segunda-feira, março 04, 2013

E o Oscar de efeitos especiais vai para.... O PT - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA

Abraham Lincoln e Luiz Inácio da Silva não são a mesma pessoa, mas quase. Na festa de 30 anos da CUT, o filho do Brasil e pai da maior máquina de perpetuação no poder já vista neste país voltou a se queixar em grande estilo, como é próprio das vítimas profissionais. Declarou que ele e o companheiro Lincoln são uns injustiçados: “Fiquei impressionado como a imprensa batia no Lincoln em 1860. Igualzinho bate em mim”.

As semelhanças não param por aí: Lincoln não ganhou o Oscar, Lula também não. Mais uma armadilha do sistema capitalista contra os heróis do povo. Como um sujeito que sai limpinho do mensalão, convencendo mais de 100 milhões de pessoas de que não sabia de nada, pode não ser premiado com o Oscar? É muita injustiça social mesmo. Só pode ser preconceito das elites contra o ex-operário.

Lincoln e Lula, os irmãos siameses da resistência contra a imprensa burguesa, passarão juntos à história da CUT apesar do boicote de Hollywood. Mas que os americanos não se animem muito com essa dobradinha.

Mesmo com as incríveis semelhanças entre os dois estadistas, Lula é melhor.

Lincoln jamais seria capaz de eleger uma Dilma e, depois de um governo inoperante, preguiçoso, fisiológico, perdulário, destruidor das instituições com tarifas mentirosas e contabilidade idem, se encaminhasse para reelegê-la. Com todo o respeito à mitologia ianque e ao talento de Steven Spielberg, uma façanha dessas não cabe na biografia de Lincoln. Como transformar uma militante inexpressiva em símbolo feminino nacional, sem que ela manifeste um único pensamento original em anos de vida pública? Lincoln teria de nascer de novo duas vezes para aprender essa com Lula.

Enquanto o líder máximo de todos os tempos das Américas demonizava a imprensa, ensinando a classe operária a suspeitar da informação livre, odiar o contraditório e só confiar no que seu guru diz, notava-se ao lado os sorrisos divertidos de Gilberto Carvalho, o chefe de gabinete vitalício do Brasil. Carvalho é uma espécie de entroncamento entre Lula e Dilma, um avalista da continuação do final feliz petista no berço esplêndido do Estado brasileiro. Como se sabe, para que esse final feliz dure bastante, é necessário que o conto de fadas do oprimido prevaleça sobre a vida real - daí a implicância sistemática com a imprensa.

Ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho está sempre nos fóruns partidários prometendo à militância que o governo criará uma imprensa nova, confiável. Parece piada chavista, mas é verdade. Por acaso, foi um subalterno de Carvalho que voltou de Cuba com um dossiê contra a blogueira Yoani Sánchez, caprichosamente gravado num CD. É o velho estilo petista de conspirar com o rabo de fora.

Na chegada da blogueira cubana ao Brasil, surgiram subitamente patrulhas organizadas de apoio ao regime de Fidel Castro, um movimento que ninguém imaginava que existia, que nunca mostrara sua cara em lugar nenhum. De repente, num Brasil supostamente democrático e tolerante às diferenças ideológicas, esses grupos surgidos do nada simplesmente impediram os debates públicos com Yoani - no grito, na marra. Quem será que instrumentalizou essa turminha braba?

A inacreditável operação abafa contra uma blogueira, nesse espetáculo deprimente de censura que o Brasil engoliu, veio mostrar que o chavismo só não prosperou no Brasil porque o oxigênio da liberdade por aqui ainda é maior do que na Venezuela. Mas o estado-maior petista não desistiu de sua doutrina da democracia dirigida e baba de inveja dos índices fabricados pela companheira Cristina Kirchner, em sua cruzada bolivariana pela informação de laboratório. Assim como Lincoln e Lula, Cristina também é uma vítima da imprensa reacionária, que tem essa mania mórbida de querer divulgar indicadores públicos verdadeiros.

O lucro do BNDES acaba de ser maquiado, graças a mais uma manobra genial dos companheiros que produzem superavit de proveta e passam blush na inflação. Quando se trata de picaretagem para se agarrar ao poder, é impressionante como a mediocridade do governo popular se transmuta em brilhantismo. Como disse Lula na CUT: “Nós sabemos o time que temos”.

É mesmo um timaço. Merece no mínimo o Oscar de efeitos especiais.


Dilma e Tarsila - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 04/03

Mesmo com o pé machucado, Dilma percorreu os quatro andares do Museu de Arte do Rio (MAR), recém-inaugurado na Zona Portuária, sexta passada. A maratona levou quase duas horas e no final ela já estava mancando. “Dilma tem um olhar sensível para arte”, observa o museólogo e crítico de arte Paulo Herkenhoff, impressionado com o interesse da presidente quadro por quadro. Ela se deteve mais tempo diante de telas da Tarsila do Amaral e Volpi.

Execução de Tiradentes...
No mesmo dia, Dilma, jantando na casa do colecionador Sergio Fadel, ficou maravilhada com a tela “Execução de Tiradentes”, única obra histórica de Guignard. O artista fez este quadro em 1961, a pedido de Juscelino Kubitschek.

Ana, com carinho...
Aliás, chamou a atenção de quem assistiu à inauguração deste museu a maneira carinhosa com que Dilma se referiu à ex-ministra Ana de Hollanda, que estava presente.

Obra embargada
O secretário Carlos Minc embargou a Unidade de Aços Longos da CSN, em construção. O governo do Estado do Rio acusa a usina de ter descumprido 11 itens do TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), o compromisso feito com as autoridades, e não ter executado recuperações ambientais.

Aliás...
Como ia dizendo, impressiona como a relação do empresário Benjamin Steinbruch, que mudou a sede da CSN do Rio para São Paulo, não é boa com grande parte da comunidade de Volta Redonda.

ERA UMA VEZ...
Lembra do Palácio Universitário da UFRJ, na Praia Vermelha, no Rio, que pegou fogo no fim de março de 2011? Pois bem, quase dois anos depois, salas e corredores seguem completamente abandonados. As imagens, repare bem, são de dar dó. Como se vê, não há nem sinal de que haverá uma reforma no prédio, tombado pelo patrimônio histórico. Aliás, um outro imóvel da UFRJ, onde funciona o Hospital-Escola São Francisco de Assis, na Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio, também sofre com a incúria. Por que as obras ainda não começaram? 

Russos estão chegando
O ministro Gastão Vieira vai a Lisboa esta semana para conversar com a TAP. Quer que a companhia amplie sua malha aérea que liga o Brasil à Europa. O foco principal é a Rússia. Em 2011, 22,3 mil russos, que têm fama de gastadores, desembarcaram no país.

E mais...
Tem uma lenda, de autenticidade duvidosa, sendo espalhada, que a dança do frevo foi influenciada por russos que chegaram em dois navios, em 1804, no Porto de Recife. Os tripulantes fizeram apresentações de suas danças nativas levando os anfitriões a imitarem seus passos e seus saltos altos. Há controvérsia.

Superlotação
Oito micos invadiram outro dia o apartamento de dona Sebastiana Martins de Lima, 78 anos, na Rua Paissandu, no Rio, à noite. A senhorinha, desesperada, trancou-se no quarto.
— Eles pularam, derrubaram minhas coisas e foram embora. Há mais de um ano eu ligo para a prefeitura e para a Comlurb, pedindo ajuda para podar uma figueira que bate bem na minha janela.

Zona Franca
O jornal “Extra” lança hoje o caderno Mais Baixada, voltado para a Baixada Fluminense. O suplemento é editado por Eduardo Auler e coordenado por Marlon Brum. Vida longa!

Táxi das águas
Búzios, RJ, vai ganhar o primeiro... aquatáxi elétrico do Rio. O veículo, que não é poluente e foi desenvolvido pela Ampla em parceria com a Coppe-UFRJ, vai levar passageiros de uma praia a outra. A primeira prova no mar será ainda este mês.

Dona encrenca
Gilda Mattoso, viúva do poeta Vinicius de Moraes e assessora de imprensa boa-gente, vai lançar seu livro “Assessora de encrenca”, em Portugal, em abril.

Calma, gente
O edital da Funarte para cuidar do Teatro Dulcina, no Rio, com uma verba de R$ 920 mil, deu a maior confusão. A vencedora foi a Belazart Realizações Artísticas, de José Mauro Brant. Só que grupos derrotados reclamam que ele é amigo de Antônio Gilberto, o diretor de artes cênicas da própria Funarte.

Pé na cova
Há uma articulação para construir um cemitério de bacanas, na Barra da Tijuca, no Rio. 

Atenção: a reserva pode ser inútil - LUCIA MARIANO DA ROCHA SILLA

O GLOBO - 04/03

O Ministério da Saúde investiu milhões de reais na criação do Registro Brasileiro de Doadores de Medula Óssea e na Rede de Bancos de Sangue de Cordão Umbilical Públicos, para atender pessoas que necessitam de um transplante de medula óssea e que não têm doador familiar. A inclusão dos Bancos de Sangue de Cordão Umbilical Públicos no programa de registro aumentou a chance dos brasileiros de encontrar doadores compatíveis. A meta é a de que todos os que precisem sejam transplantados.

A existência de bancos de sangue de cordão umbilical privados é proibida em alguns países da Europa devido a questões ligadas à bioética. No entanto, naqueles países há equipes capacitadas para coletar as células-tronco de um grande número de recém-natos. Mesmo com a acelerada implantação de 13 bancos públicos no Brasil, ainda não dispomos de equipes de plantão 24 horas para atender diversas maternidades em uma única cidade.

Até o momento, com as evidências existentes, não há razão para que um determinado cordão fique reservado apenas a seu dono ou família, já que apenas 4% do inventário de um banco de sangue de cordão umbilical serão efetivamente utilizados. Do ponto de vista científico, não foi ainda definida a importância das células-tronco de cordão na medicina regenerativa, pois as células-tronco adultas, disponíveis em todos nós, parecem ser igualmente eficientes. Assim, não se justificam os congelamentos alardeados pelo setor privado.

Células-tronco mesenquimais são um tipo particular de células-tronco, de produção relativamente simples e barata, presente em quase todos os órgãos e tecidos do nosso corpo e na "parede" do cordão umbilical. Estas últimas parecem ter propriedades superiores e vantagem na regeneração tecidual. Alguns bancos de sangue de cordão umbilical privados do centro do país estão incluindo no "cardápio de possibilidades", oferecido em folhetos de marketing, a possibilidade de também congelar o cordão além das suas células. Com isto, o setor privado deve pelo menos dobrar os ganhos com o armazenamento.

Nos EUA, há evidências de que transplantes realizados com cordão de bancos privados vão significativamente pior dos que de públicos, possivelmente porque nos primeiros as condições de coleta, embalagem, congelamento e armazenamento são inferiores e heterogêneas. No Brasil, os bancos de sangue de cordão umbilical públicos tendem a ser melhores, principalmente por atenderem as normativas.

Não existem, até o momento, evidências que justifiquem o investimento de recursos para reservar o cordão umbilical de crianças para o futuro. E a reserva pode ser inútil, pois o produto pode ter deteriorado.

Lucia Mariano da Rocha Silla é presidente da Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea e coordenadora do Centro de Tecnologia e Terapia Celular do Hospital de Clínicas de Porto Alegre

Discursos desencontrados - VANESSA BARBARA

FOLHA DE SP - 04/03

Todos os domingos, às 14h, a emissora católica Rede Vida veicula um "game show" para crianças, no qual escolas competem para ver quem sabe mais sobre o esporte bretão.

Bancado pela Federação Paulista de Futebol (FPF), "Futebol e Criança" traz perguntas e respostas sobre atletas, times e estatísticas --"Qual o resultado de São Paulo vs. Mirassol na abertura do Paulistão 2013?" "Qual o apelido do ex-jogador Pepe, do Santos?"

Nervosas, as crianças têm de adivinhar o que acontece em lances exibidos no telão, participam de um jogo da memória e passam por provas de habilidade, como bater pênaltis e fazer embaixadinhas.

Em edições recentes, dirigentes e atletas do time sub-20 do São Caetano foram convidados para chutar ao gol. Uma reportagem exibiu o cotidiano de um técnico "talentoso e promissor, profissional competente e um ser humano da melhor qualidade".

A matéria conclui: "Muito sucesso e felicidade para sua carreira e sua vida".

No programa, árbitros, atletas e preparadores físicos são convidados a falar sobre "a importância do futebol para o corpo, a mente, a vida pessoal e cultural de nossas crianças". Pregam princípios esportivos como "disciplina, aceitação do outro, sociabilidade, respeito às regras e convivência familiar".

Ainda de acordo com o release da atração, a FPF, na figura de seu presidente Marco Polo del Nero, pretendeu criar um programa que abordasse "o futebol como esporte, saúde e principalmente formador de cidadãos".

Fala-se em referência de comportamento, superação e dedicação necessárias para o jovem que pretende enveredar pelos caminhos do esporte.
Trajada com vestidos curtos e shorts apertados, a apresentadora é a modelo e jornalista Carolina Galan.

Ela é namorada de Marco Polo del Nero, presidente da Federação e vice da CBF, que em novembro foi alvo de uma investigação da Polícia Federal sobre um grupo especializado na quebra de sigilo telefônico, bancário e fiscal.

Segundo a Folha, o dirigente teria contratado detetives para vigiar Carolina e descobrir se ela estava sendo mesmo uma referência de comportamento para os jovens. Usou computador, e-mail e telefone da instituição.

Recentemente Carolina foi um dos destaques no desfile da Escola de Samba Vai-Vai. Integrou a ala "Liturgia", que falou da importância da Igreja na produção de vinhos e a bebida nos rituais religiosos.

As flores da Rua Joly - JOSÉ DE SOUZA MARTINS

O Estado de S.Paulo - 04/03

Num sábado à tarde, de novembro de 1884, a Condessa d'Eu, com os filhos, ainda crianças, foi de bonde puxado a burro conhecer a Chácara das Flores, no Brás. Ficava no Marco da Meia Légua, pouco adiante da Ponte Preta, na Rua do Brás, mais tarde Rua da Intendência e hoje Avenida Celso Garcia. A Princesa Isabel não ligou muito para as flores de Jules Joly. Queria era livrar-se do enxame de repórteres. Na volta, pediu um bonde só para ela e os filhos, deixando os jornalistas a pé. Lá era o confim da cidade, o extremo do chamado rocio.

Júlio Joly era francês de Grenoble. Chegara a São Paulo, com 27 anos de idade, em 1828, onde, com um patrício, montou uma livraria, animado pela abertura do Curso Jurídico, atual Faculdade de Direito. Em meados do século, tinha uma loja de miudezas de luxo trazidas da França: joias de verdade e de fantasia, cristais, porcelanas, eventualmente vinhos e até elixires. Todo ano viajava para lá e voltava carregado desses objetos de desejo de uma sociedade caipira que estava ficando rica com a agricultura de café e se afrancesava ao mesmo tempo. Era uma espécie de sacoleiro de luxo. Semanas antes de viajar, fazia leilões dos estoques de sua loja de sobrado na Rua do Rosário, atual Álvares Penteado, de modo a recuperar o capital para renovar estoques.

A Chácara das Flores foi criada no terreno do Brás, em 1856, depois que Joly, sem êxito, tentou vendê-lo. Com as mercadorias para sua loja, começou a trazer da França, na bagagem, sementes e mudas de flores. A chácara tinha cerca de um hectare, um sobrado, ao qual se chegava por uma alameda ladeada por palmeiras, vários animais, mais de mil árvores frutíferas, parreiras, senzala para os escravos. O terreno era atravessado por um córrego de boa água. Dizia ter 400 variedades de camélias e de rosas, além, de dálias, rododendros, azaleias.

Na Rua da Imperatriz, hoje 15 de Novembro, abriu uma floricultura, onde vendia buquês e arranjos florais. Joly colocou as flores na vida cotidiana dos paulistanos, libertando-os da rusticidade que havia até mesmo nos casarões senhoriais.

Em 1886, fez o arruamento da chácara para venda de lotes. A uma das ruas deu seu próprio nome, Rua Joly, que assim se chama até hoje. Em 1893, cego, foi submetido a temerária cirurgia de catarata pelo doutor Carlos Botelho, aqui mesmo, o que lhe permitiu voltar a ler e escrever. Faleceria no ano seguinte, com 93 anos de idade. Seus filhos se radicaram em Itatiba, como fazendeiros e lojistas. Tinham escravos. Lá foi celebrada sua missa de 7.º dia.

Joly se gabava de ter sido o introdutor do gosto pela jardinagem amadora em São Paulo. Foi quem estimulou entre nós o passatempo masculino do cultivo de rosas, numa época em que o único passatempo dos homens era a caçada. Perfumou aqui o caminho da civilização.

Da caixa postal - JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS

O GLOBO - 04/03

O amor é assim mesmo. De vez em quando vai ali na esquina tomar um ar. Mas volta. Às vezes com novos cabelos, outros papos, um jeito diferente de beijar


De Vânia Maria Duarte dos Santos, da Tijuca: “Andas muito exigente quanto à mulher que desejas ao seu lado. Você procura uma Brastemp completinha? Onde anda aquele galanteador de primeira?” Vânia, você desce a Senador Dantas pela calçada da esquerda, vindo da Almirante Barroso, e entra na primeira à esquerda. É a Travessa Poetas da Calçada. Entra e pega à direita, ao lado do restaurante Al Kwait. Você vai dar num outro beco, que por sua vez dá numa das entradas no edifício Darke. A última vez que vi o galanteador foi ali. Já o vi em ação. O edifício tem outras três saídas. Dependendo do resultado da abordagem, o galanteador escolhe uma. Ele parecia um pouco com o Wilson Grey, o bigodinho talvez um pouco mais consistente, não tenho certeza.

De Lúcio Flávio Gomes da Silva, de Nova Friburgo: “Antonio Maria, com dor de cotovelo pela perda da Danuza, apareceu aqui em Nova Friburgo para receber uma homenagem. A alta sociedade lhe preparou um rapapé cheio de ternos e gravatas, e ele, a estrela da noite, apareceu de calça faroeste com uma corda fazendo de cinto”.

Lúcio Flávio, só o estilo desparagonado foi fiel ao Menino Grande. As mulheres batiam-lhe a porta, mas as alpargatas Roda lá estavam aos pés, sempre. A elegância, o Maria guardava para as frases, o cinto que veste hoje o jornalista de sempre. Anota essa: “Só há uma Semana Santa; nas outras, vocês matem quem quiser”.

De Thomas Martin Ossowicki: “Tenho certeza de que você já tentou se equilibrar num stand-up paddle no Nove. Qual é o problema? Título de cidadania implica conhecer a geografia da cordialidade do pedaço e não ficar na nostalgia.”

Tony, o remo em pé na Praia de Ramos, o baião de dois do Romero, no 48 da Ladeira dos Tabajaras, e a piscina de azulejos negros na suíte da dona Mariazinha Guinle, no Copa — em tudo isso já me equilibrei. Não é dica para ficar carioca cool. Faz quem quiser. Li a “Geografia da fome”, do Josué de Castro, mas prefiro “O cego de Ipanema”, do Paulo Mendes Campos. Sobre a nova cordialidade do gentio local, gostaria de citar a bateria dupla e a UPP da Mangueira.

De Elmo Lage, compositor: “Dentre as minhas letras, “Por que será?” tem a ver com a sua crônica do casal brigando na esquina: ‘O amor de vez em quando apronta (...) Esquece os beijos trocados na esquina/ Menospreza as pulsações, os batimentos/ Apaga os registros dos belos momentos’”.

Elmo, não se impressione, não. O amor é assim mesmo. De vez em quando vai ali na esquina tomar um ar. Mas volta. Às vezes com novos cabelos, outros papos, um jeito diferente de beijar ou com a notícia de que agora é para sempre. Acredite e faça outra música, embora, cá entre nós, o “Bolero” do Ravel já tenha dito tudo sobre esse vai-e-vem, o tira-e-bota dessa tragédia sem sentido e dolorosa.

De David Augusto Guimarães: “O citado galo na crônica sobre Portugal não seria de Barcelos, ao invés de Évora? O programa do Francisco José era na TV Continental. Abraços do patrício”.

David, é tanto vinho Dão nos acorrendo pelas veias dos tremoços, mais a ansiedade de acabar com todos esses textos e me jogar nos dois braços dela à minha espera, que de vez em quando tropeço cá nos tamancos. Os galos estão espalhados, cantam fados tristes pelas cidades, cômodas e penteadeiras da memória. Só não há mais galo é aqui ao lado, no sopé do Cantagalo.

De Branca Amado: “Quem resiste à tentação do Facebook? É minha primeira página própria, meu público próprio, com direito a comentários positivos e aprovações. Reparou que não há críticas no FB?”.

Branca, esse negócio de criticar os outros é do tempo do onça, do Paulo Francis, do José Fernandes e até mesmo do Mongol, aquele vilão que se aproveitava de uma distração do juiz e puxava o cabelo, enfiava o dedo nos olhos dos mocinhos do Telecatch Rum Montilla. O negócio agora é ser gente boa, fazer lekeleke e agregar valor, se é que você está me compartilhando o tirocínio.

De Mathilda Kovak: “Ih, amigo, tá tudo dominado. O Morro da Conceição virou point de artistas plásticos e metidos quetais. Acho que, agora, só a lua. Mesmo assim, tem que ser rápido, porque vai ser invadida e descaracterizada do mesmo modo. É tudo tão estereotipado neste século chinfrim...”.

Math, levei sua questão ao Moacyr Luz, doutor em Morro da Conceição. Ele me disse que mal não há em a Praça Mauá visitar. Te convidou para fazer o de sempre. Entrar pela Sacadura Cabral, ali na esquina onde o Gracioso está se recuperando de um incêndio, e ir subindo o morro. Cruzar a Travessa do Sereno, pegar a Rua do Jogo da Bola e se lambuzar com uma sardinha ao azeite no Bar do seu Odílio. Ele agarantche. Ninguém metido. É morro família.

Duas revoluções, dois destinos - ALFREDO SIRKIS

O ESTADÃO - 04/03

Os recentes incidentes envolvendo a visita ao Brasil da blogueira cubana Yoani Sánchez, hostilizada por turbas agressivas da "Solidariedade com Cuba", foram também uma oportunidade perdida para debater o argumento de que a ditadura "de esquerda" seria o inevitável preço a pagar pelos grandes "avanços sociais".

É comum escutarmos que as restrições à liberdade de expressão e de imprensa, a ausência de eleições livres, de pluralismo político ou de alternância no poder, passado mais de meio século da revolução cubana, se justificam por suas conquistas na educação e na saúde e pela ausência de fome e miséria absoluta na ilha. O argumento jamais se sustentou na comparação com outra revolução que a precedeu em 11 anos: a da Costa Rica, de 1948, que obteve notáveis avanços em educação e saúde e garantiu um padrão de vida muito mais elevado, sem o sacrifício das liberdades, do pluralismo, do respeito aos direitos humanos e de um Judiciário independente.

Hoje a maioria da população costa-riquenha é de classe média, seu salário mínimo é 15 vezes maior que o de Cuba, seu produto interno bruto (PIB) e a sua renda per capita são os mais altos da região. Há três vezes menos suicídios do que em Cuba. A Costa Rica tem políticas ambientais e ecoturismo de referência internacional e ambiciona tornar-se o primeiro país carbono neutro do mundo.

A revolução de 1948, liderada por José María Figueres Ferrer, conhecido como Don Pepe Figueres, derrubou o regime oligárquico do presidente Teodoro Picado e do seu mentor político Rafael Calderón Guardia, que fraudavam sistematicamente as eleições, como na nossa República Velha. Foi desencadeada em reação a um "autogolpe" - queimaram as listas com os resultados eleitorais, privando da vitória o candidato progressista Otilio Ulate, e assassinaram um dos líderes oposicionistas, Carlos Luis Valverde. Detalhe curioso: o pequeno partido comunista local, o Partido Vanguardia Popular (PVP), apoiava ativamente o regime oligárquico.

A desmobilização de suas milícias, em troca da garantia dos direitos sindicais e da sua legalidade, acertada numa dramática negociação entre o secretário-geral do PVP, Manuel Mora, e José Figueres, na floresta de Ochomogo, foi decisiva para a relativamente incruenta vitória da revolução após 40 dias de combates.

A junta revolucionária, liderada por Don Pepe, nacionalizou os bancos para democratizar o crédito - até então exclusividade da burguesia compradora (importadora) -, permitindo desenvolver a agricultura e a indústria. Investiu obsessivamente na educação, instituiu a autonomia do Judiciário. Dissolveu seu próprio exército revolucionário depois de uma tentativa de golpe do então ministro da Defesa, Edgard Cardona, inconformado com o tratamento leniente dado por Figueres aos comunistas. Isso não o impediu de derrotar, com o povo em armas, uma invasão do ditador Anastasio "Tacho" Somoza (pai), da Nicarágua, onde se haviam exilado Picado e Calderón.

Ao final de 18 meses, Figueres entregou o governo a Otilio Ulate, legitimamente eleito nas eleições "meladas" do ano anterior, apesar de notórias divergências entre ambos. Voltou à sua Fazenda La Lucha sin Fin, onde ficou até 1953, quando disputou democraticamente e foi eleito presidente.

Cercada de ditaduras por todos os lados até anos recentes, a Costa Rica jamais deixou de promover eleições livres a cada quatro anos. Poderia ter sido assim em Cuba 11 anos mais tarde?

Don Pepe apoiou Fidel Castro com dinheiro e armas. Foram amigos, mas romperam quando Fidel se aliou ao bloco soviético. O contexto da guerra fria - em 1948, nos primórdios, em 1960, no apogeu -, com uma quase imediata hostilidade norte-americana à revolução cubana, fez a diferença, bem como a personalidade de Fidel.

Entre os líderes das duas revoluções ressaltam diferenças de idade, origem social e experiência de vida: Don Pepe, filho de um modesto médico catalão, era pequeno fazendeiro, tinha 42 anos ao liderar sua revolução. Conhecia bem os Estados Unidos, onde estudara. Sua primeira esposa, Henrietta Boggs, era americana. Ele sabia explorar com habilidade as contradições internas em Washington e nunca quis aliar-se à URSS, embora tenha nacionalizado a United Fruit, o flagelo das Repúblicas bananeiras. Fidel, filho de um grande latifundiário de origem galega, era universitário quando chefiou o assalto ao quartel de Moncada. Depois conheceu apenas a prisão, o exílio e Sierra Maestra. Don Pepe era de ouvir, negociar e pactuar. Fidel nasceu para mandar e ser obedecido.

Com pouco sangue e sem paredón, a revolução de 1948 não figura no panteão histórico-jornalístico. É praticamente desconhecida, ao contrário das revoluções trágicas ou das derrotas heroicas dos mártires, não importa quão patéticos ou desavisados. Uma revolução com final feliz, um país que há 65 anos "caiu numa democracia", para nela permanecer até hoje, um líder revolucionário que resolveu abrir mão do poder para depois disputar eleições livres, em 1953 e 1970, são decididamente indignos do rol de eventos e personagens históricos de primeira linha...

Don Pepe Figueres, que gostava de se definir como "socialista utópico", nunca cultivou o "Patria o Muerte" ou outro necrófilo brado retumbante do gênero. Seus compatriotas, los ticos - os costa-riquenhos - pacíficos e cosmopolitas, são, com toda a probabilidade, mais felizes. No entanto, a felicidade - gota de orvalho numa pétala de flor -, pelo visto, não é um indicador relevante no fazer História do nosso tempo.

Essa pacata democracia sexagenária, ainda que em terra de tantos vulcões, não evoca o menor romantismo, não vale sequer uma camiseta ou boina negra com estrelinha vermelha. Mas constitui intenso objeto de desejo na "geração Y", de Yoani Sánchez, dos filhos daquela outra revolução, a tão exaltada em prosa e verso.

Poder, dinheiro e sexo - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 04/03

Quase todo mundo faz quase o tempo todo quase tudo por poder, dinheiro e sexo


"Meu Deus, eu queria tanto ouvir um pecado novo." Esta frase me foi dita por uma amiga minha, uma verdadeira dama, citando um padre amigo seu. Esta fala revela a repetição dos temas humanos: dinheiro, poder, sexo. Nada há de novo embaixo do sol, como diz a Bíblia Hebraica. Iniciantes acham que há.

Posso imaginar a monotonia do confessionário. Para nós, mero mortais, a ideia, por exemplo, de uma mulher contando suas infidelidades, reais ou imaginárias, é uma delícia de luxúria. Para o apreciador do sexo frágil, o segredo do mundo está entre as pernas das mulheres.

Aliás, a luxúria é um dos sete pecados capitais. E pecado é coisa séria, apesar de hoje estar na moda achar que não existem mais pecados. Eu, que sou um medieval, creio mais neles do que nas ciências humanas.

Ingênuos acreditam que a vida mudou em sua "essência". Mesmo o caso do Vatileaks repete a velha história de poder, dinheiro e sexo.

Mesmo Jesus, em seus 40 dias no deserto (que por sua vez simbolizam os 40 anos do povo hebreu perdido no Sinai, pós-Egito), foi tentado nesta velha chave: poder, ouro, mulheres.

Mas existe uma hierarquia nesta estrutura. Por exemplo, ninguém nunca perdeu mulher perseguindo dinheiro (ouro), mas sim perdeu muito dinheiro perseguindo mulher, portanto, dinheiro é mais essencial e seguro do que começar por mulheres. Uma vez tendo o dinheiro, elas virão.

"Sabedorias" como essa falam do pecado, essa marca de nossa natureza humana. Prever o comportamento humano a partir do pecado é quase uma ciência exata.

Uma coisa chata sobre essa ciência exata do pecado é justamente ela furar nossas utopias. E o mundo moderno, assim como é o tempo da técnica e da ciência, é também o tempo da mentira moral generalizada que se diz utopia.

Adianto que não uso pecado aqui como algo necessariamente religioso, mas sim como traço de comportamento verificável do tipo "ratinho do Pavlov": os sete pecados capitais funcionam "cientificamente" melhor do que a luta de classes.

Lembre, por exemplo, da inveja que seu colega de trabalho tem quando você tem mais sucesso do que ele. E se ele não reagir de modo banal, isto é, babar de inveja, saiba que você está diante de alguém de caráter. Coisa rara. As feias querem matar suas colegas mais bonitas. A única esperança das feias é que as bonitas sejam mesmo burras e superficiais.

Mas a luxúria é top. Depois da revolução sexual pensamos que a luxúria não existe mais e que "sexo salva". Pensar isso é coisa de iniciante.

O que caracteriza o pecado é que ele extenua a pessoa. A ideia mais perto disso é a ideia de vício. Vício em drogas, álcool. Luxúria seria o vício no sexo. Alguns especialistas acham que não existe vício em sexo e que falar disso é simplesmente ser "moralista" ou ter inveja de quem faz muito sexo.

Eu suspeito de que quem acha que não existe vício em sexo é que não faz sexo o suficiente, por isso não sabe o que é estar submetido a um desejo que destrói a alma. Neste caso, a simples visão de uma mulher, suas pernas, sua voz, seus gestos, implica no silêncio do resto do mundo.

Os antigos e medievais entendiam mais da natureza humana do que nós, principalmente porque eram menos utópicos e não sofriam dessa bobagem de achar que é a "ideologia" que determina quem somos.

A "crítica da ideologia" é uma das pragas contemporâneas e virou uma espécie de fetiche do pensamento, que nos impede de ver o óbvio: poder e dinheiro trazem sexo, seja homem ou mulher, isso não é "ideológico". Quase todo mundo faz quase o tempo todo quase tudo por poder, dinheiro e sexo.

Sobre o risco de conceitos virarem fetiche, o livro de Luís de Gusmão, "O Fetichismo do Conceito" (Topbooks), é uma pérola. Recomendo para quem acredita em "mitos".

Autores como Evagrio Pônticos (345-399), Santo Agostinho (354-430) e São Tomás de Aquino (1225-1274) podem nos ensinar bastante sobre natureza humana. Saia da moda e leia os antigos e os medievais. Pra eles, o pecado é a perda da autonomia da vontade. Quem nunca viveu isso, que se cale e vá brincar.

Os equívocos da política econômica CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ

O ESTADO DE S. PAULO - 04/03
Em meu último artigo neste espaço, procurei mostrar que há uma restrição estrutural à expansão da oferta de bens e serviços na economia brasileira, dada pela escassez de mão de obra. A ideia de que a situação apertada do mercado de trabalho é um obstáculo ao crescimento - pelo menos no curto e no médio prazos-é compartilhada por boa parte dos analistas, embora não seja consensual. No entanto, há menos concordância no que se refere à taxa de utilização do Estoque de Capital Fixo (ECF), ou seja,das máquinas, equipamentos e construções - nestas incluídos não só os imóveis residenciais, comerciais e industriais, como também toda a infraestrutura produtiva (transporte, comunicações, energia, etc.)

Aceitar que a taxa de utilização do ECF também está elevada, ao mesmo tempo que a produtividade total dos fatores de produção (PTF) está praticamente estagnada, leva necessariamente à conclusão de que o atual nível do PIB está acima do potencial. Tal constatação é contra intuitiva, dadas as pífias taxas de crescimento observadas nos últimos dois anos e as perspectivas não muito animadoras para 2013.

Os economistas Regis Bonelli e Edmar Bacha publicaram recentemente o excelente artigo Crescimento Brasileiro Revisitado (capítulo 8 do livro Crescimento Econômico - Uma Perspectiva Brasileira, organizadores Fernando Veloso e outros). Nele, é examinada a evolução de longo prazo da economia a partir de modelos com ênfase nos determinantes da oferta agregada. Desse trabalho, dois pontos são relevantes para o tema que trato neste artigo.

O primeiro é que, segundo estimativas dos autores, a taxa de utilização do ECF da economia (de todos os setores, não só da indústria)era,no final de 2011, de 95,7%, superior à média dos últimos 10 anos (94%) e bem acima da média dos últimos 20 anos (92,4%). Dado que o investimento bruto registrou variação negativa em 2012, é fácil concluir que essa taxa de utilização tenha crescido ainda mais.

O segundo ponto refere-se à evolução da produtividade, tema que também tratei em meu artigo anterior. As estimativas dos mencionados autores são muito semelhantes às minhas, mas cobrem um período mais longo. Segundo elas, a PTF evoluiu historicamente a taxas muito baixas no Brasil (0,9% ao ano, se considerado o período 1948-2011). Além disso - e este é o ponto mais interessante-, ao decompor o crescimento da PTF nas contribuições para a produtividade do capital e do trabalho, os autores mostram que a primeira evoluiu negativamente (-0,36% ao ano), registrando taxas positivas em raros períodos.

Ou seja, todo o crescimento da PTF foi decorrente do aumento da produtividade do trabalho (1,24% ao ano).

As implicações desses resultados para a política econômica são imediatas. A mais evidente é que, além de investir pouco, o País não tem conseguido incorporar plenamente os avanços tecnológicos ao seu ECF. Ou seja, a qualidade de nossas máquinas, equipamentos, infraestrutura, etc., é precária.

Dado que a sobras de infraestrutura (transporte,energia,comunicações, etc.) fazem parte do ECF, a necessidade premente de suprir as carências nesses setores fica mais uma vez evidenciada.

Os baixos crescimentos da PTF e dos investimentos estão intimamente relacionados. Até a década de1980, alguns analistas acreditavam que a PTF nada mais era do que uma consequência da acumulação de capital, como no modelo de Paul Romer (1986). No entanto, acumulou-se sólida evidência empírica no sentido de que o crescimento da produtividade é que induz o investimento.Como diz o economista Paul Krugman, "a produtividade não é tudo,mas no longo prazo é quase tudo".

Com esse arcabouço teórico e empírico em mente, vejamos os maiores erros da atual política econômica brasileira.

Um deles é a tentativa de estimular o crescimento mediante ações agressivas voltadas à depreciação do real, prática que felizmente parece estar sendo abandonada pelo governo. Políticas protecionistas à indústria doméstica de bens de capital e ativismo cambial dificultam ainda mais a modernização do parque produtor nacional, na medida em que restringem e tornam mais caras as importações desses bens.

Outro é a tibieza das ações do governo para elevar a produtividade da economia, sem o que não haverá uma retomada sustentada dos investimentos.

A agenda voltada à modernização da infraestrutura tem vários pontos positivos, como abrir à iniciativa privada a exploração de rodovias, ferrovias, aeroportos e portos.Porém tem sido conduzida de forma titubeante,lenta e ineficaz.

Somente agora as autoridades sinalizaram com a possibilidade de permitir taxas de retorno capazes de atrair o interesse do setor privado nas concessões de rodovias.

Na contramão dessas iniciativas, o governo comete erros crassos. Por exemplo, continua utilizando a Petrobrás como meio para controlar a inflação, proteger a indústria nacional de equipamentos e,pior, para acomodar demandas de sua base de apoio político.

Isso tem reduzido drasticamente a eficiência da empresa, consumindo sua rentabilidade e atrasando o programa de prospecção e produção de petróleo, especialmente no tão sonhado pré-sal.

Nessa linha, cabe citar também a forma, algo truculenta, como se impôs a redução das tarifas de energia elétrica, bem como tantas outras intervenções na economia.

Além de desestimular o investimento no setor, a medida aumenta as incertezas (inibindo o investimento) em outros segmentos,dado o temor dos investidores de, eventualmente, receberem tratamento semelhante.

Finalmente, há deslizes na condução das políticas fiscal e monetária.Como vimos, existem restrições ao crescimento determinadas pela elevada taxa de utilização dos recursos produtivos, tanto trabalho como capital.Nessas condições, aumentos dos gastos públicos, como se observam atualmente no Brasil, bem como a manutenção do juro real em patamar excessivamente baixo, podem estar armando uma bomba-relógio para o cenário prospectivo de inflação.

ALTA TENSÃO - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 04/03

A AES Eletropaulo e a CPFL foram multadas na semana passada pela Arsesp, a agência reguladora de saneamento e energia de SP. No total elas vão ter que pagar R$ 15,7 milhões.

CIRCUITO
A Eletropaulo foi multada em R$ 6,9 milhões por problemas no monitoramento nos níveis de tensão, entre outras falhas. A CPFL, em R$ 8,8 milhões por manter subestações, alimentadores, linhas, circuitos e transformadores com carga acima da capacidade admissível. E também pela falta de manutenção em suas subestações.

CIRCUITO 2
A Arsesp deverá autuar a Eletropaulo pelas falhas no fornecimento de energia e no desligamento do call center da empresa em fevereiro.

CIRCUITO 3
Procuradas pela Folha, tanto a Eletropaulo quanto a CPFL afirmaram que ainda não foram notificadas.

NA RUA
José Dirceu (PT-SP), que esteve em Fortaleza (CE) no fim de semana, vai cumprir roteiro extenso no Nordeste. Viaja nos próximos dias para Natal (RN), João Pessoa (PB), Maceió (AL), Aracaju (SE) e depois ainda vai para Vitória (ES). Em todas as capitais, participará de encontros do PT e receberá a "solidariedade" de aliados.

EM CASA
Dirigente do PSDB diz "admirar" o "fôlego" dos quadros do PT: "Essa é a diferença: o José Serra teve 2,7 milhões de votos em SP e fica deprimido em casa; o José Dirceu vai ser preso por causa do julgamento do mensalão, mas parece que está disputando uma eleição com chance de vencer".

EM BLOCO
A posse do ministro Carlos Alberto Reis de Paula na presidência do TST (Tribunal Superior do Trabalho) será animada por Paulinho Pedra Azul e pelo bloco afro-baiano Olodum Mirim. Ele será o primeiro negro a assumir o comando da corte.

OS PÁSSAROS
A franquia de jogos "Angry Birds" chegará à televisão no dia 16 de março. A estreia será mundial.

No Brasil, o desenho será exibido com exclusividade pelo canal infantil Gloob.

REGENTE
Em turnê pela América do Sul, a Orquestra Sinfônica Simón Bolívar, regida pelo maestro Gustavo Dudamel, chega ao Brasil em abril. Deve fazer apresentação em Brasília com a presença da presidente Dilma Rousseff.

FAROFA ECOLÓGICA
Atração do Rio Verão Festival, o grupo Revelação pediu quatro frangos assados no bufê de seu camarim.

Os sambistas também solicitaram lixeiras separadas para resíduos orgânicos, latas e garrafas. A apresentação será no próximo dia 16, na Apoteose.

FILME QUEIMADO
O Ministério da Cultura barrou um projeto evangélico que, orçado em R$ 2,6 milhões (usando benefícios fiscais), promoveria no Brasil a Full Flame: Escola do Fogo. Seriam 12 conferências do evangelista alemão Reinhard Bonnke, com "uma profunda mensagem dos valores cristãos". O MinC, contudo, veta propostas que caracterizem "culto religioso".

PIPOCA NO PALÁCIO
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), promove amanhã, no Palácio dos Bandeirantes, uma sessão do filme "Colegas". O elenco, formado por portadores de síndrome de Down, estará presente.

'WE ARE THE WORLD'
Guilherme Arantes lança, em breve, seu novo álbum, "Condição Humana". A filha, a cantora Marietta, faz uma participação especial. O compositor chamou os músicos Adriano Cintra, Bruna Caram, Curumin, Duani, Edgard Scandurra, Kassin, Laura Lavieri, Luciana Oliveira, Marcelo Jeneci, Marcelo Segreto, Mariana Aydar, Thiago Pethit, Tiê e Tulipa Ruiz (ao fundo na foto) para o coro da canção "Onde Estava Você?".

"Essa geração me escolheu por afinidade. São pessoas que têm a música como ideal. É diferente do pessoal do sertanejo universitário, da galera que está na música só pela fama, pra ficar rico, comprar carro importado e pegar mulher."

CLIPE MINEIRO
O cantor mineiro macaU lançou o clipe da música "Acontece com Você Também Meu Bem", na quinta. A cantora Bárbara Eugênia, o diretor de arte Billy Castilho, a diretora de TV Andrea Cassola e o artista Leandro Lima foram ao evento na Tag and Juice.

MODA IATE
Adriana Degreas abriu nova loja de sua grife de moda praia de luxo, nos Jardins. As estilistas Adriana Barra e Isabella Giobbi e a modelo e atriz Camila Guebur foram ao coquetel de inauguração na rua Haddock Lobo.

CURTO-CIRCUITO
O filme "A Busca", com Wagner Moura, tem pré-estreia para convidados, às 21h, no Cinemark Iguatemi. Classificação: 12 anos.

A exposição "Operárias da Guerra - Razões e Encenações" abre às 19h30, no Madalena Centro de Estudos da Imagem.

O Sesi-SP lança aplicativo para celulares e tablets com um guia cultural.

O Hospital Geral de Itapecerica da Serra ganhou o selo JCI de qualidade.

A fotógrafa Tatiana Kahvegian abre a mostra "Na Rua", amanhã, às 20h, no restaurante Ruaa.

O cirurgião plástico Ricardo de Lemos assumiu a presidência da Associação Brasileira de Cirurgia da Restauração Capilar.

Valentões S/A - MARION STRECKER

FOLHA DE SP - 04/03

É muito mais comum encontrar alguém com coragem de falar no Twitter do que pelas ruas da cidade


Algumas pessoas entenderam pelo meu último artigo que não acredito em psiquiatria. Quero desfazer essa impressão.

Psiquiatria não é questão de fé. Penso que se as pessoas tomam remédio para colesterol alto ou pressão alta, por que não haveriam de tomar para "depressão alta"?

Eu falava que a depressão é um dos motivos que levam as pessoas a mergulhar de cabeça nas redes sociais. O deprimido se isola, e páginas como o Facebook podem ser um bom passatempo. Quer dizer, bom ou mau. Depende.

A depressão é uma doença que afeta algo em torno de 20% da população mundial ao menos uma vez na vida. Vamos olhar para os lados. A doença caracteriza-se pelo isolamento, pela autocomiseração, pela desesperança, pelo autoflagelo.

Depressão não é sinônimo de tristeza. Encarar depressão como um estado de humor e achar que a pessoa pode se curar sozinha é privá-la de ajuda médica. Isso é sério. Suicídio é a pior consequência da omissão de socorro.

Depressão é uma doença biológica ou comportamental. Ou ambas.

Nem toda depressão traz tristeza. Depressão pode trazer irritação e ansiedade, por exemplo.

As doenças psiquiátricas mais populares podem ser subdivididas de acordo com os sintomas em dois grandes grupos: neuroses ou psicoses. Depressão, ansiedade ou pânico estão no grupo das neuroses, enquanto alucinação, delírio ou paranoia estão no grupo das psicoses.

Parece simples? Não é. Não há distinção clara entre casos comuns e problemas mentais severos. E sintomas de neurose e psicose podem surgir simultaneamente.

Se você quer ajudar alguém ou ser ajudado, procure um médico.

Isso posto, posso voltar a falar sobre o comportamento dos usuários de redes sociais.

Minha impressão é que as redes sociais exacerbam certos comportamentos, inclusive psicoses. Sim, estou falando de perda de contato com a realidade.

Todo o mundo pode ser valentão do outro lado da tela do computador. É muito mais comum encontrar um valentão no Twitter do que nas ruas da cidade.

Fiquei boba com a reação à visita ao Brasil da dissidente e blogueira cubana Yoani Sánchez no mês passado. Na vida real, seu primeiro compromisso em solo nacional, que era a projeção de um documentário em Feira de Santana (BA), teve de ser cancelado devido a protestos. Como assim? Impede-se a projeção de um documentário por discordância ideológica? Onde estamos? Brasil? Século 21?

Na internet, o mínimo que ouvi em redes sociais foi um grito retumbante: "Fora, Yoani".

Pessoalmente, sei apreciar os avanços da sociedade cubana e sua importância para o mundo. Mas não compactuo com a falta de liberdade de expressão e com o cerco ao direito de ir e vir. Simples assim.

Não podemos conviver com opiniões discordantes? Por que os gritos de "Fora,Yoani"?

Quando perguntei isso no Twitter, os covardes se calaram.

Então penso que o embate nas redes sociais está educando os cidadãos aos poucos. É um processo longuíssimo e doloroso. Mas, no embate cotidiano, alguma coisa melhor há de surgir. Ah, sim, há de surgir.

Dia Internacional de Quem? - LÚCIA GUIMARÃES

O Estado de S.Paulo - 04/03

Dias dedicados a um sexo ou grupo étnico me inspiram desconfiança imediata, sem falar nos inventados pelo comércio como o dia dos pais, das mães e da criança.

O Dia Internacional da Mulher começou, de fato, nos Estados Unidos, em 1909, como o Dia Internacional da Mulher Trabalhadora e foi inspirado por socialistas, num tempo em que a Constituição ainda não concedia às americanas o direito ao voto.

Há uma semana, me perguntaram se eu gostaria de escrever algo celebratório sobre o Dia Internacional da Mulher e respondi, sem hesitar, que teria que escrever sobre violência. Depois é que fui me dar conta de que violência é o tema escolhido pela ONU para o próximo dia 8 de março: Promessa é Promessa: Tempo de Ação para Acabar com a Violência Contra a Mulher.

Tempo de inação, diriam 31 senadores republicanos. 31 é o número de senadores em Washington que votaram contra a renovação do Ato da Violência Contra a Mulher, instituído nos Estados Unidos em 1994 para combater a violência doméstica e renovado continuamente desde então. Entre os muitos espetáculos lamentáveis que assistimos no Congresso americano, desde 2008, este foi particularmente enfurecedor. A marcha rumo ao passado continua recebendo adesões. Além de querer reassumir o controle da reprodução e do corpo da mulher, os extremistas de direita acham que uma mulher lésbica espancada tem menos direitos do que a heterossexual que apanha. E que uma mulher indígena - uma em cada três serão estupradas ao longo da vida - deve ser problema de sua tribo e não precisa de proteção do sistema penal americano.

Sei que a imagem da violência contra a mulher, neste retrógrado ano de 2013, é a estudante de medicina indiana estuprada e morta por uma gangue de animais num ônibus em Nova Délhi ou as 3 irmãs, de 7 a 11 anos, estupradas e mortas em Maharashtra, no último dia 16. Ou ainda a paquistanesa Malala Yousufzai, 15 anos, quase morta pelos talibãs pelo crime de promover a educação de meninas, agora uma candidata ao Prêmio Nobel da Paz deste ano.

Mas, como moro numa metrópole que foi o centro da tal modernidade no século 20, não dá para escapar da perplexidade de enfrentar o século 21 com o desfile de políticos que pronunciam despautérios como "O estupro legítimo não provoca gravidez".

As risadinhas que saudaram o neandertal Seth Macfarlane, convocado como mestre de cerimônias dos Oscars deste ano, confesso, me provocam um frio na espinha. A distância entre o trágico ônibus de Nova Délhi e a bolha de misoginia onde vive MacFarlane, sinto dizer, é menor do que gostaríamos de imaginar. Esta forma de misoginia, numa sociedade que tem recursos institucionais para combatê-la, triunfa quando contamina a cultura popular.

No planeta de Seth MacFarlane, a ideia de número musical para uma plateia de bilhões foi Nós Vimos Seus Peitos, reduzindo todas as mulheres que trabalham no cinema ao exibicionismo mamário analisado num vestiário de estádio esportivo. Sua hostilidade contra latinos, idosos, qualquer grupo que não caiba no seu mundo que tem a expansão de um armário embutido, legitimada pela academia de Hollywood, só pode provocar asco.

Assim, é com muita sobriedade que não celebro o dia escolhido no calendário para a mulher. Ainda precisamos, todo ano, de 365 dias de lucidez.

Desânimo - GEORGE VIDOR

O GLOBO - 04/03
A fase "febeapá" já teria se encerrado, o que pode ajudar a mudar o estado de espírito dos empresários em 2013


O maior estrago do PIB minguado de 2012 não foi na série histórica das estatísticas econômica»», ou sequer teve efeito prático sobre o emprego e os salários, diferentemente do que tem acontecido nos países em crise. O "Pibinho" como passou a ser tratado, abalou profundamente a confiança dos empresários. Se comparado ao desempenho das economias européias, pelo resultado do PIB (crescimento de 0,9%) o Brasil também teria mergulhado em grave crise no ano passado, e efetivamente não se viu por aqui nada parecido com o que se observou no Sul da Europa. Entretanto, o PIB modesto tornou os empresários mais cétícos quanto à possibilidade ile recuperação da economia brasileira. Nem mesmo os sinais de que a evolução do PIB neste primeiro trimestre se aproximará de 1% (em relação ao quarto trimestre de 2012) estão conseguindo neutralizar esse desanimo. A maioria dos homens de negócios duvida que 0 país crescerá mais de 3% em 2013.

No conjunto da economia, os lucros do ano passado não foram animadores. Isso explica em grande parte a queda na taxa de poupança do país (que recuou para 14,1% do PIB em 2012), pois os lucros são parcela expressiva das reservas que financiam os investimentos. Em qualquer sistema econômico, o lucro é o combustível do crescimento.

Empresas estão habituadas a períodos de baixa lucratividade ou até de prejuízos (não fosse assim, não haveria mais companhia aérea em atividade no mundo). Mas seguem em frente quando vislumbram horizontes de recuperação, de melhora. O risco que a economia brasileira corre no momento é o de os empresários não terem essa perspectiva.

O governo até tem voltado atrás em vários erros e equívocos cometidos. No caso do petróleo - que poderia entrar no rol que o cronista Sérgio Porto, sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, chamava de "lebeapá," festival de besteiras que assola o país - na tentativa de recuperar o precioso tempo perdido, o governo programou para este ano nada menos que quatro diferentes licitações. É claro que não apaga a pergunta no ar: por que ficamos sete anos sem promover um leilão? A fase do oba oba na Petrobras seria outra página virada, embora os resultados ainda demorem para se refletir nos balanços da companhia.

Nas concessões de infraestrutura também houve mudanças de regras, com o objetivo de atrair investidores, antes desprezados e até apontados como gananciosos (faltou pouco para se ressuscitar termos amigos, como "tubarões"). Ministros estão saindo em peregrinação ao exterior para propagandear essas oportunidades.

A euforia de anos atrás em relação ao futuro da economia brasileira era sem dúvida exagerada. Mas o atual clima de desânimo no mundo empresarial não se justifica. O Brasil não está diante de uma inflação a terrórizante, não há crise á espreita nas contas externas, nem risco próximo de insolvència financeira do setor público (este ano, com a criação do fundo de previdência dos funcionários públicos federais, o governo até que deu um passo positivo para desarmar uma das graves ameaças á solvência). Políticas econômicas vão e vêm. E o que fica é a capacidade efetiva de se produzir.

Engenheiros reforçados

O Brasil forma por ano de 38 mil a 40 mil engenheiros, metade do número dos novos profissionais que se graduam na Coréia do Sul. Não é só de mais engenheiros que o Brasil precisa; é necessário que eles cheguem ao mercado mais bem preparados. Pensando nisso, o engenheiro e professor do IME Gabriel Elmur teve a boa idéia de criar uma politécnica virtual. Com os contatos que fez ao longo de sua carreira acadêmica (que inclui a função de avaliador do MEC), o professor Gabriel oferece pela internet aulas de reforço de todas a matérias básicas de engenharia. São módulos completos ou até mesmo uma única aula de determinada matéria. Para ministrar as aulas, devidamente gravadas, contratou professores renomados. ("orno se trata de um produto para ser comercializado em massa, pela internet, espera chegar a um conjunto de 10 mil alunos. A politécnica virtual está agora ancorada na Etec, faculdade de engenharia com sede em Caxias do Sul, e já teve o seu primeiro desdobramento: (ou seria melhor dizer, derivada primeira?): um curso de pós-graduação à distância na área de exploração e produção de petróleo. Ames de formatar o custo, a politécnica virtual fez uma pesquisa com mais de 200 entrevistas com profissionais que trabalham cm plataformas e outras unidades de exploração e produção para indagar exatamente quais habilidades eles gostariam de encontrar nos egressos da graduação em engenharia. A duração do curso é de 18 meses porque, sendo à distância, e em horários flexíveis que se adaptam à disponibilidade de tempo dos alunos, as aulas acabam sendo mais compactas do que as presenciais.

Protecionismo sem "afobação subalterna" - MARCELO DE PAIVA ABREU

O ESTADO DE S. PAULO - 04/03
A política comercial brasileira voltou à baila no debate público nas últimas semanas em vista de desenvolvimentos no cenário internacional e, também, na política nacional. A disposição de EUA e União Européia de darem início a negociações visando a um acordo comercial suscitou especulações sobre os ramos da atual política comercial brasileira. O máximo que se obteve como reação do governo foram a declaração de que a política comercial seria "cautelosa" diante da iniciativa de Washington e Bruxelas e a afirmação de que, no Planalto, o assunto foi visto "sem afobação subalterna". Paralelamente, o prematuro início da corrida eleitoral para a sucessão de Dilma Roasseff ensejou manifestações na oposição que sugeririam que a abertura comercial poderia jogar papel relevante no programa do candidato do PSDB, Aécio Neves. Esses desdobramentos devem ser analisados à luz dos fatos correntes e do retrospecto do governo FHC quanto ao tema.

A alegação governamental sobre a cautela que cercaria a política comercial não pode ser levada a sério. O que caracteriza a atual política comercial, fora jogadas de efeito e defesa comercial à ou- trance, não é a cautela, mas a paralisia em relação a qualquer postura ativa. Gira, de fato, em tomo do Mercosul. E, em contraste com o que ocorria na década de 1990, quando a integração regional alavancava a abertura do mercado brasileiro, hoje os parceiros do Mercosul, especialmente a Argentina, levam o Brasil a reboque em processo de gradativo fechamento da economia. Além disso, sendo - ou pretendendo ser - união aduaneira, o Mercosul tolhe a possibilidade de negociações com outros parceiros comerciais, pois a resistência argentina em abrir o mercado é ainda maior do que a brasileira.

A combinação de protecionismo e protagonismo levou a tentativas frustradas de incluir discussões cambiais no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Novos instrumentos de proteção foram mobilizados, tais como o IPI discriminatório penalizando importações de autoveículos. Velhos instrumentos, como metas de conteúdo local, adquiriram importância em outros setores, notavelmente na compra de equipamentos e serviços para exploração e processamento de petróleo e gás.

Quanto a juras liberalizantes da oposição, que poderiam sugerir a inclusão do tema no programa de governo proposto pelo candidato do PSDB, vale a pena recordar- o que ocorreu em 1993-2002. Depois da implementação do cronograma de redução tarifária em 1993 e algumas reduções tarifárias corretivas em 1994, no quadro da implementação do Plano Real, a abertura comercial foi sendo revertida e depois, congelada.

Em 1995, com o crucial apoio político de José Serra, então ministro do Planejamento, foi implementado o regime automotivo que, depois de inúmeras peripécias - aumentos tarifários, quotas de importação e derrota na OMC -, resultou em concessões tarifárias beneficiando importações de montadoras já instaladas no Brasil. E não houve redução significativa da média que se aplica a toda a estrutura tarifária.

Infelizmente, em paralelo, não foi possível chegar a um acordo de integração hemisférica, que poderia ter servido como sinal da efetiva crença do governo nos méritos da liberalização comercial. Embora o tema tenha sido pueril- mente politizado pelo PT, o acordo não foi possível essencialmente porque os EUA não se dispuseram a fazer concessões que pudessem compensar as eventuais contrapartidas brasileiras.

Sempre pode ser argumentado que os problemas associados à estabilização e ao racionamento energético seriam necessariamente prioritário se que fez sentido deixar a política comercial em segundo plano. Mas a verdade é que amplos segmentos do PSDB, especialmente em São Paulo, endossaram a reversão seletiva da abertura. E o resto do governo achou que abriga não valia a pena. Estes segmentos simpáticos ao protecionismo ainda têm grande influência no partido. É difícil imaginar sua conversão tardia à crença nas virtudes do liberalismo.

Seria desejável que a abertura fizesse parte do programa de governo do principal partido de oposição. Mas para fazer não é suficiente dizer, ou mesmo querer, é preciso poder.

Reverter o protecionismo é a forma eficaz de enfrentar as dificuldades competitivas a carreta das pela apreciação cambial induzida pelo sucesso na exportação de commodities. Com proteção alta, serão perpetuadas as notórias dificuldades competitivas da indústria.Mas o protecionismo é uma crônica doença brasileira.

Há resistência disseminada em aceitar que não faz sentido proteger a qualquer preço a produção doméstica diante das importações. Para que fosse rompida a coesão do bloco protecionista no início da década de 1990 foram requeridos dois ingredientes: descalabro econômico e o terremoto político que resultou na excêntrica eleição de Collor. Para promover a retomada da abertura comercial sem tais choques, seriam necessárias virtudes cívicas que fizessem prevalecer o interesse coletivo sobre os interesses setoriais e que não parecem disponíveis no momento. A esperança de que tal reversão ocorra em qualquer cenário político é, infelizmente, remota.

Ciclistas apoiam a democracia? - RENATO JANINE RIBEIRO

Valor Econômico - 04/03

Deve soar estranho sugerir que as ciclofaixas que já somam dezenas de quilômetros para o lazer paulistano indiquem o fracasso de nossa democracia. E é claro que acho ótimo apostar na atividade física, largar o carro e ocupar o asfalto com outra coisa que não motores. Mas há um aspecto delas que nunca vi ser discutido, e me incomoda. Por isso nesta coluna, que trata de política, debato hoje o déficit democrático que as ciclofaixas apontam.

O problema é simples: elas foram instituídas há mais de três anos pela Prefeitura de São Paulo, já somam 150 km de extensão - mas ainda temos, a cada esquina, um monitor com bandeirinha, avisando aos ciclistas que não passem no sinal proibido. Ora, se precisamos de pessoas para deter os ciclistas no vermelho, é porque se supõe que os usuários não interiorizaram o cumprimento das leis do trânsito e o respeito ao outro. Supõe-se que, se não houver centenas de monitores, um por quarteirão, ciclistas serão mortos - ou, o que parece mais provável, dado que as bandeirinhas estão lá para deter as bicicletas e não os automóveis, que ciclistas atropelarão pedestres ou baterão em carros. A prefeitura é sábia em não correr o risco de uma morte ou mais a cada domingo. Mas me assusta a suposição de que, sem uma presença maciça de fiscais, teríamos acidentes, talvez numerosos. Os ciclistas de domingo são, ao que parece, pessoas de poder aquisitivo e talvez formação escolar maior que a média da população. No entanto, o que a prefeitura diz, pelos seus atos ainda que não em palavras, é: eles não respeitarão as leis de trânsito se não os tutelarmos. Porque é isso o que está em questão: são tratados como crianças, incapazes que seriam de respeitar a legislação ou mesmo a moral, que manda esperar quando é a vez do outro - carro ou pedestre - passar.

Sigo aqui um princípio que vem de muitos filósofos e deságua em Freud: avaliemos as pessoas pelo que fazem e não pelo que dizem. Certamente as ciclofaixas - as quais não estou atacando, repito - têm um aspecto "cidadão". Mas o fato é que, mantendo a chupeta quando a criança pode ser desmamada, conservando a terceira rodinha na bicicleta quando o jovem já pedala direito, brecando manualmente os ciclistas a cada esquina, protege-se, tutela-se quem não deveria mais precisar disso.

Dou um exemplo do próprio trânsito. Coloquemos numa rua um sinal de contramão: o motorista pode infringir a lei, mas, se ele for educado, ao ver o aviso, respeitará não só a norma legal mas também as pessoas que transitam pela rua, com tranquilidade, justamente porque elas acreditam que seu direito (à mão única, por exemplo) será respeitado. Ou posso bloquear, fisicamente, o acesso a essa rua. Nesse caso, o motorista não tem escolha. Ele é forçado a respeitar a mão. Fica mais seguro para todos. Mas o motorista é, assim, infantilizado. Estamos dizendo, quando não apenas proibimos uma rota mas a bloqueamos com cimento, que não confiamos em sua liberdade, em sua escolha, em seu caráter ético. Por isso, o mais "adulto", o mais democrático (dado que a democracia consiste em tratar as pessoas como adultas e não como crianças), é sinalizar a via em vez de bloqueá-la.

Não é por acaso que em vários países desenvolvidos o respeito à lei de trânsito é tão maior do que entre nós.

E é esse o problema que as ciclofaixas parecem revelar. Elas, aliás, entram aqui como indicador de um mal-estar bem maior que elas: a dificuldade de nossa sociedade para cumprir a lei, em especial aquela que resume toda a ética: respeite o outro. É até comum, no trânsito, se reclamar quando a prefeitura multa; diz-se então que ela deveria "orientar", isto é, tutelar, proteger, mostrar ao infrator que ele está infringindo a lei, mas sem puni-lo. Isso, como se cada motorista não tivesse passado por uma prova de conhecimento da legislação de trânsito - como se não soubesse que respeitar o pedestre e os veículos é básico, se quisermos um mínimo de cidadania na circulação de pessoas pelo espaço público.

Por que me deter nesta questão que pode parecer pequena? É porque o debate político, no país, é uma troca de acusações entre os dois partidos que têm disputado a Presidência, cada um dizendo que o outro falta com obrigações básicas republicanas (isso os tucanos dizem do PT, chamando-o de corrupto) ou democráticas (isso os petistas dizem do PSDB, que defenderia os interesses dos mais ricos e não os do povo). Pois bem, e se houver um problema sério, não só na forma como nossos representantes eleitos atuam, mas no modo como nós, cidadãos, eleitores e aqui ciclistas, agimos? Se nos colocamos na posição de quem é apenas protegido, de quem não se responsabiliza pelas suas ações, se acreditamos que precisamos usar dinheiro público para dispensar adultos de sua responsabilidade de parar - espontaneamente - a bicicleta no cruzamento, então somos, nós também, responsáveis pelo déficit democrático do país. Na verdade, é assim: na democracia, os defeitos geralmente têm alguma base nos próprios cidadãos, que são quem elege os Poderes.

Duas conclusões. Uma de curto prazo: tirar os monitores que "orientam" os ciclistas seria perigoso, porque eles expressam um problema real, o de cidadãos que não veem a cidadania como dever e, por isso, precisam ser tutelados. Acidentes ocorreriam; não vale a pena. Outra conclusão, esta de longo prazo: isso tem de mudar. Mas mudar na causa, o comportamento das pessoas, e não no paliativo, que são os monitores. Porque, no fundo, não há democracia sem uma sociabilidade democrática, e é esta que, penso eu, está falha entre nós.

Discurso torto - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 04/03

Reza a lenda que, quando a economia vai mal, a política tem juízo. Por isso, à exceção da briga no Rio de Janeiro e entre PT e PMDB, a sensação geral é a de que na base governista o andor vai devagar perante o santo de barro, no caso, o PIB de 0,9%.

Diante desse cenário, Dilma faz juras de amor ao PMDB, enquanto Lula cuida de segurar o PSB, com reverências aos irmãos Gomes, Ciro e Cid, o atual governador do Ceará. É Lula também o adjunto encarregado de dar aquela enrolada básica no governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que por sua vez, também enrola o PT. Até quando, não se sabe.

Salvo os discursos da oposição tradicional, a base aliada não bate de frente com o governo, nem mesmo o PSB de Eduardo Campos, interessado em se colocar como alternativa. E isso tudo tem um motivo: os aliados já perceberam o mote do governo Dilma rumo a 2014 e ninguém até agora tem em mente como enfrentá-lo.

Dentro do governo e do PT (duas entidades que muitas vezes se confundem), o discurso para 2014 está pronto. É será colocado dentro da mesma estratégia que Lula usou em 2006, quando concorreu à reeleição. Só mudará o tema.

Para quem não se recorda, em 2006, o então presidente-candidato Luiz Inácio Lula Silva dizia que os tucanos iriam privatizar tudo, da Petrobras ao Banco do Brasil. O então candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, caiu na armadilha. Passou o segundo turno de capacete da Petrobras, e logomarca de bancos públicos, para mostrar que preservaria as instituições.

Enquanto isso, na pré-campanha

Desta vez, não será a privatização que tomará conta do discurso do governo. Até porque o PT não tem mais esse discurso. No governo Dilma, a concessão de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos é a saída para concluir obras que Lula deixou por fazer. Diante dessa realidade, o governo busca outra receita eleitoral, repetindo vários ingredientes de 2006 sobre as privatizações.

Essa nova especiaria que o PT usará na reeleição de Dilma é o pacote de programas sociais encabeçado pelo Bolsa Família. Da mesma forma que Lula disse que os tucanos iriam privatizar tudo, Dilma dirá que o PSDB e a oposição tradicional não gostam do Bolsa-Família, tampouco dos demais programas de transferência de renda.

Como me disse o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, há uma semana, existem discursos de oposicionistas chamando o Bolsa Família de Bolsa Esmola e cobrando um ajuste fiscal e menos gastos por parte do governo federal. Obviamente que as reclamações quanto aos gastos estão diretamente relacionadas ao número estratosférico de ministérios e sobreposição de funções, não com os programas sociais. Mas, na eleição, os petistas já imaginam inclusive o estrago que isso pode provocar se levado para o horário eleitoral.

Se os tucanos caírem nessa armadilha da mesma forma que entraram no redemoinho da privatização, gastarão um tempo enorme tentando passar a ideia de que foram eles que criaram os programas iniciais. E como Lula já faturou esses programas, dificilmente o PSDB conseguirá livrar o povo dessa chantagem na hora da eleição. Não por acaso, Aécio Neves discursará hoje em Goiânia tentando colar no PSDB o embrião dos programas sociais. Resta saber, se a vacina terá efeito.

E a vacina...

Aécio terá que dar várias doses dessa vacina ao eleitor. Afinal, se a economia não se recuperar até a campanha, a tendência do PT é chantagear, dizer aos brasileiros que o PSDB acabará com os programas sociais para vencer a crise. E o tucano que responda a um barulho desses. Afinal, todo mundo sabe que, no governo Fernando Henrique Cardoso, foi feito um forte ajuste fiscal e que o programa Comunidade Solidária, idealizado pela ex-primeira-dama Ruth Cardoso, consistia na sociedade tomar conta das suas mazelas, sem que o estado precisasse fazer tudo.

Enquanto isso, no Congresso...

O governo será forçado a negociar vetos esta semana, coisa que não acontecida há mais de cinco anos. Vamos ver como se sai no primeiro da fila, o do royalties do petróleo. Até ontem, os congressistas aliados ao Planalto tinham esperanças de que o PIB levasse o pessoal a refletir melhor sobre o tema e considerasse a proposta do governo. Difícil.

Cada um na sua - VERA MAGALHÃES - PAINEL


FOLHA DE SP - 04/03

Após um início cordial, a relação entre Geraldo Alckmin e Fernando Haddad vive uma crise. O tucano reagiu a medidas do petista que extrapolam, a seu ver, atribuições do município. O estopim foi o prefeito anunciar que deslocaria policiais que atuam na operação delegada para rondas noturnas. Para o governador, ações de segurança são responsabilidade do Estado. "Embora o discurso seja de parceria republicana, a sensação é de que 2014 já começou.", resume um alckmista.

Lista Alckmin já havia se queixado em três casos, todos referentes a promessas de campanha do PT: a ideia de estadualizar a inspeção veicular, o anúncio de que a prefeitura construiria estação de metrô no Jardim Ângela e a discussão do bilhete único mensal à revelia do governo.

Como assim? Haddadistas se dizem surpresos com a reação do tucano e garantem que a mudança na ação policial foi tratada diretamente com o comandante da PM, Benedito Meira. "Tudo foi feito com a participação e a anuência do comando do policiamento", diz um secretário.

Mão dupla Enquanto isso, o prefeito pediu audiência com Alckmin para tratar de dois temas: Copa do Mundo e Fórmula 1. O governador topou, mas quer colocar em pauta a ajuda da prefeitura para o programa de internação compulsória de dependentes de crack na capital.

Boletim médico Dilma Rousseff tem recebido informações diárias sobre a saúde de Hugo Chávez. As últimas apontam um quadro estável, mas sem perspectiva de que ele possa prestar em breve o juramento oficial como presidente eleito da Venezuela.

Eu sozinho Zeca Dirceu (PT-PR) provocou a ira de parlamentares do partido ao organizar périplo com 250 prefeitos por ministérios petistas, de hoje a quarta-feira, em busca de recursos para seus redutos. O filho do ex-ministro José Dirceu levará a comitiva às pastas da Saúde, Comunicações e Educação.

Coincidência Depois de receber o engajado Cid Gomes (CE) na semana passada, hoje Dilma passará o dia anunciando obras e recursos do governo federal ao lado de outro governador do PSB: Ricardo Coutinho, da Paraíba.

Titãs Petistas torcem para que prospere a parceria entre Eduardo Campos e Duda Mendonça para produção do programa de TV do PSB: "Melhor. Eduardo tira a máscara e vai para a chuva. E o João Santana ganha um incentivo a mais para a campanha", diz um membro do governo.

Prato... A reação negativa de ala do PMDB ao discurso de Dilma na convenção da sigla, atribuída pelo Planalto aos irmãos baianos Geddel e Lúcio Vieira Lima, pode turbinar a reforma na estrutura da Caixa Econômica Federal.

... frio O governo já havia decidido fatiar a vice-presidência de Pessoa Jurídica da Caixa, pilotada por Geddel, para criar a de Micro e Pequenas Empresas. Agora, a perda de poder pode ser maior.

Pedigree Para evitar que a presidente incentive "barrigas de aluguel" na cota do partido na Esplanada, como o empresário Josué Gomes da Silva, o PMDB aprovou moção para que cargos públicos só sejam ocupados por filiados há mais de 180 dias.

Segundo... Depois da gestão da Petrobras no governo do PT, o próximo ponto que Aécio Neves (PSDB) vai atacar é o comércio exterior.

... round Dirá que, sob os governos petistas, o Brasil viu seu peso no comércio global cair e, por questões ideológicas, deixou de selar acordos com blocos econômicos. "Estamos sumindo do mapa", afirma o mineiro.

Tiroteio
Estou curioso para saber o que está por trás dessa intrigalhada. Eventuais divergências internas nada têm a ver com a presidente.
DE GEDDEL VIEIRA LIMA (BA), vice-presidente da Caixa Econômica Federal, negando ter criticado o discurso de Dilma Rousseff na convenção do partido.

Contraponto


A alma do negócio


Lula falava a dirigentes da CUT, na quarta-feira passada, em São Paulo, sobre a necessidade de manter canais permanentes de interlocução com o Planalto.

O ex-presidente olhou então para o ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral) e disse:

-Temos lá o Gilberto, que é uma simpatia.

Antes que algum sindicalista interviesse, completou, para gargalhada geral:

-O problema é que ele é como o Miro Teixeira, que foi meu ministro das Comunicações: 100% de simpatia, mas 0% de atendimento de demandas...

"A marcha da insensatez" - parte II - EVERARDO MACIEL

O ESTADO DE S. PAULO - 04/03
Em artigo publicado neste jornal em 4 de fevereiro deste ano ("A marcha da insensatez" - parte I) tomei por empréstimo o primoroso título da obra da escritora e historiadora norte-americana Barbara Tuchman, para destacar uma evidência de insensatez na política tributária brasileira, que consiste no omisso e confuso tratamento dispensado ao planejamento tributário. Retorno ao tema, em virtude da profusão de exemplos de insensatez tributária.

Na França, o presidente François Hollande, reproduzindo a demagógica criação do imposto sobre grandes fortunas, nos anos 1980, pelo também socialista presidente François Mitterrand, acaba de elevai- a alíquota máxima do Imposto de Renda das pessoas físicas para 75%.

A iniciativa, além de confiscatória.estimular á abertamente o planejamento tributário e a mudança de domicílio fiscal (Gérard Depardieu, mais importante ator francês, já assumiu a cidadania russa, sob as bênçãos de Vladimir Putin). Tal como foi concebida, a medida será contraproducente e não vai, por isso mesmo, reequilibrar as desastradas contas públicas francesas. Quem viver verá.

A tributação pode ser um instrumento para redução das desigualdades, desde que exercida nos limites da razoabilidade. Não sem razão se diz que os paraísos fiscais, de tão notória nocividade, só existem porque foram precedidos por infernos fiscais.

A insensatez tributária não se revela apenas por meio da extração desproporcional, como no exemplo francês. Pode manifestar-se, também, na falta de clareza do texto legal ou na indisposição do Fisco de atender, em tempo hábil, às demandas do contribuinte.

Se clareza remete à moralidade, presteza é atributo da eficiência e ambas se inscrevem no âmbito dos princípios constitucionais da administração pública, que também alcançam a legalidade, a impessoalidade e a publicidade.

A guerra fiscal do ICMS atingiu contornos inimagináveis. Nesse contexto, a Resolução n.° 13, de 2012, do Senado federal constitui um exemplo de falta de clareza, potencializada por uma solução de baixíssima qualidade técnica, sem falar de sua presumida inconstitucionalidade.

Na chamada guerra dos portos, a obsessão dos Estados pela atração, a qualquer custo, de investimentos passou inacreditavelmente a privilegiar o produto importado vis-à-vis o nacional, constituindo um raro caso de discriminação territorial inversa.

Na ânsia de enfrentar essa questão, promulgou-se uma resolução do Senado, em lugar de uma lei complementar, de tramitação legislativa mais exigente, conforme preconiza o artigo 155, § 2. 0 , inciso XII, alínea g da Constituição.

Não bastasse a inconstitucionalidade da norma, construiu- se um cipoal de requisitos burocráticos atentatórios ao bom senso, com destaque para a obrigação de identificar as margens dos negócios visando a apurar um caricato "conteúdo nacional", ofendendo uma elementar regra comercial.

A Justiça, felizmente, está afastando as absurdas exigências, não sendo desarrazoado que o Supremo Tribunal Federal (STF) venha a considerar inconstitucional a norma aprovada.

De resto, por que só a guerra dos portos é indesejada? Seriam legais, ao contrário do que tem reiteradamente decidido o STF, as demais formas de guerra fiscal? Não é bem assim. O que falta, em verdade, é disposição, por parte do poder público, para buscar uma solução constitucional, abrangente e eficaz para a ilegal guerra fiscal. A preferência é pela insensatez apressada.

A demora na solução de consultas tributárias, formuladas pelos contribuintes, converteu-se em algo patológico. Seria a legislação tão complexa que nem mesmo o Fisco sabe adequadamente interpretá-la? Haveria razões para isso, pois ninguém desconhece a complexidade. A melhor explicação, entretanto, é a incúria, em ofensa ostensiva ao princípio constitucional da eficiência.

Outra pérola de insensatez é a tardia cobrança, pelos Estados, do imposto sobre doações em espécie. Até então, apenas o Estado de São Paulo fazia essa cobrança.

Essas operações são isentas de Imposto de Renda. Desse modo, os contribuintes informavam as doações efetivadas na declaração anual, na convicção de que não haveria ônus tributário.

De repente, à sorrelfa, a Receita Federal decidiu transferir essas informações para os Fiscos estaduais, que passaram a fazer lançamentos retroativos aos últimos cinco anos, acompanhados de juros e multas. Antes disso, ressalvado o Estado de São Paulo, esse imposto jamais fora cobrado. Trata-se de mais um episódio de deslealdade tributária.

Em decorrência dessa insensatez, o contribuinte será induzido a buscar formas lícitas de evitar o pagamento do imposto, a exemplo da conversão da doação em empréstimo.

Sendo irrisória a participação do imposto sobre doações em espécie nas receitas estaduais, o que se pretende, afinal, com esse lançamento? Espero que, na resposta, não esteja incluída a idéia de um curioso programa de deseducação tributária patrocinado pelo Fisco, estimulando o planejamento tributário. Essa hipótese de incidência deveria, tão somente, ser extinta.