sábado, agosto 23, 2014

Não vai ter eleição? - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 23/08

Diz-se em política que somente dois fatos são importantes: o fato novo e o fato consumado. O fato consumado da morte trágica do ex-governador Eduardo Campos produziu o fato novo da candidatura de Marina Silva, que mudou a eleição. Agora, outro fato novo pode interferir nas eleições de outubro. Atribui-se ao ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, preso na sede da Polícia Federal em Curitiba, a ameaça de que, se abrir a boca, não vai ter eleição . Seria uma maneira de mandar um recado para seus muitos amigos políticos para que o tratassem bem, e à sua família.

Como nos melhores filmes da máfia, ao ver que não tem chance de se livrar da prisão, e de que empresas de seus filhos começaram a ser investigadas ontem pela PF, Paulinho , como Lula o chamava, resolveu negociar com a Justiça delação premiada, incentivado pela mulher, Marici - que há tempos vinha se desentendendo com o advogado Nélio Machado, ontem trocado pela advogada paulista Beatriz Catta Preta, especialista em delações premiadas.

O depoimento de Costa será para o juiz Sergio Moro, especialista em processos de lavagem de dinheiro que assessorou a ministra Rosa Weber no julgamento do mensalão. Com fama de rigoroso, Moro não soltou imediatamente os doleiros e pediu mais esclarecimentos ao Supremo tribunal Federal quando o ministro Teori Zavascki deu uma liminar soltando todos os acusados pela Operação Lava-Jato.

Deu tempo, assim, para que Zavascki recuasse da decisão inicial, mantendo todos presos por oferecerem perigo de fugir do país. Tudo indica que Costa vai falar o que sabe, o que pode, sim, influenciar as eleições de outubro, não a ponto de inviabilizá-las, mas de atingir políticos importantes em diversos partidos.

Costa é fruto de um dos mais perversos efeitos colaterais do presidencialismo de coalizão, distorcido na era Lula. Indicado por consórcio partidário composto por PP, PMDB e PT, esteve à frente da Diretoria de Abastecimento da Petrobras de 2004 a 2012, saindo de uma espécie de geladeira em que fora colocado por sucessivas diretorias anteriores ao lulismo. Entre outros negócios da estatal, ele estava na diretoria que concretizou a compra da refinaria de Pasadena, nos EUA, contestada pelo Tribunal de Contas da União.

Nos documentos encontrados em sua casa e em empresas pela PF, há muitas indicações de negociatas envolvendo empreiteiras e políticos, tudo junto e misturado com a ajuda do doleiro Alberto Youssef, também preso.

Um deles é o deputado federal André Vargas (sem partido), que está tendo sua cassação pedida pelo Conselho de Ética da Câmara por ter usado jatinho fretado por Youssef para um passeio com a família. Outro, o secretário nacional de Finanças do PT e tesoureiro da campanha de 2010 da presidente Dilma, João Vaccari Neto, acusado de ser um dos contatos de fundos de pensão com a CSA Project Finance Consultoria e Intermediação de Negócios Empresariais, empresa que Youssef usou para lavar R$ 1,16 milhão do mensalão, segundo a PF.

O ex-deputado José Janene, um dos 40 réus no processo do mensalão no STF, morto em 2010, era acusado de ter se apropriado indevidamente de R$ 4,1 milhões, usando como laranja o advogado Carlos Alberto Pereira da Costa, também preso e que fez as acusações a Vaccari Neto dentro de uma negociação de delação premiada.

Ele é réu em duas ações penais: uma sobre supostas remessas fraudulentas para o exterior do laboratório Labogen, de propriedade de Youssef e que pode causar mais danos ao candidato do PT ao governo de SP, Alexandre Padilha; outra de lavagem de dinheiro de Janene por investimentos em uma empresa paranaense. Padilha foi acusado de, como ministro da Saúde, ter aprovado o Labogen, que servia de fachada para o doleiro enviar dinheiro para o exterior.

Documentos apreendidos com Costa, e que ele tentou destruir, mostram uma contabilidade detalhada sobre repasses de empreiteiras para campanhas políticas. Anotações do ex-diretor registram, por exemplo, o repasse, em 2010, de R$ 28,5 milhões ao PP, partido da base aliada cujo líder à época do mensalão era Janene, um dos responsáveis pela indicação de Costa ao cargo.

As empreiteiras citadas no documento são Mendes Júnior, UTC, Constran, Engevix, Iesa, Toyo Setal e Andrade Gutierrez. Mesmo que fale tudo o que sabe, vai haver eleição, assim como houve a Copa. Resta saber com que candidatos.

Zé Maria na telinha - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 23/08


Na democracia sem adjetivos, partidos são entes privados; na nossa pobre democracia varguista, são entes estatais


Ele tinha 41 em 1998; fará 57, alguns dias antes do primeiro turno. Na telinha, de eleição em eleição, a quarta numa sequência só interrompida em 2006, nós o vemos envelhecer contando a mesma piada. Zé Maria não tem um programa de governo: ele nos propõe a revolução proletária. Seu PSTU distingue-se de incontáveis outros partidos, sopas de letrinhas da maravilhosa abóboda política brasileira, pois rejeita o escambo do tempo de tevê por cargos comissionados em algum escalão da administração pública. Por outro lado, como seus congêneres, o PSTU vive da extração compulsória de dinheiro dos cidadãos que o ignoram. Só no ano passado, o Fundo Partidário repassou-lhe R$ 772.404,41. Desconfio que Zé Maria será um ardoroso revolucionário até o fim de seus dias.

Não há nada de especialmente errado com o PEN, o PTN, o PROS, o SD, o PSDC, o PTC, o PHS et caterva. Seus dirigentes não fingem pretender seduzir-nos com a utopia de um mundo livre de todo o mal. Eles descobriram que nosso sistema partidário propicia um negócio lucrativo --e, de modo mais ou menos explícito, exibem-se como hábeis negociantes. O PSTU, não: em nome da História (assim com maiúscula), Zé Maria convida-nos a uma luta épica: o assalto ao Céu. A sua revolução será a da maioria, quando finalmente entendermos que ele marcha na companhia da Razão (maiúscula obrigatória). O problema é que, de fato, graças ao Fundo Partidário, ele não precisa que alguém concorde com ele. No Brasil, a Revolução (maiúscula!) tornou-se um bom negócio.

Zé Maria tem o direito de retrucar que faz o que todos fazem, sofisma celebrizado pelo PT desde o "mensalão". Preferirá, porém, se separar dos demais, alegando que explora as "contradições da democracia burguesa" para instalar a "democracia proletária". A racionalização do interesse próprio não muda a substância do problema: o uso do Fundo Partidário isenta o PSTU do imperativo político de persuadir as pessoas de que tem alguma razão (no caso, com minúsculas). Zé Maria não precisa de militantes, apoiadores ou simpatizantes: ele já tem o meu dinheiro e o seu. No Brasil, a Revolução converteu-se em álibi e pretexto.

Prevejo uma nota ensandecida do PSTU apontando-me como agente da CIA, da Santa Sé, do Mossad e da Mídia Burguesa. Como não os convencerei a desistir da ideia argumentando com a deselegância de maldizer um contribuinte financeiro, tento algo melhor: o problema não está neles, mas na nossa "democracia burguesa". Ainda que nos poupem das intragáveis letras maiúsculas, os grandes partidos também financiam suas (mais modestas) utopias pelo assalto legalizado ao bolso do público. Por que singularizar no sempiterno Zé Maria uma acusação que se aplica, com igual justiça, a Dilma, Aécio e Marina?

Na democracia sem adjetivos, partidos são entes privados; na nossa pobre democracia varguista, partidos são entes estatais. Por aqui, o meu dinheiro (e o seu) sustenta candidaturas que personificam o oposto do que quero. O PT ameaça, pelo financiamento público de campanha, ampliar ainda mais a transferência compulsória de recursos dos cidadãos para a elite política organizada em partidos. Imagine, pelo contrário, a célere transformação da paisagem partidária que decorreria da desestatização dos partidos, compelidos por esse ato a buscar dinheiro exclusivamente entre os indivíduos (isto é, as pessoas físicas) que os apoiam. Infelizmente, contudo, mesmo na oposição, ninguém --nem a Marina sonhática da "nova política"!-- sugere tal iniciativa. No Brasil, o Partido dos Políticos estende-se de Zé Maria até o Pastor Everaldo.

O Zé Maria que envelhece na telinha, sempre igual a si mesmo, não é indício das "contradições da democracia burguesa", mas o certificado da perversa coerência de um sistema que corrompe a política. Não se amofine, Zé, o problema está em nós.

O PT quer pautar a imprensa - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 23/08


A direção do Partido dos Trabalhadores (PT) entrou na Justiça Eleitoral para obrigar a Rede Globo a ampliar a cobertura das atividades de campanha de Alexandre Padilha, candidato do partido ao governo do Estado de São Paulo. Ao pretender determinar o que uma emissora de TV deve mostrar a seus telespectadores, os petistas reafirmam sua visão autoritária a respeito do trabalho da imprensa e seu desprezo pelo jornalismo independente.

A tarefa de informar bem seus leitores, ouvintes e telespectadores obriga as empresas jornalísticas a estabelecer critérios de seleção de informações, para entregar a seu público as notícias que terão relevância em sua vida, deixando de lado as que, a seu juízo, têm menor importância. Assim, cada redação define quais acontecimentos serão dignos de cobertura extensiva e quais merecerão espaço menor. Tais parâmetros, que integram o bê-á-bá do jornalismo, podem mudar de veículo para veículo, mas há algo que, em democracias, não mudará nunca: o princípio de que as empresas jornalísticas devem ter ampla liberdade para adotar os padrões de seleção de informações que melhor atendam seu público.

É justamente nessa liberdade, central para o exercício do jornalismo independente, que o PT pretende interferir, em defesa de uma suposta "isonomia" de tratamento para todos os candidatos ao governo paulista. Tal exigência de igualdade, da maneira como está sendo enunciada pelos petistas, serve apenas para ferir a autonomia que um veículo deve ter para determinar o que é digno de ser publicado e o que não é.

A Rede Globo entendeu que deveria dar mais espaço em seus telejornais aos candidatos ao governo paulista com mais de 6% de intenções de voto. Com isso, recebem destaque diário apenas os dois primeiros colocados, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e Paulo Skaf (PMDB). Na última pesquisa do Ibope, Padilha, o candidato petista, surge em terceiro lugar, com 5% das menções. É o mais bem colocado entre os "nanicos" - está à frente de outros três candidatos que dispõem de 1% cada - e por isso aparece com frequência menor no noticiário da emissora.

No entender dos petistas, porém, a Globo estabeleceu parâmetros sob medida para, deliberadamente, sonegar de seus telespectadores o noticiário sobre a campanha de Padilha. Em carta à emissora, o presidente estadual do PT e coordenador da campanha petista, Emidio de Souza, disse que "não cabe a um veículo de comunicação definir critérios" para a veiculação de informações sobre a eleição. Para questionar as escolhas da Globo, Emidio diz que, pela margem de erro da pesquisa, de três pontos porcentuais, Padilha pode estar com 8% - acima, portanto, do piso estabelecido pela emissora. Por essa lógica, porém, o petista pode estar com 2%, em empate técnico com os outros "nanicos".

O aspecto relevante nessa polêmica, no entanto, não são alguns pontos porcentuais para mais ou para menos, e sim a reafirmação da vocação autoritária do PT e de sua hostilidade contra a imprensa livre. Em nota sobre sua petição à Justiça Eleitoral, o partido chega a exigir que a Globo "abra espaço diariamente em sua programação normal para todos os candidatos" ou então "que se abstenha de cobrir a agenda de qualquer um deles". Trata-se de uma tentativa grosseira de pautar uma emissora de TV.

Ainda que arrogante, no entanto, a manifestação petista não se compara às grosserias do ex-presidente Lula, que qualificou como "sacanagem" os critérios da Globo para a cobertura eleitoral em São Paulo. "Já fui vítima de todas as sacanagens que vocês possam imaginar, mas tem coisa que vai ficando insuportável", disse Lula num evento de campanha no início de agosto. "Em São Paulo, a sacanagem é tamanha que eles decidiram que só vão colocar os candidatos acima de 10% (sic) para tirar o Padilha da televisão. Cada jogo, em cada eleição, é uma sacanagem."

Como aquele que jamais se constrangeu ao fazer propaganda eleitoral fora de hora nem a colocar a máquina do Estado a serviço de seus candidatos, Lula deveria saber o que, de fato, é "sacanagem".

O emprego perde força - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 23/08
O esfriamento da economia começa a afetar a criação de empregos no Brasil, e esse é o pior preço que o país pode pagar por equívocos na condução da política econômica. Não é à toa que os gênios do marketing político do governo jogam suas melhores fichas nos baixos índices de desemprego dos últimos anos. Eles funcionam como um biombo para os reveses macroeconômicos que se acumulam e desmentem qualquer discurso para enganar o eleitor com aparentes sucessos de gestão.

A manutenção de bom nível de emprego, apesar do pífio crescimento da economia nos últimos três anos, alimentava a esperança de que, mais dia, menos dia, o consumo voltaria a animar os negócios, como ocorreu em passado recente (fim do governo Lula). Afinal, como acreditam os homens do marketing, consumidor empregado é consumidor ávido por realizar algum desejo de consumo, nem que seja a crédito.

Por seu lado, as empresas vinham segurando tanto quanto possível seu pessoal, pois além de custar muito cara a demissão, também não é barato nem fácil recompor os quadros e treinar os novatos. Ante os sinais de queda no ritmo da atividade econômica, o primeiro passo foi engavetar projetos de investimentos, cortar custos operacionais e, só então, atuar sobre a folha de pagamentos.

A recente adoção de dispensas temporárias (lay-off) por grandes indústrias, principalmente do setor automotivo, foi o primeiro sinal de que a espera por uma reação da economia (que ainda não veio), agravada pelas paralisações da Copa do Mundo, estava perigosamente perto do insuportável.

Na semana passada, o mais fiel dos termômetros do nível de emprego formal no país, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego, foi taxativo: em julho, a indústria demitiu mais do que contratou (líquido negativo de 15.392 postos), enquanto o agronegócio e os serviços reduziram drasticamente o saldo de admissões.

No total, o Caged apontou saldo positivo de 11.796 empregos criados, o pior resultado registrado em um mês de julho desde 1999, quando foram geradas apenas 8.057 vagas, em razão da retração provocada nas economias emergentes pela crise financeira e cambial da Rússia. Em relação a julho de 2013, o resultado deste ano representou uma preocupante queda de 71,5%.

Em junho, o ministro do Trabalho, Manoel Dias, já tinha se surpreendido com uma forte desaceleração do emprego com carteira assinada (queda de 83,9% ante junho de 2013). "Não havia nenhum indicativo dessa situação", disse ele naquela ocasião. Agora, o governo aposta que o "fundo do poço" da desaceleração da economia e do emprego foi o período junho/julho e que, daqui para frente, tudo vai melhorar, ainda que lentamente.

Tomara que esse sonho se realize. Mas parece tratar-se de projeção ensaiada para ser usada nos próximos dias, quando o IBGE divulgar o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre, para o qual não se espera nada muito animador. Comprovada a tese do "fundo do poço", é certo que, no máximo, a economia deve apenas parar de piorar, o que já seria grande coisa, desde que o emprego seja pelo menos mantido. Mas o Brasil precisa e merece mais do que esse fio de navalha. É urgente a adoção de política econômica que retome o crescimento de forma sustentável.

Campanha postiça - EDITORAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 23/08


Nessa primeira semana de programas políticos e inserções no rádio e na TV, candidatos apresentam aos eleitores um Brasil artificial


Em sua vida de privações, a trabalhadora rural Marinalva Gomes Filha pode se considerar uma mulher de sorte. Escolhida para participar de uma gravação de imagens para a campanha da presidente Dilma Rousseff (PT), dona Nalvinha, como é chamada pelos conhecidos, foi agraciada, na véspera, com uma prótese dentária.

A moradora do sertão baiano também se viu contemplada com melhorias em sua casa: o velho fogão a lenha foi ampliado e ganhou um muro de proteção. Beneficiária do programa Água para Todos e de um convênio firmado entre o governo federal e o da Bahia, ela mereceu tratamento preferencial para representar o povo na TV.

A prótese e as obras domésticas que favoreceram dona Nalvinha estão em perfeita sintonia com os cânones da propaganda eleitoral. É também um Brasil postiço que se tem visto nessa primeira semana de programas e inserções dos candidatos no rádio e na TV.

Enquanto Dilma Rousseff apresenta gente feliz e um país transformado em canteiro de obras, a avançar como nunca na infraestrutura, os seus oponentes, sobretudo Aécio Neves (PSDB), carregam nas tintas para pintar um Brasil fracassado, que parece caminhar rumo a um futuro de trevas.

De Marina Silva, cuja campanha na TV começa de fato hoje, dificilmente se poderá esperar mensagens menos fantasiosas. Suas promessas de realizar uma "nova política", por exemplo, esbarram não apenas nos inevitáveis acordos eleitorais como na evidência de que é impossível governar de um palácio imaculado e flutuante, acima dos embates da realidade.

A campanha do PSB, aliás, também já havia sido vítima de efeito semelhante ao ilustrado pela trabalhadora rural. Edivaldo Manoel Sevino, dono de uma casa em Osasco que serviria como "comitê voluntário" da coligação, surpreendeu ao explicar os motivos que o levaram a oferecer sua residência.

Questionado durante uma gravação, foi ao ponto: "Me prometeram unzinho'", disse, enquanto fazia com a mão um gesto que indicava a expectativa argentária. O vídeo, claro, foi engavetado.

Transformados em produtos publicitários no modelo vigente do horário eleitoral gratuito --na realidade remunerado com recursos públicos--, os candidatos repetem um padrão postiço que mais investe em truques de marketing do que na discussão realista de propostas.

Nessa toada, os verdadeiros derrotados são os eleitores --até mesmo a agradecida dona Nalvinha e o sincero Edivaldo.

A candidata impõe medo - EDITORIALO ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 23/08


Para usar um verbo que há de fazer parte do seu léxico peculiar, a candidata Marina Silva se pôs a subsumir o PSB na sua Rede Sustentabilidade, como se o movimento que ela não logrou transformar em partido no ano passado fosse maior que a histórica legenda socialista, criada em 1947, 11 anos antes do nascimento da ex-senadora e ex-ministra. Na constelação partidária brasileira, o PSB de que os marineiros procuram se apropriar decerto não é nenhuma estrela de primeira grandeza.

Ainda assim, tendo saído das urnas de 2010 com 5 governadores (entre eles o pernambucano Eduardo Campos, morto na semana passada), 4 senadores e 34 deputados federais (acentuando uma ininterrupta curva de crescimento a contar de 2002), é uma potência política média. A essa condição a Rede só poderá aspirar em futuro incerto e não sabido, mesmo se conseguir no próximo ano coletar as assinaturas exigidas pela Justiça Eleitoral para ser incluída no sistema partidário nacional - cerca de 500 mil, atualmente.

Parafraseando o veterano militante socialista Carlos Siqueira, coordenador-geral da operação que, por força de trágica circunstância, deixou de ser a de Eduardo Campos, Marina, depois de se fazer hospedar pelo partido, para não ficar à margem da sucessão presidencial, em poucos dias resolveu tornar-se ela a dona da casa. Argumentando que a candidata a vice, alçada pelo imponderável a titular da chapa ao Planalto, "está longe de representar o legado de Eduardo", Siqueira saiu da campanha batendo a porta com força.

Com notável sem-cerimônia, de fato, Marina não perdera tempo para colocar os seus principais aliados no controle compartilhado da empreitada - a coordenação e o setor financeiro. Para aplacar a velha guarda, a direção da legenda entregou a coordenação à deputada federal Luiza Erundina, amiga próxima da candidata. Tensões do gênero não são incomuns em comitês eleitorais mesmo quando o candidato não é um adventício na sigla que o sagrou. É provável que o personalismo de Marina - que a sua aureolada imagem pública esconde - dê origem a novos atritos, em prejuízo do engajamento dos antigos eduardistas.

Mas isso não deverá passar de marola enquanto ela continuar a ser percebida - no partido, entre os analistas eleitorais, na mídia e pelos próprios oponentes - como tendo chances efetivas não apenas de chegar ao segundo turno, mas de enfrentar de igual para igual a presidente Dilma Rousseff. Essa visão resulta da pesquisa do Datafolha que a emparelhou com o tucano Aécio Neves na segunda posição graças aos votos de parte ponderável dos eleitores até então indecisos ou propensos a invalidar o voto. Na mesma sondagem, em um tira-teima com Dilma, Marina termina à frente com 4 pontos de vantagem, no limite da margem de erro.

Tais números - que estariam sendo confirmados por levantamentos para uso interno do governo, partidos e setores empresariais - disseminaram o medo entre os adversários. No jargão da imprensa, acendeu-se no PT a "luz amarela", no PSDB, a "luz vermelha. Para não incorrer na ira dos eleitores que praticamente veneram Marina, Dilma e Aécio se guardam de criticá-la, cada qual esperando que o outro tome a iniciativa. Se esse temor reverencial perdurar nos debates televisivos marcados para a próxima terça-feira (Rede Bandeirantes) e na segunda seguinte (SBT), ficando limitadas à petista e ao tucano as cobranças recíprocas, a omissão será um ato de lesa-eleitor.

Isso porque ele não será levado a se perguntar que presidente da República poderá ser a candidata que ninguém ousa confrontar. Pelo que se vê, para começar, ela não terá a menor aptidão para constituir um equipe para tocar o dia a dia do governo, sem o que as melhores promessas e os mais avançados programas se desmancham no ar. Além disso, procedem as dúvidas sobre como se haverá no poder uma pessoa que dá motivos para crer que se julga eleita por Deus - o que esteve perto de afirmar depois da tragédia com o voo no qual também ela poderia ter viajado. Cabe indagar ainda como, avessa à "velha política", enfrentará a servidão de chefiar um governo sem maioria parlamentar. Marina presidente é prenúncio de uma crise depois da outra.


COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

IMPACTO DE MARINA LEVA PÂNICO AO PT E AO PSDB

Dilma (PT) e Aécio Neves (PSDB) receberam em dias diferentes, esta semana, notícias igualmente inquietantes sobre pesquisas internas mostrando que apenas um deles estará no segundo turno, porque a outra vaga já estaria assegurada a Marina Silva (PSB), a substituta de Eduardo Campos na disputa presidencial. O impacto maior é percebido na campanha tucana, mas Marina deixou o comando do PT atônito.

TOMANDO PULSO

Campanhas realizam pesquisas diárias por telefone, que chamam de tracking, não registradas no TSE, entrevistando ao menos 500 eleitores.

FOGO DE PALHA

Os tucanos ficaram tão nervosos que o candidato Aécio Neves teve de reunir aliados para pedir calma, apostando que Marina é fogo de palha.

ONDA MARINA

No PT, coube a Lula e ao marqueteiro João Santana assegurar a Dilma e aos aliados que essa “onda Marina” não irá se sustentar.

IBOPE NA TERÇA

O estado de ânimo nas campanhas do PT e do PSDB somente vai se estabilizar após a divulgação de nova pesquisa Ibope, terça (26).

‘LAVA-JATO’ PODE FAZER O PAÍS REFUNDAR A REPÚBLICA

Muitos políticos graúdos tomam desde ontem doses industriais de tranquilizantes, após a decisão do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa de fazer acordo de delação premiada, e contar tudo. Ao lado do megadoleiro Alberto Youssef, Paulo Roberto Costa seria um dos chefes do “banco central” de caixa dois, pagamento de propinas e financiamento eleitoral. Se a dupla abrir a boca, a República cai inteira.

REDE DE LAVANDERIAS

A PF cumpriu mandados de busca e apreensão em onze empresas usadas por Paulo Roberto Costa para “lavar” dinheiro da corrupção.

LAVANDO BILHÕES

O esquema de corrupção tocado pela dupla Youssef-Costa “lavou” mais de R$ 10 bilhões, segundo estimativas da Polícia Federal.

REAIS IMPORTADOS

O doleiro Youssef abastecia o esquema de corrupção comprando no Paraguai cédulas de reais gastos por brasileiros naquele país.

ESQUECEU RÁPIDO

Marina Silva esqueceu rápido o compromisso de preservar o legado de Eduardo Campos. Quase não há referências a ele no site oficial dela. Substituíram até as cores do PSB. Nem mesmo atribuem a Campos sua frase “Não vamos desistir do Brasil”, destacada no site.

SÓ UMA HÓSPEDE

Carlos Siqueira, ex-coordenador da campanha de Eduardo Campos, usou mal a expressão “hospedeira” para definir o papel de Marina Silva no PSB. Hospedeira é quem hospeda. Marina é “hóspede”.

VAGA DE JOAQUIM

Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) haviam concordado, numa conversa, que em caso de vitória de um deles, pediriam a Dilma para não indicar o substituto de Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal. Após a eleição, restarão dois meses para o fim do governo.

ASSIM É, SE LHE PARECE

Números do próprio governo mostraram que o Brasil teve o pior mês de julho dos últimos 15 anos, em termos de geração de empregos, mas a presidenta Dilma atribui a má notícia ao “uso eleitoral” do fato.

CASO DE POLÍCIA

Porraloucas ligados ao sindicato dos funcionários invadiram ontem a sala de trabalho do presidente da estatal de águas Caesb, em Brasília, e o mantiveram em cárcere privado por 40min, até a PM resgatá-lo.

TRANSPARÊNCIA OPACA

Apenas na penúltima semana de agosto, o Portal da Transparência, que estava parado desde maio, atualizou os dados de 2014. Agora estão discriminados os gastos para os meses de janeiro a julho.

DISPUTA PARAENSE

Uma das eleições mais disputadas ocorre no estado do Pará, onde o governador tucano Simão Jatene tenta manter a família Barbalho bem distante dos cofres públicos. Seu rival é Helder Barbalho (PMDB).

VETO ILEGAL

A propaganda da ex-prefeita de Fortaleza Luizianne Lins (PT) não tem aparecido na TV. Seria uma represália de Ciro Gomes, que comanda a campanha de Camilo Santana. Luizianne não pede votos para Camilo.

DEBANDADA

Após o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, aceitar “delação premiada”, políticos graúdos embarcam para o exterior em plena campanha eleitoral. Pode ser fuga mesmo.


PODER SEM PUDOR

TRAIÇÃO NO CONGRESSO

O saudoso embaixador José Aparecido de Oliveira, testemunha de tantas lutas políticas - dos presidentes Jânio Quadros, de quem foi secretário particular, a Itamar Franco, em quem mandava - nunca teve a menor dúvida: "Na cabine indevassável, o homem trai!". O falecido presidente Tancredo Neves, por exemplo, detestava votações secretas no Congresso. Por quê?

- Dá uma vontade de trair... - dizia ele, com jeito moleque.