidores do Ministério do Trabalho mandassem colocar duas faixas em seu gabinete: "Bem-vindo, ministro" e "Sentimos sua ausência".

Troco. Após o naufrágio da CPI do MST com a retirada de assinaturas de deputados governistas, a bancada ruralista, com maioria "demo", preparou panfletos com o nome dos que desistiram para enviar aos produtores nos Estados. A oposição promete reapresentar o pedido de CPI nesta semana com novas adesões.
com VERA MAGALHÃES e SILVIO NAVARRO

Tiroteio

"Como não é mais capaz de enganar a população depois de três anos, Jaques Wagner teve de recorrer a bodes e cabras para fazer propaganda de um governo que não tem o que mostrar."
Do deputado ACM NETO (DEM-BA), sobre o programa criado pelo petista Jaques Wagner de pregar a logomarca do governo baiano na orelha dos rebanhos no interior da Bahia.

Contraponto

Quase a mesma coisa

A Câmara realizou na terça-feira passada uma sessão em homenagem aos 60 anos da revolução chinesa e aos 35 do restabelecimento das relações diplomáticas entre o Brasil e aquele país. Depois uma série de discursos, o presidente Michel Temer (PMDB-SP) iniciou sua fala lamentando ainda não ter podido visitar a China. Em seguida, quis citar Jô Moraes (PC do B-MG), uma das idealizadoras da homenagem, e escorregou:
-Gostaria de parabenizar a deputada Jô Soares...
Diante do riso geral, Temer consertou como pôde:
-Peço desculpas. De qualquer maneira, são dois grandes personagens do cenário nacional...

RUY CASTRO

De olho nos cariocas


FOLHA DE SÃO PAULO - 05/10/09


Neste fim de semana, os jornais explodiram de anúncios de página inteira saudando a escolha do Rio como sede da Olimpíada de 2016, vindos da área dos bancos, cartões de crédito, energia, eletroeletrônicos, incorporadoras, carros, hotéis, shoppings, supermercados, alimentos, bebidas, seguros, planos de saúde, laboratórios médicos, estabelecimentos de ensino, construção civil, telefonia, comunicação e marketing, empresas aéreas, etc, etc.


A maioria dessas empresas tem sede em São Paulo, opera em São Paulo, emprega milhões de paulistas e paulistanos e investe seus lucros na própria São Paulo. Como os empresários são pessoas práticas e costumam enxergar maior e mais longe do que nós – ou não seriam empresários –, a vitória do Rio foi uma vitória do Brasil, do qual fazem parte. E como fazem. Espírito de porco não é com eles.

Será uma sacudida na economia e, de um jeito ou de outro, todos ganharão, do vendedor de amendoim na praia e empregado de loja e aos tubarões que construirão os hotéis. Indiretamente, a saúde, a educação, a segurança pública e a habitação serão beneficiadas. Dirão vocês que não é nada disso, que a roubalheira vai campear e os recursos públicos irão para os bolsos privados, porque o carioca, vou te contar.

A turma tem razão. É preciso fiscalizar de perto os cariocas, e não faltará gente para isto. O problema é que, segundo pesquisa Datafolha em todo o país, veiculada ontem no Mais!, 83% dos brasileiros admitem já ter “cometido alguma prática ilegítima”, de sonegar impostos e subornar o fiscal a estacionar em fila dupla e piratear programas de computador.

Como já roubei livro em Paris e às vezes compro pente Flamengo no camelô, considero-me parte desses 83% e, por isso, não tenho moral para vigiar ninguém.