quinta-feira, junho 25, 2020

Os dois medos no atual silêncio obsequioso de Bolsonaro: Wassef e Márcia - REINALDO AZEVEDO

UOL - 25/06


Quem tem Fabrício Queiroz como amigo tem medo. E quem tem Frederick Wassef como ex-advogado, convenham, também.

Jair Bolsonaro, no momento, conta com duas fontes de preocupação. Além de Fabrício, o ex-faz-tudo do agora senador Flávio Bolsonaro, há também o advogado, que já deu mostras eloquentes de ser vaidoso e meio falastrão. Gente assim pode ser perigosa se sente o ego ferido.

Já deu para perceber o peso que tem na moderação do discurso presidencial a questão, não é mesmo? Até a prisão de Fabrício, Bolsonaro dava uma solene banana para a crise e dedicava seu tempo livre — que parece ser imenso — a uma guerra com os outros dois Poderes da República — muito especialmente com o Judiciário. E lá vinha ele, dia após dia, com a conversa mole do golpe, no que era secundado, ainda que com um pouco mais de cuidado, pelos generais do Planalto.

Mas Fabrício Queiroz o fez engolir a língua. Afinal, o amigo do presidente tem uma preocupação adicional: sua mulher, Márcia Oliveira de Aguiar, com prisão preventiva decretada, é hoje uma foragida. Queiroz leva todo jeito de que é resiliente, de que pode tentar agasalhar o foguete, preservando Bolsonaro, Flávio e assemelhados. Mas ninguém tem a mesma certeza sobre Márcia. Enquanto estiver solta, é um problema. Se presa, idem. Não existe alternativa boa para o presidente e sua família.

WASSEF
Com Frederick Wassef, a preocupação não é menor. Vê-se que ele jamais morreria por síndrome de abstinência de vaidade. Só não repitam por aí que seus ternos são bem cortados. Ah, isso nunca! O problema é que o doutor, mesmo sendo um criminalista, está se enrolando cada vez mais.

Deixar a defesa de Flávio, como fez, não resolve nada. Confrontado com o fato de que Fabrício se escondia em sua casa, Wassef deveria, de cara, ter admitido que, bem..., sim, deu abrigo ao homem e ponto. E sustentaria, ainda que ninguém acreditasse, que Flávio nada tinha com isso.

Fez a segunda parte, ninguém acreditou, mas insistiu na conversa, contra todas as evidências factuais, de que não hospedava Fabrício, de que este estava lá de passagem, de que ignorava que sua casa servia de esconderijo para o sumido.

Ora, como ele mesmo lembrou, não havia mandado de prisão contra Fabrício. Isso, por si, não configurava crime nenhum. Ocorre que há agora a curiosidade para saber por que o homem se escondia em Atibaia e por que Wassef contou uma lorota impossível de sustentar. De resto, apareceu uma nova personagem, entrevistada nesta quarta pelo Jornal Nacional: Ana Flávia Rigamonti.

Começou a trabalhar na casa em que se escondia Fabrício, considerado um escritório de Wassef, em maio de 2019. Conviveu, desde sempre, com o ex-assessor de Flávio e com Márcia, que volta e meia passava por lá. Não se sabe qual era sua tarefa. Ela nega que fosse uma espécie de vigia de Fabrício a serviço de Wassef.

Informa o Jornal Nacional:
Em uma mensagem interceptada pelos investigadores, a mulher de Queiroz pede que a filha avise Ana que ela e o marido estavam a caminho de São Paulo. Neste mesmo dia, a filha de Márcia enviou à mãe a resposta de Ana: "Pode ficar tranquila que não falo nada, não".

Já em outro diálogo registrado em novembro de 2019, o filho de Queiroz mandou para Márcia uma mensagem de áudio encaminhada por Ana, em que ela afirma que não teria comentado com o "Anjo" sobre uma viagem de Queiroz e de Márcia, pedindo que "se ele questionar alguma coisa, vocês falam que foi agora".

Ao JN, Márcia nega que tratasse Wassef por "Anjo". Indagada se, na convivência com Fabrício e Márcia, a palavra foi usada para designar o advogado, afirmou: "Bom, essa pergunta eu prefiro não responder." Também disse não saber se seu chefe e o ex-assessor de Flávio se encontraram. Reitere-se: a casa estava registrada como um escritório, mas não funcionava como tal.

O que leva pânico a Bolsonaro e sua família? Se aparecer alguma coisa da pesada contra Fabrício, praticada no tempo em que Wassef lhe dava abrigo, a coisa pode esbarrar no doutor. O risco está em o homem vir a ser preso caso o ex-faz-tudo de Flávio tenha aprontado alguma em que ele possa figurar como cúmplice.

Essa espécie de torpor silencioso de Bolsonaro, assim, tem dois nomes: Márcia Oliveira Aguiar e Frederick Wassef. Nem mais de ameaçar o país com golpe de Estado o presidente se lembra. O medo comeu a sua língua, o que, em si, é bom. Esse medo, por ora, o faz ser prudente.

Bolsonaro tornou-se prisioneiro de sua inverdade - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 25/06


No trecho predileto de Bolsonaro, o Evangelho de João anota: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." No inquérito sobre a tentativa de transformar a Polícia Federal em aparato político, o capitão tornou-se prisioneiro de uma inverdade. A partir de esclarecimentos prestados pelo general Augusto Heleno, amigo do presidente e ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, descobriu-se que Bolsonaro opera num mundo em que há duas verdades: a dele e a verdadeira.

Heleno informou à Polícia Federal que "não houve óbices ou embaraços" para a realização de substituições na equipe de segurança de Bolsonaro no Rio de Janeiro. Confirmou que houve três trocas. Com isso, virou farelo o argumento que Bolsonaro vinha esgrimindo de que se dirigia a Heleno, não a Sergio Moro, quando cobrou, na reunião ministerial de 22 de abril, mudanças na "segurança" do Rio de Janeiro.

Ficou entendido que Bolsonaro falava mesmo sobre Polícia Federal quando disse que não iria esperar pelo surgimento de "sacanagem" contra sua família e amigos para trocar o comando da "segurança" no Rio. "Se não puder trocar, troca o chefe dele. Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira", disse o presidente na fatídica reunião.

Bolsonaro se considera um bom presidente, acha que merece respeito. A Polícia Federal passou a considerar que ele merece um bom interrogatório. Nos próximos dias, o presidente passará por constrangimentos. A delegada federal Christina Correa Machado submeterá Bolsonaro a um interrogatório de suspeito clássico. Falta saber se o presidente será constrangido pessoalmente ou por escrito.

Guardadas as proporções, isso já tinha acontecido com Michel Temer, que também foi interrogado pela PF no exercício da Presidência. Esperava-se que Bolsonaro fugisse desse figurino. Mas o Brasil parece condenado a ser o mais antigo país do futuro do mundo.

Rouba, mas é pouco - MARILIZ PEREIRA JORGE

Folha de S. Paulo - 25/06

O apoio ao clã presidencial pode evoluir para 'rouba, não faz nada, mas e daí?'


Impressiona, ainda que não surpreenda, o contorcionismo dos apoiadores do governo para empacotar a corrupção como um mal menor diante da prisão de Fabrício Queiroz e da possibilidade de o primeiro-filho, o senador Flávio Bolsonaro, ter o mesmo destino.

Corrupção, confirmamos mais uma vez, nunca foi a razão para eleger um sujeito ignóbil como Jair. Fosse isso, bolsonaristas não defenderiam agora rachadinha como prática aceitável, “porque todo mundo faz”, “porque nem se compara ao que o PT ou Sérgio Cabral roubaram”. Mesmo para o padrão tupiniquim de lambe-bota de político, essa praga que nos assola, a mítica frase “rouba, mas faz” sofre aqui um duplo twist carpado.

Sabemos que a moral de parte da população é flexível. Bate palmas para tipos como Paulo Maluf, porque construiu pontes e avenidas, embora tenha enchido o bolso com milhões. Defende que partido que tira pobre da miséria não merece crítica nenhuma, apenas redenção, apesar dos comprovados pesares.

De Adhemar de Barros ao PT, o “rouba, mas faz” sempre foi exaltado. Coisa nova na vida política é a defesa apaixonada do “rouba, mas é pouco”. Não é pouco e faz falta na educação, na saúde, na segurança.

Bolsonaro tem razão quando diz que os brasileiros deveriam ser estudados. Muitos fecham o nariz e pulam no esgoto do pragmatismo político. Apoiadores do presidente têm demonstrado que podem nadar de braçada nessa imundice ao aceitar rachadinha, contratação de funcionário fantasma, inclusive pelo então deputado Jair, uso de verba pública para financiar atos privados e sites ideológicos, além dos superfaturamentos tão disseminados nos gabinetes parlamentares.

Com um ano e meio de governo, resultados desastrosos em todas as áreas, já sabemos que o apoio ao clã presidencial é irrestrito e pode evoluir até mesmo para o “rouba, não faz nada, mas e daí?”.

O ódio terraplanista - MIGUEL DE ALMEIDA

Folha de S. Paulo - 25/06

Moldado pelos petistas, derrubou Dilma e elegeu o capitão reformado


Ali pelo final de seu livro "Capitalismo na América", Alan Greenspan, economista e ex-presidente do Federal Reserve dos Estados Unidos, se detém na clivagem em voga na política americana. No ódio escandido por Donald Trump a cada três entre quatro verbos de suas frases.

Greenspan, um republicano de quatro costados, capaz de criticar Reagan e elogiar Clinton, com todo o respeito liberal, conclui que a animosidade na política se dá por uma questão econômica. Simples: pela primeira vez em décadas, a atual geração de americanos será mais pobre do que a geração de seus pais e avós. É quando proliferam as antas.

No caso dos Estados Unidos, berço da revolução digital (ou 4ª Revolução Industrial), a destruição criativa espreme as antigas profissões, substituídas pela robótica e anteriormente pela mão de obra barata de países asiáticos, e aumenta a desigualdade social.

Simples, de novo: basta ver que a Amazon disparou no mercado de ações, e redes como J. Crew e mesmo Zara, de comércio varejista tradicional, enfrentam semelhante mau humor experimentado 120 anos atrás pelos fabricantes de selas e chicotes (e também pelos proprietários de cavalos), quando o automóvel ganhou as ruas.

O livro de Greenspan me lembrou de uma conversa final de tarde em dezembro de 2014, na praia de Itapuã (BA), com o poeta Antonio Risério. Ambos estávamos escandalizados com a campanha eleitoral de reeleição de Dilma Rousseff, quando o marqueteiro petista, João Santana, o antes popular Patinhas, forjara de vez a clivagem lulista de "nós" ou "eles"; e, para ganhar, inventara saco de inverdades contra Marina Silva.

Lembro de dizer a Risério: isso vai voltar, a campanha destampou um ódio, adicionou à política novamente um amargor de frustração cuja reação, ensinam os mandamentos quânticos, será em proporções maiores. Pois o ódio moldado pelos petistas, Lula à frente, derrubou Dilma e elegeu o capitão reformado.

E o ódio fermentou ainda em fogo alto sob a primária política econômica de Dilma-Mantega, de matriz geiselista, com um saldo de 12 milhões de desempregados e os habituais PIBs negativos.

Se os americanos se encontram clivados pela política trumpista, embora acumulem crescimentos de PIB algo tímidos, jogue a lupa na realidade brasileira, cujo desempenho econômico desde a década de 1980 é mais anêmico do que um figurante de reality da Record.

Enquanto os americanos padecem pela trituração de ocupações, muitas delas já obsoletas, ou de técnica limitada (carros: até russos possuem as suas marcas!), o Brasil cumpre sua sina de viver ideias fora do tempo. Cada vez mais o Brasil político se assemelha ao desempenho nas pistas de Rubinho Barrichello (parece que contraiu há pouco a H1N1).

Caiu no conto da direita em 1964 (achando que o latifundiário João Goulart era comunista!); em 2002, no ideário esquerdista-estatista (quando a União Soviética ruíra décadas antes); e, em 2018, no assombro nazibozonarista (na época a Venezuela de Chaves e Maduro já era miasma).

O retorno de Lula das tumbas do ABC, contra os manifestos democráticos, revela a estratégia da foto: "nós" ou "eles", sempre. Petistas x bozonaristas. Interessa a rivalidade binária, tão entranhada na vida brasileira. E imaginar que a Frente Ampla, em 1966, juntou contra os milicos Jango Goulart, JK e Carlos Lacerda. Éramos mais sofisticados (ideológica e espiritualmente) e não sabíamos.

Miguel de Almeida, escritor e diretor dos documentários 'Não Estávamos Ali para Fazer Amigos' e 'Tunga, o Esquecimento das Paixões', é autor de 'Primavera nos Dentes' (ed. Três Estrelas)

Guerra perdida - WILLIAM WAACK

ESTADÃO - 25/06

Sem conseguir controlar as várias crises, o governo não controla mais a imagem externa


O “custo” da perda de imagem do Brasil no exterior é difícil de ser colocado em números, mas uma carta enviada ao governo brasileiro e assinada por dezenas de instituições financeiras que operam no mundo inteiro oferece uma base de cálculo. Juntas, elas gerenciam cerca de US$ 3.7 trilhões (mais ou menos o dobro do PIB brasileiro).

Ameaçam retirar parte disso do País, caso continue subindo o ritmo de desmatamento da Amazônia. Alegam que há uma “incerteza generalizada sobre as condições para investir ou proporcionar serviços financeiros no Brasil”, devido ao fato de que não só emissões de dívida do governo brasileiro mas também o valor de companhias expostas à questões ambientais acabam sendo atingidos pelas queimadas.

Pelo jeito, o governo brasileiro, que anda sem ministros para coisas tão básicas como educação e saúde, se esqueceu de que a questão ambiental é considerada básica lá fora. E que exatamente essa ameaça de desinvestimento estava EXPLÍCITA na última cúpula de Davos – a do mundo pré-pandemia. Formulada pelo setor financeiro global, o tal que manipula o oxigênio da economia.

O setor financeiro brasileiro entrou na mesma linha e, num enorme evento da Febraban que deveria discutir tecnologias bancárias para o século 21, os presidentes das maiores instituições nacionais preferiram falar de desmatamento. Eles sabem que a ameaça de desinvestimento é grave e real, atingiria a cadeia inteira de suprimentos no setor agrícola e de pecuária, e não dão tanta bola para a frase “o mundo precisa comer, o Brasil produz comida, logo vão comprar da gente não importa o que aconteça” – muito repetida no setor retrógrado do agro (ele existe, e funciona como bola de ferro para o restante do setor).

Agora que o general Hamilton Mourão assumiu os esforços de colocar um pouco de ordem no caos legal da Amazônia, o governo brasileiro se empenha com ainda mais ênfase em dizer que críticas desse tipo, praticada por instituições financeiras, são “desinformadas”. E aqui está o nó da questão: já não importa se as informações que o governo brasileiro fornece são exatas, confiáveis, precisas, bem apuradas ou não.

A realidade para a qual Brasília abriu os olhos parcialmente e muito tarde é a de que perdemos a guerra da comunicação lá fora, nossa imagem é hoje incomparavelmente pior do que foi no último período em que tal deterioração se constatava (a do regime militar). A crise do coronavírus tornou mais graves e evidentes alguns aspectos que já existiam, como pobreza, desigualdade e incompetência geral do governo, e entre eles está o da imagem externa.

Na questão ambiental, tão básica lá fora, consolidamos a proeza de passar da turma dos países que tem problemas mas pareciam caminhar para resolvê-los para a turma de países vilões que se esforçam em piorar os problemas. Sim, é uma simplificação brutal da questão, mas é em torno de simplificações brutais desse tipo que se dá o amplo debate da formação de opiniões e condutas também em escala mundial – atingindo mídia, consumidores, corporações e governos.

Nesse sentido, a mais recente “proeza” do nosso País é ser rotineiramente citado como mau exemplo no combate ao coronavírus – inclusive pelo “amigo” Trump, que não é exatamente uma boa referência quando se trata de enfrentar uma epidemia. No acumulado de mortes já estamos em segundo lugar no mundo e aproximando-nos dos EUA.

A maneira como esses fatos da realidade são vistos lá fora é devastadora para nossa imagem: é a de um País desigual, pobre, destruidor do meio ambiente e agora, ainda por cima, infectado e infectando. Nas mãos de um governo visto como incapaz de controlar qualquer crise, seja de ambiente seja de saúde pública.

O investigado - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 25/06

A falta de noção do que seja público ou privado marca a gestão do presidente Bolsonaro e de muitos de seus assessores diretos, como aquele coronel que deu uma coletiva usando um broche na lapela com uma caveira cravada por um espada, símbolo do Comando das Forças Especiais do Exército. Ou de seu chefe, o ministro de facto da Saúde General Eduardo Pazuello que, ao identificar-se como militar da ativa, pontificou: “Cumpro ordens. Missão dada é missão cumprida”.

Foi assim que o uso da cloroquina foi estimulado no serviço público de saúde mesmo depois de não indicado por organizações médicas internacionais, ou o número de mortos pela pandemia foi manipulado.

A mais recente demonstração de que o presidente da República tem uma visão distorcida de sua autoridade está no anúncio de que a Advocacia-Geral da União (AGU) vai recorrer da decisão da Justiça Federal de exigir que Bolsonaro use máscara em espaços públicos no Distrito Federal, obedecendo a uma lei local. A alegação é “preservar a independência e a harmonia entre os Poderes".

Coloca-se assim o presidente acima dos demais cidadãos que residem no Distrito Federal, como se tivesse prerrogativas além das que lhe concede a situação temporária de ser presidente da República. Às vezes, não tem nem mesmo os mesmos direitos, como no caso em que a Justiça o obrigou a revelar seus exames médicos, a bem da informação completa ao público. Como presidente da República, Bolsonaro não tem o direito de desrespeitar as leis, nem deveria ter sido poupado pelo governador Ibaneis Rocha da multa a que todos os que circulam sem máscara na cidade estão sujeitos.

A decisão tem ainda uma exemplar demonstração do que deve ser uma República. Quem impetrou o pedido foi um advogado, em uma ação civil pública, e o juiz Renato Borelli definiu como “desrespeitoso” o ato de andar em público na pandemia sem proteção "colocando em risco a saúde de outras pessoas", expondo-as "à propagação de enfermidade que tem causado comoção nacional".

Por falar em comoção nacional, no dia em que o país alcançou o triste recorde de mais de 50 mil mortes, deixando para trás o Reino Unido e tornando-se potencial candidato a superar os Estados Unidos no número de mortes, o presidente Bolsonaro foi ao Rio para participar do funeral de um paraquedista que morrera durante um treinamento.

Morte que provocou justa comoção na comunidade militar da qual Bolsonaro faz parte, como ex-paraquedista do 8 Grupo de Artilharia de Campanha. Nenhum gesto institucional, porém, foi feito pelo presidente diante do morticínio provocado pela Covid-19.

Essa permanente exigência de singularidade diante da lei fez com que ele se recusasse, em tese, a entregar seu celular se requisitado pelo Supremo nas investigações sobre interferência na Polícia Federal, para proteger sua família e amigos ( leia-se Flavio, o filho, Queiroz, o amigo) em que aparece como investigado, não testemunha. É também nesse inquérito que surge agora um novo empecilho.

O ministro Celso de Mello, relator do inquérito do STF, está estudando se Bolsonaro pode responder às perguntas da Polícia Federal por escrito. Essa não deveria ser nem mesmo uma questão, pois o próprio ministro Celso de Mello já deixou claro que, no seu entendimento, essa prerrogativa se aplica somente quando essas autoridades ( presidente, vice-presidente, deputados e senadores) estiverem na condição de vítimas ou testemunhas, o que não é o caso de Bolsonaro.

O presidente da República é formalmente investigado no inquérito. “Com efeito, aqueles que figuram como investigados (inquérito) ou como réus (processo penal), em procedimentos instaurados ou em curso perante o Supremo Tribunal Federal, como perante qualquer outro Juízo, não dispõem da prerrogativa instituída pelo art. 221 do CPP, eis que essa norma legal – insista-se – somente se aplica às autoridades que ostentem a condição formal de testemunha ou de vítima”.

Nessa condição, deveria depor na sede da Policia Federal, como fez o ex-ministro Sergio Moro, outro investigado no inquérito. Provavelmente, para não criar atritos entre o Judiciário e o Executivo, a decisão deve ser um depoimento pessoal no local e hora em que o presidente escolher. Um detalhe insignificante aparentemente, mas é assim que as determinações legais e as instituições vão se apequenando diante do autoritarismo do líder temporário do Executivo. Bolsonaro já disse: Eu sou a Constituição”

‘Associação criminosa’ no bolsonarismo - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 25/06

A possibilidade levantada por ministro do STF tem base em quebras de sigilo bancário


Um conjunto de organismos de Estado — o Ministério Público Federal, o MP estadual do Rio, o Judiciário e ainda as Polícias Federal, Civil fluminense e a de Brasília — tem dado exemplos do funcionamento dos pesos e contrapesos existentes numa democracia, para o enquadramento de falanges radicais bolsonaristas.

A descoberta de que o desaparecido Fabrício Queiroz, íntimo do clã Bolsonaro, por exemplo, estava sendo mantido fora de circulação em imóvel localizado em Atibaia (SP), de Frederick Wassef, advogado do presidente Bolsonaro, foi uma operação do MP do Rio, com a Polícia Civil fluminense, apoiada por sua congênere paulista.

Já a execução de busca e apreensão em um sítio feita por policiais de Brasília encontrou provas da atuação de agrupamentos bolsonaristas extremistas, entre elas fogos de artifício. Foi com fogos que o “300 do Brasil” fez a simulação de bombardeio do Supremo Tribunal, no fim de semana retrasado. O ataque ao STF levou à prisão de Sara Giromini e de mais cinco militantes do mesmo grupo, pedida pelo MP Federal, e decretada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, que preside o inquérito sobre a organização de manifestações antidemocráticas aberto por iniciativa da Procuradoria-Geral da República.

Não há conexão operacional entre a prisão de Queiroz e a operação de policiais brasilienses que os levaram a uma base de apoio de radicais da extrema direita. Isso significa que procuradores, juízes e policiais, em Brasília, Rio e São Paulo, trabalham para executar a lei, independentemente de quem seja o alvo e de onde estejam.

Desde as primeiras manifestações, principalmente em Brasília, o tipo de produção das faixas com ataques ao Congresso, ao Supremo e defesa de um golpe, da volta do AI-5, mantendo-se Bolsonaro no Planalto, indicava a existência de um esquema de financiamento dos atos. As faixas tinham a mesma tipologia e o mesmo acabamento industrial. Isso custa dinheiro.

O prosseguimento deste inquérito arrolou empresários bolsonaristas, candidatos mais prováveis a financiadores do movimento — como Luciano Hang, Edgard Corona e Otavio Fakhoury —, mas não apenas eles.

Por iniciativa do MP Federal, o ministro Alexandre de Moraes determinou a quebra de sigilo bancário de parlamentares bolsonaristas, de operadores de sites e de canais no YouTube.

Pelo menos quatro deputados federais do PSL — Bia Kicis (DF), Guiga Peixoto (SP), General Girão (RN) e Aline Sleutjes (PR) — teriam sacado dinheiro público de suas verbas para exercer os mandatos e canalizaram os recursos à difusão pelas redes de mensagens de sustentação dos atos antidemocráticos. Propagam-se propostas inconstitucionais com dinheiro do contribuinte. Não pode. Outros sigilos foram quebrados, e a teia que vem emergindo da investigação leva o ministro Moraes a admitir a “real possibilidade da existência de uma associação criminosa” que atua por trás de toda esta mobilização de extrema direita. Mais um problema para o Planalto.