domingo, setembro 24, 2017

Os coxinhas LGBT - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA

O mercado de causas sociais, sexuais e raciais virou uma praga, lucrativa nos balcões eleitorais



O Brasil tinha 200 milhões de técnicos de futebol, mas eles mudaram de emprego. Agora são 200 milhões de fiscais ideológicos. Todos prontos para dar carteiradas solenes a cada esquina do espectro esquerda x direita – ou seja, no mundo da lua. O circo sangrento está animado (a guerra é de ketchup, mas impressiona) e o caso da exposição do Santander espirrou sangue cenográfico por todo lado. Naturalmente, como sempre ocorre por aqui, a polêmica soterrou o que interessa.

A decisão dos organizadores de suspender o evento em Porto Alegre, após protestos contra uma suposta catequese homossexual no universo infantil (ou algo assim, tanto faz), virou festa para moralistas e demagogos – que foram feitos uns para os outros. Um falso profeta da liberdade de expressão reza todos os dias para topar com um plantonista decrépito da moralidade familiar, e vice-versa. Quando se dá essa conjunção mágica, ambos sacam radiantes seus estandartes e panfletos, capricham na coreografia para delírio dos respectivos fiéis e voltam para suas tocas de barriga cheia. É bom para todo mundo.

Menos para o pessoal do outro mundo – um que fica bem abaixo da lua. Esse aí não está achando a menor graça no debate do caso Santander, porque sabe que direita x esquerda é um dilema mentiroso, feito para esconder a covardia intelectual sob etiquetas sem nada dentro. Claro que quem quiser detestar e boicotar tem todo o direito de fazê-lo, assim como quem quiser expor e adorar a bizarrice que seja, chamando ou não de arte, também tem. E chega de perder tempo com lições primárias. O papo é outro.

O que interessa da reação à exposição Queermuseu é a crítica ao arrastão mercadológico das pautas politicamente corretas. Minoria defendia sua avó. O movimento gay eclodiu em San Francisco há meio século. Qualquer ativista sério da causa homossexual nos dias de hoje acha ridículo quem usa orgulho gay para se fantasiar de vanguarda. Estes são os coxinhas LGBT. E essa mercantilização de causas sexuais, raciais e sociais virou uma praga – um tsunami de butique altamente lucrativo nos balcões eleitorais, comerciais, de marketing e de reputações, invariavelmente atrapalhando a defesa da própria causa original.

Aí vem o outro batendo no peito e dizendo que era um grande banco realizando a exposição com dinheiro público, “o meu dinheiro” etc. Ok, companheiro, mas a má notícia é que nessa pornografia o buraco é mais embaixo: fique à vontade para reclamar, de boca cheia (com todo o respeito), do uso do dinheiro privado também. Traduzindo: a praga politicamente correta dominou as oportunidades de mercado, produzindo uma fenomenal hegemonia da burrice.

Do autor de telenovela ao dono da emissora, do patrocinador esportivo ao pesquisador universitário, passando pelo vereador e pelo camelô da esquina, todos sabem que projeto com proselitismo coitado é vendedor. O enésimo recital de pieguice racial ou sexual, que pelo teor demagógico já é em si uma afronta à própria vítima que finge defender, está fadado ao sucesso. Não tem erro. Sim, é assustador – assustadoramente real. O pobre coitado do marketing do Santander não tinha dúvidas de que convidar crianças recém-alfabetizadas para uma imersão estética pansexual era o melhor que ele fazia por seu emprego.

O tiro saiu pela culatra – e é claro que oportunistas dos dois lados estão na sua guerra sangrenta de ketchup discutindo se foi censura ou se foi uma ofensa à família brasileira. Mas o banco e o mercado, que nada têm a ver com a dicotomia dos lunáticos, estão convidados a entender esse boicote agressivo e surpreendente como o que ele de fato foi, acima de tudo: uma reação de saturação a uma doutrinação idiota, que finge afirmar valores nobres para vender seu peixe.

É a mesma malandragem que queria retocar a obra de Monteiro Lobato por suposta luta contra o racismo – o que os libertários de porta de assembleia não viram como censura, claro, mas como libertação. O truque ficou velho, companheiros, e cada vez mais gente perceberá que seu falso heroísmo não ajuda em nada os negros, os gays e quem mais vocês pasteurizam.

O grande ato de respeito à diferença que se espera do Brasil no momento é quebrar a espinha do totalitarismo politicamente correto.


Juro baixo à frente - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 24/09

O Banco Central (BC) divulgou na quinta-feira da semana que passou o Relatório Trimestral de Inflação, o famoso RTI. Nesse documento, o BC divulga suas principais projeções e sua análise do cenário macroeconômico doméstico e internacional, que pautam as ações do órgão regulador do sistema financeiro e tutor da estabilidade monetária.

O item mais aguardado do RTI são as simulações que o BC apresenta, considerando diversos cenários, para a inflação futura.

Nessa edição do RTI o Banco Central inovou, aumentando muito a transparência do relatório. Corajosamente, o BC divulgou suas projeções para um horizonte muito mais longo do que habitualmente fazia. Em vez dos nove trimestres habituais, o horizonte de projeção foi alongado para 14 trimestres.

Para o cenário de mercado -que é aquele que considera taxas de câmbio e taxa Selic segundo as previsões da pesquisa Focus (levantamento conduzido semanalmente pelo BC com analistas de mercado)-, o relatório indica que a inflação (sempre acumulada em 12 meses) estará em 3,6% no terceiro trimestre do ano que vem e, em seguida, estabilizar-se-á em torno de 4% até o fim de 2020.

Dado que a pesquisa Focus indica Selic para o biênio 2019-2020 em 8%, os modelos do Banco Central já trabalham com juro neutro -aquele que nem eleva nem reduz a inflação- na casa de 4% ao ano. É um enorme avanço para o país, visto que até alguns anos atrás as estimativas sinalizavam valores mais próximos de 6% ao ano.

Há nessa queda do juro neutro uma melhora real e duas promessas.

A melhora real é a forte queda das taxas de juros internacionais.

Esse é um fenômeno que ocorre desde o fim dos anos 80, pelo menos, e que em seguida à crise das hipotecas americanas de baixa qualidade, de setembro de 2008, acelerou-se. A economia brasileira
-aberta e necessitada de capitais internacionais para fechar sua carência doméstica de poupança- se beneficia do excesso de poupança vigente no mundo.

A primeira promessa é a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) que estabeleceu um teto ao crescimento do gasto público. Essa mudança de regime fiscal alterará completamente o impacto do setor público sobre a demanda agregada da economia.

Após duas décadas e meia em que sistematicamente o setor público adicionava pressão sobre a demanda agregada e, portanto, pressionava a formação dos juros, teremos uma alteração de rota.

A segunda promessa é a aprovação da lei que transferiu ao Congresso Nacional o poder de conceder subsídios ao investimento nas operações do BNDES.

A nova taxa de juros criada pela lei 13.483, de 21 de setembro de 2017, é um grande passo para convergirmos para um regime de juros reais de equilíbrio mais baixos. É um primeiro grande passo para mudar totalmente o regime de nossa política parafiscal.

A reforma da Previdência e, provavelmente, algumas medidas para a elevação da receita completarão o ajuste fiscal necessário para que nós consigamos perenizar as boas projeções do RTI e -por que não?- consigamos criar as condições para juros ainda menores. Este será o principal desafio do presidente que for eleito em 2018.

Os juros não são altos porque os banqueiros conspiram. Juros baixos resultam de anos de política econômica sólida e fiscalmente responsável. Oxalá a sociedade escolha esse caminho no processo eleitoral do ano que vem.

Fora da UTI, a economia enfrenta o risco político - ROLF KUNTZ

ESTADÃO - 24/09

Devagar, o País volta a se mover com o mundo, mas há o perigo dos populistas e salvadores


Depois de afundar 7,2% em dois anos, na pior recessão registrada nas contas nacionais, o Brasil, ainda em convalescença, poderá avançar 0,7% em 2017 e 2,2% em 2018, segundo as novas projeções do Banco Central (BC), apresentadas em seu relatório trimestral de inflação. Bom augúrio, nesta altura, é qualquer estimativa acima de 0,5%, expectativa anunciada no relatório anterior, em junho. Na onda de otimismo, com previsões de 0,6% para 2017 e 1,6% para o período seguinte, entrou também o pessoal da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esses números podem justificar a queima de alguns foguetes: se validados pelos fatos, confirmarão a saída do País da UTI.

A sequência deve ser outra história, ainda obscurecida tanto pela fragilidade estrutural da economia brasileira, depois de muitos anos de erros e desmandos, quanto pela incerteza associada a fatores políticos. A recuperação do País parece quase nada quando se leva em conta o desempenho da maior parte do mundo. A economia global deve crescer 3,5% neste ano e 3,7% no próximo, segundo a OCDE. Para os Estados Unidos, os cálculos apontam 2,1% e 2,4% nestes dois anos. Para a zona do euro, 2,2% e 2,1%. Para a China, em reestruturação, 6,8% e 6,6%. Para a Índia, atualmente o mais dinâmico dos emergentes, 6,7% e 7,2%. Para a Rússia, recém-saída de uma recessão, 2% e 2,1%.

Nesse quadro de recuperação sincronizada, o Brasil aparece como patinho feio, mas menos feio que nos anos anteriores. Há mais de uma razão para essa melhora. A inflação em surpreendente padrão de Primeiro Mundo – 2,5% nos 12 meses até agosto – é uma delas. Se nenhuma grande surpresa acontecer, os preços deverão subir um pouco mais velozmente entre 2018 e 2020, de acordo com as estimativas do mercado e do próprio BC. Mas o ritmo será pouco superior a 4%, bem menos intenso que o observado entre 2010 e 2016.

De toda forma, nem a comparação com os latino-americanos parece animadora, quando se trata de dinamismo. Para 2017 e 2018, os economistas da OCDE projetam crescimento de 2,5% e 3,1% para a Argentina, 1,6% e 2,8% para o Chile, 2,2% e 3% para a Colômbia e 1,9% e 2% para o México. Há pouca novidade nesse quadro. A economia brasileira tem crescido menos que a de outros latinos, incluídos Paraguai e Peru, há muitos anos.

Foi assim durante todo o período da presidente Dilma Rousseff. A Venezuela, hoje sem condições até de aproveitar seu enorme potencial de produção de petróleo, continua a desmilinguir-se. Não se vê, ainda, um ponto de virada na trajetória da recessão e da inflação. A Argentina mudou de rumo, com a saída dos Kirchners, mas até há pouco tempo era um dos párias da região. Há dois anos, numa entrevista coletiva em Lima, um diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI), comentando a melhora dos indicadores econômicos do Paraguai, apontou a vizinhança como um dos principais fatores de risco para o país. Os vizinhos inconvenientes, é claro, eram as duas maiores economias do Mercosul.

Essas duas economias haviam sido arrasadas por uma quase inimaginável coleção de erros e desmandos. A aliança do petismo com o kirchnerismo emperrou os planos de integração global do Mercosul, aumentou o protecionismo externo, criou barreiras comerciais intrabloco, favoreceu a acomodação de setores pouco empenhados em competir e apoiou, na região, os governos mais propensos ao populismo e ao autoritarismo. Internamente, os participantes dessa aliança desataram a irresponsabilidade fiscal, devastaram as finanças públicas, travaram a modernização produtiva e fabricaram inflação e estagnação.

Na Argentina, as estatísticas oficiais foram simplesmente deformadas e falsificadas. No Brasil, o governo tentou intervir diretamente nos preços, de forma voluntarista, para disfarçar as pressões de alta. Prejuízos de muitos bilhões para a Petrobrás e enorme desarranjo financeiro para empresas do setor elétrico foram algumas das consequências. Esses erros também produziram efeitos fiscais. O Tesouro brasileiro acabou envolvido no socorro bilionário às elétricas. No fim, o remédio foi mesmo corrigir as tarifas. A liberação dos aumentos, depois da longa repressão, produziu enorme impacto inflacionário.

O retorno à mera normalidade é hoje o programa oficial no Brasil e na Argentina. Tanto pela volta ao crescimento quanto pelas políticas de ajuste, os dois países agora se aproximam dos padrões internacionais de sanidade econômica. Mas a mudança apenas começou e no Brasil os fundamentos são fracos e inseguros.

Esse dado é conhecido internacionalmente, embora menosprezado por muita gente em Brasília. O último relatório da OCDE sobre crescimento internacional enfatiza a importância dos programas de ajuste e reformas para a consolidação, no Brasil, de uma nova fase de crescimento.

Não se trata de uma questão ideológica, mas física e aritmética. A mudança demográfica, a educação muito abaixo dos padrões internacionais e a inadequação dos investimentos – insuficientes, mal planejados, mal administrados, superfaturados e ineficientes, na área pública – são componentes indisfarçáveis desse quadro.

Retirado o País da UTI, a fase seguinte dependerá da consolidação dos fundamentos – com reformas previdenciária, tributária e orçamentária, pelo menos – e de ações para aumentar a produtividade, a competitividade e o potencial de crescimento. Sem isso esse potencial deverá ficar, segundo as estimativas correntes, na vizinhança de 2%, taxa projetada para o aumento do produto interno bruto (PIB) nos próximos anos.

O Brasil, nesse caso, terá voltado a se mover, mas continuará correndo no pelotão dos mais lentos e condenado à mediocridade. Não se pode, no entanto, descartar uma hipótese pior, se a campanha de 2018 for dominada por populistas de qualquer coloração e salvadores improvisados.

Boicote ao avanço - FLÁVIO ROCHA

O GLOBO - 24/09
Ação de entidades de magistrados da Justiça do Trabalho, a serviço de ideologia de esquerda retrógrada, tenta descumprir a nova lei trabalhista

A reforma trabalhista, que entrará em vigor em novembro, corre o risco de ter seu impacto positivo no mercado diluído por ações que procuram sabotar o seu espírito, de valorizar o emprego e a livre-iniciativa dos trabalhadores.

Essa decisiva conquista, obtida pelo trabalho obstinado do deputado Rogério Marinho e de amplos setores da sociedade, pode, segundo o Banco Mundial, fazer o Brasil galgar mais de 30 postos no ranking de competitividade do Doing Business. A imprensa tem noticiado, embora sem o destaque devido, a ação de entidades de magistrados da Justiça do Trabalho que, a serviço de ideologia de esquerda retrógrada, tentam descumprir a nova lei trabalhista.

Reportagens já flagraram a circulação de cartilhas que subsidiam decisões para que a lei seja ignorada. Juízes são instruídos a boicotar a legislação nesses panfletos, que citam “princípios constitucionais de valorização do trabalho”, como se eles não estivessem contemplados na reforma. Ou são doutrinados a apelar a supostas normas internacionais que se sobreporiam à reforma.

É cristalino que essa elite burocrática encastelada no poder resiste a abrir mão de benefícios amealhados no passado. Sim, porque se há um interesse defendido nesse embate é o de promotores e juízes, e não dos trabalhadores.

Em vez de enfrentar de peito aberto o debate, argumentando perante o STF, preferem a vereda antidemocrática de boicotar na surdina uma reforma que foi aprovada pelos representantes do povo no Congresso.

A reforma trabalhista coloca o país na rota da modernidade na questão da relação entre capital e trabalho. Trata-se de uma dicotomia que não faz mais sentido no estágio em que se encontra o capitalismo, com garantia de direitos a todos. O discurso do “nós contra eles” definitivamente caducou. O conflito que se coloca agora é dos produtivos contra os parasitas.

Permito-me mencionar um caso em que sou parte interessada apenas como exemplo desse nocivo modus operandi. A empresa de confecções Guararapes, da qual sou acionista, tem sido vítima de perseguição de uma procuradora do Ministério Público do Trabalho. O último ato de sua cruzada foi mover uma ação contra a empresa, com sede no Rio Grande do Norte, exigindo o pagamento de multa milionária.

A promotora não prejudica a Guararapes, ao contrário do que imagina. A empresa simplesmente passou a fabricar em outros estados e países. Os prejudicados de verdade são os integrantes da extensa cadeia produtiva do Rio Grande do Norte, de tecelões a costureiras, de operadores de call center a motoristas de caminhão, de caixas a vendedores.

Não sou eu que digo. É a sociedade, do sindicato dos trabalhadores ao governador do estado, do micro empreendedor a políticos de um amplo espectro de partidos. No último sábado, centenas de pessoas reunidas no ginásio esportivo de Seridó tinham uma única mensagem à Justiça do Trabalho: “Deixe-nos trabalhar!”.

Assino embaixo: o Brasil e os trabalhadores não podem mais ficar à mercê de interesses que não resistem à luz do dia.

Flávio Rocha é presidente da Riachuelo

O mau exemplo - GUSTAVO FRANCO

ESTADÃO - 24/09

Autoridades calibraram gastos pensando que o petróleo ficaria em US$ 100 para sempre



O engarrafamento monstro em São Conrado se formou rápido e inesperado. Preciso cruzar o túnel para chegar à universidade, mas está tudo parado. À minha volta há utilitários com turistas vestidos como se estivessem num safari (é o “tour” das comunidades), ônibus de vários tamanhos fretados em funções relacionadas ao Rock in Rio, moradores contrariados de todos os tipos, e ambulantes em número crescente, indicando que nada vai andar.

É muito movimento para uma manhã de sexta-feira, deve haver algum incidente, e logo percebo uma vasta quantidade de carros de polícia, esbaforidos na contramão, com sirenes no máximo e armamento pesado vazando pelas janelas. A Rocinha está em guerra, pode-se ouvir os tiros, ou não, qualquer barulho parece assustador, a tensão é gigntesca.

Assim começa o primeiro dia da primavera de 2017 na Cidade Maravilhosa.

Dia bonito, 28 graus de temperatura, praias com bom comparecimento, mas eu me lembro dos versos de Fernanda Abreu: “Rio quarenta graus, cidade maravilha purgatório da beleza e do caos”. Lembro também de uma fala ferina e precisa de Elizabeth Bishop, que sempre ocorre aos cariocas de mau humor: “O Rio não é uma cidade maravilhosa. É apenas um cenário maravilhoso para uma cidade”.

Na verdade, é o caso de ir além: essa mania carioca de exaltar as belezas do Rio acabou se tornando um álibi, um mecanismo psíquico que produz complacência e displicência no trato da cidade tal como feita pelos homens.

A cidade tem de ser maravilhosa em razão do que fizermos com ela, e não apenas pelas dádivas da natureza que, sobretudo por omissão, temos nos empenhado em destruir. O que diria Ms. Bishop, que viveu na cidade nos anos 50, se visse a Baía de Guanabara em 2017?

No estado atual das coisas, não há meias palavras, o Rio é um desastre autoinfligido.

Ouvi de uma autoridade a expressão “falência múltipla” e mesmo “metástase” para descrever onde estamos. Como ocorre com os desastres aéreos, o do Rio resulta de muitos erros e azares acumulados, além de uma soma improvável de irresponsabilidades praticadas por governantes desonestos.

É claro que a recessão nacional e o preço do petróleo explicam um pedaço do problema, mas a pior parte foi as autoridades locais calibrarem despesas pensando que o petróleo fosse ficar em US$ 100 para sempre, que a produção e os royalties iam se multiplicar pela eternidade e que a Petrobrás ia continuar investindo US$ 40 bilhões todo ano. Os erros foram em cadeia, e nesse assunto vislumbro muitos sentidos na expressão “cadeia produtiva”, unindo a Petrobrás, seus fornecedores e respectivos prestadores de serviços.

As ilusões provocadas pelo pré-sal assomaram o governo federal, mas o Rio viveu esse delírio do lulopetismo como nenhuma outra região do País, e no que tinha de pior. Nesta semana que passou, o ex-governador do Estado foi condenado a 45 anos de prisão. Não é extraordinário o poder do exemplo? Não estariam as autoridades locais apenas reproduzindo em escala menor o modus operandi dos esquemas comandados por Brasília?

Se o poder do exemplo é assim tão grande, a boa notícia é que o problema do Rio é mais geral. Mas, pensando bem, não sei se é uma boa notícia.

Na verdade, considerando números do Tesouro Nacional de 2016, existem apenas três Estados da Federação com dívidas maiores que 200% da sua receita: Rio, Minas e Rio Grande do Sul. A média nacional é pouco abaixo de 70%. Esses três Estados são os únicos com despesas de pessoal consumindo mais de 70% das receitas e com caixa negativo, ou seja, pagamentos atrasados. O Rio Grande do Sul teria “atrasados” correspondentes a 42% da sua receita e o Rio algo como 24% ao fim de 2016. Deve estar bem pior agora, e, aliás, há imprecisão nesses números, como reconhece o próprio Tesouro.

O fato é que parece existir um efeito borboleta nas bobagens praticadas em nível federal, sempre imitadas de forma mais grotesca na esfera subnacional. Pedaladas fiscais, propinas em contratos com a Petrobrás e quadrilhas de políticos não deveriam gerar brigas de bandidos nas comunidades cariocas, ou será que geram?

* EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS.

Plano mirabolante - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 24/09

PT agora ameaça partir para o boicote da eleição de 2018, caso Lula não possa concorrer por impedimento judicial


Sem vocação para aceitar as regras do jogo quando sabe que vai perder, o PT agora ameaça partir para o boicote da eleição de 2018, caso o chefão Lula da Silva não possa concorrer por impedimento judicial, e dessa forma criar um clima de “convulsão social” e “guerra civil”, conforme as palavras de alguns de seus integrantes mais animados.

Essa ameaça já estava mais ou menos explícita nos slogans da campanha petista em defesa do demiurgo de Garanhuns: “Eleição sem Lula é fraude” e “Eleição sem Lula é golpe”. Ao considerar que a eleição sem o ex-presidente é fraudulenta por princípio, parece lógico que o PT dela não queira participar. Do contrário, seria uma forma de corroborar o tal “golpe”.

É uma pena que essa conversa seja apenas para boi dormir. Se houvesse a menor possibilidade de o PT abandonar voluntariamente a disputa eleitoral, não há dúvida de que a grande maioria dos brasileiros, cansada de tantos anos de empulhação petista, daria a maior força. O País sairia ganhando com a aposentadoria eleitoral dos que transformaram a política em rinha de galos, dividiram a sociedade em “nós” e “eles”, consideram democrático e legítimo somente um governo chefiado por algum petista e tudo fizeram para destruir a economia com suas ideias pré-cambrianas sobre como promover o desenvolvimento nacional. E lotearam a administração pública, que passou a ter donos.

Infelizmente, a ideia de difundir a ameaça de boicote é apenas parte de mais uma intrujice petista, destinada a tentar salvar a pele de Lula, diante da cada vez mais evidente possibilidade de que o capo seja condenado em segunda instância por corrupção e, conforme a lei, não possa disputar a eleição. Ao colocar a ideia na rua, a cúpula petista pretende apenas fazer chantagem.

“O que estamos denunciando é que o impedimento de Lula seria uma fraude nas eleições. (O boicote) é uma coisa que não está sendo oficialmente discutida ainda, mas vai caminhar para isso se ele for impedido de ser candidato. É um processo que não tem base jurídica”, afirmou a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, em entrevista à BBC Brasil.

Os petistas já consideram o caso de Lula praticamente liquidado nas instâncias inferiores do Judiciário, restando, portanto, apelar para o Supremo Tribunal Federal. É ali que o partido espera travar a batalha política pelos votos que colocariam Lula na disputa presidencial. A chantagem é clara: se Lula não puder concorrer, os petistas ameaçam incendiar o País, deixando de concorrer na eleição para todos os cargos em disputa em 2018. “Não é colocar a faca no pescoço dos ministros nem de ninguém, mas (a intenção) é alertá-los sobre a gravidade dessa situação para a democracia brasileira. É algo que nos questiona como país democrático, como economia, internacionalmente é péssimo”, disse Gleisi.

Seria estarrecedor se ministros do Supremo, coagidos por essa ameaça de violência, se rendessem à tese de que um réu não pode ser condenado simplesmente porque seu partido político o considera inocente, razão pela qual entende que não cabe à Justiça dizer se ele pode ou não ser presidente da República.

Ademais, a ameaça de boicote petista muito provavelmente jamais será levada adiante, pela simples razão de que o PT, já combalido depois da surra eleitoral de 2016 e com seus principais dirigentes ou presos ou processados, precisa ter alguma presença no cenário político para sobreviver.

É isso, aliás, o que faz a atual cúpula petista insistir em Lula, pois sem o chefão a perspectiva eleitoral do partido, já suficientemente ruim, piorará de forma drástica. Nomes como o de Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, e o do ex-ministro Jaques Wagner, ventilados como alternativa nos últimos tempos, não empolgam os dirigentes petistas. “Não temos plano B. Plano B para quê? Haddad? Jaques Wagner? Plano B é para perder a eleição? Nosso nome competitivo é o Lula e é com ele que vamos para a eleição”, disse Gleisi à BBC. Assim, o PT, em seu desespero, assume de vez que não consegue mesmo ir além de Lula.