terça-feira, maio 31, 2016

Ruim com ele, pior sem ele - ELIANE CANTANHÊDE

O Estado de S. Paulo - 31/05
Perguntar não ofende: qual o objetivo de quem é contra o impeachment de Dilma Rousseff e está queimando pneus em estradas, invadindo prédios da Cultura, gritando “Fora Temer” na parada LGBT, exibindo cartazes no exterior para dizer que “there is a coup in Brazil”? E qual o objetivo de quem é a favor do impeachment, mas torce contra o governo interino de Michel Temer, condena as propostas para combater o rombo das contas públicas e repudia a indispensável reforma da Previdência?

Tanto quem é a favor quanto quem é contra o afastamento de Dilma tem de ter em mente a responsabilidade coletiva com a história e que só há três saídas para um país mergulhado em tantas crises. Fora disso, não há alternativa, a não ser anarquia.

Uma saída é dar uma trégua para Temer governar e a equipe de Henrique Meirelles tentar por a economia em ordem nesses dois anos e meio, para entregar para os eleitores em 2018 um país razoavelmente saneado. Temer não é perfeito e o PMDB tornou-se muito imperfeito, mas ele foi escolhido por Dilma e por Lula e eleito na chapa do mesmo PT que anima os queimadores de pneus, os invasores da Cultura, os que gritam “Fora Temer” e uma turma que mora fora – uns, há tantas décadas, que deveriam estar mais preocupados com o Trump.

Além de habitar o Jaburu, Temer despacha agora no Planalto por força da Constituição, que assim determina: sai um(a) presidente, assume o vice. Não importa se é bonito, feio, gordo, magro, se é Itamar Franco ou se é Michel Temer. Ele está lá, e o Brasil, os brasileiros, a indústria, o comércio e os 11 milhões de desempregados precisam desesperadamente que comece a equilibrar as contas públicas e a fazer a economia andar.

A saída número 2 é a volta de Dilma. Sério mesmo, alguém deseja de fato a volta de Dilma, com sua incapacidade de presidir o País, negociar com o Congresso, ouvir os conselhos do padrinho Lula ou, aliás, ouvir qualquer expert de qualquer área sobre qualquer coisa? No aconchego dos seus lares, na convivência com familiares, amigos e vizinhos e nas conversas com seus travesseiros – e com o próprio Lula –, será que os petistas de raiz querem mesmo a volta de Dilma?

Os deputados não são lá essas coisas, mas acataram o impeachment pelo crime de responsabilidade fiscal, previsto na Constituição e confirmado pelo resultado final: um rombo que o governo Dilma admitia ser de R$ 96,6 bilhões e que a equipe de Meirelles descobriu bater em R$ 170 bilhões. Mas, além do fato formal, deputados e senadores tocaram o processo adiante pelo desmantelamento da economia, o esgarçamento das relações políticas e porque Dilma conseguiu ser a presidente mais impopular do país desde 1985.

A opção 3 (dos favoráveis e contrários ao impeachment) seria a antecipação de eleições diretas, empurrando Temer ou Dilma para a renúncia (dependendo de o Senado confirmar ou não o impeachment), ou dando um golpe branco e mudando a Constituição por questões conjunturais. E o que viria depois? Uma eleição às pressas, sem que os partidos tivessem se preparado e sem candidatos à altura da crise. Dá um frio na espinha pensar nos aventureiros que se lançariam como salvadores da pátria, da ética, da economia, dos “bons costumes”, da “ordem” deles, do “progresso” deles.

Isso não é brincadeira. O seguro, que morreu de velho, recomenda respeitar a Constituição, o Congresso que o eleitor elegeu e a posse do vice que 2014 jogou no Jaburu, na perspectiva de assumir com o afastamento constitucional da presidente. Vale, sim, gritar contra muitas coisas, inclusive a nomeação de um ministro da Transparência indicado, ora, ora, pelo senador Renan Calheiros. Mas o esforço para derrubar Temer, neste momento, é trabalhar contra o Brasil.

Erros e atrasos - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 31/05

Em menos de 20 dias, Temer já tem coleção de erros. O governo Michel Temer já errou demais para o pouco tempo que tem. Criticar a administração Dilma não é o mesmo que avalizar as decisões do presidente em exercício. Temer escolheu alguns excelentes quadros para a economia e acertou na direção das primeiras medidas fiscais, mas já coleciona um número impressionante de erros. Mesmo com falhas, é um governo constitucional, como é o da presidente afastada.

Aquestão que se coloca não é a da legitimidade constitucional, mas da qualidade das decisões. Um ministro da transparência nada transparente em relação às conversas com lideranças envolvidas na Lava-Jato é um dos erros. O presidente tentou mantê-lo mesmo diante das evidências de que ele tinha explicado ao presidente do Senado como ele deveria esconder informações da Procuradoria-Geral da República. No seu pedido de demissão, Fabiano Silveira diz que “não sabia da presença de Sérgio Machado”. Só se Machado tiver ficado transparente ao ponto da invisibilidade, porque Silveira dialogou com ele. Esse é o segundo ministro que cai. O primeiro foi Romero Jucá, que obviamente daria problema. E deu.

Outro erro foi a escolha do general Sérgio Etchegoyen para ministro-chefe da Secretaria de Segurança Institucional. O general foi aquele que soltou uma nota virulenta contra a Comissão da Verdade por ter colocado seu pai, o general Leo Etchegoyen, na lista dos 377 envolvidos com tortura. Mesmo sendo da ativa, quando são limitadas as possibilidades de manifestação política, o general disse que a Comissão da Verdade era “leviana”, porque “estabeleceu a covardia como norma e a perversidade como técnica acusatória” e definiu como “patético" o esforço da Comissão de “reescrever a história”. Não achando suficiente, ele está processando a Comissão da Verdade.

A CNV foi uma iniciativa do Estado brasileiro. É a Nação que precisa se encontrar com a sua História. Expressões como “covardia como norma” e “perversidade como técnica” são boas para definir a tortura que houve no governo militar, e não a tentativa de esclarecer esse crime. É mais uma submissão do poder civil à versão dos militares sobre a ditadura. Temer agora está na estranha situação de ter um dos seus ministros processando o Estado, que criou e manteve a CNV.

O presidente interino, Michel Temer, acha que boas indicações como fez para a Petrobras e o BNDES permitem que ele tenha nomeações políticas para outras estatais. É preciso não ter entendido a lição da Lava-Jato para aceitar indicação política para as empresas do setor elétrico. Lá, houve corrupção, exatamente porque o PMDB e o PT trataram a área como feudo. O governo diz que o critério será o da competência. O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa foi escolhido dentro dos quadros da Petrobras e tinha fama de competente, mas foi para a diretoria para servir ao PP. O problema é o pedágio que o indicado tem que pagar ao partido que o indica.

Dilma fez uma desordem enorme nas contas públicas. Ao contrário do que ela diz, sua política econômica favoreceu mais os mais ricos, com os enormes subsídios ao capital, muito maiores do que as transferências para os mais pobres. No fim de semana, em entrevista, Dilma disse que nunca recebeu Marcelo Odebrecht no Alvorada, mas a agenda a desmentiu. Disse que ninguém previu a crise econômica, mas ela foi perguntada sobre isso em todas as entrevistas que deu em 2014. Dilma permanece em divórcio com os fatos.

Temer demonstrou que quer organizar a desordem fiscal mesmo sabendo que isso levará anos e que, na melhor das hipóteses, seu período será de 31 meses. Por outro lado, o governo tem dado sinais claros de retrocesso em várias áreas e fez escolhas muito infelizes.

As ‘jabuticabas’ do sindicalismo - JOSÉ PASTORE

O ESTADÃO - 31/05

Poucos são os empregados que conhecem a razão de pagar tanto dinheiro aos sindicatos laborais. Quando muito sabem que são descontados em um dia de salário por ano a título da contribuição sindical (imposto sindical). A cobrança é obrigatória para quem é e quem não é filiado ao sindicato. Isso é lei, não há o que reclamar. É uma jabuticaba brasileira.

Para quem ganha R$ 3 mil por mês, por exemplo, são R$ 100 anuais. E a cobrança não para aí, porque os sindicatos recolhem dos empregados, de uma só vez ou em parcelas, valores que chegam a 10% do salário a título de contribuição assistencial ou negocial. No caso em tela, isso dá mais R$ 300 por ano, descontados de forma generalizada, a despeito de decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho, que limitam essa cobrança aos empregados filiados dos sindicatos e que assim concordarem.

Além dessas duas contribuições, há a associativa – de valores variados, para os filiados dos sindicatos – e a confederativa, que é cobrada para a manutenção do sistema confederativo. São quatro contribuições! Para o empregado que ganha R$ 3 mil por mês, pode-se estimar um dispêndio anual de, no mínimo, R$ 500.

Será que todos os empregados estão de acordo com essas cobranças? Para quem discorda, o primeiro passo é calcular exatamente o quanto de seu salário vai para entidades sindicais, que muitas vezes nem conhecem.

É claro que os sindicatos precisam de dinheiro para formar líderes, promover campanhas salariais, atuar nos poderes públicos e prestar serviços aos seus representados. Sei que muitos fazem tudo isso com rara competência. Mas, como em qualquer outra associação, agremiação ou clube, só deveria pagar quem é filiado ou os que aprovarem o referido pagamento em assembleias democráticas.

As jabuticabas não param aí. Por força de um dispositivo constitucional (artigo 8.°), os sindicatos brasileiros não têm nenhuma obrigação de prestar contas do que gastam aos seus filiados ou representados, nem mesmo ao Poder Público. Você já viu algum balanço anual de sindicato publicado em jornal de grande circulação?

Em nenhuma parte do mundo entidades que recebem recursos públicos estão isentas da responsabilidade de prestar contas aos poderes constituídos e aos seus representados (José Pastore, Reforma sindical: para onde o Brasil quer ir?, São Paulo: Editora LTR, 2003). No Brasil, essa estranha prerrogativa é garantida pela Constituição Federal. Os sindicatos podem fazer o que quiserem com o que arrecadam, até mesmo se engajar em campanhas políticas com apoio a este ou àquele candidato. Você, caro eleitor, alguma vez foi consultado sobre o uso do seu dinheiro para apoiar candidatos ou movimentos sociais?

Nos Estados Unidos, os professores da Califórnia estão neste momento na Suprema Corte pedindo para não pagar contribuições aos sindicatos que usam seus recursos em campanhas políticas que contrariam os seus princípios. Tudo indica que a Corte proibirá a cobrança de professores não sindicalizados.

O Brasil chegou perto de resolver esses problemas quando, em 2003, representantes dos empregados, empregadores e governo, reunidos no Fórum Nacional do Trabalho, firmaram um acordo para eliminar gradualmente a cobrança das contribuições compulsórias, ampliando, no mesmo ritmo, a cobrança de contribuições voluntárias, com a aprovação e controle dos representados. Lula engavetou o histórico acordo que, no fundo, era e é a espinha dorsal da reforma sindical. Sem isso não há como ter no País sindicatos representativos e como fazer valer as regras básicas da democracia.

Sei que o tema é espinhoso. Mas é preciso mudar. O Brasil não pode insistir em querer ser o único certo em todo o mundo.

*É professor da Universidade de São Paulo, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e membro da Academia Paulista de Letras

O paradoxo de Temer - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 31/05

Mais uma vez o presidente interino, Michel Temer, titubeou para demitir um ministro envolvido em revelações que o inviabilizavam no cargo. O que mais preocupa não é simplesmente a tibieza que Temer vem revelando, que não se esvai com um tapa alegórico na mesa. A razão desse comportamento é que está no centro das atenções.

Ele foi aconselhado a não incluir no Ministério pessoas investigadas nas diversas operações criminais em curso, especialmente a Lava-Jato. Também não deveria acatar sugestões de políticos expostos a essas investigações, muito menos dos presidentes da Câmara (afastado), Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, ambos com pencas de processos no Supremo Tribunal Federal (STF).

Mas as ligações políticas de longo alcance com toda essa cúpula do PMDB impedem que Temer tenha a independência que o momento exige de um presidente que assumiu o cargo interinamente, devido ao impedimento de uma presidente que, apanhada em desvios fiscais graves, tem, além de tudo, o envolvimento carnal com um partido, o PT, metido em todo tipo de falcatrua.

Curiosamente acontece com Temer o mesmo que com Dilma: o seu entorno está todo contaminado por denúncias de corrupção, com raras exceções, mas as acusações diretas contra ele são ainda tênues. No caso dela, são mais consistentes, até mesmo pelo domínio dos fatos que ela detinha desde que era ministra de Minas e Energia e chefiava o Conselho de Administração da Petrobras. Mas, assim como Dilma está sendo, ele também poderá ser atingido letalmente por delações premiadas ou gravações clandestinas.

Portanto, Temer não tem as mãos livres para agir com desenvoltura neste momento em que depende do apoio do Senado, para confirmar o impedimento definitivo da presidente afastada, e também do Congresso, para aprovar medidas econômicas impopulares, mas decisivas. Por isso ele tem que, ao mesmo tempo em que negocia com políticos, manter a sociedade esperançosa de novos dias, tarefa difícil que às vezes pode ser até mesmo paradoxal.

Nada menos transparente do que a reunião que Fabiano Silveira teve com o presidente do Senado, cuja gravação foi revelada pelo “Fantástico”, da Rede Globo, no domingo. O teor das conversas não deixava dúvidas de que o novo ministro estava orientando seu “chefe” da ocasião a como escapar dos procuradores da Lava-Jato.

Parece pouco provável que ele, como chegou a alegar, não soubesse quem era o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, mas isso é o de menos. O que revelou o grau de comprometimento de Silveira com o presidente do Senado foi a sugestão para que Renan Calheiros não entregasse ao Ministério Público sua defesa detalhada, evitando assim que os procuradores tivessem base para contestá-la e investigá-lo.

Outro ponto crucial das gravações foi o relato do presidente do Senado de conversas que Fabiano Silveira mantivera com membros do MP, com intuito de sondar o que eles teriam contra Renan Calheiros. Isto é, Silveira, que àquela altura era membro do Conselho Nacional de Justiça indicado pelo próprio Renan Calheiros, usava sua posição para obter informações que beneficiassem quem o indicou.

E assim supostamente agiria no Ministério da Transparência, uma pasta fundamental no combate à corrupção, percepção que retira do ministro sua autoridade moral. O presidente Temer tem um duplo desafio pela frente: recuperar a credibilidade da economia e a imagem do Brasil como um país confiável e seguro como ambiente de negócios.

Recuperar a economia requer esforços e fórmulas que estão sendo encaminhadas pela equipe econômica, em conjunto com áreas estratégicas do governo. Já encaminharam medidas de forte impacto positivo. A recuperação da credibilidade — interna e externa — suscita, porém, para além da agenda econômica, a importância da agenda anticorrupção do governo Temer.

E essa agenda tem sustentação não apenas na opinião pública, o que já não seria pouco, mas num conjunto de exigências internacionais de investidores que buscam ambientes transparentes e seguros para negócios. Países corruptos são tidos como refratários aos investidores internacionais e propensos à insegurança jurídica.

A Justiça e os decaídos - SÉRGIO FERNANDO MORO

O Estado de S. Paulo - 31/05
Tommaso Buscetta é provavelmente o mais notório criminoso que, preso, resolveu colaborar com a Justiça. Um detalhe muitas vezes esquecido é que ele foi preso no Brasil, onde havia se refugiado após mais uma das famosas guerras mafiosas na Sicília. No Brasil, continuou a desenvolver suas atividades criminosas por meio do tráfico de drogas para a Europa. Por seu poder no Novo e no Velho Mundo, era chamado de “o senhor de dois mundos”.

Após sua extradição para a Itália, o célebre magistrado italiano Giovanni Falcone logrou convencê-lo a se tornar um colaborador da Justiça. Suas revelações foram fundamentais para basear, com provas de corroboração, a acusação e a condenação, pela primeira vez, de chefes da Cosa Nostra siciliana. No famoso maxiprocesso, com sentença prolatada em 16/12/1987, 344 mafiosos foram condenados, entre eles membros da cúpula criminosa e o poderoso chefão Salvatore Riina, que, pela violência de seus métodos, ganhou o apelido de “a besta”. Para ilustrar a importância das informações de Tommaso Buscetta, os magistrados italianos admitiram que, até então, nem sequer conheciam o verdadeiro nome da organização criminosa. Chamavam-na de Máfia, enquanto os próprios criminosos a chamavam, entre si, de Cosa Nostra.

Sammy “Bull” Gravano era o braço direito de John Gotti, chefe da família Gambino, uma das que dominavam o crime organizado em Nova York até os anos 80. Gotti foi processado criminalmente diversas vezes, mas sempre foi absolvido, obtendo, em decorrência, o apelido na imprensa de “Don Teflon”, no sentido de que nenhuma acusação “grudava” nele. Mas, por meio de uma escuta ambiental instalada em seu local de negócios e da colaboração de seu braço direito, foi enfim condenado à prisão perpétua nas Cortes federais norte-americanas, o que levou ao desmantelamento do grupo criminoso que comandava.

Mario Chiesa era um político de médio escalão, responsável pela direção de um instituto público e filantrópico em Milão. Foi preso em flagrante em 17/2/1992, por extorsão de um empresário italiano. Cerca de um mês depois, resolveu confessar e colaborar com o Ministério Público Italiano. Sua prisão e colaboração são o ponto de partida da famosa Operação Mãos Limpas, que revelou, progressivamente, a existência de um esquema de corrupção sistêmica que alimentava, em detrimento dos cofres públicos, a riqueza de agentes públicos e políticos e o financiamento criminoso de partidos políticos na Segunda República italiana.

Nenhum dos três indivíduos foi preso ou processado para se obter confissão ou colaboração. Foram presos porque faziam do crime sua profissão. Tommaso Buscetta foi preso pois era um mafioso e traficante. Gravano, um mafioso e homicida. Chiesa, um agente político envolvido num esquema de corrupção sistêmica em que a prática do crime de corrupção ou de extorsão havia se transformado na regra do jogo. Presos na forma da lei, suas colaborações foram essenciais para o desenvolvimento de casos criminais que alteraram histórias de impunidade dos crimes de poderosos nos seus respectivos países.

Pode-se imaginar como a história seria diferente se não tivessem colaborado ou se, mesmo querendo colaborar, tivessem sido impedidos por uma regra legal que proibisse que criminosos presos na forma da lei pudessem confessar seus crimes e colaborar com a Justiça.

É certo que a sua colaboração interessava aos agentes da lei e à sociedade, vitimada por grupos criminosos organizados. Essa é, aliás, a essência da colaboração premiada. Por vezes, só podem servir como testemunhas de crimes os próprios criminosos, então uma técnica de investigação imemorial é utilizar um criminoso contra seus pares. Como já decidiu a Suprema Corte dos EUA, “a sociedade não pode dar-se ao luxo de jogar fora a prova produzida pelos decaídos, ciumentos e dissidentes daqueles que vivem da violação da lei” (On Lee v. US, 1952).

Mas é igualmente certo que os três criminosos não resolveram colaborar com a Justiça por sincero arrependimento. O que os motivou foi uma estratégia de defesa. Compreenderam que a colaboração era o melhor meio de defesa e que, só por ela lograriam obter da Justiça um tratamento menos severo, poupando-os de longos anos de prisão.

A colaboração premiada deve ser vista por essas duas perspectivas. De um lado, é um importante meio de investigação. Doutro, um meio de defesa para criminosos contra os quais a Justiça reuniu provas categóricas.

Preocupa a proposição de projetos de lei que, sem reflexão, buscam proibir que criminosos presos, cautelar ou definitivamente, possam confessar seus crimes e colaborar com a Justiça. A experiência histórica não recomenda essa vedação, salvo em benefício de organizações criminosas. Não há dúvida de que o êxito da Justiça contra elas depende, em muitos casos, da traição entre criminosos, do rompimento da reprovável regra do silêncio. Além disso, parece muito difícil justificar a consistência de vedação da espécie com a garantia da ampla defesa prevista em nossa Constituição e que constitui uma conquista em qualquer Estado de Direito. Solto, pode confessar e colaborar. Preso, quando a necessidade do direito de defesa é ainda maior, não. Nada mais estranho. Acima de tudo, proposições da espécie parecem fundadas em estereótipos equivocados quanto ao que ocorre na prática, pois muitos criminosos, mesmo em liberdade, decidem, como melhor estratégia da defesa, colaborar, não havendo relação necessária entre prisão e colaboração.

Na Operação Lava Jato, considerando os casos já julgados, é possível afirmar que foi identificado um quadro de corrupção sistêmica, em que o pagamento de propina tornou-se regra na relação entre o público e o privado. No contexto, importante aproveitar a oportunidade das revelações e da consequente indignação popular para iniciar um ciclo virtuoso, com aprovação de leis que incrementem a eficiência da Justiça e a transparência e a integridade dos contratos públicos, como as chamadas Dez Medidas contra a Corrupção apresentadas pelo Ministério Público ou outras a serem apresentadas pelo novo governo. Leis que visem a limitar a ação da Justiça ou restringir o direito de defesa, a fim de atender a interesses especiais, não se enquadram nessa categoria.

*Sérgio Fernando Moro é juiz federal

A esquerda e a universidade - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 31/05

SÃO PAULO - "O fato de que (...) sejam `gratuitos´também os estabelecimentos de ensino superior significa tão somente que as classes altas pagam suas despesas de educação às custas do fundo de impostos gerais". Se interpretarmos a frase acima segundo o "Zeitgeist" (espírito do tempo) atual, concluiremos que ela partiu de um neoliberal, ou, pior, de um membro do governo Temer -ambos incapazes de esconder seu ranço direitista.

Seria uma boa aposta. O novo ministro da Educação, afinal, já insinuou que seria favorável à cobrança de mensalidades para alguns tipos de curso em universidades públicas. No mais, estaria no DNA da direita tentar destruir conquistas sociais como a "universidade pública gratuita e de qualidade".

Como o mundo é sempre mais complicado do que nossas palavras de ordem, sinto-me obrigado a revelar que a frase não tem como autor um entusiasta do Estado mínimo como Milton Friedman ou Friedrich Hayek, mas o insuspeito Karl Marx. Ela consta da "Crítica ao Programa de Gotha", de 1875, em que o pai do comunismo faz comentários às teses que os social democratas alemães defenderiam no congresso do partido.

E as críticas do pensador alemão não param por aí: "Isso de `educação popular a cargo do Estado´é completamente inadmissível. (...) Longe disso, o que deve ser feito é livrar a escola tanto da influência por parte do governo como por parte da igreja".

Como todos os filósofos que pretenderam criar sistemas, Marx cometeu alguns equívocos graves, mas isso não tira dele o mérito de ter sido um grande sociólogo e um arguto observador da realidade. Ao criticar a "universidade pública gratuita", ele só viu o que ela de fato representa: um subsídio que os mais pobres dão aos mais ricos -algo que não combina muito com as ideias socialistas. Seria interessante tentar entender como a esquerda contemporânea ficou tão míope nessa matéria.

A multiplicação de patetas - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 31/05

De Sarney a Lula, de Dilma a Renan, o que choca é a naturalidade da conivência, o ambiente de cumplicidade, a consciência de ilícitos, sem lembrança do interesse público



A conversa ganhou um tom confessional:

— O Michel, presidente... Eu contribuí pro Michel.

— Hum...

— Não quero nem que o senhor comente com o Renan. Eu contribuí pro Michel pra candidatura do menino... Falei com ele até num lugar inapropriado... na Base Aérea.

— Mas alguém sabe que você me ajudou?

— Não, sabe não. Ninguém sabe, presidente.

Com oito décadas e meia de vida, seis delas dedicadas ao artesanato da imagem de raposa política, o ex-presidente José Sarney conversou com o aliado Sérgio Machado com a naturalidade de quem se imagina com poder de influir sobre ministros do Supremo ou qualquer magistrado. Efeito, talvez, de meio século de interferências em indicações, promoções e remoções de juízes.

Na intimidade caseira, assentado na longa convivência e conivência com Machado, sentiu-se confortável para confessar a “ajuda” secreta do ex-presidente da Transpetro, que sabia estar sob investigação por corrupção em negócios feitos durante uma década no grupo Petrobras.

Trombou no gravador ambulante e, pela própria voz, colocou-se sob suspeitas. A “contribuição” sigilosa e outras transações agora devem ser expostas pelo mais novo “colaborador do complexo investigatório denominado Caso Lava-Jato” — identificação de Machado no acordo recém-homologado pelo juiz Teori Zavascki.

Hipocondríaco, Sarney procurava um elixir político, como também faziam Lula, Dilma Rousseff, Renan Calheiros, Romero Jucá e outros do PT, PMDB, PP e PSDB. Lula, por exemplo, começara o ano mobilizando sua tropa aliada no Congresso para modificar a essência das leis sobre colaboração de pessoas físicas e empresas. A origem delas remonta a abril de 1989 na Câmara, na comissão criada por iniciativa de Miro Teixeira, com participação de Michel Temer, relator, do então deputado Sigmaringa Seixas, hoje advogado de Lula, e José Genoino, ex-presidente do PT.

Lula, com a mesma singeleza de Sarney, julga decisivo o seu seu poder de influência. Na manhã de segunda-feira, 7 de março, por exemplo, queixava-se ao prefeito do Rio, Eduardo Paes, dos “meninos” do Ministério Público: “Eles se sentem enviados de Deus”. Paes concordou: “Os caras do Ministério Público são crentes, né?”. Lula reforçou: “É uma coisa absurda (...) Eu acho que eu sou a chance que esse país tem de brigar com eles pra tentar colocá-los no seu devido lugar. Ou seja, nós criamos instituições sérias, mas tem que ter limites, tem que ter regras...” Antes de dormir, falou ao advogado Sigmaringa Seixas de sua frustração com Rodrigo Janot. Lula entendia que ele tinha um dever a cumprir, a genuflexão em agradecimento por nomeá-lo procurador-geral da República: “Essa é a gratidão... Essa é a gratidão dele por ele ser procurador” — lamentou.

De Sarney a Lula, de Dilma a Jucá e Renan, os grampos escandalizam porque expõem o modo arcaico de se fazer política no Brasil. Há delitos previstos no Código Penal. Chocante, porém, é a naturalidade da conivência, o ambiente de cumplicidade, a consciência de ilícitos dos agentes públicos. É notável que os diálogos gravados não contenham sequer resquícios de lembrança do interesse público, ou mesmo referências à honestidade. Convergem na intenção de “acabar” com as investigações, em autodefesa. Talvez seja o milagre da multiplicação de patetas.

Por que Dilma não pode voltar - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 31/05
A presidente Dilma Rousseff parece acreditar que, ao se manifestar sobre seu governo e seu afastamento, angaria simpatia e, assim, afasta a hipótese altamente provável de seu impeachment. Sempre que a petista abre a boca, porém, fica claro para o País que, se seu governo já foi desastroso, seu eventual retorno à Presidência seria um cataclismo, pois a administração seria devolvida a quem se divorciou completamente da realidade. No mundo em que vive, Dilma se confunde com Poliana: não cometeu nenhum erro, não é responsável pela pior crise econômica da história brasileira e só foi afastada em razão de um complô neoliberal operado pelo deputado Eduardo Cunha, e não porque a maioria absoluta dos brasileiros exige seu impeachment.

“Temos que defender o nosso legado”, disse à Folha de S.Paulo a presidente responsável por recessão econômica, desemprego crescente, inflação acima da meta e contração da atividade, do consumo e do investimento, além de um rombo obsceno nas contas públicas. Foi essa herança, maldita em todos os sentidos, que criou o consenso político em torno do qual o Congresso faz avançar o impeachment. Assim, quando fala em seu “legado”, não é à dura realidade que Dilma está se referindo, mas sim à farsa segundo a qual seu governo beneficiou os mais pobres – justamente aqueles que mais sofrem com a crise que ela criou.

Na entrevista, Dilma sugere que seu “legado” é a manutenção de programas sociais, o que estaria sob risco no governo de Michel Temer, instituído como parte de uma conspiração para instalar no Brasil uma “política ultraliberal em economia e conservadora em todo o resto”. A desmontagem da rede de proteção aos mais pobres seria, segundo ela, o objetivo dos “golpistas”. Dilma atribui aos adversários a intenção de fazer o que ela própria já estava realizando na prática: todos os principais programas sociais de seu governo sofreram cortes nos últimos anos, em razão da falta de dinheiro.

Especialista em destruir os fundamentos da economia, Dilma achou-se autorizada a comentar as possíveis medidas do governo Temer para tentar recuperar um pouco da racionalidade econômica que ela abandonou. Dilma disse ser “um absurdo” a possibilidade de que a imposição de um teto para os gastos públicos atinja áreas como educação. Para ela, “abrir mão de investimento nessa área, sob qualquer circunstância, é colocar o Brasil de volta no passado”. Foi esse tipo de pensamento, segundo o qual há gastos que devem ser mantidos “sob qualquer circunstância”, que condenou o Brasil a um déficit público superior a R$ 170 bilhões.

Ainda em seu universo paralelo, Dilma disse que em 2014 ninguém notou que o País já passava por uma crise, embora o descalabro estivesse claro para quem procurou se informar. “Quando é que o pessoal percebeu que tinha uma crise no Brasil, hein? A coisa mais difícil foi descobrir que tinha uma crise no Brasil”, disse ela, desafiando a inteligência alheia de forma grosseira até para seus padrões. Bastaria ler os documentos de análise da economia produzidos regularmente pelo Banco Central para constatar o desastre desde sua formação até o seu fiasco final com o episódio Joaquim Levy. Ela prefere imputar as mazelas da economia em seu governo à desaceleração da China, à queda do preço do petróleo, à seca no Sudeste e a um complô da oposição e de Eduardo Cunha, que, segundo suas palavras, é “a pessoa central do governo Temer”. Ou seja: para Dilma, se Cunha por acaso não existisse, ela ainda estaria na Presidência, e a crise, superada.

“A crise econômica é inevitável”, ensinou Dilma na entrevista. “O que não é inevitável é a combinação danosa entre crise econômica e crise política. O que aconteceu comigo? Houve uma combinação da crise econômica com uma ação política deletéria.” Segundo a petista, o Congresso, dominado por forças malignas que tinham a intenção de criar um “ambiente de impasse propício ao impeachment”, sabotou todas as “reformas” que ela queria aprovar. Ou seja, Dilma teima em não reconhecer que o clima hostil que ela enfrentou no Congresso foi resultado de sua incrível incompetência administrativa, potencializada por descomunal inabilidade política e avassaladora arrogância. Prefere denunciar a ação de “inimigos do povo” contra seu governo.

Finalmente, convidada a dizer quais erros acha que cometeu, Dilma respondeu: “Ah, sei lá”.

As mal-ajambradas explicações de Dilma - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 31/05

Em entrevista, Dilma repete a visão delirante do ‘golpe’ e ainda defende a ideia risível de que em 2014 era muito difícil perceber que o Brasil estava em crise. Não lia jornais



Antes de ser afastada da Presidência, no início da manhã de 12 de abril, Dilma Rousseff, entrincheirada no Planalto, cumpriu uma intensa agenda de comícios indoor, em que, inflamada, repetiu a tese ilusória de que estava sendo vítima de um “golpe”.

Não adiantou. O Senado acolheu o pedido de impeachment por crimes de responsabilidade, devido a infrações graves contra o princípio da responsabilidade fiscal e a lei orçamentária, passando a correr o prazo de até 180 dias para seu efetivo julgamento pela Casa, sob a presidência do ministro responsável pelo STF, Ricardo Lewandowski.

A presidente afastada guardou algum silêncio até este domingo, com a publicação de uma entrevista à “Folha de S.Paulo”, em que aproveitou para desdobrar a tese esperta do “golpe” — comprada internamente por militantes, e, no exterior, por aliados, simpatizantes e desavisados —, colocando-se, mais uma vez, como vítima do deputado, também afastado, Eduardo Cunha. Convém apresentar-se como alvo de uma unanimidade nacional — negativa.

Dilma bate na tecla, também nada verossímil, de que o impeachment visa a desmontar a Lava-Jato, como se ela, Lula e o PT não houvessem tramado contra a Operação. O mais lógico, e menos custoso, seria eles reforçarem a aliança com certas parcelas do PMDB em torno deste objetivo comum.

Outro falseamento da realidade — já explorado por Dilma — é culpar a oposição por criar obstáculos a tentativas de o governo enviar reformas ao Congresso. Ora, os governos do PT se notabilizaram por evitar e sabotar reformas. Com a exceção de mudanças no sistema previdenciário do servidor público, iniciadas no primeiro mandato de Lula e completadas apenas em fins de 2015, já no segundo mandato de Dilma. Demorou muito.

Mais dessintonizada ainda da realidade foi a resposta da presidente afastada quando questionada sobre o fato de ter defendido um programa de governo na campanha à reeleição e aplicado outro, um caso irretocável de estelionato eleitoral.

Na visão edulcorada de Dilma, o governo e nem ninguém perceberam que o Brasil havia entrado em crise. Ora, ora. No ano da campanha, 2014, o PIB já desacelerava, o emprego rateava. Numa interpretação benévola com Dilma, ela deixou de ler a imprensa profissional a partir de 2012/13, desde quando veículos como O GLOBO começaram a alertar para os erros de política econômica e os consequentes sinais, cada vez mais fortes, de que viria uma explosão fiscal.

Se a presidente no aguardo do impeachment, assessores e seguidores esperavam melhorar de situação, com a entrevista, frustraram-se. Dilma continua a viver em um mundo próprio, em que a vida real se subordina à vontade política. Engano fatal, por certo.

segunda-feira, maio 30, 2016

Muito cacique - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADÃO  - 30/05

Juntos, os Três Poderes da União têm mais de 1,12 milhão de servidores. Desse total, 30,93% exercem cargo comissionado ou função de confiança, indica recente relatório do Tribunal de Contas da União (TCU). Trata-se de um índice muito alto de discricionariedade no preenchimento das funções públicas, incompatível com a Constituição Federal, que obriga o poder público a fazer valer, entre outros, os princípios da eficiência e da impessoalidade.

O objetivo do estudo do TCU foi “identificar e avaliar riscos relativos às funções de confiança e aos cargos em comissão, assim como dar transparência acerca dos quantitativos, atribuições, requisitos de acesso e outras informações relevantes sobre o tema”. Trata-se de tema relevante, quer seja pelo histórico de um poder público inchado, com muita gente vivendo à custa do Estado, quer seja pelos 13 anos de lulopetismo, nos quais houve um deliberado aumento do número de nomeações, com o objetivo claro de aparelhar o Estado.

O estudo do TCU lembra que as funções de confiança devem ser exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo. Já os cargos em comissão – ou comissionados – são de livre nomeação e exoneração, ainda que a Constituição Federal exija a definição de porcentuais mínimos de servidores de carreira nesses postos. Com dados de julho e agosto de 2015, o levantamento analisou 278 organizações dos Três Poderes da União.

No Poder Executivo há 963.172 servidores ativos, com 33.581 cargos comissionados (3,4%) e 221.646 funcionários em funções de confiança (23%). Já o Poder Legislativo tem o maior porcentual de servidores em cargos em comissão. Para um total de 24.174 servidores, há 15.453 cargos comissionados (63,9%) e 3.743 servidores em funções de confiança (15,4%).

O Poder Judiciário, com seus 115.760 servidores, tem os maiores índices de pessoas em funções de confiança. São 55.964 (48,3%) servidores nessa situação, além de 8.525 cargos comissionados (7,3%). No Poder Judiciário é minoria quem não tem um cargo em comissão ou uma função de confiança. Tem mais cacique do que índio. Semelhante distorção foi encontrada em 65 dos 278 órgãos analisados pelo TCU.

O estudo analisou nove possíveis riscos relativos ao processo de escolha de funcionários comissionados. São eles: investidura de pessoas sem as necessárias competências, aumento de gastos com pessoal, conflito entre o interesse público e os interesses da pessoa indicada, cargos comissionados cujas atribuições não são de direção, chefia ou assessoramento, descumprimento dos porcentuais mínimos de servidores de carreira em cargos em comissão, perda de experiência em razão da transitoriedade dos cargos comissionados, não utilização de bancos de talentos ou fontes institucionais para seleção de candidatos, nepotismo e nomeação de pessoas impedidas por lei de assumir essas funções.

Esses riscos não são elucubrações – são bem reais. Ninguém nega que o bom funcionamento do poder público exija a previsão de cargos comissionados. Mas isso está longe de significar que um terço dos servidores tenha cargo comissionado ou exerça função de confiança. Além dos gastos que tais nomeações acarretam, é difícil vislumbrar eficiência num sistema tão maciçamente preenchido por escolhas pessoais, que, segundo a Constituição, devem ser exceções.

O problema não é, porém, apenas a questão da imensa quantidade desses cargos, cujo número certamente precisa ser reduzido. Como lembra o TCU, a discricionariedade envolvida na investidura de um cargo de livre nomeação e exoneração também deve se submeter ao princípio da eficiência. A livre nomeação não significa diminuição ou exclusão da exigência. Seja qual for o cargo, “os servidores públicos devem agir com qualidade, presteza e eficácia”. Aqui também está um urgente desafio.

O legado e a farsa - DENIS LERRER ROSENFIELD

O ESTADÃO - 30/05

O novo governo Temer começou, definitivamente, sob o signo do rompimento com a sua predecessora em duas áreas importantes: a econômica e a de Relações Exteriores. O embuste no qual vivia o país foi revelado mediante medidas corajosas que sinalizam um novo rumo para o país.

A nova equipe econômica, sob a batuta do ministro Henrique Meirelles, partiu do reconhecimento do rombo deixado pelo governo anterior, calculando, agora, um déficit de R$ 170,5 bilhões. A veracidade no tratamento das contas públicas e a transparência dos cálculos são condições de toda sociedade moderna.

Já não era mais possível seguir convivendo com a “contabilidade criativa” e a ficção de números sem cessar revistos e de pouca credibilidade. Estávamos nos tornando, neste aspecto, a Argentina dos Kirchner. Felizmente, também lá o novo presidente Macri rompeu com essa aberração.

O novo presidente mostrou a sua força no Congresso com a aprovação esmagadora das novas medidas, sinalizando com condições de governabilidade inexistentes sob o governo anterior. Estabeleceu-se uma relação de coordenação e harmonia entre os Poderes, e não de confronto.

É bem verdade que não se trata de um mar de rosas, pois as relações fisiológicas continuam imperando, mas se trata agora, neste primeiro momento, de um dado da realidade. Não se muda um país da noite para o dia e as prioridades são as reformas fiscal, previdenciária e trabalhista. Cada uma no seu momento. O Brasil precisa urgentemente se modernizar. Disto depende o seu futuro.

Não é pouca coisa o reconhecimento do rombo deixado pelo governo Dilma. A solução de problemas passa necessariamente por um diagnóstico correto. Não se cura uma doença se não se sabe o que aflige o paciente. A ex-presidente vivia no mundo dela, tão mais dissociado da realidade que a propaganda eleitoral em seu último pleito trazia números e “realidades” nos quais nem o seu partido veio a acreditar.

E, mesmo depois disto, foi incapaz de reconhecer os seus erros e pedir perdão à nação. Perseverou em seus equívocos e foi obrigada a se retirar. Note-se, ainda, que as ditas pedaladas fiscais não deixam de ser amostras do mundo ficcional no qual habitava, procurando, nele, manipular a realidade.

Outra saída da ficção dilmista/lulista/petista foi o estabelecimento de um teto para os gastos públicos, criando condições para uma desvinculação orçamentária que atingirá áreas como Saúde, Educação e Previdência. Não é mais possível continuar com a irresponsabilidade no tratamento da coisa pública, aumentando desenfreadamente gastos sem as correspondentes receitas. Trata-se de receita certa para o desastre, o que terminou acontecendo.

Os representantes da ficção, contudo, já estão alardeando que se trata de medidas “liberais” que atentam contra os “direitos sociais”, como se não fossem eles que tivessem produzido 12 milhões de desempregados, o número podendo logo atingir 14 milhões, arruinado a saúde e piorado significativamente a educação, com o pendor, inclusive, de ideologizá-la.

As Relações Exteriores, sob a liderança do novo ministro José Serra, sofreram uma guinada logo nos primeiros dias. O Itamaraty tinha se alinhado à escória latino-americana e africana. Os laços privilegiados com a África, em nome da “solidariedade”, privilegiaram ditadores sanguinários que se perpetuam há décadas no poder. Dívidas foram perdoadas em nome dos seus povos, quando, na verdade, equivaleram simplesmente a uma transferência maior de recursos roubados para as contas desses tiranos na França, Suíça e Reino Unido. Lula e o PT se regozijaram; os povos desses países continuaram na opressão.

Os laços “especiais” com os países bolivarianos são outra herança maldita dos governos petistas, que o novo ministro teve o cuidado inicial de romper. Os governos anteriores foram coniventes com diferentes atentados à democracia perpetuados nesses países. A Venezuela é um exemplo de até onde foram os liberticidas, reduzindo seus povos à miséria, em nome, precisamente dos “pobres” e dos “direitos sociais”. Pisotearam as liberdades, produtos básicos escasseiam nas prateleiras de supermercados, a inflação corrói os salários e, pasmem!, são saudados pela esquerda brasileira. Em bom momento, o ministro Serra deu um basta a isto, não mais atrelando o país a esses que são atualmente desesperados!

Cabe, por último, uma observação relativa à distinção entre esquerda e direita. Na verdade, ser de direita significa saber fazer contas, não gastar mais do que ganha. Uma pessoa de “direita” sabe calcular a relação entre receita e despesa, devendo, necessariamente, responsabilizar-se por tudo o que faz. Neste sentido, pode-se dizer que à ideia de direita correspondem o cálculo entre receita e despesa e a responsabilidade correspondente. Nada muito diferente do que faz um(a) chefe de família quando contabiliza o que pode gastar cada mês em função dos seus proventos. No trato da família, toda pessoa, saiba ou não, é de direita. Se não o fizer, pode produzir um desastre familiar.

Consequentemente, ser de esquerda, e isto o PT mostrou com clareza meridiana no exercício do poder, significa não saber fazer cálculo, achando que o melhor dos mundos pode se produzir com gastos sem limites, como se orçamentos realistas fossem uma coisa de “liberais”. Algo que poderia ser simplesmente menosprezado. Ser de esquerda significa, então, ser irresponsável no tratamento da coisa pública. Pior ainda, os que assumem tais posições, quando confrontados ao seu inevitável fracasso, transferem essa responsabilidade aos outros, os “liberais”, a “direita”, como se não tivessem nada a ver com os resultados de suas ações.

Entende-se, assim, melhor os que se intitulam “progressistas”, pois isto significa, para eles, conservarem o que há de mais nefasto no tratamento irresponsável da coisa pública. Almejam que a roda da história ande para trás. Vivem em uma ficção ideológica que é nada mais do que uma farsa.

Por mais rigor da Justiça - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 30/04
Sejamos francos: políticos com medo de serem presos conspiraram, sim, para derrubar a presidente Dilma. Um governo fraco, autor de graves erros, daria vez a um governo de "salvação nacional" encabeçado pelo vice Michel Temer, capaz de tirar o país do atoleiro econômico. E assim, suspeitos ou acusados de corrupção poderiam salvar-se mediante um acordo que freasse o avanço da Lava-Jato. Que tal?

NADA DE estranho. Nem mesmo de absurdo. Os donos do poder, fossem eles políticos ou não, sempre souberam construir acordos e preservar a própria pele em detrimento da moral e da Justiça. Por extensão, também suas fortunas e posições na hierarquia social. A história do país está repleta de exemplos. E magistrados jamais foram insensíveis a tais acordos. Pelo contrário.

É DISSO, EM resumo, que dão notícia as gravações de Sérgio "Lobo de Wall Street" Machado, presidente da Transpetro nos últimos 12 anos e bem-sucedido caixa oculto para enriquecimento dos caciques do PMDB e financiamento de suas campanhas eleitorais. Apetrechado com equipamentos de escuta e monitorado por agentes federais a pouca distância, Machado foi à luta e saiu laureado.

NO PERÍODO DE uma semana, a divulgação das gravações atingiu três vistosos alvos - os senadores Romero Jucá (RR) e Renan Calheiros (AL), e o presidente de honra do PMDB José Sarney (MA), ex-presidente da República. Jucá perdeu o Ministério do Planejamento. Renan, a vergonha, se vestígio dela ainda lhe restasse. Sarney arranjou um triste fecho para sua biografia.

O BRASIL VIVE "sob a ditadura" da Justiça, reclamou Sarney. Que aconselhou Machado a não meter advogados em tratativas para escapar da Lava-Jato. Sarney tinha outro plano: acionar o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Cesar Asfor Rocha, amigo de Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF). Quem sabe Teori não ajudaria Machado?

A ASFOR ROCHA, Renan preferia o advogado Eduardo Ferrão, também amigo de Teori. Sarney e Renan garantiram a Machado todo o empenho para que seu caso não "descesse" à República de Curitiba, chamada de "Torre de Londres" por Jucá. "É preciso estancar a sangria", advertiu Jucá. E "a moça" imaculada (Dilma) carecia de forças para a tarefa. Temer teria certamente.

É MAIS CORRETO dizer que Dilma "carecia de forças" para socorrer políticos em apuros do que de vontade. A Procuradoria-Geral da República quer investigá-la pela nomeação de um ministro sob o compromisso de votar a favor da libertação de empreiteiros presos pela Lava-Jato. Segundo Sarney, a imaculada Dilma pediu à Odebrecht que pagasse no exterior despesa de sua campanha.

POR QUE EM tantos diálogos gravados ou reproduzidos, políticos sugerem dispor de livre trânsito entre ministros de tribunais superiores? Alguns por fanfarronice. Outros porque têm de fato. Não há julgamento puramente técnico. São homens e mulheres que julgam. E por mais que persigam um estado de isenção plena - e nem todos perseguem -, jamais o alcançam.

O STF MANDOU para a cadeia 25 dos acusados pelo escândalo do mensalão do PT, mas recusou-se a investigar a fundo a responsabilidade de Lula no episódio. Desta vez, tudo indica que será mais rigoroso com os réus da roubalheira na Petrobras, sem condescendência com nenhum, seja por distração ou - muito pior - conivência. É o que se espera dele.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

APESAR DOS CORTES, PETROBRAS AINDA É ‘INCHADA’

A gigante Saudi Aramco, da Arábia Saudita, a maior petrolífera do mundo, produz um de cada oito barris de petróleo do planeta, está avaliada em R$ 6,5 trilhões e tem 65 mil funcionários. A Petrobras, que nem chega perto da Aramco em produção de petróleo, está avaliada no mercado em cerca de R$ 60 bilhões, se tanto, e paga salários a 249 mil pessoas, das quais 84 mil são concursadas e 165 mil terceirizadas.

CABIDE DE PETRÓLEO
A Shell, a Exxon e a British Petroleum, outras gigantes do petróleo, empregam juntas 262.000 pessoas, 13 mil a menos que a Petrobras.

DESAFIO PELA FRENTE
Pedro Parente terá um baita desafio: a Petrobras opera 7 mil postos no mundo; a Shell tem 44 mil, mas lucra trinta vezes mais.

ASSIM NÃO DÁ
Mesmo depois cortar 30 mil funcionários e colocar mais 12 mil na fila da demissão voluntária, a Petrobras ainda tem 84 mil concursados.

INEFICIÊNCIA ESTATAL
Em 2014, antes do Petrolão, a Petrobras lucrou US$ 1 bilhão; a Shell, US$ 14 bilhões; a Exxon, US$ 32,5 bilhões e a BP, US$ 12,1 bilhões.

MULHERES FORA DO GOVERNO E À FRENTE DO JUDICIÁRIO
Se não há mulheres no ministério de Michel Temer, no Judiciário elas vão chefiar os mais importantes tribunais do País, a partir de setembro: a ministra Cármen Lúcia será presidente do Supremo Tribunal Federal e a ministra Laurita Vaz vai presidir o Superior Tribunal de Justiça. Mas não é opção dos tribunais: esta é a vez de as ministras assumirem as presidências do STF e do STJ, observando o critério de revezamento.

REPRESENTAÇÃO
Hoje, os cinco tribunais superiores têm em sua composição mulheres muito admiradas pelo saber jurídico.

DESPROPORCIONAL
Apesar da forte presença qualitativa, as mulheres ainda são apenas 18% na composição dos tribunais superiores.

PRIMEIRA INSTÂNCIA
Até o final de 2015, apenas cinco dos 27 Tribunais de Justiça nos Estados brasileiros tinham uma mulher no comando.

SÃO UNS ARTISTAS
O ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado usou tom irônico para se referir ao juiz federal Sérgio Moro, chamando-o de “artista”. Mas “artistas” mesmo são os ladrões que ele julga.

PAPO SABIDO
Emissários de Renan Calheiros têm jurado a veículos de comunicação que ele não indicou Sérgio Machado para a Transpetro, dizendo que a escolha foi “da bancada do PMDB”. Cujo líder era... Renan Calheiros.

VALE-TUDO
Petistas contrários à mudança de status da antiga Controladoria Geral da União (CGU), agora Ministério da Transparência, espalham que uma “nova logomarca” custou R$ 10 milhões. Isso é tão verdadeiro quanto nota de 3 reais ou a alegação de “golpe” no impeachment.

MESMAS PRERROGATIVAS
O novo Ministério de Transparência preserva todas as prerrogativas da velha CGU e o novo ministro, Fabiano Silveira, ainda aumentou de 60 para 70 o número de municípios sorteados para serem auditados.

CORTAR É PRECISO
O chanceler José Serra ordenou levantamento de representações diplomáticas brasileiras a serem fechadas. Embaixadas na Ásia devem ser as mais afetadas, seguidas da África.

DETALHE QUE COMPROMETE
Ganhou padrão de primeiro mundo o novo salão de embarque internacional do terminal 2 do aeroporto do Galeão, no Rio. Já os banheiros e o sistema de som ainda estão no padrão Infraero.

ÁGUA E AZEITE
Sobre a fusão entre as centrais sindicais UGT e Força Sindical, Ricardo Patah avisou: “É uma possiblidade de médio a longo prazo”. A ideia inicial é combinar ações conjuntas. Unificação, só no futuro.

PÉ NO ACELERADOR
A senadora Simone Tebet (PMDB-MS) quer apressar em vinte dias a votação do impeachment de Dilma. O relator Antônio Anastasia (PSDB-MG) quer votar no dia 2 de agosto. Tebet diz que 90 dias bastam.

PERGUNTA SUPREMA
Após o procurador-geral Rodrigo Janot ficar sabendo a opinião de Renan sobre seu caráter, em quanto tempo o senador vai réu no STF?

domingo, maio 29, 2016

Precisamos falar sobre herança - GUSTAVO FRANCO

O GLOBO - 29/05

Fez muito bem o Ministro da Fazenda, na verdade o presidente Michel Temer, em propor ao Congresso a alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de modo a refletir as cores exatas do cenário econômico e fiscal que recebeu de Dilma Rousseff. É importante ter claro o legado da presidente afastada, inclusive para se acrescentar elementos aos julgamentos no Senado e diante da História.

O superlativo número de R$ 170 bilhões para o déficit primário no exercício de 2016, conforme aprovado na semana que passou, foi chocante e surpreendente para muitos. Mas é só um pedaço da história, e pequeno. Note-se, para começar, que este número não é bem uma meta, mas uma estimativa realista do que ocorrerá uma vez mantidas as coisas como estão. É certo que as autoridades têm o dever de buscar um número bem menor, mas é importante estabelecer com clareza o ponto de partida, e também que há muita coisa que não entra nessa conta.

Vale lembrar que, durante os dez anos anteriores a 2008, o resultado primário médio foi um superávit maior que 3% do PIB. Esta lembrança é importante para afastar a ideia de que a Constituição de 1988 teria sido culpada da deterioração fiscal recente. E também para que se tenha muito claro que foi Dilma Rousseff quem transformou um resultado positivo médio da ordem de R$ 190 bilhões (3% do PIB de 2016) em um negativo de R$ 170 bilhões.

A deterioração fiscal comandada por Dilma Rousseff foi, portanto, de R$ 360 bilhões, sendo este o tamanho do esforço fiscal que teria que ser feito hoje para colocar o país de volta na situação onde estava no período 1998-2007, quando houve crescimento, austeridade (ao menos quando medida por superávits primários) e melhoria na distribuição de renda.

São R$ 360 bilhões morro acima, só para arrumar o resultado primário. Se colocarmos na conta os juros, os números se tornam ainda mais perturbadores.

No ano de 2015, o Brasil foi o país cujo Tesouro Nacional mais pagou juros no mundo: 8,5% do PIB, contra 4,62% na Índia, 4,11% em Portugal, 4,02% na Itália e 3,61% na Grécia.

Em moeda corrente, estamos falando de R$ 502 bilhões em juros em 2015, quando o déficit primário (o resultado sem contar juros) foi de 1,88% do PIB, equivalente a R$ 111 bilhões. Assim, nesse ano, o déficit total do setor público foi de 10,38% do PIB ou de R$ 613 bilhões.

A mesma lei que recém alterou a LDO estimou o déficit nominal para 2016 em 8,96% do PIB, ou seja, R$ 579 bilhões, dentro dos quais estão os R$ 170 bilhões de que falamos logo acima. Estima-se que a conta de juros neste ano fique parecida com a do ano passado. A ver.

Tudo considerado, com este déficit nominal, a projeção para a dívida pública bruta ao final de 2016 é de 73,4% do PIB, uma alucinação. E não pense que foi só isso. Mesmo com o Tesouro entrando fortemente no vermelho, o governo resolveu fazer outros gastos fora do Orçamento, que não entram nas contas acima. Para tanto, transferiu cerca de R$ 500 bilhões para o BNDES em títulos, em várias operações. Como se a sua empresa estivesse dando prejuízo e você resolvesse se endividar para emprestar um valor correspondente à metade do seu faturamento a uma subsidiária.

Nesta semana que passou, um pedaço desse dinheiro foi devolvido, vamos ver quanto vai custar para regularizar essa operação.

Além disso, temos também as operações “anticíclicas” da Caixa e do Banco do Brasil, ordenadas explicitamente pelo governo. A quem pertencerá o prejuízo decorrente dessas atuações? Que tamanho tem essa conta? E as operações feitas com o dinheiro do FGTS?

Não seria bom ter um corte e uma análise circunstanciada do estado dessas instituições neste momento de transição e reflexão?

E as necessidades de capitalização da Petrobras, decorrentes da devastação a que foi submetida em consequência das insanidades heterodoxo-nacionalistas adotadas pelo governo afastado e da pilhagem engendrada pela quadrilha que ali se instalou?

A dívida da Petrobras cresceu a tal ponto que o fluxo de caixa descontado da empresa para o horizonte relevante de avaliação está zerado, ou pior, a depender do preço do petróleo nos próximos anos. Basta olhar os relatórios de analistas externos da empresa, todos acordes nesse terrível diagnóstico.

Isso mesmo, você não entendeu mal, a empresa está tecnicamente quebrada, funcionando da mão para a boca, um dia de cada vez, terrivelmente necessitada de um aumento de capital, ou da venda de ativos, de cortes dramáticos e providências difíceis. Uma empresa desse tamanho, ainda mais estatal, não pode entrar em recuperação judicial, não sem provocar um problema sistêmico.

Mas antes de pensar no conserto, que se registre a façanha: poucos anos depois do apogeu representado pela descoberta do pré-sal e do aumento de capital em Nova York em 2010, quando a companhia captou US$ 70 bilhões, na maior operação da espécie jamais registrada neste planeta, Dilma Rousseff conseguiu colocar a Petrobras a meio centímetro da recuperação judicial. Que portento em matéria de incompetência administrativa, imprevidência estratégica e desonestidade mesmo, esta última, inclusive, reconhecida oficialmente no balanço.

Fará bem o novo presidente da Petrobras em ter muito claras as condições da empresa no momento em que assumir as suas responsabilidades.

A mesma recomendação vale para a presidente do BNDES, para o qual já se decidiu devolver R$ 100 bilhões dos R$ 500 bilhões que recebeu do Tesouro. O banco deve ser capaz de demonstrar para onde foram os recursos, e talvez mesmo pagar o Tesouro com esses ativos. E, se houver prejuízo, que seja declarado e explicado para que as culpas pertençam a quem de direito.

Como foi acontecer uma tragédia desse tamanho?

É claro que temos que refletir muito sobre as brechas na Lei de Responsabilidade Fiscal e sobre o mau uso das empresas estatais, seja para propósitos políticos, para a corrupção, ou para simplesmente financiar e acobertar o populismo fiscal.

Mas nem por um segundo devemos esquecer que a responsabilidade pela catástrofe possui nome e sobrenome e que o Senado não estará se debruçando apenas sobre “pedaladas”, “jeitinhos” ou decretos feitos por assessores descuidados, mas sobre o maior descalabro fiscal que a história econômica brasileira registra desde, possivelmente, quando Dom João VI abandonou o país em 1821 e rapou o ouro que havia no Banco do Brasil.

E não por acidente as quedas no PIB do biênio 2015 e 2016, que se espera que atinjam 3,8% e 3,8%, ultrapassam o que se observou nos anos da Grande Depressão, 1930-31, quando as quedas foram de 2,1% e 3,3%.

É fundamental que se tenha clara a exata natureza e extensão da herança, para que as dores inerentes ao árduo trabalho de reconstrução financeira e fiscal do crédito público sejam associadas a quem produziu a doença, não ao médico.


Disciplinar o conflito distributivo - SAMUEL PESSÔA

Folha de São Paulo - 29/05

A economia brasileira está à beira do precipício. O deficit primário de R$ 170,5 bilhões resulta do descontrole fiscal iniciado nos últimos dois anos do governo Lula e aprofundado nos cinco anos e meio do governo de Dilma Rousseff.

Erros de política econômica agravaram e esconderam o desequilíbrio estrutural de nosso Estado: há 20 anos o gasto primário real da União cresce ao ritmo de 6% ao ano, muito acima do crescimento do PIB, que rodou pouco abaixo de 3%.

O crescimento do gasto segue diversas leis que vinculam o gasto público à receita, estabelecem regras de elegibilidade e critérios de indexação de benefícios de vários programas sociais, alguns que beneficiam sobretudo os 10% mais ricos, como a gratuidade das universidades públicas, regras de evolução da carreira e da remuneração de servidores públicos e de aposentadorias e pensões, entre tantas outras.

O resultado desse conjunto de regras é disfuncional para a sociedade: o gasto público cresce sistematicamente além da economia, causando dinâmica explosiva do endividamento público e risco real de, se nada for feito, retornarmos ao cenário de inflação acelerada e crônica, vigente nos anos 80.

A luta de cada grupo por seu naco no orçamento -seja na forma de uma garantia de gasto ou renda, ou de uma garantia de desoneração tributária- resulta em situação ruim para o conjunto da sociedade: juros reais elevados, baixo crescimento, em função da contínua pressão por aumento da carga tributária, e risco de descontrole inflacionário.

O caminho para a construção de equilíbrio fiscal virtuoso é reformular cada uma dessas leis. Temos que fazer uma reforma da Previdência, desvincular a receita da União e qualificar o gasto público, refazer as regras de gestão de pessoal do setor público, repensar as inúmeras desonerações e crédito subsidiado para o setor produtivo etc.

A lista é extensíssima.

A grande dificuldade é que cada medida isolada não resolve o todo -resolve somente parte do todo- e mobiliza forte grupo de pressão pela manutenção do status quo.

Estamos diante de dificílimo problema de ação coletiva.

A proposta, anunciada na última terça-feira (24), de estabelecer um limite para o crescimento do gasto público é a maneira que o governo Temer encontrou de ajudar a sociedade brasileira a buscar essa situação que é ótima do ponto de vista coletivo, mas difícil de ser construída em democracias tão consensuais como a nossa.

A limitação ao crescimento do gasto público é medida que disciplina nosso conflito distributivo. O Executivo estabelece um limite no interior do qual o conflito distributivo pode ocorrer: além deste limite, defende-se o bem comum.

É preciso esperar os detalhes da proposta. E, de fato, o diabo mora nos detalhes.

Quais normas legais terão que ser revistas para viabilizar o limite proposto?

Uma das consequências da limitação será impedir a concessão de benefícios ao setor produtivo, congelar aumentos nominais de salários, aposentadorias e benefícios sociais sempre que o gasto público atingir o limite constitucional.

A sociedade, por meio do Congresso, terá que discutir, a partir de uma restrição orçamentária dura, de onde e para onde deslocar e alocar recursos.

Não poderá fazê-lo mandando a conta para a inflação, na forma de aumentos insustentáveis da dívida pública ou da carga tributária.

Se funcionar, será o Plano Real de Temer.

Pires na mão - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 29/05

ALVARO GRIBEL E MARCELO LOUREIRO (INTERINOS)
Financiar investimentos será mais difícil com o forte déficit que atinge os fundos de pensão. Segundo a Abrapp, associação que representa as entidades de previdência complementar do país, o balanço de 219 fundos registrou rombo de R$ 62 bi em 2015, número 16 vezes maior que o déficit de 2014. “Nossa expectativa é estabilizar ou reverter esse déficit só em 2018”, disse o presidente da Abrapp, José Ribeiro Pena Neto.

Perda de patrimônio

O gráfico mostra como a recessão atingiu fortemente os fundos. Desde 2012, o balanço vem caindo ano a ano, até chegar ao enorme rombo do ano passado. De 219 fundos do país, 92 estão no vermelho, o que significa que os benefícios que eles têm a pagar ao longo dos próximos anos e décadas estão acima dos ativos que possuem. De um lado, há alta dos valores a serem pagos, com o envelhecimento da população; de outro, a perda de valor dos ativos, que em 2007 representavam 17,2% do PIB e agora valem 12,2%.

Risco cambial

Com os fundos de pensão no vermelho, o mercado de capitais em baixa, e o BNDES sem o vigor de anos anteriores, a solução para financiar as concessões pode estar no crédito externo. José Carlos Martins, da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), acredita que a situação vai reativar a antiga discussão sobre as garantias contra o risco cambial, que é tomar empréstimos em moeda estrangeira.

Portas fechadas

A Petrobras conseguiu fazer captações no exterior, mas para outras empresas investigadas na Lava-Jato o acesso ao crédito continua distante. Um título da Odebrecht é negociado lá fora com desconto de 70%, o que inviabiliza novas emissões. No caso da Andrade Gutierrez, o deságio é de 20%. No mercado, há quem avalie que a única saída para a Odebrecht é ser comprada por um grupo chinês. “Ela está sem fluxo de caixa e sem acesso a crédito”, disse uma fonte.

Tudo vermelho

O PIB do primeiro trimestre sai na quarta-feira e é consenso que o país terá o quinto período seguido de queda. Pelas contas do Itaú Unibanco, a retração será de 0,8%. As estimativas ainda apontam redução de 0,7% no segundo trimestre e mais dois tombos no segundo semestre. A boa notícia é que a queda ficará menos intensa. Segundo o banco, o quarto trimestre terá redução de 0,1%. Números azuis, só em 2017.

Sinais de melhora

Segundo o economista Rodrigo Miyamoto, do departamento de pesquisa econômica do Itaú, houve melhora em quase a metade dos 48 indicadores antecedentes analisados entre fevereiro e abril. Isso sugere que o PIB do quatro trimestre ficará próximo da estabilidade. “Há um ano, esse indicador estava em 20%, agora subiu para 48%”, explicou. Os estoques da indústria caíram, há perspectiva de redução das taxas de juros, e indicadores de confiança começam a dar sinais de recuperação.

PÉ NA TÁBUA. O preço do galão de gasolina nos EUA está no nível mais baixo para o período desde 2009, às vésperas da temporada de verão.

PIOR NÚMERO. A projeção do Bradesco é que a taxa de desemprego tenha subido de 10,9% para 11% em abril. O IBGE divulga o resultado na terça-feira.

AGENDA SEMANAL. Segundo a Go Associados, o novo teste do governo será a análise pelo Congresso do projeto que amplia a Desvinculação das Receitas da União. A colunista voltará na terça-feira

A vitória da toga sobre o colarinho branco - CARLOS AYRES BRITTO

O Estado de S. Paulo - 29/05

Um dos muitos sentidos do substantivo “constituição” é este: modo peculiar de ser das coisas. Modo único de ser de tudo o que existe, pois o fato é que nada é igual a nada. Tudo é absolutamente insimilar, aqui, neste planeta, e alhures. Daí que, já em sentido jurídico e grafada com a inicial maiúscula, Constituição signifique o modo juridicamente peculiar de ser de um povo soberano. Modo juridicamente estruturante de ser, entenda-se. Isso por veicular, ela, a Constituição, as linhas de montagem tanto do Estado quanto da sociedade, no âmbito territorial em que tal povo exerce a sua soberania.

Outro dado a considerar: essa espécie de Constituição (a originária) é habitualmente designada por sinônimos. Ora é chamada de Lei das Leis, ora deLex Maxima, ora de Magna Carta, ora de Código Político. Explico. Lei das Leis, por ser a única lei que o Estado não faz, e no entanto se faz de todas as leis que o Estado faz. Lex Maxima, pela sua hierarquia superior às demais leis do Estado, aqui inseridas as próprias emendas a ela, Constituição. Magna Carta ou mesmo Lei Fundamental, por consubstanciar os princípios e regras que fundamentam ou cimentam ou elementarizam a personalidade humana. Finalmente, Código Político, pela referida característica de estruturar com inicialidade o Estado e a própria sociedade. Perceptível que estruturar com inicialidade o Estado é fazê-lo com todos os órgãos elementares dele. Tanto o bloco daqueles órgãos concebidos para governar (Poder Legislativo e Poder Executivo) quanto o bloco daqueles que não governam, mas impedem o desgoverno (Polícia Judiciária, Ministério Público, Tribunais de Contas e Poder Judiciário, em especial).

Um outro sinônimo, todavia, ouso propor como dotado de préstimo instrumental para o melhor entendimento da Constituição. É a locução “Carta Mãe”. Isso porque toda Constituição originária é matriz de um Estado e de um Ordenamento Jurídico, ambos novinhos em folha. Mãe que jamais nasce sozinha, entretanto. O seu partejamento se faz acompanhar do partejamento da Ordem Jurídica em sentido objetivo e do Estado em sentido subjetivo. É como dizer: a Constituição parteja a si mesma e dá à luz, simultaneamente, Ordem Jurídica de um povo soberano. Dois nascimentos a um só tempo. Como sucede com toda mulher que se faz mãe pela primeira vez. Mulher que traz à vida cá de fora o seu bebê e ainda nasce enquanto mãe mesma. E nasce enquanto mãe mesma porque até então o que havia era tão somente a figura da mulher. Não propriamente a figura da mãe. Dando-se que a Ordem Jurídica é o rebento objetivo da Constituição, tanto quanto o Estado é esse mesmo rebento, mas numa acepção subjetiva.

Sucede, porém, que a Constituição é um tipo de mãe que jamais emancipa de todo o seu rebento. Este lhe deve obediência o tempo todo. Seja enquanto Ordem Jurídica, seja enquanto Estado. Noutros termos, a Constituição é mãe que nasce para conviver por cima, o tempo inteiro, com o seu filho. Compondo com ele um só Sistema de Direito Positivo ou, simplesmente, Sistema Jurídico. É o que se chama de princípio da supremacia da Constituição, para cuja irrestrita obediência ela concebe e monta um Sistema de Justiça, principalmente. Um Sistema de Justiça que, em dimensão federal, incorpora a Advocacia-Geral da União, os advogados privados, a Defensoria Pública e o Ministério Público da mesma União, tudo afunilando para o Poder Judiciário e, no âmbito deste, para o Supremo Tribunal Federal (STF). A Lei Suprema a ser definitivamente guardada por um Tribunal Supremo como penhor de segurança jurídica máxima.

É agora que vem o necessário link normativo: o Sistema de Justiça brasileiro não tem “fagocitado” (Wellington Lima e Silva) ou por qualquer forma traído o Sistema Jurídico igualmente brasileiro. Não tem resvalado para esse pântano da mais ignominiosa teratologia funcional e jamais poderia fazê-lo, pois sua legitimidade provém do sistema que o antecede. Uma coisa a se seguir a outra, necessariamente, numa típica relação de causa e efeito. O Sistema Jurídico enquanto causa, o Sistema de Justiça enquanto efeito. Mas um Sistema Jurídico de que faz parte a Constituição mesma, torno a dizer, na singularíssima posição de fonte, ímã e bússola do Direito Positivo que a ela se segue ou que nela se fundamenta.

Concluo. Tenho o domínio dessas elementares noções como imperioso para o entendimento do juízo de que os passos da chamada Operação Lava Jato não têm no Sistema de Justiça brasileiro um súbito e intransponível muro. Ao contrário, tal Sistema de Justiça operou como sua chave de ignição e, depois, passou a operar como segura ponte para decisões que devem ser tão objetivas quanto não partidárias. Não seletivas em face de ninguém nem de partidos ou blocos políticos, porque assim é que determina o Sistema Jurídico igualmente brasileiro. Sistema tão jurídico quanto serviente do princípio republicano de que “todos são iguais perante a lei”, nos termos da parte inicial da cabeça do art. 5.º da Constituição. Por isso que a regular continuidade dela, Operação Lava Jato, ganhou vida própria. Tornou-se um imperativo natural. Emancipou-se de quem quer que seja e se vacinou contra qualquer tentativa de obstrução ou estrangulamento. Venha de quem vier, individual ou coletivamente. Tudo porque essa regular continuidade ganhou status de depurado senso de justiça material do povo brasileiro. Questão de honra nacional. Símbolo de uma luminosa era que, deitando raízes no julgamento da Ação Penal 470 (prosaicamente conhecida por “mensalão”), acena com a perspectiva do definitivo triunfo da toga sobre o colarinho branco dos mais renitentes e enquadrilhados bandidos. Afinal, como oracularmente sentenciou Einstein, “quando a mente humana se abre para uma nova ideia, impossível retornar ao seu tamanho primitivo”.

Atire a primeira pedra - ELIANE CANTANHÊDE

O ESTADÃO - 29/05

A sensação é de que o Titanic está afundando, com gravações e delações atingindo tudo e todos: de um lado, os caciques e o PMDB de Michel Temer; de outro, ministros de Dilma Rousseff e o próprio ex-presidente Lula; no meio, o sempre citado tucano Aécio Neves. Ninguém pode atacar, todos precisam se defender. Ninguém tem motivos para comemorar, todos têm bons motivos para lamentar – e se preocupar.

O novíssimo delator Sérgio Machado fere Romero Jucá, Renan Calheiros e José Sarney, causando estragos no governo interino de Temer. E o reincidente Pedro Corrêa, que foi do mensalão ao petrolão, mira PT, PMDB, PP e PSDB, mas seu maior rombo é no governo afastado, ao comprometer Lula.

Pedro Corrêa beneficiou-se dos esquemas mais corruptos da República e conta na sua delação divulgada pela revista Veja que Lula gerenciou pessoalmente o esquema de corrupção da Petrobrás, não só impondo diretores corruptos, mas até garantindo a divisão da propina entre os partidos aliados – por exemplo, entre PP e PMDB.

Segundo Corrêa, o ex-presidente da Petrobrás José Eduardo Dutra relutava, mas Lula o obrigou a nomear Paulo Roberto Costa para uma diretoria, de onde seria o principal operador da roubalheira. Além de dar ordem direta para a nomeação, Lula teria mandado Dutra chantagear o Conselho de Administração, a quem compete ratificar nomeações de diretores: “Quero que você diga aos conselheiros que eu nomeei que, se o doutor Paulo Roberto não estiver nomeado daqui a uma semana, eu vou demitir e trocar esses conselheiros todos”.

José Dirceu foi condenado e preso pelo mensalão, está condenado e preso pelo petrolão e foi apontado pela Procuradoria-Geral da República, por ministros do Supremo e por parte da opinião pública como “chefe da quadrilha”. Mas há controvérsia. A delação de Pedro Corrêa põe mais dúvida nessa hipótese.

Bem fez o juiz Sérgio Moro em denunciar as tentativas de mexer em dois novos instrumentos fundamentais para o combate à corrupção: a delação premiada (confirmada por provas) e a prisão de condenados em segunda instância (e não mais só quando tramitado em julgado). Entre os pontos comuns entre PT e PMDB, além do governo Dilma, está este: parlamentares petistas apresentam projetos mudando as regras e caciques peemedebistas atacam esses avanços das investigações em conversas com Sérgio Machado. Legislando em causa própria...

Esses áudios e a queda de Romero Jucá do Planejamento ajudam a fragilizar Temer, mas, se ele não parece nenhuma fortaleza (nem um Itamar Franco), Lula não está em condições de acusar ninguém, articular uma cambalhota na votação do impeachment no Senado e muito menos capitanear um movimento nacional pela antecipação das eleições para presidente.

Aliás, o respeitado e competente Mozart Vianna, hoje na assessoria direta de Temer na Presidência, reage à tese lulista de “eleições já” e diz que não tem o menor suporte na realidade e no ordenamento jurídico do país. Segundo a Constituição, a população elege o presidente e seu vice e, se o presidente cai, o vice assume. Só é convocada nova eleição em caso de vacância – por renúncia ou morte.

“Não há hipótese legal de convocar eleições nem de instalar o parlamentarismo durante o atual mandato, que é de quatro anos. Qualquer mudança, só para os futuros mandatos”, diz Mozart, que foi secretário geral da Câmara e fundamental para vários presidentes da Casa.

Temer, professor de Direito Constitucional, fica mordido com a tese de que o impeachment é “golpe” e devolve, sem citar a palavra maldita, que convocar eleições é que não está previsto na Constituição. Seria uma ruptura constitucional e ruptura constitucional é que é golpe! Resumo da ópera: a alternativa legal é Temer ou Dilma. O resto está fora de cogitação – e fora da lei.

Delação a machadadas - PLÁCIDO FERNANDES VIEIRA

CORREIO BRAZILIENSE - 29/05

Nunca, na história do Brasil, tantos políticos e empresários corruptos tiveram tanto medo de um juiz e das investigações que desmantelaram o bilionário esquema de corrupção na Petrobras. Todos, sem exceção, execram Sérgio Moro e fogem do magistrado como o diabo foge da cruz. Também atacam o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. E lamentam a seriedade e a dificuldade de acesso ao ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no STF. É o que revelava, até o momento em que escrevia este texto na tarde de ontem, o teor das conversas gravadas entre Sérgio Machado, ex-senador e ex-presidente da Transpetro, e figurões da República, como Renan, Jucá, Sarney.

Apanhado pela Operação Lava-Jato, Machado virou delator e, ao que tudo indica até agora, prometeu entregar aliados que teriam envolvimento na maracutaia como forma de atenuar a própria pena. Nos áudios vazados até o início da tarde de ontem, não havia revelações capazes de implicar os três interlocutores com a roubalheira na Petrobras. Mas sugeria tramas para frear as investigações. Os estragos causados expuseram situações vexatórias. O primeiro e maior deles, até agora, impôs a imediata saída de Jucá do Ministério do Planejamento para não atrapalhar o governo Temer.

No entanto, nenhuma das conversas trazidas à tona é tão devastadora quanto a escuta telefônica, com autorização judicial, que flagrou Dilma enviando termo de posse a Lula, antes mesmo de ele assumir a Casa Civil, em março. "Só usa em caso de necessidade (...), tá?", diz a então presidente ao petista. O gesto foi interpretado como uma tentativa de obstrução da Justiça para evitar uma eventual prisão de Lula pelo juiz Sérgio Moro. O episódio acabou impedindo que o petista se tornasse ministro. No caso, a presidente não estava grampeada. Lula, sim, era o alvo da investigação. E ela acabou ligando para um celular usado por ele.

Também em delação premiada, Delcídio do Amaral, que era senador do PT e então líder do governo até ser preso pela Lava-Jato, acusa Dilma e Lula de agirem para obstruir as investigações. O refresco na memória é porque tem gente achando que as gravações das conversas de Machado são uma espécie de absolvição para Dilma e os petistas. Não são. Afinal, as investigações até o momento indicam para Lula como suposto chefe do esquema criminoso que envolvia PT, PMDB e PP. Indicam que políticos dos três partidos, e não apenas do PMDB, se empenharam ou estão empenhados em barrar a Lava-Jato. Os brasileiros que queriam Dilma fora e tampouco avalizavam Temer torcem agora para que todos os culpados sejam julgados e tenham a pena que merecem. Da direita à esquerda. Seja de que partido for.

Os grampos dos oligarcas e a Lava Jato - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 29/05

Quem se lembrar do que estava fazendo na manhã de 11 de março poderá entender melhor as conversas do doutor Sérgio Machado com os magnatas de Brasília. Era uma sexta-feira. No domingo, 3,6 milhões de brasileiros iriam às ruas pedindo a saída de Dilma e festejando o juiz Sergio Moro.

Enquanto acontecia a maior manifestação popular da história do país, algumas dúzias de maganos, quatro deles grampeados, armavam esquemas para "delimitar" a Lava Jato. Nas longas conversas com Sérgio Machado, Dilma deveria ir embora para que se pudesse construir um "acordão". Segundo Romero Jucá, "tem que mudar o governo para estancar essa sangria". Costuravam fantasias de palhaço para quem fosse para a rua com bonecos ou cartazes saudando o juiz Sergio Moro.

Nenhum dos notáveis grampeados foi capaz de dizer que as ladroeiras deveriam ser investigadas.

Pelo contrário. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, foi chamado de "mau caráter" por Renan. Deixando-se de lado as referências de Machado à mãe do procurador-geral, Jucá chamou o juiz Moro de "torre de Londres", para onde se "mandava o coitado para confessar". Segundo Sarney, ele persegue "por besteira".

Na véspera do primeiro grampo, num jantar em Brasília, Renan expusera as vantagens do "semipresidencialismo", uma arapuca tucana onde prenderam o pé do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Para a turma do grampo, o desastroso governo petista deveria ir embora, levando consigo o alcance da Lava Jato.

Naqueles dias eram dois os países. No das conversas de Brasília, armava-se o "acordão". No das ruas, selou-se o destino de Dilma Rousseff. Falta apenas que o Senado baixe a lâmina.

Quem foi para a rua tem todos os motivos para se sentir atendido. Os grampos de Sérgio Machado mostram que, por motivos opostos, Renan, Sarney e Jucá também foram atendidos. Jucá tornou-se ministro.

Como a Lava Jato não foi estancada, Machado tornou-se um grampo ambulante, agravando o pesadelo da oligarquia ferida pela mesma Lava Jato.


VACINA

Michel Temer dispõe de uma vacina capaz de imunizá-lo contra a radioatividade da Lava Jato.

Trata-se de seguir a fórmula que livrou o companheiro Obama de muitas maluquices da maioria republicana no Congresso.

Basta o presidente interino comunicar à maioria parlamentar pluripartidária assustada com com a operação: "Não aprovem nada que comprometa as atividades do Ministério Público e do Judiciário. Se aprovarem, eu veto".

BAIXARIA

Floriano Peixoto deixou o palácio do Catete e não deu posse a Prudente de Moraes. O general Figueiredo fez a mesma coisa em 1985 com José Sarney. Apesar da diferença de rituais, nenhum dos dois cometeu a grosseria de Dilma Rousseff com Michel Temer.

O vice-presidente encontrou apenas uma funcionária no seu gabinete. Até as secretárias foram levadas para o Alvorada. Ficou só uma jovem, que dias depois se foi.

Felizmente o PT poupou o novo governo do constrangimento imposto por assessores de Carlos Lacerda à equipe de seu sucessor, Negrão de Lima, em 1966. Em uma gaveta do palácio Guanabara havia cocô.

MADAME NATASHA

Madame Natasha diverte-se com o vocabulário dos políticos.

Durante o mandarinato de Dilma Rousseff identificava-se um petista de fé porque ele dizia (e diz) "presidenta".

Michel Temer ainda não completou um mês na cadeira e identificam-se as pessoas que têm poder (ou acham que têm), porque elas se referem ao "Michel". "Temer" é coisa para pobre.

BAFO DO DRAGÃO

É impossível impedir que alguns maganos saiam por aí dizendo que conversam com ministro do Supremo Tribunal Federal.

Duas bolas já bateram na trave, mas nada impede que um ministro se distraia, caindo na frigideira.

JANTAR

Na semana passada o presidente Michel Temer jantou com os três comandantes militares e o chefe do seu gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen.

BILHETERIA VIP

Pode ter parecido estranho que Vandenbergue Machado tenha aparecido numa conversas do senador Renan Calheiros. Afinal, ele trabalha na Confederação Brasileira de Futebol.

O cidadão, poderoso representante de Ricardo Teixeira, que não pode pisar nos Estados Unidos, e de José Maria Marin, que está preso em Nova York, era o anjo da guarda dos poderosos de Brasília sempre que eles precisavam de ingressos (grátis) para eventos esportivos.

NA MOSCA

Sérgio Machado sabe das coisas. Conversando com Renan Calheiros, fez uma comentário escatológico sobre o Supremo Tribunal Federal e previu: "Com essa mulher vai ser pior ainda".
Acertou. Em setembro, a ministra Cármen Lúcia assumirá a presidência do tribunal, com a faca nos dentes.

BOA MEMÓRIA

O ex-senador e ex-presidente José Sarney disse que "está implantada" a "ditadura da Justiça", que "é a pior de todas".

É um homem justo. A outra, que durou de 1964 a 1985, não lhe fez mal algum.

Na ditadura dos generais, a namorada do ex-governador paulista Adhemar de Barros tinha um cofre com mais de US$ 2 milhões. Boa parte vinha de empreiteiros. A organização em que militava Dilma Rousseff levou-o.

A ditadura que combatia a subversão torturando presos orgulhava-se de combater a corrupção. A namorada de Adhemar disse que o cofre estava vazio, os generais acreditaram e ninguém incomodou os financiadores da famosa "caixinha do Adhemar". Os empreiteiros eram gente de confiança.


Sérgio Machado e o duque de Caxias
Alguém precisa explicar ao doutor Sérgio Machado que o duque de Caxias nunca ajudou a resolver problemas de quadrilhas de larápios.

Conversando com Renan Calheiros, o ex-senador e ex-presidente da Transpetro expôs um dos braços de seu plano para sedar a Lava Jato. Nas suas palavras:

"Fazer um pacto de Caxias, vamos passar uma borracha no Brasil e vamos daqui para a frente".

Depois, na conversa com José Sarney, Machado prosseguiu em sua vivandagem:

"Fazer um grande acordo com o Supremo etc. e fazer a bala de Caxias para o país não explodir. E todo mundo fazer acordo porque (...) não sobra ninguém".

O doutor confundiu o papel de Caxias enfrentando rebeliões políticas durante o Império com seu imaginário da proteção contra a Lava Jato. Caxias sufocou três grandes revoltas e articulou a anistia dos Farrapos do Rio Grande do Sul. A ideia de que ele pudesse passar a borracha numa encrenca como a de hoje é apenas um sonho das vivandeiras do século 21.

Pelo contrário, por motivos políticos, Caxias prendeu um ex-governante do país. Em 1842, depois de sufocar uma rebelião paulista, deteve o padre Diogo Feijó, que fora o regente do Império de 1835 a 1837. O padre, grande figura de sua época, a respeito de cuja honorabilidade jamais se disse uma palavra, escreveu-lhe: "Quem diria que, em qualquer tempo, o sr. Luís Alves de Lima seria obrigado a combater o padre Feijó? Tais são as coisas deste mundo..."

Caxias respondeu-lhe: "Quando pensaria eu, em algum tempo, que teria de usar da força para chamar à ordem o sr. Diogo Antônio Feijó?"

Operação suja a jato - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 29/05

Na mais recente turbulência política provocada pela divulgação de conversas para lá de embaraçosas de três “capas-pretas” do PMDB, um detalhe chama especial atenção: nenhum dos personagens estimulados a dizer o que não deveriam ao gravador de Sérgio Machado se animou a reclamar em público pelo fato de terem servido de cobaias na coleta de material para uma delação premiada.

Romero Jucá, José Sarney e Renan Calheiros aludiram à inadequação do “contexto” dos trechos divulgados, negaram intenções escusas por trás das palavras obscuras, mas não impuseram reparos nem qualificaram como traiçoeiro o ato do ex-presidente da Transpetro ali sustentado pelo partido por 12 anos consecutivos. Com a anuência e o aval do PT, o dono da bola nesse período.

Ao menos os três tiveram o bom senso de não invocar o argumento da perseguição política, da conspiração ou coisa que valha. Escolados e escaldados preferiram por ora aguardar os acontecimentos sem maiores precipitações. Não cutucaram a fera ferida nem fizeram acusações aos investigadores, aos promotores que negociaram a troca de informações ou ao ministro Teori Zavascki que homologou a delação.

Nisso, se diferenciaram (sem ilações de que nisso resida mérito, por favor) dos petistas, cuja prática de atacar o mensageiro equivale a sistemáticas assinaturas de recibos, além de levá-los a desmentir as próprias versões. Um exemplo foi a reação de Dilma Rousseff à conversa em que Romero Jucá sugere que o impeachment da presidente daria conta de “estancar essa sangria”.

Dilma e os companheiros de partido de imediato atribuíram ao diálogo a condição de “prova” da conspiração para derrubá-la, que nada teria a ver com o crime de responsabilidade ora em exame na comissão especial do Senado. Quer dizer, a mandatária afastada não respeita delator, mas tem o maior respeito pelas gravações feitas por Sérgio Machado na busca de sua delação. Do mesmo modo, o PT desqualifica o teor de gravações e depoimentos que implicam seus correligionários, mas qualifica o método quando o atingido é o adversário.

E cessam por aí as diferenças, pois algo mais forte os iguala: o desejo de que a operação fosse lavada da face da terra. O pitoresco da história é que as urdiduras dos referidos poderosos resultam em rigorosamente nada. Tão influentes e, ao mesmo tempo tão impotentes diante de um cenário que desconheciam, embora já tivessem tido dele uma amostra na CPI dos Correios que sustentou a denúncia da Procuradoria-Geral da República, que virou processo no Supremo Tribunal Federal e resultou na condenação de gente que se imaginava diferenciada.

Desde então, e agora mais do que nunca, o ambiente exige respeito, já dizia Billy Blanco em seu Estatuto da Gafieira. As gravações, por enquanto, não expuseram crimes. Não foram, porém, sem efeito. Mostraram ao País a discrepância entre o que dizem em público nossas autoridades e o que falam no recôndito da privacidade. Oficialmente todos eles são defensores da Lava Jato. No paralelo, contudo, revelam horror ao cumprimento da lei e à independência dos Poderes. Nutrem especial repúdio à conduta correta de servidores.

Ao ponto de um ex-presidente da República, como José Sarney, considerar que o Brasil vive uma “ditadura da Justiça”. No mínimo uma contradição em termos.

Ainda que as inconfidências de suas excelências não venham a lhes render punições mais graves, já serviram para pôr abaixo a pose de distinção que assumem diante de um microfone e a inconsistência das bravatas cometidas nos conchavos. E de novo recorrendo a Billy Blanco, desta vez com A Banca do Distinto, encerremos: A vaidade é assim/ põe o bobo no alto e retira a escada/ mas fica por perto esperando sentada/ mais cedo ou mais tarde ele acaba no chão.

Cenário intermediário - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 29/05

O cientista político Octavio Amorim Neto, professor da EBAPE/FGV, escreve no Boletim Macro do IBRE-FGV de maio uma análise com três cenários possíveis para o governo Michel Temer, onde destaca a maior possibilidade de um cenário intermediário prevalecer. No otimista, a ampla coalizão interpartidária formada logra dar-lhe uma estável maioria legislativa superior a 60% da Câmara e do Senado, o que lhe permitiria aprovar cruciais reformas constitucionais, como por exemplo, a da Previdência Social.

Para Octavio Amorim Neto, nesse cenário positivo, a política econômica deverá satisfazer as expectativas do mercado, “gerando um choque de credibilidade à la Macri na Argentina”. O novo presidente aproveita a curta lua de mel que terá para propor reformas que apontem rumo à estabilização da economia e à retomada do crescimento a médio prazo.

Fundamental para a materialização do cenário otimista, ressalta Amorim Neto, “é o não envolvimento do novo presidente na Lava-Jato. O contrário seria simplesmente devastador”. Além disso, o processo de impugnação da chapa Dilma-Temer não pode prosperar no TSE. Temer deve também saber se distanciar de Eduardo Cunha e lidar de maneira rápida e íntegra com os ministros que venham a ser denunciados em casos de corrupção.

O cenário otimista requer também que o PT e os movimentos sociais não consigam deslegitimar e desmoralizar a nova presidência de Temer. “Será muito importante que o novo governo saiba lidar com os protestos de rua que aqueles atores certamente organizarão”.

Para tanto, analisa Amorim Neto, Temer deverá utilizar com destreza seus principais ativos: sua moderação e sua paciência, o lastro que lhe dá sua base estadual paulista, sua influência sobre o PMDB e seu conhecimento de direito constitucional. Além disso, para manter unida sua coalizão governativa, precisará emitir sinais que deem credibilidade à promessa de não se candidatar à reeleição em 2018, reassegurando o PSDB, e saber satisfazer e, simultaneamente, dar claros limites à poderosa direita varejista (PSD, PP, PR, PTB e PRB) presente em sua administração.

“Ou seja, a chave para o cenário otimista é a criação de um bom ambiente negocial que facilite a implementação de amplas reformas econômicas”. Sob esse cenário, o PIB começa a ressuscitar no segundo semestre, e, em 2017, a popularidade de Temer inicia uma trajetória ascendente. Adicionalmente, nessa análise de Amorim Neto, o PMDB e seus aliados têm um desempenho aceitável nas eleições municipais de outubro de 2016.

Já no cenário intermediário, verifica-se um começo caótico como o da presidência de Itamar Franco em 1992. Temer encontra grandes dificuldades para imprimir uma ação coerente aos ministros e solidificar sua base parlamentar. “Consequentemente, o apoio político do governo no Congresso não será tão grande quanto o esperado sob o cenário otimista, mas o novo presidente logra, pelo menos, formar uma maioria absoluta”, analisa Amorim Neto.

De maneira complementar, o receio da queda de mais um chefe de Estado estimula a cooperação interpartidária na aprovação de apenas algumas medidas importantes para enfrentar a crise econômica. Tal como sob o cenário otimista, Temer não é envolvido na Lava-Jato, nem o processo de impugnação da chapa Dilma-Temer prospera no TSE. O PT e os movimentos sociais tentam deslegitimar o governo, mas são enredados em suas contradições e enfraquecidos pelo fracasso do governo Dilma.

“Um desempenho frustrante, mas não desolador, caracteriza o resultado do PMDB e dos seus aliados no pleito municipal de 2016. Ao fim e ao cabo, Temer consegue se equilibrar, mas sem ter força política suficiente para avançar com amplas reformas”. Nesse caso, a economia apenas sai da UTI, e Temer vai capengando até o final de 2018.

Por último, o cenário pessimista de Amorim Neto implica a reiteração do padrão verificado sob Dilma, isto é, “uma mistura explosiva de paralisia decisória, rejeição do governo pelo eleitorado e contaminação mútua entre crise política e crise econômica”.

Na análise, o envolvimento do alto escalão do governo em escândalos de corrupção, seguido de respostas equivocadas pelo presidente, ajudam a piorar o cenário, e a oposição se revela vigorosa no Congresso e nas ruas, gerando uma aguda crise de legitimidade para o Executivo. O atoleiro econômico continua, levando, em consequência, Temer à renúncia ou à destituição.

Para Octavio Amorim Neto, a essa altura, é difícil crer na prevalência do exigente cenário otimista. Entretanto, é duvidoso que Temer caia. Assim, ele acredita que o cenário intermediário parece ter a mais alta probabilidade.

Aposta nas privatizações - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 29/05

A decisão do governo do presidente em exercício Michel Temer de encarar, sem subterfúgios, as dificuldades para resolver, de uma vez por todas, o tão acalentado programa de privatizações na área de infraestrutura, vem sendo aplaudida nos mais variados setores da sociedade. Ao tomar a iniciativa de criar um órgão para cuidar do setor diretamente ligado à Presidência da República, abre-se o caminho para que as concessões em setores estratégicos não fiquem adormecidas nas gavetas da burocracia estatal.

Com a criação do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), por meio de medida provisória, o Palácio do Planalto estabelece que todas as decisões relativas às concessões para a exploração de bens públicos serão tomadas por um colegiado composto pelo próprio presidente da República, cinco ministros e o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Essa medida não deixa dúvida de que a meritocracia prevalecerá em substituição às tão criticadas indicações político-partidárias, que eram a praxe nos dois governos do Partido dos Trabalhadores (PT). Para citar apenas um caso, as agências reguladoras tiveram as diretorias ocupadas por petistas ou simpatizantes nos últimos anos, o que em nada contribuiu para o esperado funcionamento desses órgãos de fiscalização. Agora, a expectativa é de que prevalecerá a competência e o profissionalismo.

O novo modelo para promover as concessões permitirá ao BNDES criar o Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias, que terá autonomia para contratar empresas, entidades e profissionais para a confecção de estudos prévios de viabilidade, obrigatórios para as concessões. No passado, o BNDES tentou implantar um modelo semelhante em parceria com bancos privados, a Empresa Brasileira de Projetos (EBP), mas esbarrou na má qualidade dos projetos apresentados.

O maior desafio a ser enfrentado é a falta de projetos de qualidade, o que bloqueia a liberação de empréstimos pelo sistema financeiro às empresas interessadas em disputar as concessões. Com o PPI, o governo espera equacionar essa questão e deslanchar o programa de privatizações de uma vez por todas. Sem dinheiro em caixa, com uma dívida astronômica e com a economia sofrendo um choque de arrumação, o programa de privatizações, em boa hora, merece a atenção necessária do Palácio do Planalto.