domingo, agosto 17, 2008

Manual de auto-ajuda

Dora Kramer

Reza a mais recente lenda eleitoral que a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, cumpre uma frenética agenda de palanques para ajudar o PT a eleger seus candidatos a prefeito e vereador.
Depois de muita insistência do partido, o presidente Luiz Inácio da Silva teria "concordado" - contrariado, certamente - em liberar Dilma da regra imposta aos outros ministros, restritos à participação em campanhas nos respectivos domicílios eleitorais, para correr o País para ajudar os petistas a conquistar o coração do eleitorado.
Na mesma toada - menos enfeitada no tocante a devaneios, é verdade - segue o PSDB querendo fazer crer que a presença do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, é imprescindível para eleger tucanos aos magotes nesse Brasil varonil.
Aécio desembarcou outro dia em São Paulo para dar seu aval à candidatura de Geraldo Alckmin e, segundo consta, já gravou participação em programas no horário gratuito de mais de 50 candidatos.
Ao fato: Marta Suplicy disparou na dianteira com 15 pontos porcentuais de diferença sem que Dilma pusesse os pés em São Paulo, eleitoralmente falando; na seara tucana, entre as duas últimas pesquisas e a passagem do governador mineiro pela cidade, Alckmin caiu de 31% para 26% na preferência do eleitor.
E o que Aécio Neves tem a ver com isso? Tanto quanto Dilma Rousseff tem a ver com o desempenho de Marta: nada.
Antes que se diga que São Paulo é um caso à parte, combinemos que a assertiva não influi nem contribui para a análise do tema em tela simplesmente porque não quer dizer nada.
Só não se pode afirmar que a presença dos dois pretendentes a presidente nos palanques municipais de Norte a Sul, de Leste a Oeste, é também desprovida de significado porque, no tocante aos respectivos projetos políticos, quer dizer muito.
A oportunidade de aparecer em palanques reais e virtuais durante mais de 40 dias no País inteiro é uma chance de diamante para quem tem muito capital - próprio ou potencialmente transferível -, mas precisa construir popularidade e disseminar sua imagem para poder pensar em 2010 com objetividade.
Não há nada de errado no movimento de ambos. Ao contrário. Dariam o jogo por entregue ao adversário (os internos e os externos, explícitos e ocultos) se não aproveitassem a campanha de 2008 para, como se dizia na esquerda, acumular forças.
Principalmente no caso da ministra, só não fica bem falar à sociedade na base do sinal trocado, tentando transparecer uma força política que não tem, mas nada impede que possa vir a ter.
No presente momento, se alguém ajuda alguém de verdade são os candidatos municipais quando abrem espaço para seus correligionários com pretensão a dirigentes nacionais.
A ministra da Casa Civil e o governador de Minas quando correm o País não o fazem em auxílio a outrem. Se ajuda há, é em prol da causa própria.
Dilma não é "puxadora" de votos - nem sequer viveu a experiência de produzir alguma quantidade deles na vida - muito menos tem o condão de transferi-los, tarefa árdua até para um ás na captura de mentes como o presidente Lula.
Ao fato: em 2006, Roseana Sarney perdeu a reeleição para o governo do Maranhão, a despeito do apoio de um Lula reeleito.
Merece atenção o que disse o cientista político Jairo Nicolau ao jornal Valor dias atrás: "O presidente influencia, mas o que define votos nessas eleições são os temas locais"
.E mesmo assim, alguns referenciais de competência local não conseguiram impor seus pesos nas respectivas províncias no período inicial das campanhas.
Dois fatos: no mais conhecido, Aécio Neves com mais de 80% de avaliação positiva e o prefeito Fernando Pimentel, popular na casa dos 70%, ainda não fizeram seu candidato sair do terceiro lugar.
No menos, a candidata do PT em Natal tem o apoio de Lula, do presidente do Senado, da governadora, do prefeito, todos maravilhosamente bem avaliados, mas está levando um baile de 20 pontos da adversária sustentada por uma esquisita aliança do PV com o DEM.
Ora, sendo o eleitor um imprevisível, pode virar um rebelde diante de imposições muito explícitas.

Ubaldo
Mãe de criação da paranóia no mundo dos negócios e da política, a grampolândia desenfreada tem deixado espíritos habitualmente atormentados em petição de miséria.
O governador José Serra, por exemplo. Se o assunto requer reserva, põe o indicador sobre os lábios pedindo silêncio e aponta para as paredes em volta sinalizando cuidado com escutas ambientais.
Há quem já tenha presenciado Serra pedir ao interlocutor que retirasse o chip do celular antes de conversar.
Fernando Henrique Cardoso contou o caso a um deputado, mas ele achou a coisa com jeito de intriga da oposição. Até conferir com dois secretários do governo de São Paulo, que confirmaram a história.
OLIMPÍADAS
QUEM? QUEM? QUEM?


Breve notícia sobre Zecamunista
Estadão-ponto de vista
João Ubaldo Ribeiro


Já tentei formular várias teorias sobre o incitante assunto de que tratarão hoje estas linhas, mas nenhuma delas é satisfatória. Tanto assim que desisti. Além disso, teorizar, pensando bem, é apenas a expressão da ansiedade humana de que a vida faça algum sentido apreensível por nós. Daí o pouco sucesso, creio eu, dos romances sem "enredo". A trama, sabem os romancistas e os bons leitores, precisa ser bem mais verossímil que a chamada vida real, que sempre foi muitíssimo mais inacreditável que os piores delírios dos ficcionistas. A trama, o enredo, ajuda tanto o autor quanto o leitor a fingir, para não ficar meio ou completamente lelé, que existe alguma lógica nos acontecimentos, ao alcance de nossa percepção. Claro que não existe, mas a gente precisa tão desesperadamente dela que procura enredos em romances, filmes, peças e histórias em geral. Teorizar, enfim, acaba não adiantando nada, não explicando coisa nenhuma e gerando discussões desagradáveis depois do almoço.
Então não teorizo, vou ao fato. O fato é que Zecamunista, lá de Itaparica, despertou, entre os leitores que tomaram conhecimento dele nesta coluna, também chamada, para orgulho meu, de "A voz da ilha", um interesse fora do normal. Desde a primeira vez em que o mencionei, recebo pedidos de informações adicionais, contatos e, principalmente, a narrativa de mais episódios que contem com a participação desse legendário e respeitado subversivo lá da ilha. Isso me põe numa situação meio chata, porque, apesar de amigos, ignoro muito da vida que ele leva e tem levado. É natural, aliás, porque as atividades dele foram, ou em parte ainda são, necessariamente sigilosas ou clandestinas, de maneira que não sei responder com exatidão a muitas perguntas sobre ele.
Mas sei alguma coisa, além das que já contei aqui. De extração beduína, seu sobrenome parece ser Harafush, Herefush, algo assim, que ele nunca faz muita questão de esclarecer - há de ter suas razões. E seu primeiro nome é José Carlos, ou seja, Zeca, como todos os Josés Carlos que nascem em Itaparica. Revelou-se comunista desde a escola primária, onde liderou movimentos para espiar, na companhia de seus sempre numerosos liderados, as meninas fazendo ginástica ou sendo vacinadas contra varíola nas coxas, como era comum naqueles tempos. Sempre apoiou ativamente esses negócios de comunista - imoralidade para minar os fundamentos da família cristã, cabelo grande no tempo em que a polícia prendia homem que usava cabelos iguais aos dos Beatles, divórcio no tempo em que só havia desquite e assim por diante, essas coisas que os comunistas faziam tanto.
Ganhou desde cedo a alcunha de Zecamunista, forma apocopada (aferesada? sincopada? Vejam aí, aposto que vocês também não sabem) de Zeca Comunista, que dá muito trabalho para pronunciar, assim como "Méditerranée", que a gente prefere chamar "crube" mesmo. E sempre esteve à frente de todos os movimentos subversivos em que pôde entrar. Numa conversa recente, depois de tomar umas dez doses de vodca (ele só bebe vodca e cerveja e dizem que já deu um tiro que não pegou num turista que lhe ofereceu um bourbon), ele me confessou só carregar uma única mágoa, em todo este tempo de militância: nunca ter sido preso o tempo suficiente para passar a noite na cadeia.
- E olhe que eu já fiz por onde - me disse ele, com o queixo trêmulo de comoção. - Eu fiz por onde, é uma injustiça muito grande. Conheço muita gente que não fez nem um milésimo do que eu fiz, que tinha muito menos direito que eu e passou 30, 90 dias, até meses na cadeia, para depois vir botar banca em cima de mim e eu tendo de engolir. É duro, é duro.
- Mas eu soube que, no dia em que você mudou os dizeres da bandeira para "Desordem e Atraso" e foi desfilar na frente de um quartel, o oficial do dia mandou pegar você.
- É, mandou. Mas foi para concordar comigo, milico desnaturado, até isso eu achei! O desgraçado concordou comigo, me soltou, marcou tomar umas cervejas comigo e ainda ficou com a bandeira como lembrança! É muito azar! E, agora que eu estou ficando velho e sem muita disposição para encarar a turnê todo ano, perdi até o direito de me aposentar como o presidente. Esse nasceu virado para a lua, meu compadre. Devem ter ficado com preguiça de soltar ele no dia em que ele foi preso e deixaram que ele dormisse em cana por distração. Não é nada, não é nada, me disseram que rendeu uma aposentadoriazinha de quatro milhas livres de impostos, já quebrava meu galho aqui. Não vou negar que a turnê rende muito bem, mas cansa, estou passando da idade.
A turnê a que ele se refere é o périplo que ele todo ano faz pela Bahia, tomando um dinheirinho aqui e outro ali, no pôquer, que ele diz que joga dialeticamente: tese num parceiro, antítese no outro, síntese sempre nele. Ganha fortunas, mas a ideologia atrapalha muito. Na última vez, ele investiu tudo no Leninorama, uma - como direi? - boate de tolerância de luxo. Mandou buscar várias kombis cheias de mulheres-damas em Nazaré das Farinhas, Cachoeira e até Santo Antônio de Jesus, todas com dentes, e deu uma festa de arromba, de graça e com direito ao sorteio de um talão de vale-quenga. O estabelecimento, que viveu dias de glória enquanto o dinheiro durou, era, naturalmente, em regime de cooperativa socialista e não deu certo, as meninas acabaram voltando todas e, o que é pior, a maior parte neoliberal
.Agora está envolvido em outro projeto monumental, o Cassino Potemkin, lá na ilha. Mas não é contra a lei, os parlamentares permitiriam?
- Só falta definir quantas ações do cassino cada um vai receber - disse ele. - Mas Brasília sai muito mais em conta do que a gente pensa, eles até que são baratinhos.