FOLHA DE SP - 08/10
Não são os homens públicos que devem ser virtuosos; são as leis que devem ser implacáveis
Você, leitor, é pessoa honesta e cumpridora. Trabalha. Paga as contas. É decente com a mulher e os filhos. Mas quando olha em volta, o cenário é selvagem. Os colegas usam e abusam da dissimulação e da mentira. Sem falar da corrupção de superiores hierárquicos ou de políticos nacionais, esse câncer que permite a muitos deles terem o carro, a casa, as férias, a vida que você nunca terá.
Para piorar as coisas, eles jamais serão punidos por suas viciosas condutas. A pergunta é inevitável: será que eu devo ser virtuoso? Será que eu devo educar os meus filhos para serem virtuosos?
Essas perguntas foram formuladas por Gustavo Ioschpe em excelente texto para a "Veja". De que vale uma vida ética se isso pode representar, digamos, uma "desvantagem competitiva"?
Boa pergunta. Clássica pergunta. Os gregos, que Ioschpe cita (e, de certa forma, rejeita), diziam que a prossecução do bem é condição necessária para uma vida feliz. Mas o que dizer de todas as criaturas que, praticando o mal, o fizeram de cabeça limpa por terem falsificado a sua própria consciência?
Apesar de tudo, Gustavo Ioschpe tenciona educar os filhos virtuosamente. Não por motivos religiosos, muito menos por temer as leis da sociedade. Mas porque assim dita a sua consciência. Um dia, quem sabe, talvez o Brasil acabe premiando essas virtudes.
A resposta é boa por seu otimismo melancólico. Mas, com a devida vênia ao autor, gostaria de deixar dois conselhos para acalmar tantas angústias éticas.
O primeiro conselho é para ele não jogar completamente fora as leis da sociedade na definição de boas condutas. Porque quando falamos de vidas éticas, falamos de duas dimensões distintas: uma dimensão pública, outra privada.
E, em termos públicos, acreditar que os homens podem ser anjos (para usar a célebre formulação do "Federalista") é o primeiro passo para uma sociedade de anarquia e violência.
Na esfera pública, eu gostaria que os homens fossem anjos; mas, conhecendo bem a espécie, talvez o mínimo a exigir é que eles sejam punidos quando se revelam diabos.
Se preferirmos, não são os homens públicos que têm de ser virtuosos; são as leis que devem ser implacáveis quando os homens públicos são viciosos.
Isso significa que a principal exigência ética na esfera pública não deve ser dirigida ao caráter dos homens --mas, antes, ao caráter das leis e à eficácia com que elas são aplicadas. No limite, é indiferente saber se os homens públicos são exemplos de retidão. O que importa saber é se a República o é.
Eis a primeira resposta para a pergunta fundamental de Gustavo Ioschpe: devemos educar os nossos filhos para a virtude? Afirmativo. Ninguém deseja para os filhos a punição exemplar das leis. E, como alguém dizia, é do temor das leis que nasce a conduta justa dos homens. Desde que, obviamente, as leis inspirem esse temor.
E em privado? Devemos ser virtuosos quando nem todos seguem a mesma cartilha e até parecem lucrar com isso?
Também aqui, novo conselho: não é boa ideia jogar fora os gregos. Sobretudo Aristóteles, que tinha sobre a matéria uma posição sofisticada e, opinião pessoal, amplamente comprovada.
Fato: não há uma relação imediata entre virtude e felicidade. Mas Aristóteles gostava pouco de resultados imediatos. O que conta na vida não são as vantagens que conseguimos no curto prazo. É, antes, o tipo de caráter que "floresce" (uma palavra cara a Aristóteles) no curso de uma vida.
E, para que esse caráter "floresça", as virtudes são como músculos que praticamos e desenvolvemos até ao ponto em que a "felicidade", na falta de melhor termo, se torna uma segunda natureza.
Caráter é destino, diria Aristóteles. O que permite concluir, inversamente, que a falta de caráter tende a conduzir a um triste destino. Exceções, sempre haverá. Mas, aqui entre nós, confesso que ainda não conheci nenhuma. Não conheço maus-caracteres que tiveram grandes destinos.
Sim, leitor, não é fácil olhar em volta e ver como a mesquinhez alheia triunfa e passa impune. Mas não confunda o transitório com o essencial.
E, sobretudo, nunca subestime a capacidade dos homens sem caráter para arruinarem suas próprias vidas.
Educar os filhos para serem "homens de bem" é também ajudá-los a evitar essa ruína.
terça-feira, outubro 08, 2013
Ueba! Marina parece o Vasco! - JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 08/10
E diz que, em homenagem à Portuguesa, vai ter gata do Brasileirão com bigode! Rarará!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do Pais da Piada Pronta: "Narcisa Tamborindeguy se filia a partido político errado". Ai, que ferradura! Entrou pro PSD pensando que era o PSDB! Imagine na hora de votar! E como disse um cara no Twitter: "Narcisa devia entrar pro LSD!". Rarará!
E gol da Portuguesa! E gol da Portuguesa! Agora a gente só escuta isso: Goool da Portuguesa! Jogaram pó-de-mico nos jogadores da Lusa? Meteram 4 no Corinthians, 3 no Santos e o Rogério Ceni já tá em pânico! Rarará!
Tão chamando a Portuguesa de Barcelusa! E sabe por que a Portuguesa tá ganhando? Porque eles usam a tática padaria: atacam em massa e retrancam em bolo! E diz que, em homenagem à Portuguesa, vai ter gata do Brasileirão com bigode! Rarará! Eu acho que eles fizeram macumba com bacalhau preto. E vinho do Porto!
E a Marina? A Marina parece o Vasco: faz um barulho danado pra ser VICE no final! O plano B era o PSB! Plano PSB! E a Marina não precisa de chapa, precisa de chapinha!
E o Ciro Botelho disse que PSB quer dizer: Preferimos Surpreender o Brasil. Ou Pretendemos Surrar o Barbudo! Rarará!
Achei uma incoerência a Marina falar "vamos sepultar a Velha República" e se filiar a um partido que filiou o Heráclito Fortes e o Bornhausen, do DEM! Deu Em Merda! Partido Socialista Brasileiro filia qualquer um, contanto que não seja socialista!
E a política tá assim: o PT se junta com o Maluf e o Sarney. A Marina se filia ao PSB, que filia o povo do DEM. E o PSDB parece um antiquário. É O NOVO! Como gritou uma leitora: "Junta tudo e JOGA FORA!" Rarará!
E eu posso ser sincero? Eu não entendo nada do que a Marina fala! Acho que ela tá falando grego com legenda em curdo e dublado em sânscrito! Parece filme da Mostra! E diz que, por causa da fusão Maricampos, a Dilma tá bolada. A Dilma não tá bolada. A Dilma É bolada: "Como presidenta, eu digo: Vamos em frenta que atrás vem genta!'". Rarará! É mole? É mole, mas sobe!
Os Predestinados! Mais dois para a minha série Os Predestinados! É que em Moema, aqui em Sampa, tem uma psicanalista chamada Janet NOYA! "Ai, doutora Janet, tô com uma noia!" E em São Carlos tem uma psicóloga chamada Silvia PÂNICO! Rarará!
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
E diz que, em homenagem à Portuguesa, vai ter gata do Brasileirão com bigode! Rarará!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do Pais da Piada Pronta: "Narcisa Tamborindeguy se filia a partido político errado". Ai, que ferradura! Entrou pro PSD pensando que era o PSDB! Imagine na hora de votar! E como disse um cara no Twitter: "Narcisa devia entrar pro LSD!". Rarará!
E gol da Portuguesa! E gol da Portuguesa! Agora a gente só escuta isso: Goool da Portuguesa! Jogaram pó-de-mico nos jogadores da Lusa? Meteram 4 no Corinthians, 3 no Santos e o Rogério Ceni já tá em pânico! Rarará!
Tão chamando a Portuguesa de Barcelusa! E sabe por que a Portuguesa tá ganhando? Porque eles usam a tática padaria: atacam em massa e retrancam em bolo! E diz que, em homenagem à Portuguesa, vai ter gata do Brasileirão com bigode! Rarará! Eu acho que eles fizeram macumba com bacalhau preto. E vinho do Porto!
E a Marina? A Marina parece o Vasco: faz um barulho danado pra ser VICE no final! O plano B era o PSB! Plano PSB! E a Marina não precisa de chapa, precisa de chapinha!
E o Ciro Botelho disse que PSB quer dizer: Preferimos Surpreender o Brasil. Ou Pretendemos Surrar o Barbudo! Rarará!
Achei uma incoerência a Marina falar "vamos sepultar a Velha República" e se filiar a um partido que filiou o Heráclito Fortes e o Bornhausen, do DEM! Deu Em Merda! Partido Socialista Brasileiro filia qualquer um, contanto que não seja socialista!
E a política tá assim: o PT se junta com o Maluf e o Sarney. A Marina se filia ao PSB, que filia o povo do DEM. E o PSDB parece um antiquário. É O NOVO! Como gritou uma leitora: "Junta tudo e JOGA FORA!" Rarará!
E eu posso ser sincero? Eu não entendo nada do que a Marina fala! Acho que ela tá falando grego com legenda em curdo e dublado em sânscrito! Parece filme da Mostra! E diz que, por causa da fusão Maricampos, a Dilma tá bolada. A Dilma não tá bolada. A Dilma É bolada: "Como presidenta, eu digo: Vamos em frenta que atrás vem genta!'". Rarará! É mole? É mole, mas sobe!
Os Predestinados! Mais dois para a minha série Os Predestinados! É que em Moema, aqui em Sampa, tem uma psicanalista chamada Janet NOYA! "Ai, doutora Janet, tô com uma noia!" E em São Carlos tem uma psicóloga chamada Silvia PÂNICO! Rarará!
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
O Pibinho e a Pnadona - EDMAR BACHA
O GLOBO - 08/10
Consta que o general Médici, então ocupando a Presidência do país, teria dito, no auge do chamado milagre econômico do regime militar, que a economia vai bem, mas o povo vai mal . A frase me inspirou a criar, em 1974, a fábula sobre o reino da Belíndia, uma ilha em que poucos belgas eram cercados de muitos indianos. Recentemente, economistas do governo, preocupados com a sequência de pibinhos acompanhados de elevada inflação, resolveram partir para a luta e proclamar que a economia vai mal, mas o povo vai bem . Marcelo Neri tem dado entrevistas dizendo que Belíndia agora tem novo significado: a renda de nossos belgas cresce pouco como a dos europeus, mas a renda de nossos indianos cresce igual à dos chineses. Será que o Brasil mudou tanto assim, e deixou de ser uma Belíndia para se tornar uma Indiabela?
Antes fosse. A realidade é que desde 1980 o país está parado no meio do caminho, incapaz de sair da renda média para se tornar um país rico. A distribuição da renda melhorou a partir da estabilização em 1994 e especialmente nos anos da bonança externa da década passada. Mas essa melhora só foi suficiente para o Brasil deixar de ser o país com a pior distribuição de renda do mundo e continuar no grupo dos países mais desiguais do planeta.
Marcelo Neri, em artigo no GLOBO (4 de outubro), se entusiasma com o resultado da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2012, segundo a qual o crescimento da renda por brasileiro teria sido de 8% de 2011 a 2012, um número maior do que o da China. O contraste com o PIB per capita não poderia ser maior, pois este aumentou apenas 0,1% de 2011 a 2012. Como pode o PIB per capita ter se estagnado e a renda per capita na Pnad ter crescido tanto assim?
Neri não explica. Apenas assevera que entender o Brasil não é tarefa para amadores e mantém seu otimismo de que em 2013 haverá uma alta na felicidade geral da nação. Euforia ministerial à parte, parece melhor adotar uma atitude mais cautelosa.
Caberia, antes de tudo, entender por que os dados da Pnad destoam tanto daqueles do PIB. Tarefa para profissionais, diria o Neri! Infelizmente, os profissionais andam batendo cabeça a respeito desse assunto. Alguns acham que o PIB está subestimado. Outros acham que se trata de conceitos distintos de renda real, pois a renda da Pnad é corrigida pela inflação (INPC) e o PIB é corrigido pelo chamado deflator implícito. Outros notam que o PIB é um conceito muito mais amplo que a renda das famílias na Pnad e que a comparação deveria ser feita, não com o PIB, mas com o consumo das famílias nas contas nacionais. Outros salientam que a Pnad apenas pergunta às pessoas qual foi sua renda em setembro de cada ano, enquanto que o PIB engloba uma massa muito maior de informações e cobre o ano inteiro.
Há, finalmente, a questão do salário mínimo, cujo valor real vem sendo reajustado bem acima da inflação há alguns anos. É possível que a renda reportada pelas pessoas à Pnad seja muito influenciada pelo valor do mínimo legal e supere os ganhos financeiros que elas de fato auferem, especialmente quando transitam da informalidade para a formalidade. A evidência de o consumo das famílias nas contas nacionais não acompanhar o crescimento da renda da Pnad seria um indício dessa superestimação.
Enquanto os economistas debatem as respostas para o dilema PIB x Pnad, é bom lembrar que o PIB retrata o potencial de produção do país. Se o PIB se mantiver estagnado, mais cedo ou mais tarde toda a população sofrerá. Durante algum tempo, especialmente num país tão desigual quanto o nosso, é possível elevar a renda dos mais pobres através de taxação e transferências, por exemplo. Isso é válido, mas não é sustentável. O Brasil precisa encontrar um caminho em que a distribuição de renda se alie ao crescimento, algo que ainda não conseguimos.
Apareceu o Wally! - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 08/10
A novidade política terá ou não influência sobre a economia? É provável que tenha alguma.
Até sábado, era preciso dedicação ao exercício "Onde está Wally?" para encontrar a cara da oposição no Brasil. A partir do anúncio do acordo político entre a ex-senadora Marina Silva e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, essa busca parece ter ficado mais fácil na medida em que pode mudar a paisagem eleitoral para 2014. Mais ainda, trata-se de uma oposição de qualidade diferente, pelo fato de que se forma a partir de dissidências da base do governo.
Em princípio, uma oposição mais forte não teria, por si só, condições de mudar o jogo. Mas a simples perspectiva de mais cobrança, pode, sim, exigir novas posturas de governança na área econômica.
Até aqui a presidente Dilma acumulou um alentado passivo econômico. O crescimento da atividade produtiva tem sido e vai continuar medíocre; a inflação saltou para o teto da meta (acima dos 6% em 12 meses) e está dificultando a administração orçamentária das famílias de classe média; o consumidor tomou gosto no crédito, mas já se encontra excessivamente endividado. A assim proclamada Nova Matriz Macroeconômica, baseada na prioridade ao consumo e nos juros baixos, não deu certo; submetida a mágicas contábeis, a administração das contas públicas perdeu credibilidade; o rombo externo (déficit em Conta Corrente) está crescendo para a altura dos 4% do PIB; a indústria carregada de custos vai sendo desidratada; o setor do etanol enfrenta esvaziamento pelo achatamento dos preços dos combustíveis; a opção por mais investimento chegou tarde; as primeiras concessões vêm demorando demais e estão sendo conduzidas um tanto amadoristicamente... E por aí vai.
O próprio governo Dilma vem reconhecendo que não basta patrocinar a emergência das novas classes médias, mas que é preciso garantir as expectativas dessa gente, tarefa que a atual política econômica não vem cumprindo.
Esses e outros tropeços e omissões deverão ser escrachados pela oposição agora reforçada. Não estão claras as posições programáticas dessa nova aliança. Presume-se que se encaminhe para uma espécie de choque de capitalismo com uma postura social-democrata. Até mesmo a revista The Economist já apontou Eduardo Campos como candidato mais "business-friendly", ou seja, mais chegado à ortodoxia do que a personalista presidente Dilma. É fator que também pode mobilizar mais os empresários e as classes médias em direção a certa correção de rumos da política econômica.
Isso não significa ainda que, sob maior pressão, o governo Dilma esteja disposto a mudar alguma coisa, porque em apenas 12 meses não haverá tempo suficiente para colher resultados eleitorais. O mais provável é que seguirá na atual toada, pouco disposto a correr riscos. Se puder, vai gastar ainda mais para arrancar aprovação do eleitorado. No mais, continuará a empurrar com a barriga o que já vem fazendo e isso inclui enfatizar ao máximo os acertos e esconder ao máximo os desacertos.
A novidade política terá ou não influência sobre a economia? É provável que tenha alguma.
Até sábado, era preciso dedicação ao exercício "Onde está Wally?" para encontrar a cara da oposição no Brasil. A partir do anúncio do acordo político entre a ex-senadora Marina Silva e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, essa busca parece ter ficado mais fácil na medida em que pode mudar a paisagem eleitoral para 2014. Mais ainda, trata-se de uma oposição de qualidade diferente, pelo fato de que se forma a partir de dissidências da base do governo.
Em princípio, uma oposição mais forte não teria, por si só, condições de mudar o jogo. Mas a simples perspectiva de mais cobrança, pode, sim, exigir novas posturas de governança na área econômica.
Até aqui a presidente Dilma acumulou um alentado passivo econômico. O crescimento da atividade produtiva tem sido e vai continuar medíocre; a inflação saltou para o teto da meta (acima dos 6% em 12 meses) e está dificultando a administração orçamentária das famílias de classe média; o consumidor tomou gosto no crédito, mas já se encontra excessivamente endividado. A assim proclamada Nova Matriz Macroeconômica, baseada na prioridade ao consumo e nos juros baixos, não deu certo; submetida a mágicas contábeis, a administração das contas públicas perdeu credibilidade; o rombo externo (déficit em Conta Corrente) está crescendo para a altura dos 4% do PIB; a indústria carregada de custos vai sendo desidratada; o setor do etanol enfrenta esvaziamento pelo achatamento dos preços dos combustíveis; a opção por mais investimento chegou tarde; as primeiras concessões vêm demorando demais e estão sendo conduzidas um tanto amadoristicamente... E por aí vai.
O próprio governo Dilma vem reconhecendo que não basta patrocinar a emergência das novas classes médias, mas que é preciso garantir as expectativas dessa gente, tarefa que a atual política econômica não vem cumprindo.
Esses e outros tropeços e omissões deverão ser escrachados pela oposição agora reforçada. Não estão claras as posições programáticas dessa nova aliança. Presume-se que se encaminhe para uma espécie de choque de capitalismo com uma postura social-democrata. Até mesmo a revista The Economist já apontou Eduardo Campos como candidato mais "business-friendly", ou seja, mais chegado à ortodoxia do que a personalista presidente Dilma. É fator que também pode mobilizar mais os empresários e as classes médias em direção a certa correção de rumos da política econômica.
Isso não significa ainda que, sob maior pressão, o governo Dilma esteja disposto a mudar alguma coisa, porque em apenas 12 meses não haverá tempo suficiente para colher resultados eleitorais. O mais provável é que seguirá na atual toada, pouco disposto a correr riscos. Se puder, vai gastar ainda mais para arrancar aprovação do eleitorado. No mais, continuará a empurrar com a barriga o que já vem fazendo e isso inclui enfatizar ao máximo os acertos e esconder ao máximo os desacertos.
Desafio brasileiro - MARIO CESAR FLORES
O Estado de S.Paulo - 08/10
A saga brasileira posterior ao fim da Primeira República, em 1930, marcada por períodos autoritários e democráticos, pelo desenvolvimento industrial, pela urbanização e pela explosão demográfica, acabou desembocando na atribulada ordem política e social vigente.
Para começar, de origem histórica e grande hoje: o controle hegemônico do Estado pelo Executivo, que se vale da cooptação de partidos amorfos, menos preocupados com a homogeneidade de ideários (quando os têm...) e mais com o arranjo político de participação no poder, por vezes abalado pela colisão de interesses - haja vista a PEC das emendas de parlamentares. Vale-se da forte presença direta (empresas, bancos) do Estado na economia e da cooptação do capital privado via protecionismo, contratos, estímulos e crédito. E se vale da cooptação do povo, apoiada na propagação de meias-verdades ilusórias, no crédito ao consumo alucinógeno e em benefícios sociais que, mesmo se razoáveis, não raro são viciados na execução.
Cenário dessa natureza é naturalmente aberto ao fascínio do messianismo. Em razão do nosso perfil social, mais do messianismo populista, com suas imagens beatificadas, propalado como democrático porque o titular do Executivo é eleito. Seu discurso libertário procura maquiar restrições à democracia, a exemplo da "democratização das comunicações", álibi para o controle da mídia ao estilo da Venezuela bolivariana e da Argentina kirchneriana, até agora contido no Brasil. Perón, Chávez e Lula são casos relevantes de rendição ao fascínio. Getúlio Vargas e Jânio Quadros também eram messiânicos e populistas - Getúlio, autoritário assumido, na onda então em moda e Jânio apoiado mais na classe média.
Complemento natural desse cenário: o processo eleitoral produtor de configuração de poder político em que parte ponderável dos eleitos é movida por objetivos paroquiais eleitoreiros e vê no sucesso eleitoral um alvará para a prática de patrimonialismo e clientelismo. "O negócio é se eleger e se abancar, depois se vê o que se pode fazer, conforme a necessidade e a serventia para a permanência no poder" (João Ubaldo Ribeiro).
Nossa organização político-administrativa é coerente com o quadro: Federação política ideal cerceada na realidade pela concentração da receita pública na União (típica do autoritarismo de direita e esquerda). Realidade que sujeita os Estados ao apoio federal até para o cumprimento de responsabilidades estaduais: governadores que a lógica política os faria oposição se veem compelidos à moderação ambígua, para evitar o sufoco de seus governos. A solução adequada ao Brasil grande e diversificado implica a revisão da Federação, a conciliação entre a ordem política e seu suporte financeiro. Mas a revisão sofre resistência porque o status quo é útil ao patrimonialismo e atende à tradição de centralismo - de direito na Colônia e no Império, quando serviu à unidade territorial, no Estado Novo e no regime de 1964 e ficção federativa nos períodos republicanos democráticos.
Esse paradigma político-administrativo sugere analogia com o mexicano recente: Estado nacional onipotente, presidencialismo imperial (sem reeleição...) e arranjo de apoio partidário simulacro (embora com tropeços) do protagônico Partido Revolucionário Institucional (PRI) - e da nossa Arena - na simbiose Estado-partido, casta político-burocrática privilegiada e aliança do sistema político com sindicatos e o capital, em que interesse e arrivismo superam as ideias.
A estrutura política e administrativa e seu funcionamento aquém do conveniente (condescendência semântica...) dificultam a correção das mazelas nacionais: corrupção epidêmica, irresponsabilidade fiscal, inflação, tributação elevada sem retorno correspondente, infraestrutura logística e sistemas de saúde e educação precários, serviço público maculado pela incompetência, venalidade, loteamento de cargos (influente na incompetência e na venalidade) e greves agressivas ao povo, economia demasiado estatizada e (capital privado) caudatária do poder público, declínio da indústria no PIB, fracasso de projetos grandiosos e já chegando ao paroxismo, a pandemia da criminalidade, violência e desordem.
Nos anos 1990 até início dos 2000 ocorreram impulsos (incompletos) de correção, mas desde então o avanço cessou. Consequência: risco de demérito da democracia e de inquietação e desesperança que, paradoxalmente, no nosso quadro social vulnerável à ilusão, tende à sedução pelas fantasias do populismo. E não se percebem sintomas de melhora, ao contrário: nos últimos decênios a publicidade veiculada pela tecnologia audiovisual moderna, que dispensa ler e pensar, vem estimulando a banalização da política e a deterioração de sua qualidade.
Surpreendentemente, apesar do panorama sombrio, o País cresce, no impulso do "impávido colosso" e do "gigante pela própria natureza", do Hino Nacional. Mas cresceria com menos embaraços e maior velocidade se mais bem conduzido. Frustrações e a sensação de insuficiência já transparecem nas manifestações de protesto - até agora mais da classe média e do proletariado de classe média baixa, com grande parte do povo ainda anestesiada pela demagogia ilusória. Seus motivos circunstanciais, por vezes ilógicos e irrealistas (tarifa zero...) ou irracionais (sem saber "contra o que ou quem", "contra tudo e todos", o vandalismo criminoso depredando bancos...), são confusa e inconscientemente reflexos de insatisfação generalizada.
Manifestações de protesto indicam apenas o ânimo difuso do povo. Na democracia, gritos, faixas (e máscaras...) não consertam o País, não substituem a eleição. A negação abstrata refletida nas manifestações é inócua sem seu complemento, a afirmação concreta e decisiva expressa no voto ponderado e consciente, que imprima melhor qualidade à política. Essa solução - a única sem trauma político - é um desafio brasileiro hoje.
A saga brasileira posterior ao fim da Primeira República, em 1930, marcada por períodos autoritários e democráticos, pelo desenvolvimento industrial, pela urbanização e pela explosão demográfica, acabou desembocando na atribulada ordem política e social vigente.
Para começar, de origem histórica e grande hoje: o controle hegemônico do Estado pelo Executivo, que se vale da cooptação de partidos amorfos, menos preocupados com a homogeneidade de ideários (quando os têm...) e mais com o arranjo político de participação no poder, por vezes abalado pela colisão de interesses - haja vista a PEC das emendas de parlamentares. Vale-se da forte presença direta (empresas, bancos) do Estado na economia e da cooptação do capital privado via protecionismo, contratos, estímulos e crédito. E se vale da cooptação do povo, apoiada na propagação de meias-verdades ilusórias, no crédito ao consumo alucinógeno e em benefícios sociais que, mesmo se razoáveis, não raro são viciados na execução.
Cenário dessa natureza é naturalmente aberto ao fascínio do messianismo. Em razão do nosso perfil social, mais do messianismo populista, com suas imagens beatificadas, propalado como democrático porque o titular do Executivo é eleito. Seu discurso libertário procura maquiar restrições à democracia, a exemplo da "democratização das comunicações", álibi para o controle da mídia ao estilo da Venezuela bolivariana e da Argentina kirchneriana, até agora contido no Brasil. Perón, Chávez e Lula são casos relevantes de rendição ao fascínio. Getúlio Vargas e Jânio Quadros também eram messiânicos e populistas - Getúlio, autoritário assumido, na onda então em moda e Jânio apoiado mais na classe média.
Complemento natural desse cenário: o processo eleitoral produtor de configuração de poder político em que parte ponderável dos eleitos é movida por objetivos paroquiais eleitoreiros e vê no sucesso eleitoral um alvará para a prática de patrimonialismo e clientelismo. "O negócio é se eleger e se abancar, depois se vê o que se pode fazer, conforme a necessidade e a serventia para a permanência no poder" (João Ubaldo Ribeiro).
Nossa organização político-administrativa é coerente com o quadro: Federação política ideal cerceada na realidade pela concentração da receita pública na União (típica do autoritarismo de direita e esquerda). Realidade que sujeita os Estados ao apoio federal até para o cumprimento de responsabilidades estaduais: governadores que a lógica política os faria oposição se veem compelidos à moderação ambígua, para evitar o sufoco de seus governos. A solução adequada ao Brasil grande e diversificado implica a revisão da Federação, a conciliação entre a ordem política e seu suporte financeiro. Mas a revisão sofre resistência porque o status quo é útil ao patrimonialismo e atende à tradição de centralismo - de direito na Colônia e no Império, quando serviu à unidade territorial, no Estado Novo e no regime de 1964 e ficção federativa nos períodos republicanos democráticos.
Esse paradigma político-administrativo sugere analogia com o mexicano recente: Estado nacional onipotente, presidencialismo imperial (sem reeleição...) e arranjo de apoio partidário simulacro (embora com tropeços) do protagônico Partido Revolucionário Institucional (PRI) - e da nossa Arena - na simbiose Estado-partido, casta político-burocrática privilegiada e aliança do sistema político com sindicatos e o capital, em que interesse e arrivismo superam as ideias.
A estrutura política e administrativa e seu funcionamento aquém do conveniente (condescendência semântica...) dificultam a correção das mazelas nacionais: corrupção epidêmica, irresponsabilidade fiscal, inflação, tributação elevada sem retorno correspondente, infraestrutura logística e sistemas de saúde e educação precários, serviço público maculado pela incompetência, venalidade, loteamento de cargos (influente na incompetência e na venalidade) e greves agressivas ao povo, economia demasiado estatizada e (capital privado) caudatária do poder público, declínio da indústria no PIB, fracasso de projetos grandiosos e já chegando ao paroxismo, a pandemia da criminalidade, violência e desordem.
Nos anos 1990 até início dos 2000 ocorreram impulsos (incompletos) de correção, mas desde então o avanço cessou. Consequência: risco de demérito da democracia e de inquietação e desesperança que, paradoxalmente, no nosso quadro social vulnerável à ilusão, tende à sedução pelas fantasias do populismo. E não se percebem sintomas de melhora, ao contrário: nos últimos decênios a publicidade veiculada pela tecnologia audiovisual moderna, que dispensa ler e pensar, vem estimulando a banalização da política e a deterioração de sua qualidade.
Surpreendentemente, apesar do panorama sombrio, o País cresce, no impulso do "impávido colosso" e do "gigante pela própria natureza", do Hino Nacional. Mas cresceria com menos embaraços e maior velocidade se mais bem conduzido. Frustrações e a sensação de insuficiência já transparecem nas manifestações de protesto - até agora mais da classe média e do proletariado de classe média baixa, com grande parte do povo ainda anestesiada pela demagogia ilusória. Seus motivos circunstanciais, por vezes ilógicos e irrealistas (tarifa zero...) ou irracionais (sem saber "contra o que ou quem", "contra tudo e todos", o vandalismo criminoso depredando bancos...), são confusa e inconscientemente reflexos de insatisfação generalizada.
Manifestações de protesto indicam apenas o ânimo difuso do povo. Na democracia, gritos, faixas (e máscaras...) não consertam o País, não substituem a eleição. A negação abstrata refletida nas manifestações é inócua sem seu complemento, a afirmação concreta e decisiva expressa no voto ponderado e consciente, que imprima melhor qualidade à política. Essa solução - a única sem trauma político - é um desafio brasileiro hoje.
Pela ótica na política - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 08/10
Marinismo e campismo querem enterrar o velho na política, mas ainda dançam a mesma ciranda
EDUARDO CAMPOS e seu partido, PSB, estiveram no governo de Dilma (PT) até setembro. Marina Silva foi ministra de Lula entre 2003 e 2008 e foi PT até 2009. Ok, saiu faz quatro anos, o período entre duas Copas do Mundo e duas eleições, mas foi petista desde meados dos anos 80, embora do "velho PT", decerto.
No dueto do final de semana, Marina e Campos cantavam a modinha do "novo" na política. Querem "enterrar a velha política do Brasil" (Campos), "o Brasil que está aí com esse atraso na política que pode fazer a gente perder as conquistas que a duras penas ganhamos..." (Marina), pois "ninguém vai melhorar esse país se não melhorar a política que está lá fora".
Pois então. Além de estar no governo Dilma até o mês passado, Campos embarcou no seu Partido Socialista Brasileiro uns notórios oligarcas do DEM, ex-PFL. No final de agosto, Campos e o senador Aécio Neves (PSDB) confraternizavam amorosamente em jantares nos quais pareciam ter acertado uma política de boa vizinhança para a eleição de 2014. PSB e PSDB estarão (estariam?) juntos no mesmo palanque em alguns Estados.
Enfim, "business as usual", política normal e o melhor do Carnaval, ainda que a banalidade dessas conversas causasse o torpor do enfado.
Marina aderiu sem querer querendo ao PSB a fim de sair de uma sinuca de bico eleitoral-cartorial, "golpe de mestre", "jogada de alto gabarito político", segundo aficcionados da política politiqueira, mas também "business as usual". No entanto sabe-se lá que bicho vai dar, se tempestades e ímpetos amazônicos de Marina vão permitir a coabitação com o campismo e, enfim, se o eleitor vai gostar disso, eleitor que em geral não dá a mínima para eleições até a véspera, quando dá.
Pois então. Marina, que passou a amar Campos, que amava o governo Dilma, mas namorava Aécio, foi para o PSB de Campos, governista até a lua passada e também companheiro de velhos DEMistas.
Desculpe-se a banalidade da pergunta ingênua, mas quem "está lá fora", na "velha política", que o marinismo e o campismo querem "enterrar"? Não sobrou quase ninguém além do PMDB e dos partidos nanicos mensaleiros e outros ainda menos notáveis ou menos notórios.
E quanto à substância? São novos por qual ótica? O que Marina e Campos podem ter de novo ou reformista não se sabe ainda.
O marinismo e o campismo querem "preservar conquistas", mas melhorar a política econômica, defendem o "tripé" palociano-luliano-tucano (inflação controlada, metas de inflação e responsabilidade fiscal) etc. Em suma, querem dizer que repetem o arroz com feijão que ouvem de seus economistas-padrão e se pelam de medo de lhes colarem a imagem de inimigos do Bolsa Família e de Lula, que têm enorme prestígio. Dilma prestou assim um grande serviço à oposição, pois serve de anteparo, de Judas, para a malhação do governo petista sem que seja necessário bater em Lula.
Mas a fórmula genérica dos economistas não quer dizer nada. Política fiscal nos trilhos, investimento e mudança tributária implicam aumento da poupança do governo, um paradão nas políticas distributivas do petismo (não sua reversão, decerto), corte nos vários benefícios previdenciários e em conflitos com Estados, para só começar o rolo.
Marinismo e campismo querem enterrar o velho na política, mas ainda dançam a mesma ciranda
EDUARDO CAMPOS e seu partido, PSB, estiveram no governo de Dilma (PT) até setembro. Marina Silva foi ministra de Lula entre 2003 e 2008 e foi PT até 2009. Ok, saiu faz quatro anos, o período entre duas Copas do Mundo e duas eleições, mas foi petista desde meados dos anos 80, embora do "velho PT", decerto.
No dueto do final de semana, Marina e Campos cantavam a modinha do "novo" na política. Querem "enterrar a velha política do Brasil" (Campos), "o Brasil que está aí com esse atraso na política que pode fazer a gente perder as conquistas que a duras penas ganhamos..." (Marina), pois "ninguém vai melhorar esse país se não melhorar a política que está lá fora".
Pois então. Além de estar no governo Dilma até o mês passado, Campos embarcou no seu Partido Socialista Brasileiro uns notórios oligarcas do DEM, ex-PFL. No final de agosto, Campos e o senador Aécio Neves (PSDB) confraternizavam amorosamente em jantares nos quais pareciam ter acertado uma política de boa vizinhança para a eleição de 2014. PSB e PSDB estarão (estariam?) juntos no mesmo palanque em alguns Estados.
Enfim, "business as usual", política normal e o melhor do Carnaval, ainda que a banalidade dessas conversas causasse o torpor do enfado.
Marina aderiu sem querer querendo ao PSB a fim de sair de uma sinuca de bico eleitoral-cartorial, "golpe de mestre", "jogada de alto gabarito político", segundo aficcionados da política politiqueira, mas também "business as usual". No entanto sabe-se lá que bicho vai dar, se tempestades e ímpetos amazônicos de Marina vão permitir a coabitação com o campismo e, enfim, se o eleitor vai gostar disso, eleitor que em geral não dá a mínima para eleições até a véspera, quando dá.
Pois então. Marina, que passou a amar Campos, que amava o governo Dilma, mas namorava Aécio, foi para o PSB de Campos, governista até a lua passada e também companheiro de velhos DEMistas.
Desculpe-se a banalidade da pergunta ingênua, mas quem "está lá fora", na "velha política", que o marinismo e o campismo querem "enterrar"? Não sobrou quase ninguém além do PMDB e dos partidos nanicos mensaleiros e outros ainda menos notáveis ou menos notórios.
E quanto à substância? São novos por qual ótica? O que Marina e Campos podem ter de novo ou reformista não se sabe ainda.
O marinismo e o campismo querem "preservar conquistas", mas melhorar a política econômica, defendem o "tripé" palociano-luliano-tucano (inflação controlada, metas de inflação e responsabilidade fiscal) etc. Em suma, querem dizer que repetem o arroz com feijão que ouvem de seus economistas-padrão e se pelam de medo de lhes colarem a imagem de inimigos do Bolsa Família e de Lula, que têm enorme prestígio. Dilma prestou assim um grande serviço à oposição, pois serve de anteparo, de Judas, para a malhação do governo petista sem que seja necessário bater em Lula.
Mas a fórmula genérica dos economistas não quer dizer nada. Política fiscal nos trilhos, investimento e mudança tributária implicam aumento da poupança do governo, um paradão nas políticas distributivas do petismo (não sua reversão, decerto), corte nos vários benefícios previdenciários e em conflitos com Estados, para só começar o rolo.
Hora da verdade - RUBENS BARBOSA
O GLOBO - 08/10
O país deve priorizar os interesses nacionais permanentes sobre os objetivos de curto prazo
Estava em Washington, liderando uma delegação empresarial da seção brasileira do Conselho Empresarial Brasil-EUA, no dia em que os presidentes dos dois países decidiram anunciar o adiamento da visita de Estado de Dilma Rousseff.
Parece não haver dúvida que o adiamento foi a melhor solução para evitar maiores constrangimentos aos dois presidentes. Não se podia ignorar o risco de que, enquanto a presidente brasileira estivesse na Casa Branca, fossem divulgadas novas informações sigilosas do governo brasileiro. A decisão final do governo brasileiro evitou o radicalismo proposto pelo PT que, além do cancelamento da visita, queria a retirada do embaixador em Washington e a expulsão de elementos da NSA e da CIA lotados na Embaixada dos EUA em Brasília.
Dada a importância das visitas de Estado na liturgia do poder nos EUA, deverá haver repercussões de curto prazo no relacionamento bilateral. O pronunciamento da presidente nas Nações Unidas não terá ajudado a diminuir o impacto negativo. O que fará o governo brasileiro, caso o pedido público de desculpas dos EUA e as explicações satisfatórias não venham? Como ficarão as relações entre os dois países?
O adiamento reflete também a baixa prioridade política e diplomática que os dois países atribuem hoje à sua relação bilateral. Do lado do Brasil, nos últimos doze anos, por considerações ideológicas e partidárias, as prioridades são as relações Sul-Sul, com destaque para a América do Sul, África e os Brics. De parte dos EUA, em virtude da ausência de ameaças à segurança nacional e de o seu foco estar voltado para a China e para o Oriente Médio, a América do Sul e o Brasil estão fora dos radares dos formuladores de política de Washington.
De forma pragmática, Washington e Brasília deveriam dar um tratamento de choque na relação entre os dois países. Novas ideias — e não apenas os assuntos rotineiros que há anos frequentam a agenda dos dois governos — deveriam ser trabalhadas, com o setor privado.
O presidente Obama declarou que o México e o Brasil deveriam ser tratados de forma diferenciada. Não sei se agora o governo americano ainda está interessado nisso. Em caso positivo, poderia estender ao país o mesmo tratamento dispensado a Índia, Coreia e Turquia. Nestes casos, prevaleceram evidentes considerações de natureza estratégica e militar. A motivação no caso do Brasil seria o interesse dos EUA em incrementar uma efetiva parceria com o Brasil nas áreas de comércio e investimento, sobretudo em setores sensíveis, como inovação, defesa, espaço e nuclear. Nessas áreas, o Brasil, para não continuar fora desse mercado por restrições e controles à exportação de produtos, serviços e tecnologia de uso dual, poderia ser incluído na lista de países que se beneficiam de isenções de licenças de exportação ou que negociaram acordos de cooperação.
Como ocorreu com outros países europeus, Índia e México, também afetados pela espionagem dos EUA, espera-se que o Brasil priorize na relação com Washington os interesses nacionais permanentes sobre os objetivos ideológicos e partidários de curto prazo.
O país deve priorizar os interesses nacionais permanentes sobre os objetivos de curto prazo
Estava em Washington, liderando uma delegação empresarial da seção brasileira do Conselho Empresarial Brasil-EUA, no dia em que os presidentes dos dois países decidiram anunciar o adiamento da visita de Estado de Dilma Rousseff.
Parece não haver dúvida que o adiamento foi a melhor solução para evitar maiores constrangimentos aos dois presidentes. Não se podia ignorar o risco de que, enquanto a presidente brasileira estivesse na Casa Branca, fossem divulgadas novas informações sigilosas do governo brasileiro. A decisão final do governo brasileiro evitou o radicalismo proposto pelo PT que, além do cancelamento da visita, queria a retirada do embaixador em Washington e a expulsão de elementos da NSA e da CIA lotados na Embaixada dos EUA em Brasília.
Dada a importância das visitas de Estado na liturgia do poder nos EUA, deverá haver repercussões de curto prazo no relacionamento bilateral. O pronunciamento da presidente nas Nações Unidas não terá ajudado a diminuir o impacto negativo. O que fará o governo brasileiro, caso o pedido público de desculpas dos EUA e as explicações satisfatórias não venham? Como ficarão as relações entre os dois países?
O adiamento reflete também a baixa prioridade política e diplomática que os dois países atribuem hoje à sua relação bilateral. Do lado do Brasil, nos últimos doze anos, por considerações ideológicas e partidárias, as prioridades são as relações Sul-Sul, com destaque para a América do Sul, África e os Brics. De parte dos EUA, em virtude da ausência de ameaças à segurança nacional e de o seu foco estar voltado para a China e para o Oriente Médio, a América do Sul e o Brasil estão fora dos radares dos formuladores de política de Washington.
De forma pragmática, Washington e Brasília deveriam dar um tratamento de choque na relação entre os dois países. Novas ideias — e não apenas os assuntos rotineiros que há anos frequentam a agenda dos dois governos — deveriam ser trabalhadas, com o setor privado.
O presidente Obama declarou que o México e o Brasil deveriam ser tratados de forma diferenciada. Não sei se agora o governo americano ainda está interessado nisso. Em caso positivo, poderia estender ao país o mesmo tratamento dispensado a Índia, Coreia e Turquia. Nestes casos, prevaleceram evidentes considerações de natureza estratégica e militar. A motivação no caso do Brasil seria o interesse dos EUA em incrementar uma efetiva parceria com o Brasil nas áreas de comércio e investimento, sobretudo em setores sensíveis, como inovação, defesa, espaço e nuclear. Nessas áreas, o Brasil, para não continuar fora desse mercado por restrições e controles à exportação de produtos, serviços e tecnologia de uso dual, poderia ser incluído na lista de países que se beneficiam de isenções de licenças de exportação ou que negociaram acordos de cooperação.
Como ocorreu com outros países europeus, Índia e México, também afetados pela espionagem dos EUA, espera-se que o Brasil priorize na relação com Washington os interesses nacionais permanentes sobre os objetivos ideológicos e partidários de curto prazo.
Abre-se um vazio na Argentina - CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SP - 08/10
Não há herdeiro à vista para uma Cristina Kirchner enfraquecida pela cirurgia e pela eleição iminente
Difícil discordar de Eduardo Aliverti, colunista do jornal argentino "Página12", ainda que se saiba que a publicação é militantemente pró-Cristina Kirchner, quando ele escreve o seguinte sobre a doença da presidente:
"Há muitos que, ante circunstâncias como estas, (re)tomam nota do valor de uma chefe de Estado que --consideradas as colunas de deve' e haver'-- continua erigida como figura imprescindível para sustentar não apenas um modelo ou um relato, mas a própria governabilidade, com firmeza de caráter".
De fato, com todos os defeitos que Cristina tem, a sua cirurgia e o pós-operatório abrem um vazio político-institucional. Seu substituto interino e sucessor constitucional, em caso de necessidade, chama-se Amado Boudou. É figura secundária, marginalizada pela própria presidente durante a campanha eleitoral para as primárias obrigatórias de agosto.
Marginalizado pela simples e boa razão de que responde a dois processos judiciais, sob acusações de enriquecimento ilícito e de "negociações incompatíveis com a função pública".
Não há no kirchnerismo herdeiro à vista, salvo que se recorra a uma velha mania peronista e se entronize o filho de Cristina, Máximo, uma das únicas companhias de seu retiro de domingo na quinta presidencial de Olivos, ao lado do secretário técnico da Presidência, Carlos Zanini, burocrata sem projeção política.
O mais provável é que o vazio político seja preenchido pela oposição, que lidera todas as pesquisas para as eleições parlamentares do dia 27, para renovar metade da Câmara de Deputados e um terço do Senado. A reta final da campanha não terá a presença de Cristina puxando votos para os seus, o que, em tese, os enfraquecerá mais ainda.
Uma vitória oposicionista seria "convergência entre a decadência política e o declínio físico [da presidente]", na cruel observação de Joaquín Morales Solá, principal colunista do opositor "La Nación".
Mas a oposição, mesmo que ganhe, poderá ocupar só uma fatia do vazio, o parlamentar, assim mesmo com a ressalva de que não será ocupação completa, posto que estará em jogo apenas uma parcela dos assentos nas duas Casas do Congresso, hoje de maioria confortável para o peronismo kirchnerista.
Preencher o vazio depende de Cristina se recuperar plenamente. Ainda assim, será preciso saber se ela preservará uma característica que é endeusada pelos seguidores, a de procurar sempre o confronto, contra tudo e contra todos, o que é complicado em uma convalescente de cirurgia no cérebro.
Para gerir a sua própria sucessão, no pressuposto de que não deve alcançar os dois terços do Congresso que lhe permitiriam tentar a "re-reeleição", a presidente terá que mostrar uma capacidade de conciliação e de negociação que até agora lhe foi estranha. Ainda mais que um Congresso com oposição majoritária exigirá igualmente capacidade de negociação.
Tudo somado, a doença da presidente abre um período talvez longo de instabilidade no principal vizinho do Brasil.
Não há herdeiro à vista para uma Cristina Kirchner enfraquecida pela cirurgia e pela eleição iminente
Difícil discordar de Eduardo Aliverti, colunista do jornal argentino "Página12", ainda que se saiba que a publicação é militantemente pró-Cristina Kirchner, quando ele escreve o seguinte sobre a doença da presidente:
"Há muitos que, ante circunstâncias como estas, (re)tomam nota do valor de uma chefe de Estado que --consideradas as colunas de deve' e haver'-- continua erigida como figura imprescindível para sustentar não apenas um modelo ou um relato, mas a própria governabilidade, com firmeza de caráter".
De fato, com todos os defeitos que Cristina tem, a sua cirurgia e o pós-operatório abrem um vazio político-institucional. Seu substituto interino e sucessor constitucional, em caso de necessidade, chama-se Amado Boudou. É figura secundária, marginalizada pela própria presidente durante a campanha eleitoral para as primárias obrigatórias de agosto.
Marginalizado pela simples e boa razão de que responde a dois processos judiciais, sob acusações de enriquecimento ilícito e de "negociações incompatíveis com a função pública".
Não há no kirchnerismo herdeiro à vista, salvo que se recorra a uma velha mania peronista e se entronize o filho de Cristina, Máximo, uma das únicas companhias de seu retiro de domingo na quinta presidencial de Olivos, ao lado do secretário técnico da Presidência, Carlos Zanini, burocrata sem projeção política.
O mais provável é que o vazio político seja preenchido pela oposição, que lidera todas as pesquisas para as eleições parlamentares do dia 27, para renovar metade da Câmara de Deputados e um terço do Senado. A reta final da campanha não terá a presença de Cristina puxando votos para os seus, o que, em tese, os enfraquecerá mais ainda.
Uma vitória oposicionista seria "convergência entre a decadência política e o declínio físico [da presidente]", na cruel observação de Joaquín Morales Solá, principal colunista do opositor "La Nación".
Mas a oposição, mesmo que ganhe, poderá ocupar só uma fatia do vazio, o parlamentar, assim mesmo com a ressalva de que não será ocupação completa, posto que estará em jogo apenas uma parcela dos assentos nas duas Casas do Congresso, hoje de maioria confortável para o peronismo kirchnerista.
Preencher o vazio depende de Cristina se recuperar plenamente. Ainda assim, será preciso saber se ela preservará uma característica que é endeusada pelos seguidores, a de procurar sempre o confronto, contra tudo e contra todos, o que é complicado em uma convalescente de cirurgia no cérebro.
Para gerir a sua própria sucessão, no pressuposto de que não deve alcançar os dois terços do Congresso que lhe permitiriam tentar a "re-reeleição", a presidente terá que mostrar uma capacidade de conciliação e de negociação que até agora lhe foi estranha. Ainda mais que um Congresso com oposição majoritária exigirá igualmente capacidade de negociação.
Tudo somado, a doença da presidente abre um período talvez longo de instabilidade no principal vizinho do Brasil.
Concessões e seus dilemas - JOSÉ PAULO KUPFER
O Estado de S.Paulo - 08/10
As concessões públicas para exploração por empresas privadas, no setor de infraestrutura, se tornaram vitais para a criação de espaços ao desenvolvimento, no Brasil, de uma economia dinâmica e sustentável. O País - mais correto seria dizer os governos -, principalmente nas últimas três décadas, por motivos variados, nem sempre bem justificados, dormiu no ponto e acordou tarde para a questão. Mas, enfim, acordou e o governo Dilma, no qual se deu o despertar, está querendo tirar o grande atraso numa correria incompatível com a complexidade do problema.
Tem sido intensa, de fato, a atividade governamental na tentativa de acelerar as licitações de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Mas são tantas as iniciativas, com tão frequentes idas e vindas na modelagem dos leilões, que os resultados têm sido em geral frustrantes. Além da demora, os processos produzem incertezas e desconfianças, comprometendo a atratividade da operação e afugentando concorrentes.
O governo parece perdido no emaranhado de critérios a definir e das críticas às suas escolhas, sem falar nas restrições e ressalvas que o Tribunal de Contas da União (TCU) tem imposto aos projetos que lhe são submetidos. A afobação em revisar os modelos de licitação pode ser vista como um esforço para chegar a fórmulas mais atrativas aos operadores privados, mas também pode revelar, além disso, baixa capacitação técnica - para não falar incompetência - na estruturação dos processos de licitação.
Não se pode esquecer, a bem da verdade, que também as críticas nem sempre têm primado pela coerência. Descontadas aquelas que, com ares técnicos, são incapazes de camuflar seu viés político ou ideológico, muitas pecam por oferecer soluções para falhas ou incertezas dos modelos de leilão apresentados pelo governo sem atentar para as falhas e incertezas que suas sugestões igualmente podem acabar produzindo. A coisa toda faz lembrar a clássica fábula do velho, do menino e do burro, na qual se narra uma tentativa de satisfazer a todos que não agrada a ninguém.
As batidas de cabeça, no caso das concessões, são até certo ponto justificadas. Não é nada trivial estabelecer o ponto de equilíbrio entre o indispensável estímulo ao investimento, de interesse dos operadores privados, e a capacidade de pagamento do serviço, que interessa aos usuários.
Tarifas módicas beneficiam usuários, mas, conforme o movimento estimado no trecho a ser concedido, tendem a reduzir as taxas de retorno do investimento. Além de espantar candidatos, taxas de retorno insuficientes trazem o risco de que os eventuais ganhadores não cumpram o prometido nos contratos.
Tarifas muito altas, de seu lado, tendem a ser rejeitadas pelos usuários, obrigando governos a recorrer a subsídios. Há exemplos, na experiência brasileira recente, de que tanto as fórmulas que privilegiam a cobrança de tarifa mais altas quanto as que dão ênfase à chamada modicidade tarifária podem dar errado.
A tentação é solucionar o dilema tarifa x rentabilidade com o concurso do Tesouro Nacional, pela via de subsídios. Uma tarifa efetiva mais alta, capaz de assegurar taxas de retorno atraentes ao investimento privado, pode se tornar módica desde que uma parcela do preço seja bancada com dinheiro público. Mas, nesse caso, sua aplicação só se justifica diante da existência de suficientes "externalidades positivas" - jargão econômico para os impactos totais positivos produzidos pelo investimento.
Tudo isso, não é difícil perceber, já é bem complicado de equacionar. E fica ainda mais complicado porque, em resumo, o usuário que, num primeiro momento, pode ser beneficiado pelo subsídio público é o mesmo personagem que, no momento seguinte, será prejudicado quando vestir a pele do contribuinte.
As concessões públicas para exploração por empresas privadas, no setor de infraestrutura, se tornaram vitais para a criação de espaços ao desenvolvimento, no Brasil, de uma economia dinâmica e sustentável. O País - mais correto seria dizer os governos -, principalmente nas últimas três décadas, por motivos variados, nem sempre bem justificados, dormiu no ponto e acordou tarde para a questão. Mas, enfim, acordou e o governo Dilma, no qual se deu o despertar, está querendo tirar o grande atraso numa correria incompatível com a complexidade do problema.
Tem sido intensa, de fato, a atividade governamental na tentativa de acelerar as licitações de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Mas são tantas as iniciativas, com tão frequentes idas e vindas na modelagem dos leilões, que os resultados têm sido em geral frustrantes. Além da demora, os processos produzem incertezas e desconfianças, comprometendo a atratividade da operação e afugentando concorrentes.
O governo parece perdido no emaranhado de critérios a definir e das críticas às suas escolhas, sem falar nas restrições e ressalvas que o Tribunal de Contas da União (TCU) tem imposto aos projetos que lhe são submetidos. A afobação em revisar os modelos de licitação pode ser vista como um esforço para chegar a fórmulas mais atrativas aos operadores privados, mas também pode revelar, além disso, baixa capacitação técnica - para não falar incompetência - na estruturação dos processos de licitação.
Não se pode esquecer, a bem da verdade, que também as críticas nem sempre têm primado pela coerência. Descontadas aquelas que, com ares técnicos, são incapazes de camuflar seu viés político ou ideológico, muitas pecam por oferecer soluções para falhas ou incertezas dos modelos de leilão apresentados pelo governo sem atentar para as falhas e incertezas que suas sugestões igualmente podem acabar produzindo. A coisa toda faz lembrar a clássica fábula do velho, do menino e do burro, na qual se narra uma tentativa de satisfazer a todos que não agrada a ninguém.
As batidas de cabeça, no caso das concessões, são até certo ponto justificadas. Não é nada trivial estabelecer o ponto de equilíbrio entre o indispensável estímulo ao investimento, de interesse dos operadores privados, e a capacidade de pagamento do serviço, que interessa aos usuários.
Tarifas módicas beneficiam usuários, mas, conforme o movimento estimado no trecho a ser concedido, tendem a reduzir as taxas de retorno do investimento. Além de espantar candidatos, taxas de retorno insuficientes trazem o risco de que os eventuais ganhadores não cumpram o prometido nos contratos.
Tarifas muito altas, de seu lado, tendem a ser rejeitadas pelos usuários, obrigando governos a recorrer a subsídios. Há exemplos, na experiência brasileira recente, de que tanto as fórmulas que privilegiam a cobrança de tarifa mais altas quanto as que dão ênfase à chamada modicidade tarifária podem dar errado.
A tentação é solucionar o dilema tarifa x rentabilidade com o concurso do Tesouro Nacional, pela via de subsídios. Uma tarifa efetiva mais alta, capaz de assegurar taxas de retorno atraentes ao investimento privado, pode se tornar módica desde que uma parcela do preço seja bancada com dinheiro público. Mas, nesse caso, sua aplicação só se justifica diante da existência de suficientes "externalidades positivas" - jargão econômico para os impactos totais positivos produzidos pelo investimento.
Tudo isso, não é difícil perceber, já é bem complicado de equacionar. E fica ainda mais complicado porque, em resumo, o usuário que, num primeiro momento, pode ser beneficiado pelo subsídio público é o mesmo personagem que, no momento seguinte, será prejudicado quando vestir a pele do contribuinte.
Novo degrau de juros - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 08/10
Nesta reunião do Copom, o Banco Central terá a vantagem de ter o dado da inflação de setembro, na quarta-feira, dia da decisão. E o número tem grande chance de ser o primeiro, desde dezembro, que puxa a inflação acumulada em 12 meses para uma taxa ligeiramente menor que 6%. O BC já comemora antecipadamente, esquecido que parte do resultado é fruto da repressão dos preços administrados.
A notícia da queda da inflação é boa, mas o BC sabe que isso é média de uma taxa de preços livres, que está em 7,64%, e de preços I administrados, que está em 1,27% nos últimos 12 meses. A inflação de serviços e de alimentos permanece alta. Portanto, não é hora de fazer a comemoração que o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, fez na semana passada em Lisboa, ao falar que a inflação está controlada e em queda: ele sabe que parte do resultado é artificial.
A previsão mais comum no mercado é de nova alta dos juros de 0,5 ponto percentual, coisa que não aconteceria se a inflação estivesse fora da zona de perigo. Foi por ter sido condescendente no passado que a taxa subiu, ficou alta muito tempo, e levou o Banco Central a ter que retomar o caminho da elevação dos juros.
Um dos preços que têm sido mantidos sob controle e criado distorções é o da gasolina. Ontem, a presidente da Petrobras, Graça Foster, disse que o ministro Edson Lobão admitiu que é possível um reajuste até o fim do ano, mas que não há data. É meio constrangedor para a presidente da maior empresa do país ter que ir a Brasília discutir o preço do seu principal produto. Esse problema tem afetado a geração de caixa da petrolífera e é uma das razões que a Moody"s argumentou para reduzir a nota da companhia.
Graça Foster, a propósito, reagiu da forma correta à redução da nota. Disse que ""ninguém gosta de nota baixa, mas respeitamos a avaliação da Moody"s" e disse também que "mesmo mantendo grau de investimento, a nova nota é um alerta, e a Petrobras está atenta". Em vez de ir pelo caminho de criticar as agências, muito comum no atual governo quando a notícia não é boa, ela reagiu admitindo o problema e informando que aumentará a produção e isso vai melhorar indicadores em breve. Por mais que as agências tenham errado, desta vez ela fez um alerta correto. E a executiva da empresa fez bem em reagir desta forma, em vez de atacar o mensageiro.
O Banco Central, no entanto, tem tentado tapar o sol com a peneira. Os indicadores fiscais estão ficando piores e perdendo qualidade, como alertou a agência, mas o Copom na última reunião disse que a política fiscal caminha para a neutralidade. Deu uma guinada completa do que falara nos meses anteriores, quando alertou para o risco inflacionário do aumento de gastos.
É melhor para o governo, até do ponto de vista político-eleitoral, que o Banco Central seja mais duro em relação à deterioração fiscal do país, porque em 2014 naturalmente haverá mais relaxamento.É muito raro um governo fazer ajuste em ano eleitoral. O governo está ampliando os gastos e piorando os indicadores na antevéspera j da eleição, confiando em que as concessões e os j leilões de privatização de infraestrutura vão ge: rar as receitas extraordinárias para melhorar as I contas públicas no ano que vem.
No curto prazo, no entanto, as notícias são boas. Espera-se que o IBGE divulgue uma inflação moderada para setembro, em torno de 0,3% e 0,4%, e que isso reduza a inflação em 12 meses para 5,9%. Mesmo com esse resultado, o Banco Central deve elevar a taxa de juros para 9,5% na quarta-feira. Se esse será o ponto final no ciclo ; de aperto monetário dependerá do que o BC disser nas suas comunicações pós-reunião.
A notícia da queda da inflação é boa, mas o BC sabe que isso é média de uma taxa de preços livres, que está em 7,64%, e de preços I administrados, que está em 1,27% nos últimos 12 meses. A inflação de serviços e de alimentos permanece alta. Portanto, não é hora de fazer a comemoração que o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, fez na semana passada em Lisboa, ao falar que a inflação está controlada e em queda: ele sabe que parte do resultado é artificial.
A previsão mais comum no mercado é de nova alta dos juros de 0,5 ponto percentual, coisa que não aconteceria se a inflação estivesse fora da zona de perigo. Foi por ter sido condescendente no passado que a taxa subiu, ficou alta muito tempo, e levou o Banco Central a ter que retomar o caminho da elevação dos juros.
Um dos preços que têm sido mantidos sob controle e criado distorções é o da gasolina. Ontem, a presidente da Petrobras, Graça Foster, disse que o ministro Edson Lobão admitiu que é possível um reajuste até o fim do ano, mas que não há data. É meio constrangedor para a presidente da maior empresa do país ter que ir a Brasília discutir o preço do seu principal produto. Esse problema tem afetado a geração de caixa da petrolífera e é uma das razões que a Moody"s argumentou para reduzir a nota da companhia.
Graça Foster, a propósito, reagiu da forma correta à redução da nota. Disse que ""ninguém gosta de nota baixa, mas respeitamos a avaliação da Moody"s" e disse também que "mesmo mantendo grau de investimento, a nova nota é um alerta, e a Petrobras está atenta". Em vez de ir pelo caminho de criticar as agências, muito comum no atual governo quando a notícia não é boa, ela reagiu admitindo o problema e informando que aumentará a produção e isso vai melhorar indicadores em breve. Por mais que as agências tenham errado, desta vez ela fez um alerta correto. E a executiva da empresa fez bem em reagir desta forma, em vez de atacar o mensageiro.
O Banco Central, no entanto, tem tentado tapar o sol com a peneira. Os indicadores fiscais estão ficando piores e perdendo qualidade, como alertou a agência, mas o Copom na última reunião disse que a política fiscal caminha para a neutralidade. Deu uma guinada completa do que falara nos meses anteriores, quando alertou para o risco inflacionário do aumento de gastos.
É melhor para o governo, até do ponto de vista político-eleitoral, que o Banco Central seja mais duro em relação à deterioração fiscal do país, porque em 2014 naturalmente haverá mais relaxamento.É muito raro um governo fazer ajuste em ano eleitoral. O governo está ampliando os gastos e piorando os indicadores na antevéspera j da eleição, confiando em que as concessões e os j leilões de privatização de infraestrutura vão ge: rar as receitas extraordinárias para melhorar as I contas públicas no ano que vem.
No curto prazo, no entanto, as notícias são boas. Espera-se que o IBGE divulgue uma inflação moderada para setembro, em torno de 0,3% e 0,4%, e que isso reduza a inflação em 12 meses para 5,9%. Mesmo com esse resultado, o Banco Central deve elevar a taxa de juros para 9,5% na quarta-feira. Se esse será o ponto final no ciclo ; de aperto monetário dependerá do que o BC disser nas suas comunicações pós-reunião.
'Made in the world' - JOSÉ PASTORE
O Estado de S.Paulo - 08/10
Nos dias de hoje, praticamente inexiste produto que seja feito inteiramente por uma só empresa. Tome o caso de um tênis: quem faz a sola não faz o "tope"; quem faz o cordão não faz os ilhoses. A produção é altamente fragmentada, tudo propelido pelas novas telecomunicações e informática e pela melhoria do transporte e logística. A fragmentação sempre existiu, mas jamais se viu tamanha velocidade e abrangência. Hoje, os produtos unem esforços de várias empresas do mesmo país ou de países diferentes, chegando a um produto que deixou de ser made in USA ou made in Japan. Estamos no tempo do made in the world.
Os bens industriais são frutos de inúmeras interconexões das chamadas "cadeias globais de valor", que incluem atividades que vão da concepção do produto à venda ao consumidor, por preço atraente. O vestido que a mulher compra na loja percorreu velozmente um longo caminho do qual participaram pessoas e empresas das mais variadas procedências e atividades.
Infelizmente, a maioria das empresas brasileiras está fora das cadeias globais de valor. Mesmo as que brilham, fazem-no com restrições. A Embraer, por exemplo, líder da cadeia mundial de produção de aeronaves médias, se concentra na concepção e montagem dos aviões, e não na produção dos milhares de componentes das aeronaves - todos importados da China, Taiwan, Coreia do Sul, Japão, Alemanha, EUA e outros países que são líderes de cadeias globais de valor em vários setores (Timothy Sturgeon e colaboradores, Brazilian Manufacturing in International Perspective, CNI, 2013).
O impacto das cadeias globais de valor é imenso. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 1995 a 2010 elas alavancaram em 50% a interdependência das economias dos países do G-20. Isso foi essencial para a competitividade das empresas e das nações.
No campo do trabalho, capacitação, especialização e relações de trabalho são estratégicas. Nas cadeias globais de valor, alguns trabalham de forma fixa e por prazo indeterminado na mesma empresa; outros trabalham como freelancers. Há ainda uma imensidão de contratados e subcontratados com vários tipos de vinculações.
A terceirização é amplamente praticada, dentro e fora do país de origem das empresas. Caiu por terra o mito de que as cadeias globais precarizam o trabalho humano. Ao contrário. Por serem complexas e altamente tecnificadas, elas vêm induzindo à melhoria da qualificação dos profissionais e elevando sua empregabilidade, produtividade e renda. A literatura sobre o assunto está repleta de comprovações dessa natureza (Gary Gereffi e colaboradores, The governance of global value chains, Review of International Political Economy, 2005).
O sucesso dessa gigantesca articulação de empresas depende também da melhoria das instituições e da retaguarda dos negócios. O estudo da OCDE deixa claro que a desburocratização, a segurança jurídica no cumprimento dos contratos, a logística eficiente e as comunicações rápidas respondem por mais de 50% do sucesso das cadeias globais de valor. Investimentos em pesquisa, inovação e educação de boa qualidade respondem pela outra metade.
Os que ignoram a interconectividade da economia moderna, a necessidade de especialização e de relações de trabalho modernas condenam seus países a uma triste estagnação. É isso que estão fazendo os que combatem a regulamentação da terceirização entre nós. Se as suas teses vencerem, o Brasil será uma nação marginal e desatualizada no cenário das cadeias globais de valor e os consumidores continuarão pagando preços exorbitantes por tudo o que compram e consomem.
Para evitar esse quadro, precisamos aprovar imediatamente as reformas institucionais que induzem as empresas a entrar e participar ativamente nas grandes cadeias globais de valor. Isso é crucial não apenas para exportar, mas, sobretudo, para bem competir internamente.
Nos dias de hoje, praticamente inexiste produto que seja feito inteiramente por uma só empresa. Tome o caso de um tênis: quem faz a sola não faz o "tope"; quem faz o cordão não faz os ilhoses. A produção é altamente fragmentada, tudo propelido pelas novas telecomunicações e informática e pela melhoria do transporte e logística. A fragmentação sempre existiu, mas jamais se viu tamanha velocidade e abrangência. Hoje, os produtos unem esforços de várias empresas do mesmo país ou de países diferentes, chegando a um produto que deixou de ser made in USA ou made in Japan. Estamos no tempo do made in the world.
Os bens industriais são frutos de inúmeras interconexões das chamadas "cadeias globais de valor", que incluem atividades que vão da concepção do produto à venda ao consumidor, por preço atraente. O vestido que a mulher compra na loja percorreu velozmente um longo caminho do qual participaram pessoas e empresas das mais variadas procedências e atividades.
Infelizmente, a maioria das empresas brasileiras está fora das cadeias globais de valor. Mesmo as que brilham, fazem-no com restrições. A Embraer, por exemplo, líder da cadeia mundial de produção de aeronaves médias, se concentra na concepção e montagem dos aviões, e não na produção dos milhares de componentes das aeronaves - todos importados da China, Taiwan, Coreia do Sul, Japão, Alemanha, EUA e outros países que são líderes de cadeias globais de valor em vários setores (Timothy Sturgeon e colaboradores, Brazilian Manufacturing in International Perspective, CNI, 2013).
O impacto das cadeias globais de valor é imenso. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 1995 a 2010 elas alavancaram em 50% a interdependência das economias dos países do G-20. Isso foi essencial para a competitividade das empresas e das nações.
No campo do trabalho, capacitação, especialização e relações de trabalho são estratégicas. Nas cadeias globais de valor, alguns trabalham de forma fixa e por prazo indeterminado na mesma empresa; outros trabalham como freelancers. Há ainda uma imensidão de contratados e subcontratados com vários tipos de vinculações.
A terceirização é amplamente praticada, dentro e fora do país de origem das empresas. Caiu por terra o mito de que as cadeias globais precarizam o trabalho humano. Ao contrário. Por serem complexas e altamente tecnificadas, elas vêm induzindo à melhoria da qualificação dos profissionais e elevando sua empregabilidade, produtividade e renda. A literatura sobre o assunto está repleta de comprovações dessa natureza (Gary Gereffi e colaboradores, The governance of global value chains, Review of International Political Economy, 2005).
O sucesso dessa gigantesca articulação de empresas depende também da melhoria das instituições e da retaguarda dos negócios. O estudo da OCDE deixa claro que a desburocratização, a segurança jurídica no cumprimento dos contratos, a logística eficiente e as comunicações rápidas respondem por mais de 50% do sucesso das cadeias globais de valor. Investimentos em pesquisa, inovação e educação de boa qualidade respondem pela outra metade.
Os que ignoram a interconectividade da economia moderna, a necessidade de especialização e de relações de trabalho modernas condenam seus países a uma triste estagnação. É isso que estão fazendo os que combatem a regulamentação da terceirização entre nós. Se as suas teses vencerem, o Brasil será uma nação marginal e desatualizada no cenário das cadeias globais de valor e os consumidores continuarão pagando preços exorbitantes por tudo o que compram e consomem.
Para evitar esse quadro, precisamos aprovar imediatamente as reformas institucionais que induzem as empresas a entrar e participar ativamente nas grandes cadeias globais de valor. Isso é crucial não apenas para exportar, mas, sobretudo, para bem competir internamente.
Nós e o mundo - ANTÔNIO DELFIM NETO
VALOR ECONÔMICO - 08/10
Na organização da economia mundial, os países estão ligados pelos fatos e pelas expectativas que se formam dentro de cada um deles e pela intercomunicação que se estabelece entre eles. Nenhum é uma ilha. Numa razão maior ou menor, todos dependem de todos. Fundamentalmente, cada um é vítima ou beneficiário de sua organização política, da qualidade de suas instituições e da capacidade de liderança do poder incumbente de confirmar a confiança da sociedade e mobilizá-la para a consecução dos objetivos que ela mesmo estabeleceu.
A taxa de desenvolvimento econômico de um país pode ser vista como a soma de três componentes: 1) a resultante do seu próprio esforço interno e da qualidade da sua política econômica; 2) os efeitos de sua interação com o mundo, no que tange às ligações financeiras (movimento de capitais) e de comércio (exportação e importação), que dependem, por sua vez, do esforço interno e da qualidade da política econômica dos seus parceiros internacionais; e 3) de choques globais que afetam simultaneamente todos os países, ainda que cada um à sua moda. É isso que explica o nível da covariação entre as taxas de crescimento dos vários países.
Em setembro último, comemorou-se o quinto ano desde a enorme barbeiragem das autoridades monetárias americanas e inglesas, que foram atropeladas por sua incompetência em organizar a saída do Lehman Brothers do mercado. Finalmente parece que a justiça (não apenas com multas, mas a privação de liberdade) começa a bater nas portas dos que foram diretamente responsáveis pela destruição, nos últimos cinco anos, de cerca de 2/3 do PIB mundial de um ano e pelo desemprego de mais de 40 milhões de pessoas, que viviam honestamente do seu trabalho, enquanto eles continuaram a acumular formidáveis patrimônios.
A recessão iniciada em 2008 foi muito profunda e a recuperação lenta, como se vê no gráfico abaixo. As medidas monetária e fiscal foram insuficientes e mal coordenadas, não apenas por dificuldades políticas (o desarranjo institucional americano e a falta de arranjo institucional da Europa), mas também porque - como disse Ben Bernanke, o chairman do Fed - estávamos sem bússola numa noite escura num mar revolto nunca dantes navegado...
Os sinais de recuperação das economias desenvolvidas são tênues, modestos e, em certa medida, contraditórios. Lentamente, eles tomam fôlego. Por outro lado as emergentes, que foram o suporte do crescimento global, parecem imergir, iniciando um ciclo de menor crescimento, como se vê na tabela. O Brasil talvez tenha antecipado o ciclo, pelos efeitos da segunda componente mencionada acima, além de problemas próprios, como a queda de confiança do setor privado e a lentidão com que estamos aprendendo a fazer concessões eficientes de infraestrutura.
A verdade é que temos respondido frouxamente a algumas reformas absolutamente necessárias, como a radical simplificação do sistema tributário, o enfrentamento do problema previdenciário e a redução do dramático aumento das incertezas produzidas, por exemplo, pela ação discricionária do Tribunal Superior do Trabalho com suas súmulas vinculantes, e pelas decisões duvidosas e arbitrárias tomadas pelo Fisco.
É a falta de fortes e decididas iniciativas do Executivo e do Legislativo, para tentar resolver tais problemas, que aumenta as incertezas sobre o futuro, que põe na geladeira o espírito animal do empresário e retarda as suas decisões de investir. Mesmo quando o corporativismo e interesses menores controlam o Congresso, é a pressão do Executivo, forçando a discussão das reformas e ampliando o espaço da racionalidade, que mobiliza a sociedade para ajudá-lo a superar a resistência oportunística, cuja essência é o curto-prazismo.
Seguramente, não é o presente desconforto com relação às políticas monetária e fiscal que preocupa os potenciais investidores estrangeiros, ou as agências de risco, que, apesar de terem perdido credibilidade, ainda influem na determinação do risco Brasil e no aumento da taxa de juros (à qual pode somar-se o efeito da mudança da política monetária americana) e no custo da dívida pública. O que importa é o temor que a aparente pouca importância dada às reformas acabará por tornar a dívida insustentável, se persistirem o baixo crescimento do PIB e a redução sistemática do superávit primário.
Na organização da economia mundial, os países estão ligados pelos fatos e pelas expectativas que se formam dentro de cada um deles e pela intercomunicação que se estabelece entre eles. Nenhum é uma ilha. Numa razão maior ou menor, todos dependem de todos. Fundamentalmente, cada um é vítima ou beneficiário de sua organização política, da qualidade de suas instituições e da capacidade de liderança do poder incumbente de confirmar a confiança da sociedade e mobilizá-la para a consecução dos objetivos que ela mesmo estabeleceu.
A taxa de desenvolvimento econômico de um país pode ser vista como a soma de três componentes: 1) a resultante do seu próprio esforço interno e da qualidade da sua política econômica; 2) os efeitos de sua interação com o mundo, no que tange às ligações financeiras (movimento de capitais) e de comércio (exportação e importação), que dependem, por sua vez, do esforço interno e da qualidade da política econômica dos seus parceiros internacionais; e 3) de choques globais que afetam simultaneamente todos os países, ainda que cada um à sua moda. É isso que explica o nível da covariação entre as taxas de crescimento dos vários países.
Em setembro último, comemorou-se o quinto ano desde a enorme barbeiragem das autoridades monetárias americanas e inglesas, que foram atropeladas por sua incompetência em organizar a saída do Lehman Brothers do mercado. Finalmente parece que a justiça (não apenas com multas, mas a privação de liberdade) começa a bater nas portas dos que foram diretamente responsáveis pela destruição, nos últimos cinco anos, de cerca de 2/3 do PIB mundial de um ano e pelo desemprego de mais de 40 milhões de pessoas, que viviam honestamente do seu trabalho, enquanto eles continuaram a acumular formidáveis patrimônios.
A recessão iniciada em 2008 foi muito profunda e a recuperação lenta, como se vê no gráfico abaixo. As medidas monetária e fiscal foram insuficientes e mal coordenadas, não apenas por dificuldades políticas (o desarranjo institucional americano e a falta de arranjo institucional da Europa), mas também porque - como disse Ben Bernanke, o chairman do Fed - estávamos sem bússola numa noite escura num mar revolto nunca dantes navegado...
Os sinais de recuperação das economias desenvolvidas são tênues, modestos e, em certa medida, contraditórios. Lentamente, eles tomam fôlego. Por outro lado as emergentes, que foram o suporte do crescimento global, parecem imergir, iniciando um ciclo de menor crescimento, como se vê na tabela. O Brasil talvez tenha antecipado o ciclo, pelos efeitos da segunda componente mencionada acima, além de problemas próprios, como a queda de confiança do setor privado e a lentidão com que estamos aprendendo a fazer concessões eficientes de infraestrutura.
A verdade é que temos respondido frouxamente a algumas reformas absolutamente necessárias, como a radical simplificação do sistema tributário, o enfrentamento do problema previdenciário e a redução do dramático aumento das incertezas produzidas, por exemplo, pela ação discricionária do Tribunal Superior do Trabalho com suas súmulas vinculantes, e pelas decisões duvidosas e arbitrárias tomadas pelo Fisco.
É a falta de fortes e decididas iniciativas do Executivo e do Legislativo, para tentar resolver tais problemas, que aumenta as incertezas sobre o futuro, que põe na geladeira o espírito animal do empresário e retarda as suas decisões de investir. Mesmo quando o corporativismo e interesses menores controlam o Congresso, é a pressão do Executivo, forçando a discussão das reformas e ampliando o espaço da racionalidade, que mobiliza a sociedade para ajudá-lo a superar a resistência oportunística, cuja essência é o curto-prazismo.
Seguramente, não é o presente desconforto com relação às políticas monetária e fiscal que preocupa os potenciais investidores estrangeiros, ou as agências de risco, que, apesar de terem perdido credibilidade, ainda influem na determinação do risco Brasil e no aumento da taxa de juros (à qual pode somar-se o efeito da mudança da política monetária americana) e no custo da dívida pública. O que importa é o temor que a aparente pouca importância dada às reformas acabará por tornar a dívida insustentável, se persistirem o baixo crescimento do PIB e a redução sistemática do superávit primário.
Política na veia - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 08/10
A narrativa da tentativa de criar um partido a tempo de concorrer por ele à eleição de 2014 não foi das melhores, mas o desfecho ante a adversidade da recusa do registro da Rede foi um lance político admirável, como há muito não se via.
Inesperado, surpreendente, competente, pragmático no melhor sentido da palavra e feito em termos decentes, o acordo entre a ex-senadora Marina Silva e o governador Eduardo Campos dá um sacode geral nos preparativos para a campanha presidencial.
É cedo para dizer se de fato muda o cenário da eleição, mas sem dúvida alguma altera o quadro de acordos e a correlação de forças nesse período pré-eleitoral. Um movimento taticamente irrepreensível mais não seja por ter subvertido o previsível.
As maneiras adotadas devolvem um pouco de altivez à atividade política por pautadas em estratégia, identificação de propósitos e definição de um objetivo claro: derrotar os atuais condôminos do poder. Muito mais legítimo que o festival de chantagens e barganhas que tem conduzido conversas entre partidos. Nesse sentido, o acordo fechado na sexta-feira à noite é um ponto fora da curva no padrão lamacento em vigor.
Mostrou que Marina não se põe acima do bem e do mal como muitas de suas atitudes ao molde de maria santíssima levam a crer. Venceu a tentação da omissão e foi ao jogo sem abrir mão da coerência. Entendeu que quem tem voto precisa saber conferir materialidade a eles para além do terreno das boas intenções.
A aliança dificulta a vida do PSDB? Sem dúvida, mas esta já não estava fácil mesmo. Tem mais a perder quem dispõe de mais e se imaginava com a vida ganha. O PT, como atesta a entrevista do marqueteiro João Santana à revista Época desta semana, fazendo pouco dos adversários da chefe, Dilma Rousseff.
Segundo ele, a presidente será reeleita no primeiro turno devido a um fenômeno denominado por Santana de "antropofagia de anões". Mais que uma precipitação, a declaração mostra-se ofensiva ao falar em "anões". Na política, o termo evoca aquele grupo que nos anos 90 tomava de assalto a Comissão de Orçamento no Congresso e foi alvo de CPI que ceifou mandatos.
Do ponto de vista das pesquisas, Marina, Campos, Aécio Neves e José Serra podem ser tidos como nanicos em face da dianteira da presidente. Mas sob o aspecto político fazem movimentos na direção do fortalecimento do campo oposicionista.
A permanência de Serra no PSDB impede a fragmentação dos eleitores fiéis ao partido. A aliança entre Marina e Campos confere substância mútua e, portanto, importância, a uma alternativa.
Ela dá a ele potencial de capital eleitoral, a chancela do "novo". Ele agrega estrutura, expectativa de financiamento, passaporte ao Nordeste, densidade no quesito confiança administrativa. Um quê de tradicionalismo às vezes ajuda na compreensão da maioria ainda pouco afeita a modernismos.
Se essa receita vai resultar em êxito, é outra história a ser contada a partir de agora pela capacidade de articulação entre os grupos que se juntam, de conquistar adesões partidárias, de construir um discurso atrativo ao eleitorado, de firmar compromissos nítidos com a sociedade.
Não se pode, entretanto, subestimar a reação do governo. O ex-presidente Lula, tido como o mais esperto entre todos os espertos, levou uma volta de dois ex-aliados. Não vai se conformar nem medir esforços no contra-ataque que, ninguém se iluda, avizinha-se dos mais pesados.
Passe livre. Na conversa de sexta-feira à noite em Brasília, Eduardo Campos assegurou a Marina que o PSB não criará obstáculos à sua desfiliação do partido quando a Rede Sustentabilidade obtiver o registro na Justiça Eleitoral.
Passadas as eleições, bem entendido, porque antes disso a nova legenda não terá condições legais de participar de coligações eleitorais.
A narrativa da tentativa de criar um partido a tempo de concorrer por ele à eleição de 2014 não foi das melhores, mas o desfecho ante a adversidade da recusa do registro da Rede foi um lance político admirável, como há muito não se via.
Inesperado, surpreendente, competente, pragmático no melhor sentido da palavra e feito em termos decentes, o acordo entre a ex-senadora Marina Silva e o governador Eduardo Campos dá um sacode geral nos preparativos para a campanha presidencial.
É cedo para dizer se de fato muda o cenário da eleição, mas sem dúvida alguma altera o quadro de acordos e a correlação de forças nesse período pré-eleitoral. Um movimento taticamente irrepreensível mais não seja por ter subvertido o previsível.
As maneiras adotadas devolvem um pouco de altivez à atividade política por pautadas em estratégia, identificação de propósitos e definição de um objetivo claro: derrotar os atuais condôminos do poder. Muito mais legítimo que o festival de chantagens e barganhas que tem conduzido conversas entre partidos. Nesse sentido, o acordo fechado na sexta-feira à noite é um ponto fora da curva no padrão lamacento em vigor.
Mostrou que Marina não se põe acima do bem e do mal como muitas de suas atitudes ao molde de maria santíssima levam a crer. Venceu a tentação da omissão e foi ao jogo sem abrir mão da coerência. Entendeu que quem tem voto precisa saber conferir materialidade a eles para além do terreno das boas intenções.
A aliança dificulta a vida do PSDB? Sem dúvida, mas esta já não estava fácil mesmo. Tem mais a perder quem dispõe de mais e se imaginava com a vida ganha. O PT, como atesta a entrevista do marqueteiro João Santana à revista Época desta semana, fazendo pouco dos adversários da chefe, Dilma Rousseff.
Segundo ele, a presidente será reeleita no primeiro turno devido a um fenômeno denominado por Santana de "antropofagia de anões". Mais que uma precipitação, a declaração mostra-se ofensiva ao falar em "anões". Na política, o termo evoca aquele grupo que nos anos 90 tomava de assalto a Comissão de Orçamento no Congresso e foi alvo de CPI que ceifou mandatos.
Do ponto de vista das pesquisas, Marina, Campos, Aécio Neves e José Serra podem ser tidos como nanicos em face da dianteira da presidente. Mas sob o aspecto político fazem movimentos na direção do fortalecimento do campo oposicionista.
A permanência de Serra no PSDB impede a fragmentação dos eleitores fiéis ao partido. A aliança entre Marina e Campos confere substância mútua e, portanto, importância, a uma alternativa.
Ela dá a ele potencial de capital eleitoral, a chancela do "novo". Ele agrega estrutura, expectativa de financiamento, passaporte ao Nordeste, densidade no quesito confiança administrativa. Um quê de tradicionalismo às vezes ajuda na compreensão da maioria ainda pouco afeita a modernismos.
Se essa receita vai resultar em êxito, é outra história a ser contada a partir de agora pela capacidade de articulação entre os grupos que se juntam, de conquistar adesões partidárias, de construir um discurso atrativo ao eleitorado, de firmar compromissos nítidos com a sociedade.
Não se pode, entretanto, subestimar a reação do governo. O ex-presidente Lula, tido como o mais esperto entre todos os espertos, levou uma volta de dois ex-aliados. Não vai se conformar nem medir esforços no contra-ataque que, ninguém se iluda, avizinha-se dos mais pesados.
Passe livre. Na conversa de sexta-feira à noite em Brasília, Eduardo Campos assegurou a Marina que o PSB não criará obstáculos à sua desfiliação do partido quando a Rede Sustentabilidade obtiver o registro na Justiça Eleitoral.
Passadas as eleições, bem entendido, porque antes disso a nova legenda não terá condições legais de participar de coligações eleitorais.
Os sonháticos e os pragmáticos - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 08/10
BRASÍLIA - O efeito eleitoral e a quantidade de votos ainda são uma incógnita, mas a surpreendente aliança de Eduardo Campos e Marina Silva foi, seguramente, um grande lance político --e com efeitos.
Marina tem origem no PT e Campos é do PSB, aliado de primeira hora do PT, de Lula e, por extensão, de Dilma. A mensagem e o impacto da união das duas forças são relevantes e forçarão todas as outras peças a se mexerem: Lula, Dilma, Aécio e até Serra, hoje em compasso de espera.
Do ponto de vista dos votos, ou da aritmética, pode haver uma soma zero, pois o resultado não parece aumentar a hipótese de segundo turno. Do ponto de vista político (ou da matemática?), as combinações se tornam muito mais complexas.
A candidatura Eduardo Campos deixou de ser uma possibilidade, para se tornar realidade. Isso significa atrair microfones, holofotes e um punhado de partidos, políticos e empresários interessados. Campos, o lanterninha nas pesquisas, mudou expressivamente de patamar.
Marina fez caminho inverso, pois sua candidatura era uma realidade e, só com muita boa vontade, continua a ser uma possibilidade. Isso significa que seus seguidores estão em fase não só de avaliação, mas de aflição. Deram um pulo no escuro e ainda não veem luz no fim do túnel.
O desafio de Campos e Marina, a partir do anúncio de sábado, é somar suas forças, não subtrair uma da outra. É unir o sonho da Rede Sustentabilidade (que não está morta...) ao pragmatismo e à bandeira da eficiência dos apoiadores de Campos. Ou os votos dos sonháticos urbanos, indigenistas e ambientalistas aos de pragmáticos como Jorge Bornhausen, criador do PFL e do DEM, e Ronaldo Caiado, líder ruralista.
A força de Marina tem de atrair o seu eleitor para o desenvolvimentismo de Campos. E Campos tem de convencer o seu de que sustentabilidade não é atraso. O contrário é um desastre: Marina perde o que tem, e Campos, o que nem chegou a ter.
BRASÍLIA - O efeito eleitoral e a quantidade de votos ainda são uma incógnita, mas a surpreendente aliança de Eduardo Campos e Marina Silva foi, seguramente, um grande lance político --e com efeitos.
Marina tem origem no PT e Campos é do PSB, aliado de primeira hora do PT, de Lula e, por extensão, de Dilma. A mensagem e o impacto da união das duas forças são relevantes e forçarão todas as outras peças a se mexerem: Lula, Dilma, Aécio e até Serra, hoje em compasso de espera.
Do ponto de vista dos votos, ou da aritmética, pode haver uma soma zero, pois o resultado não parece aumentar a hipótese de segundo turno. Do ponto de vista político (ou da matemática?), as combinações se tornam muito mais complexas.
A candidatura Eduardo Campos deixou de ser uma possibilidade, para se tornar realidade. Isso significa atrair microfones, holofotes e um punhado de partidos, políticos e empresários interessados. Campos, o lanterninha nas pesquisas, mudou expressivamente de patamar.
Marina fez caminho inverso, pois sua candidatura era uma realidade e, só com muita boa vontade, continua a ser uma possibilidade. Isso significa que seus seguidores estão em fase não só de avaliação, mas de aflição. Deram um pulo no escuro e ainda não veem luz no fim do túnel.
O desafio de Campos e Marina, a partir do anúncio de sábado, é somar suas forças, não subtrair uma da outra. É unir o sonho da Rede Sustentabilidade (que não está morta...) ao pragmatismo e à bandeira da eficiência dos apoiadores de Campos. Ou os votos dos sonháticos urbanos, indigenistas e ambientalistas aos de pragmáticos como Jorge Bornhausen, criador do PFL e do DEM, e Ronaldo Caiado, líder ruralista.
A força de Marina tem de atrair o seu eleitor para o desenvolvimentismo de Campos. E Campos tem de convencer o seu de que sustentabilidade não é atraso. O contrário é um desastre: Marina perde o que tem, e Campos, o que nem chegou a ter.
O jogo e seus efeitos - TEREZA CRUVINEL
CORREIO BRAZILIENSE - 08/10
As nuvens mudaram de forma, como dizia um velho político mineiro, pela ação ousada de alguns atores, e nisso é que reside a maior graça da política. Alterou-se bruscamente o quadro eleitoral. Como jogada política, a aliança entre a ex-ministra Marina Silva e o governador Eduardo Campos, do PSB, foi espetacular: surpreendeu os adversários e até mesmo os aliados, furou a imprensa e impactou a grande plateia brasileira. Mas, para avaliar os efeitos reais sobre a sucessão presidencial, teremos que aguardar, pelo menos, uma pesquisa eleitoral realizada sob as novas circunstâncias e as indicações que ela trará pelo menos sobre uma das variáveis em questão: a base política de Marina, que embarcou no projeto da Rede acreditando em uma nova forma de fazer política, aprovou a jogada e estará com ela ao lado de Eduardo Campos?
O PT e o governo viram dois ex-aliados se unirem com discurso de oposição. Poderão constituir uma terceira via mais musculosa para quebrar a polaridade PT x PSDB. A ordem entre os governistas, inclusive na reunião de avaliação da conjuntura econômica coordenada pelo ex-presidente Lula em São Paulo, era observar e avaliar. O PSDB também vê ameaçada a posição de principal alternativa de poder ao PT, com riscos de complicação para a candidatura do senador Aécio Neves. Tendo o ex-governador José Serra permanecido no partido, ao primeiro sinal de fragilidade da candidatura de Aécio, ele voltará a reivindicar o posto. Mesmo essas leituras óbvias, entretanto, estão partindo do pressuposto de que a chapa Eduardo-Marina representará a soma das condições favoráveis a um e a outro, a começar pelo segundo lugar nas pesquisas, antes ocupado por Marina como presidenciável.
Voltando à primeira questão, pelo que se pôde ver ontem nas redes sociais, muitos ficaram decepcionados, seja pela forma unilateral como a decisão foi tomada, no varar de uma noite, sem maiores consultas e debates, seja pelo fato de muitos não enxergarem em Eduardo Campos e no PSB nada de diferente em relação ao que Marina chama de "velha política". De fato, o jogo que ele joga é o mesmo que jogam o PT, o PMDB, o PSDB e outros partidos. O deputado José Antônio Reguffe, que esteve com Marina na luta pela Rede, dizia ontem: "Como cidadão que acredita na necessidade de mudar a forma de fazer política no Brasil, estive com Marina no projeto da Rede, e por ele me empenhei. Quanto a Eduardo, espero que ele me convença de que representa essa ruptura com as velhas práticas".
Num ato falho, ao assinar a ficha de filiação ao PSB no sábado, Marina falou em "aliança pragmática", corrigindo-se depois. Queria dizer programática. Mas foi o pragmatismo, e o ressentimento do PT, que a moveu, a partir do momento em que o TSE negou registro à Rede. O que ela priorizou, ao preferir o PSB ao PPS, foi a criação de um campo antipetista mais forte, porque egresso da própria coalizão.
Outro problema da aliança diz respeito à heterogeneidade da aliança, que inclui, por exemplo, o grupo demista do deputado Ronaldo Caiado, que apoia Eduardo Campos e votou contra Marina no caso do Código Florestal, sem falar na família Bornhausen, de Santa Catarina, forte expressão do pensamento conservador. O empresariado da indústria de base, que anda encantado com o governador de Pernambuco, teve conflitos com Marina, quando ela era ministra, pelos problemas que criou para licenciar alguns projetos.
A chapa enfrentará dificuldades não desprezíveis, de natureza eleitoral. Uma, o exíguo tempo de televisão, que, mesmo com o apoio do PPS, mal passaria de dois minutos, contra 10 minutos de Dilma, se ela mantiver boa parte dos partidos da coligação de 2010. E há também o problema de palanques nos estados. Antes da aliança, o PSB, desprovido de bons candidatos a governador na maioria das unidades da Federação, tendia a apoiar nomes do PSDB muito mais do que os do PT. Se se tornar a segunda força, a chapa não poderá ser linha auxiliar de tucanos ou petistas nos estados. Terá que montar seus palanques. Finalmente, a interrogação. Marina tem, em média, 20 pontos percentuais, contra uma média de 5 pontos dele. Se as próximas pesquisas continuarem avaliando os nomes separadamente, e mostrando que ela tem mais votos, ele continuará sendo cabeça de chapa?
A escolha de Fux
Alguns ministros do Supremo Tribunal Federal não gostaram da forma pela qual o ministro Luiz Fux foi escolhido como relator dos embargos infringentes, no fim daquela sessão de desempate pelo voto do ministro Celso de Mello. O regimento exigiria que o sorteio ocorresse em sessão administrativa, durante o expediente. O ministro Ricardo Lewandowski estava disposto a questionar o processo, mas parece ter recuado depois da contenda com o presidente da Corte, Joaquim Barbosa, negando-se a devolver ao órgão de origem a funcionária que é mulher do jornalista Felipe Recondo, que ele mandou chafurdar no lixo.
O PT e o governo viram dois ex-aliados se unirem com discurso de oposição. Poderão constituir uma terceira via mais musculosa para quebrar a polaridade PT x PSDB. A ordem entre os governistas, inclusive na reunião de avaliação da conjuntura econômica coordenada pelo ex-presidente Lula em São Paulo, era observar e avaliar. O PSDB também vê ameaçada a posição de principal alternativa de poder ao PT, com riscos de complicação para a candidatura do senador Aécio Neves. Tendo o ex-governador José Serra permanecido no partido, ao primeiro sinal de fragilidade da candidatura de Aécio, ele voltará a reivindicar o posto. Mesmo essas leituras óbvias, entretanto, estão partindo do pressuposto de que a chapa Eduardo-Marina representará a soma das condições favoráveis a um e a outro, a começar pelo segundo lugar nas pesquisas, antes ocupado por Marina como presidenciável.
Voltando à primeira questão, pelo que se pôde ver ontem nas redes sociais, muitos ficaram decepcionados, seja pela forma unilateral como a decisão foi tomada, no varar de uma noite, sem maiores consultas e debates, seja pelo fato de muitos não enxergarem em Eduardo Campos e no PSB nada de diferente em relação ao que Marina chama de "velha política". De fato, o jogo que ele joga é o mesmo que jogam o PT, o PMDB, o PSDB e outros partidos. O deputado José Antônio Reguffe, que esteve com Marina na luta pela Rede, dizia ontem: "Como cidadão que acredita na necessidade de mudar a forma de fazer política no Brasil, estive com Marina no projeto da Rede, e por ele me empenhei. Quanto a Eduardo, espero que ele me convença de que representa essa ruptura com as velhas práticas".
Num ato falho, ao assinar a ficha de filiação ao PSB no sábado, Marina falou em "aliança pragmática", corrigindo-se depois. Queria dizer programática. Mas foi o pragmatismo, e o ressentimento do PT, que a moveu, a partir do momento em que o TSE negou registro à Rede. O que ela priorizou, ao preferir o PSB ao PPS, foi a criação de um campo antipetista mais forte, porque egresso da própria coalizão.
Outro problema da aliança diz respeito à heterogeneidade da aliança, que inclui, por exemplo, o grupo demista do deputado Ronaldo Caiado, que apoia Eduardo Campos e votou contra Marina no caso do Código Florestal, sem falar na família Bornhausen, de Santa Catarina, forte expressão do pensamento conservador. O empresariado da indústria de base, que anda encantado com o governador de Pernambuco, teve conflitos com Marina, quando ela era ministra, pelos problemas que criou para licenciar alguns projetos.
A chapa enfrentará dificuldades não desprezíveis, de natureza eleitoral. Uma, o exíguo tempo de televisão, que, mesmo com o apoio do PPS, mal passaria de dois minutos, contra 10 minutos de Dilma, se ela mantiver boa parte dos partidos da coligação de 2010. E há também o problema de palanques nos estados. Antes da aliança, o PSB, desprovido de bons candidatos a governador na maioria das unidades da Federação, tendia a apoiar nomes do PSDB muito mais do que os do PT. Se se tornar a segunda força, a chapa não poderá ser linha auxiliar de tucanos ou petistas nos estados. Terá que montar seus palanques. Finalmente, a interrogação. Marina tem, em média, 20 pontos percentuais, contra uma média de 5 pontos dele. Se as próximas pesquisas continuarem avaliando os nomes separadamente, e mostrando que ela tem mais votos, ele continuará sendo cabeça de chapa?
A escolha de Fux
Alguns ministros do Supremo Tribunal Federal não gostaram da forma pela qual o ministro Luiz Fux foi escolhido como relator dos embargos infringentes, no fim daquela sessão de desempate pelo voto do ministro Celso de Mello. O regimento exigiria que o sorteio ocorresse em sessão administrativa, durante o expediente. O ministro Ricardo Lewandowski estava disposto a questionar o processo, mas parece ter recuado depois da contenda com o presidente da Corte, Joaquim Barbosa, negando-se a devolver ao órgão de origem a funcionária que é mulher do jornalista Felipe Recondo, que ele mandou chafurdar no lixo.
Inclusão digital (e desigual) - PEDRO SOARES
FOLHA DE SP - 08/10
RIO DE JANEIRO - O acesso ao celular no Brasil é uma fotografia idêntica à da renda. Quanto menor a remuneração numa região, mais baixa é a penetração do telefone móvel. O mesmo retrato se repete quando o tema é o uso da internet.
A partir dessa premissa, extraída dos dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2012, pode-se vislumbrar que a inclusão digital, crescente ano após ano, caminha para replicar um padrão histórico de desigualdade no país.
No Nordeste, 64,6% das pessoas possuem celular. No rico Sudeste, 77,1% dispõem do aparelho. A pesquisa releva ainda o que intuitivamente já sabíamos: os mais jovens são mais conectados à rede.
O advento crescente dos smartphones junta as duas coisas: internet e telefonia móvel. A ideia de que na era do conhecimento haverá um computador por pessoa possivelmente se materializará com os telefones inteligentes. Mais caros, esses aparelhos são menos acessíveis às regiões e faixas de renda mais pobres. Ainda mais num país que pratica a mais alta tarifa de celular do mundo, segundo levantamento de entidade da ONU.
No anúncio da fusão da Oi com a Portugal Telecom, na semana passada, o presidente da nova companhia (que nasce carioca), Zeinal Bava, prometeu custos menores, a serem repassados nas tarifas. O compromisso parece distante ao se desenhar uma possível venda da TIM para a Vivo, limando uma concorrente.
Sob o pretexto de criar uma "supertele" nacional, o governo Lula mudou as regras e estimulou a compra da Brasil Telecom pela Oi, em 2008. O negócio, que tinha estrangeiros no páreo, só saiu graças ao gordo financiamento do BNDES. O projeto naufragou e o mercado perdeu um competidor.
Ao fim e ao cabo, não importa a nacionalidade da prestadora de serviços. Para o consumidor, o relevante é a maior concorrência, que abre espaço para tarifas mais baixas.
RIO DE JANEIRO - O acesso ao celular no Brasil é uma fotografia idêntica à da renda. Quanto menor a remuneração numa região, mais baixa é a penetração do telefone móvel. O mesmo retrato se repete quando o tema é o uso da internet.
A partir dessa premissa, extraída dos dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2012, pode-se vislumbrar que a inclusão digital, crescente ano após ano, caminha para replicar um padrão histórico de desigualdade no país.
No Nordeste, 64,6% das pessoas possuem celular. No rico Sudeste, 77,1% dispõem do aparelho. A pesquisa releva ainda o que intuitivamente já sabíamos: os mais jovens são mais conectados à rede.
O advento crescente dos smartphones junta as duas coisas: internet e telefonia móvel. A ideia de que na era do conhecimento haverá um computador por pessoa possivelmente se materializará com os telefones inteligentes. Mais caros, esses aparelhos são menos acessíveis às regiões e faixas de renda mais pobres. Ainda mais num país que pratica a mais alta tarifa de celular do mundo, segundo levantamento de entidade da ONU.
No anúncio da fusão da Oi com a Portugal Telecom, na semana passada, o presidente da nova companhia (que nasce carioca), Zeinal Bava, prometeu custos menores, a serem repassados nas tarifas. O compromisso parece distante ao se desenhar uma possível venda da TIM para a Vivo, limando uma concorrente.
Sob o pretexto de criar uma "supertele" nacional, o governo Lula mudou as regras e estimulou a compra da Brasil Telecom pela Oi, em 2008. O negócio, que tinha estrangeiros no páreo, só saiu graças ao gordo financiamento do BNDES. O projeto naufragou e o mercado perdeu um competidor.
Ao fim e ao cabo, não importa a nacionalidade da prestadora de serviços. Para o consumidor, o relevante é a maior concorrência, que abre espaço para tarifas mais baixas.
Marina Silva pode ser um rabo de foguete - RAIMUNDO COSTA
VALOR ECONÔMICO - 08/10
A condição do acordo firmado por Marina Silva com o PSB pressupõe a candidatura presidencial do governador Eduardo Campos (PE) na eleição de 2014 e não o contrário. Este é o desafio para PSB e Rede Sustentabilidade, nos próximos meses de acomodação dos dois partidos numa aliança firmada de cima para baixo. Com 4% das intenções de voto, segundo a última pesquisa eleitoral do Ibope, Campos será pressionado a crescer rapidamente, pois a ex-senadora Marina Silva, de acordo com o mesmo levantamento, está com 16%, em segundo lugar, abaixo apenas dos 38% da presidente Dilma Rousseff.
O próximo passo, agora, é encaixar os dois partidos da forma mais suave possível. Haverá o atrito normal do contato de uma superfície com a outra, mas pode ser suavizado. O Rede ficou de logo entregar ao PSB uma relação de seus projetos estaduais. À primeira vista não há grandes problemas de conciliação. Em São Paulo, a intenção das duas siglas é lançar o deputado Walter Feldman, que se desfiliou do PSDB e assinou a ficha de inscrição no PSB, candidato a governador e a deputada Luiza Erundina ao Senado - o deputado Márcio França insiste no apoio à reeleição de Geraldo Alckmin. Em Alagoas, o Rede tem compromisso com a candidatura de Heloisa Helena (PSOL) ao Senado.
São situações replicáveis por todo o país, mais ou menos difíceis de contornar dependendo do desempenho de Campos, após a aliança com Marina. Se a ex-senadora mantiver quatro vezes mais que o governador, nas pesquisas de opinião, é inevitável que Campos comece a ser questionado dentro da própria aliança. "Se o Eduardo Campos não crescer, Marina será uma presença acicatante do lado dele", dizia ontem um ministro do governo Dilma, já atrás de uma formulação para enquadrar a aliança. Em resumo, Marina poderá ser um rabo de foguete.
Marina Silva não tem um partido grande, mas precisa assentar as bases do Rede Sustentabilidade, pois em algum momento seguinte à eleição ocorrerá a separação entre as duas organizações, mesmo com a manutenção da aliança, encorpada de outros partidos, se a empreitada obtiver êxito eleitoral. Ultrapassada essa barreira, urgente, resta saber se a união de Eduardo Campos com Marina dá liga, se a maioria dos 20 milhões de votos de Marina, na eleição de 2010, migra ou não para a candidatura Campos.
Na política brasileira não são muitos os casos de políticos que conseguiram transferir votos em massa. Na eleição de 1989, concorrendo pelo PDT, Leonel Brizola conseguiu transferir para Luiz Inácio Lula da Silva a grande maioria dos votos que obteve no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Outro exemplo é o do próprio Lula na eleição de 2010, quando "inventou" com sucesso a candidatura de Dilma Roussef, que até então não havia disputado um único mandato eletivo. Marina certamente pode ajudar no desempenho de Campos nas maiores metrópoles, onde obteve boa parte de seus 20 milhões de votos.
O PSB e Eduardo Campos, aparentemente, têm uma noção clara de que é preciso agir com rapidez para transformar o fato novo, momento de interferir no processo político, em fato consumado. Prova disso é que já está sendo alterada a propaganda partidária do PSB, prevista para ser exibida nesta quinta-feira, dez minutos em que o protagonismo será todo do governador de Pernambuco, de Marina Silva e da deputada Luiza Erundina. É o momento de apresentar a parceria ao país, além da grande exposição de mídia ocorrida com o anúncio surpresa de que Marina Silva, sem o registro do Rede Sustentabilidade, decidiu se aliar ao PSB.
A dupla já desenhou o discurso de que a aliança PSB-Rede é uma alternativa surgida de dentro do governismo. É o que Eduardo Campos diz quando afirma que é possível fazer mais de um modo diferente. O modo que Eduardo pretende vender é o do estilo de comando e de tomada de decisões, num governo mais aberto ao diálogo com a sociedade, de um modo geral, as classes empresariais e o Congresso. Isso mantendo o discurso de "desenvolvimento para todos" e de identidade com a base social do governo que integrou nesses mais de dez anos. O alvo do jeito "diferente" é Dilma, e não por acaso a presidente da República mudou de comportamento, desde os protestos de junho.
Marina, por seu turno, estabeleceu uma referência ideológica, ao pintar o petismo com as cores do autoritarismo chavista. A ex-senadora está convencida de que o governo e o PT de alguma forma dificultaram a validação de assinaturas, pelos cartórios eleitorais, para a criação do Rede Sustentabilidade - apesar de ser evidente que Marina Silva abusou da sorte e possivelmente, subestimou o poder de fogo dos adversários, ao deixar para a última hora providências urgentes. Eduardo e Marina, por enquanto, sem dúvida ecoam segmentos do eleitorado de oposição, resposta que o senador Aécio Neves (PSDB) ainda não conseguiu dar.
Ao se filiar ao PSB, Marina Silva manteve seu título eleitoral no Acre. Antes de encerrado o prazo de filiação para quem vai concorrer em 2014, a ex-senadora chegou a ser cogitada como candidata, ao Senado ou ao governo do Estado, também do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, locais em que foi muito bem votada em 2010. Agora não há mais saída: ou é candidata no Acre, o que é pouco provável, ou será vice de Eduardo Campos, pois o pressuposto da aliança é que o governador de Pernambuco será o candidato. Acredita-se no PSB que a situação inevitavelmente evoluirá nessa direção. Se sair tudo certo, é claro, pois sempre há margem para o imponderável, como acabam de provar Eduardo e Marina.
A rigor, não existe um acordo para Campos enviar ao Congresso, se for eleito presidente da República, projeto de emenda constitucional propondo o fim da reeleição para presidente. Na realidade esse é um projeto do PSB, junto com unificação da data das eleições no país e o estabelecimento do mandato de cinco anos para cargos no Executivo.
A condição do acordo firmado por Marina Silva com o PSB pressupõe a candidatura presidencial do governador Eduardo Campos (PE) na eleição de 2014 e não o contrário. Este é o desafio para PSB e Rede Sustentabilidade, nos próximos meses de acomodação dos dois partidos numa aliança firmada de cima para baixo. Com 4% das intenções de voto, segundo a última pesquisa eleitoral do Ibope, Campos será pressionado a crescer rapidamente, pois a ex-senadora Marina Silva, de acordo com o mesmo levantamento, está com 16%, em segundo lugar, abaixo apenas dos 38% da presidente Dilma Rousseff.
O próximo passo, agora, é encaixar os dois partidos da forma mais suave possível. Haverá o atrito normal do contato de uma superfície com a outra, mas pode ser suavizado. O Rede ficou de logo entregar ao PSB uma relação de seus projetos estaduais. À primeira vista não há grandes problemas de conciliação. Em São Paulo, a intenção das duas siglas é lançar o deputado Walter Feldman, que se desfiliou do PSDB e assinou a ficha de inscrição no PSB, candidato a governador e a deputada Luiza Erundina ao Senado - o deputado Márcio França insiste no apoio à reeleição de Geraldo Alckmin. Em Alagoas, o Rede tem compromisso com a candidatura de Heloisa Helena (PSOL) ao Senado.
São situações replicáveis por todo o país, mais ou menos difíceis de contornar dependendo do desempenho de Campos, após a aliança com Marina. Se a ex-senadora mantiver quatro vezes mais que o governador, nas pesquisas de opinião, é inevitável que Campos comece a ser questionado dentro da própria aliança. "Se o Eduardo Campos não crescer, Marina será uma presença acicatante do lado dele", dizia ontem um ministro do governo Dilma, já atrás de uma formulação para enquadrar a aliança. Em resumo, Marina poderá ser um rabo de foguete.
Marina Silva não tem um partido grande, mas precisa assentar as bases do Rede Sustentabilidade, pois em algum momento seguinte à eleição ocorrerá a separação entre as duas organizações, mesmo com a manutenção da aliança, encorpada de outros partidos, se a empreitada obtiver êxito eleitoral. Ultrapassada essa barreira, urgente, resta saber se a união de Eduardo Campos com Marina dá liga, se a maioria dos 20 milhões de votos de Marina, na eleição de 2010, migra ou não para a candidatura Campos.
Na política brasileira não são muitos os casos de políticos que conseguiram transferir votos em massa. Na eleição de 1989, concorrendo pelo PDT, Leonel Brizola conseguiu transferir para Luiz Inácio Lula da Silva a grande maioria dos votos que obteve no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Outro exemplo é o do próprio Lula na eleição de 2010, quando "inventou" com sucesso a candidatura de Dilma Roussef, que até então não havia disputado um único mandato eletivo. Marina certamente pode ajudar no desempenho de Campos nas maiores metrópoles, onde obteve boa parte de seus 20 milhões de votos.
O PSB e Eduardo Campos, aparentemente, têm uma noção clara de que é preciso agir com rapidez para transformar o fato novo, momento de interferir no processo político, em fato consumado. Prova disso é que já está sendo alterada a propaganda partidária do PSB, prevista para ser exibida nesta quinta-feira, dez minutos em que o protagonismo será todo do governador de Pernambuco, de Marina Silva e da deputada Luiza Erundina. É o momento de apresentar a parceria ao país, além da grande exposição de mídia ocorrida com o anúncio surpresa de que Marina Silva, sem o registro do Rede Sustentabilidade, decidiu se aliar ao PSB.
A dupla já desenhou o discurso de que a aliança PSB-Rede é uma alternativa surgida de dentro do governismo. É o que Eduardo Campos diz quando afirma que é possível fazer mais de um modo diferente. O modo que Eduardo pretende vender é o do estilo de comando e de tomada de decisões, num governo mais aberto ao diálogo com a sociedade, de um modo geral, as classes empresariais e o Congresso. Isso mantendo o discurso de "desenvolvimento para todos" e de identidade com a base social do governo que integrou nesses mais de dez anos. O alvo do jeito "diferente" é Dilma, e não por acaso a presidente da República mudou de comportamento, desde os protestos de junho.
Marina, por seu turno, estabeleceu uma referência ideológica, ao pintar o petismo com as cores do autoritarismo chavista. A ex-senadora está convencida de que o governo e o PT de alguma forma dificultaram a validação de assinaturas, pelos cartórios eleitorais, para a criação do Rede Sustentabilidade - apesar de ser evidente que Marina Silva abusou da sorte e possivelmente, subestimou o poder de fogo dos adversários, ao deixar para a última hora providências urgentes. Eduardo e Marina, por enquanto, sem dúvida ecoam segmentos do eleitorado de oposição, resposta que o senador Aécio Neves (PSDB) ainda não conseguiu dar.
Ao se filiar ao PSB, Marina Silva manteve seu título eleitoral no Acre. Antes de encerrado o prazo de filiação para quem vai concorrer em 2014, a ex-senadora chegou a ser cogitada como candidata, ao Senado ou ao governo do Estado, também do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, locais em que foi muito bem votada em 2010. Agora não há mais saída: ou é candidata no Acre, o que é pouco provável, ou será vice de Eduardo Campos, pois o pressuposto da aliança é que o governador de Pernambuco será o candidato. Acredita-se no PSB que a situação inevitavelmente evoluirá nessa direção. Se sair tudo certo, é claro, pois sempre há margem para o imponderável, como acabam de provar Eduardo e Marina.
A rigor, não existe um acordo para Campos enviar ao Congresso, se for eleito presidente da República, projeto de emenda constitucional propondo o fim da reeleição para presidente. Na realidade esse é um projeto do PSB, junto com unificação da data das eleições no país e o estabelecimento do mandato de cinco anos para cargos no Executivo.
Jogo embaralhado - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 08/10
Vai ser um ano interessante, tanto no sentido estrito da palavra quanto no confuciano, de turbulências infindáveis impedindo a tranquilidade. O fato é que a ex-senadora Marina Silva, que já estava sendo dada como abatida ao decolar, e classificada de incompetente por não ter conseguido organizar a tempo seu partido, deu um golpe de jiu-jitsu no governo, aproveitando sua própria força para derrubá-lo.
A indignação por não ter recebido o registro da Rede, fato que atribui a uma manobra governista, deu-lhe forças para buscar o inesperado e voltar ao jogo que parecia já jogado. Não foi por acaso que o marqueteiro oficial, João Santana, apareceu na revista Época , no mesmo sábado em que Marina anunciava seu golpe de mestre, falando uma série de sandices a respeito de anões e soberanas .
Afirmava até mesmo, para sua infelicidade, que, entre os anões, o mais fraco era justamente o governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Estavam ali registrados os dois planos em que se dá essa disputa: de um lado, a arrogância dos mais fortes; do outro, a astúcia da sabedoria, o marketing político contra a política com P maiúsculo, que transforma a realidade, enquanto o marketing a distorce para vender uma imagem, que quase nunca corresponde à vida real.
Os dois assumiram a tarefa de traduzir em gestos e atos os anseios das ruas. Para muitos, porém, Marina, com a decisão de participar do jogo político por dentro, deixou de ser reflexo da vontade de mudar o modo de fazer política, e as coligações diversificadas que Campos já fechara com políticos oriundos da direita começam a ser colocadas em xeque pelos marineiros .
Nada indica, também, que a soma dos dois acabará representada nas pesquisas, o que, à primeira vista, poderá desanimar os apoiadores, podendo até mesmo estimular o aumento de votos nulos. A narrativa que Campos e Marina começaram a montar no sábado, e que ficará mais explícita com o passar dos tempos, inclusive na propaganda partidária, é a de que se uniram para acabar com a Velha República e encerrar a polarização entre PT e PSDB.
Passada a euforia, porém, virá a ressaca. A realidade de nosso sistema político-partidário pode atropelar o sonho de representar uma maneira nova de fazer política. Nas redes sociais, já estão registradas as frustrações dos marineiros , que em sua maioria prefeririam que ela estivesse fora a vê-la abraçada a um político tradicional, de um partido tradicional, que tem alianças tradicionais pelo país afora.
Marina, que tem suas raízes na política tradicional, é capaz de lidar melhor com essas contradições do que a maioria de seus seguidores. O choro que se seguiu ao anúncio, na madrugada de Brasília, prossegue na rede, e foram os políticos tradicionais que traduziram para a realidade do país a decisão tomada.
Lembraram aos marineiros frustrados de que a filiação democrática foi a maneira que muitos partidos de esquerda, que não foram para a luta armada, encontraram para participar da política no MDB, contra a ditadura militar.
A entrada de Marina no PSB transformou a Rede num partido clandestino dentro da democracia, numa imagem que ela encontrou para estimular seus seguidores a fazerem guerra de guerrilha contra os que a queriam ver fora da disputa.
Mas essa guerrilha marineira pode levar problemas para a coligação democrática , pois os institutos de pesquisa não deixarão de medir a popularidade de Marina, mesmo ela teoricamente fora da disputa.
A um ano das eleições, o jogo está embaralhado, e caberá aos jogadores se moverem da melhor forma possível pelo campo de batalha redesenhado.
Os petistas, até mesmo Lula, foram apanhados no contrapé, e uma campanha que já estava sendo estruturada para mais uma vez ser o debate entre os governos FH e Lula terá de lidar com o fato novo de que estará sendo oferecida uma alternativa para o futuro do país, e não uma discussão do seu passado.
De Hipócrates à hipocrisia - GIL CASTELLO BRANCO
FOLHA DE SP - 08/10
Vamos gastar R$ 7,1 bilhões nos estádios padrão Fifa, enquanto em dez anos aplicamos só R$ 4,2 bilhões em saneamento
O mais famoso médico da Grécia antiga, Hipócrates, considerado o pai da Medicina, dizia: “Para os males extremos, só são eficazes os remédios intensos.” A frase é oportuna quando se observa que a Saúde no Brasil encontra-se em colapso. Do Sistema Único de Saúde (SUS) aos planos privados, alguns verdadeiras arapucas.
Apesar da crise, políticos permanecem enaltecendo o SUS, muito embora só utilizem o Sírio (Hospital Sírio Libanês), onde são recebidos à porta pelos professores-doutores de plantão. Enquanto isso, menos da metade dos cidadãos confia nos hospitais aos quais têm direito como simples mortais.
Pesquisa da ONU, divulgada no primeiro trimestre deste ano, com base em dados coletados entre 2007 e 2009, revelou que entre 126 países o Brasil ficou em 108° lugar no que diz respeito à satisfação com a qualidade dos serviços prestados. Apenas 44% dos brasileiros sentem-se satisfeitos com os padrões aqui oferecidos. Em nenhum país da América Latina, à exceção do Haiti (35%), foi identificado índice tão baixo quanto o que os brasileiros revelaram. Nesse campeonato, perdemos, por exemplo, para o Uruguai (77%), Bolívia (59%), Afeganistão (46%) e Camarões (54%), onde a população considera os serviços de saúde melhores do que a percepção que temos sobre os nossos.
Aparentemente, o dinheiro não é o fator que mais contribui para o caos. Conforme dados da OMS de 2011, somando-se todas as principais formas de financiamento (impostos/contribuições sociais, sistemas privados de pré-pagamento e desembolsos diretos dos pacientes), o Brasil gasta anualmente com saúde 8,9% do Produto Interno Bruto (PIB). O percentual é semelhante ao da Espanha (9,4%) e não muito inferior às aplicações da França (11,6%). No entanto, na maioria dos países desenvolvidos a maior parcela do financiamento provém de fontes públicas que respondem, em média, por 70% do gasto global. Em nosso país, o setor público — que atende 150 milhões de pessoas — contribui com apenas 45,7% do total das despesas integrais com Saúde.
Nesse cenário, será que nos últimos anos a Saúde tem sido considerada como prioridade entre as políticas públicas? O programa Mais Médicos irá salvar a saúde da pátria? Infelizmente, ambas as respostas são negativas.
Ainda que os recursos globais do Ministério da Saúde tenham aumentado nos últimos anos, as despesas realizadas mantiveram praticamente a mesma relação com o PIB. Em 2002, o total pago representou 1,87%, percentual que subiu para 1,88% em 2012. Em suma, de FHC a Dilma, com ou sem CPMF, trocamos seis por meia dúzia.
Quanto aos investimentos em Saúde (construção de hospitais, UPAs, aquisições de equipamentos etc.), nos últimos 12 anos foram autorizados nos orçamentos da União R$ 67 bilhões, mas apenas R$ 27,5 bilhões (41%) foram pagos. A título de comparação, o Ministério da Defesa investiu no mesmo período R$ 56,2 bilhões, literalmente o dobro das aplicações da Pasta da Saúde. Estamos comprando blindados, aviões de caça e construindo submarinos nucleares para enfrentar imagináveis inimigos externos enquanto, por aqui, mais de um milhão de brasileiros protestam por serviços públicos de melhor qualidade.
Em 2013, a situação é semelhante. A dotação prevista para os investimentos do Ministério da Saúde é de R$ 10 bilhões. Até setembro apenas R$ 2,9 bilhões foram pagos, incluindo os restos a pagar. O valor investido coloca o Ministério da Saúde em 5° lugar comparativamente aos outros ministérios.
Na verdade, há muito por fazer. Para começar, é difícil imaginar um país saudável em que quase a metade dos domicílios não tem rede de esgotos. Por opção, vamos gastar R$ 7,1 bilhões nos estádios de futebol padrão Fifa, enquanto em dez anos aplicamos somente R$ 4,2 bilhões em saneamento. O Mais Médicos — mesmo sem o Revalida e com certificados distribuídos a esmo — vai gerar o primeiro atendimento em cidades até então desprovidas, o que é bom. Mas por trás das “boas intenções” está a reeleição de Dilma, o fortalecimento da candidatura de Padilha ao governo de São Paulo, além do financiamento da ditadura cubana.
Dessa forma, o programa passa ao largo de questões cruciais como a necessidade de mais investimentos públicos, melhor gestão, atualização das tabelas de ressarcimento do SUS, aumento das vagas nos cursos de Medicina, nas UTIs e nas residências médicas, entre outros problemas a serem enfrentados. Tal como dizia Hipócrates, urgem remédios intensos. A reconstrução da saúde no Brasil exige mais ações e menos hipocrisia.
Vamos gastar R$ 7,1 bilhões nos estádios padrão Fifa, enquanto em dez anos aplicamos só R$ 4,2 bilhões em saneamento
O mais famoso médico da Grécia antiga, Hipócrates, considerado o pai da Medicina, dizia: “Para os males extremos, só são eficazes os remédios intensos.” A frase é oportuna quando se observa que a Saúde no Brasil encontra-se em colapso. Do Sistema Único de Saúde (SUS) aos planos privados, alguns verdadeiras arapucas.
Apesar da crise, políticos permanecem enaltecendo o SUS, muito embora só utilizem o Sírio (Hospital Sírio Libanês), onde são recebidos à porta pelos professores-doutores de plantão. Enquanto isso, menos da metade dos cidadãos confia nos hospitais aos quais têm direito como simples mortais.
Pesquisa da ONU, divulgada no primeiro trimestre deste ano, com base em dados coletados entre 2007 e 2009, revelou que entre 126 países o Brasil ficou em 108° lugar no que diz respeito à satisfação com a qualidade dos serviços prestados. Apenas 44% dos brasileiros sentem-se satisfeitos com os padrões aqui oferecidos. Em nenhum país da América Latina, à exceção do Haiti (35%), foi identificado índice tão baixo quanto o que os brasileiros revelaram. Nesse campeonato, perdemos, por exemplo, para o Uruguai (77%), Bolívia (59%), Afeganistão (46%) e Camarões (54%), onde a população considera os serviços de saúde melhores do que a percepção que temos sobre os nossos.
Aparentemente, o dinheiro não é o fator que mais contribui para o caos. Conforme dados da OMS de 2011, somando-se todas as principais formas de financiamento (impostos/contribuições sociais, sistemas privados de pré-pagamento e desembolsos diretos dos pacientes), o Brasil gasta anualmente com saúde 8,9% do Produto Interno Bruto (PIB). O percentual é semelhante ao da Espanha (9,4%) e não muito inferior às aplicações da França (11,6%). No entanto, na maioria dos países desenvolvidos a maior parcela do financiamento provém de fontes públicas que respondem, em média, por 70% do gasto global. Em nosso país, o setor público — que atende 150 milhões de pessoas — contribui com apenas 45,7% do total das despesas integrais com Saúde.
Nesse cenário, será que nos últimos anos a Saúde tem sido considerada como prioridade entre as políticas públicas? O programa Mais Médicos irá salvar a saúde da pátria? Infelizmente, ambas as respostas são negativas.
Ainda que os recursos globais do Ministério da Saúde tenham aumentado nos últimos anos, as despesas realizadas mantiveram praticamente a mesma relação com o PIB. Em 2002, o total pago representou 1,87%, percentual que subiu para 1,88% em 2012. Em suma, de FHC a Dilma, com ou sem CPMF, trocamos seis por meia dúzia.
Quanto aos investimentos em Saúde (construção de hospitais, UPAs, aquisições de equipamentos etc.), nos últimos 12 anos foram autorizados nos orçamentos da União R$ 67 bilhões, mas apenas R$ 27,5 bilhões (41%) foram pagos. A título de comparação, o Ministério da Defesa investiu no mesmo período R$ 56,2 bilhões, literalmente o dobro das aplicações da Pasta da Saúde. Estamos comprando blindados, aviões de caça e construindo submarinos nucleares para enfrentar imagináveis inimigos externos enquanto, por aqui, mais de um milhão de brasileiros protestam por serviços públicos de melhor qualidade.
Em 2013, a situação é semelhante. A dotação prevista para os investimentos do Ministério da Saúde é de R$ 10 bilhões. Até setembro apenas R$ 2,9 bilhões foram pagos, incluindo os restos a pagar. O valor investido coloca o Ministério da Saúde em 5° lugar comparativamente aos outros ministérios.
Na verdade, há muito por fazer. Para começar, é difícil imaginar um país saudável em que quase a metade dos domicílios não tem rede de esgotos. Por opção, vamos gastar R$ 7,1 bilhões nos estádios de futebol padrão Fifa, enquanto em dez anos aplicamos somente R$ 4,2 bilhões em saneamento. O Mais Médicos — mesmo sem o Revalida e com certificados distribuídos a esmo — vai gerar o primeiro atendimento em cidades até então desprovidas, o que é bom. Mas por trás das “boas intenções” está a reeleição de Dilma, o fortalecimento da candidatura de Padilha ao governo de São Paulo, além do financiamento da ditadura cubana.
Dessa forma, o programa passa ao largo de questões cruciais como a necessidade de mais investimentos públicos, melhor gestão, atualização das tabelas de ressarcimento do SUS, aumento das vagas nos cursos de Medicina, nas UTIs e nas residências médicas, entre outros problemas a serem enfrentados. Tal como dizia Hipócrates, urgem remédios intensos. A reconstrução da saúde no Brasil exige mais ações e menos hipocrisia.
Presente e futuro - JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SP - 08/10
A história das eleições já legou exemplos suficientes de que acordos são passíveis de desmanchar-se no ar
Visão política é a capacidade de olhar para o momento presente e, em vez dele, ver o futuro.
Tudo indica que Marina Silva e Eduardo Campos voltaram os olhos para o futuro e viram apenas um momento do presente.
Em um só lance, os dois plantaram fartos problemas para sua adaptação mútua, em meio a igual dificuldade de seus grupos. Políticos costumam ter flexibilidade circense, mas não é o caso, por certo. Bem ao contrário.
Nem mesmo o pessoal do PSB cita o nome do partido por inteiro, há muito tempo: fazê-lo exigiria mencionar a palavra "Socialista". O que se sabe das ideias do próprio Eduardo Campos não é muito mais do que se sabe de Marina Silva. Em relação aos dois sabe-se, porém, o suficiente para perceber a inconciliação quase completa. Não cabe mais dizer que o PSB seja partido "de esquerda", nem se pode dizer isso de Eduardo Campos. Mas conservadores, o partido e seu presidente não são, nem podem sê-lo, por exigência da ambição eleitoral que expõem.
Marina Silva tem mais de esfinge que de política (sem alusão a certa semelhança de traços básicos). Se não há clareza de como a ex-candidata à Presidência pensa o país e seus problemas, ao menos se dispõe de uma percepção básica, na medida em que uma dedicação religiosa intensa exprime uma concepção bastante mais ampla. E ao deixar o catolicismo para tornar-se evangélica dedicada, Marina Silva integrou-se a uma corrente de notório conservadorismo. Demonstrado, inclusive, em extensão política, nas posições e atos de sua bancada no Congresso, com frequentes referências nos meios de comunicação.
Imaginar que tamanha diferença, digamos, conceitual caminhe para a conciliação, em nome de conveniências políticas imediatistas, exige esquecer o início da questão: as conveniências políticas dos dois são as mesmas e concorrentes entre si. Sustentadas, de uma parte e de outra, em graus equivalentes de pretensão e mal contido autoritarismo.
Com este pano de fundo, veremos o que se passará diante das posições de ambos invertidas na chapa do PSB em comparação com as pesquisas. Os seguidores de Marina nem esperam por próximas pesquisas, já entregues à campanha pela cabeça da chapa. As simpatias dos dois grupos vão mostrar o que são, de fato, quando se derem as verdadeiras discussões sobre liderança, temas de campanha, respostas às cobranças do eleitorado, a batalha.
A história das eleições, mesmo a recente, já legou exemplos suficientes de que acordos, garantias, alianças e comunhões são passíveis de também desmanchar-se no ar. É só bater um ventinho mais conveniente para um dos lados. Eduardo Campos sabe disso, o que significa que o festejado entendimento com Marina representa, para ele, múltiplos riscos. Entre os quais, até o desgaste político decorrente da simples dificuldade de convivência, descoberta agora por vários (ex-)entusiastas da Rede Sustentabilidade.
Marina Silva, ao passar de uma posição de liderança para a duvidosa inserção em partido alheio e com líder-candidato definido, na melhor hipótese fez uma jogada no escuro sob a luz do dia. Ao menos terá tempo para sair pelo país explicando ao seu eleitorado o que quer dizer sustentabilidade, um nome de partido à altura da incompetência com que foi tratado por seus sustentadores.
A história das eleições já legou exemplos suficientes de que acordos são passíveis de desmanchar-se no ar
Visão política é a capacidade de olhar para o momento presente e, em vez dele, ver o futuro.
Tudo indica que Marina Silva e Eduardo Campos voltaram os olhos para o futuro e viram apenas um momento do presente.
Em um só lance, os dois plantaram fartos problemas para sua adaptação mútua, em meio a igual dificuldade de seus grupos. Políticos costumam ter flexibilidade circense, mas não é o caso, por certo. Bem ao contrário.
Nem mesmo o pessoal do PSB cita o nome do partido por inteiro, há muito tempo: fazê-lo exigiria mencionar a palavra "Socialista". O que se sabe das ideias do próprio Eduardo Campos não é muito mais do que se sabe de Marina Silva. Em relação aos dois sabe-se, porém, o suficiente para perceber a inconciliação quase completa. Não cabe mais dizer que o PSB seja partido "de esquerda", nem se pode dizer isso de Eduardo Campos. Mas conservadores, o partido e seu presidente não são, nem podem sê-lo, por exigência da ambição eleitoral que expõem.
Marina Silva tem mais de esfinge que de política (sem alusão a certa semelhança de traços básicos). Se não há clareza de como a ex-candidata à Presidência pensa o país e seus problemas, ao menos se dispõe de uma percepção básica, na medida em que uma dedicação religiosa intensa exprime uma concepção bastante mais ampla. E ao deixar o catolicismo para tornar-se evangélica dedicada, Marina Silva integrou-se a uma corrente de notório conservadorismo. Demonstrado, inclusive, em extensão política, nas posições e atos de sua bancada no Congresso, com frequentes referências nos meios de comunicação.
Imaginar que tamanha diferença, digamos, conceitual caminhe para a conciliação, em nome de conveniências políticas imediatistas, exige esquecer o início da questão: as conveniências políticas dos dois são as mesmas e concorrentes entre si. Sustentadas, de uma parte e de outra, em graus equivalentes de pretensão e mal contido autoritarismo.
Com este pano de fundo, veremos o que se passará diante das posições de ambos invertidas na chapa do PSB em comparação com as pesquisas. Os seguidores de Marina nem esperam por próximas pesquisas, já entregues à campanha pela cabeça da chapa. As simpatias dos dois grupos vão mostrar o que são, de fato, quando se derem as verdadeiras discussões sobre liderança, temas de campanha, respostas às cobranças do eleitorado, a batalha.
A história das eleições, mesmo a recente, já legou exemplos suficientes de que acordos, garantias, alianças e comunhões são passíveis de também desmanchar-se no ar. É só bater um ventinho mais conveniente para um dos lados. Eduardo Campos sabe disso, o que significa que o festejado entendimento com Marina representa, para ele, múltiplos riscos. Entre os quais, até o desgaste político decorrente da simples dificuldade de convivência, descoberta agora por vários (ex-)entusiastas da Rede Sustentabilidade.
Marina Silva, ao passar de uma posição de liderança para a duvidosa inserção em partido alheio e com líder-candidato definido, na melhor hipótese fez uma jogada no escuro sob a luz do dia. Ao menos terá tempo para sair pelo país explicando ao seu eleitorado o que quer dizer sustentabilidade, um nome de partido à altura da incompetência com que foi tratado por seus sustentadores.
As armas de cada um - DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 08/10
Mantega prepara petistas para reverberar que a economia vai bem, apesar de crescer pouco. Dar a sensação de país vai bem e está em crescimento é o principal instrumento de Dilma para fazer frente a qualquer adversário
A confirmar o cenário que se avizinha para 2014, já se tem uma ideia do que os atuais pré-candidatos farão a partir de agora no sentido de arregimentar aliados às suas pré-campanhas. O governo “venderá” cargos, emendas ao orçamento. Aécio e Eduardo, entretanto, venderão esperanças. Da parte do PSDB, a mercadoria será a esperança de uma gestão mais eficiente, especialmente, na economia. E do PSB, vem por aí o jeitão da nova política, sem o toma-lá-dá-cá explícito dos últimos anos, quando o partido que não recebia o ministério do seu desejo fazia beicinho e acabava levando. E todos os três tratarão de “vender” apoios nos estados, algo que, se bem trabalhado, pode fazer a diferença, caso a disputa fique apertada na hora do voto.
Os exemplos do toma-lá-dá-cá são fartos. Basta ver o PR com o Ministério dos Transportes, onde está hoje o ministro César Borges, da Bahia. Ou o Ministério do Trabalho, lote do PDT. As últimas denúncias só não afastaram o atual ministro porque os petistas não desejam ver o PDT pular para do palanque de Dilma. O mesmo vale para o PP no Ministério das Cidades.
Obviamente, os cargos que dão direito a carro oficial com placa verde e amarela têm seu charme e, às vezes, desgastes, como o uso do helicóptero em Santa Catarina pela ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, estampada com exclusividade nas páginas do Correio. Mas pode representar uma faca de dois gumes e tirar voto se a coisa ficar tão explícita ao ponto de colar em Dilma a imagem da velha política.
Ela já tem a desvantagem, para o público jovem, de ser a única pré-candidata com mais de 60 anos, a contar pela preferência da cúpula do PSDB e do PSB registradas até o momento, um ano antes da eleição. Será ainda a única que comeu o pão que o diabo amassou no período da ditadura militar, quando Eduardo e Aécio ainda eram crianças. Até por isso, os dois tratarão de colocar o PT e a relação do partido de Lula com o PMDB, no papel da velha política espelhada na candidatura pela reeleição da presidente.
Enquanto isso, no Planalto…
A presidente, embora tenha plena consciência de que a junção de Eduardo e Marina Silva não é a melhor notícia que ela poderia receber, jogará com a principal arma que tem, ou seja, o próprio governo. Ontem mesmo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, estava no Instituto Lula, dando munição aos petistas para defender a economia nos próximos dias. Lá estavam, por exemplo, Devanir Ribeiro, Rui Falcão, Arlindo Chinaglia e o senador Wellington Dias, ex-governador do Piauí. Coincidência ou não, na quarta-feira haverá reunião do Conselho de Política Monetária (Copom) que traz a perspectiva de mais uma alta nos juros. Isso, sim, na avaliação do PT, é um problema.
Dilma e Mantega estão preparando o PT para responder diretamente aos adversários na hora em que o Copom trouxer uma verdadeira má notícia. Para isso, Mantega explicou ontem a diversos integrantes da legenda reunidos no Instituto Lula que a partir de 2014, o crescimento será maior, o Brasil está investindo em infraestrutura e a economia cresce, ainda que devagar, num momento em que a Índia cai, e que a China caiu e se estabilizou. É isso que, na opinião do partido de Lula, fará a diferença na hora do voto. E é isso que os petistas farão chegar aos aliados, como forma e manter todos na órbita governamental.
E nos partidos…
Nada disso, entretanto, será suficiente para fazer os partidos entrarem de corpo e alma na campanha de Dilma se, nos estados, ela e Lula ficarem apenas voltados aos palanques petistas. O escaldado Geddel Vieira Lima, pré-candidato a governador da Bahia, por exemplo, ligou ontem para Eduardo Campos. Sabe como é, Geddel já viu Dilma desfilar com o petista Jaques Wagner em 2010 e se reunir com o PMDB apenas em recintos fechados. Por isso, busca hoje outros candidatos a presidente para chamar de seu. Há quem diga que Geddel abre uma porta que outros podem seguir. Mas essa é outra história que hoje depende mais do PT do que de qualquer outro candidato.
Mantega prepara petistas para reverberar que a economia vai bem, apesar de crescer pouco. Dar a sensação de país vai bem e está em crescimento é o principal instrumento de Dilma para fazer frente a qualquer adversário
A confirmar o cenário que se avizinha para 2014, já se tem uma ideia do que os atuais pré-candidatos farão a partir de agora no sentido de arregimentar aliados às suas pré-campanhas. O governo “venderá” cargos, emendas ao orçamento. Aécio e Eduardo, entretanto, venderão esperanças. Da parte do PSDB, a mercadoria será a esperança de uma gestão mais eficiente, especialmente, na economia. E do PSB, vem por aí o jeitão da nova política, sem o toma-lá-dá-cá explícito dos últimos anos, quando o partido que não recebia o ministério do seu desejo fazia beicinho e acabava levando. E todos os três tratarão de “vender” apoios nos estados, algo que, se bem trabalhado, pode fazer a diferença, caso a disputa fique apertada na hora do voto.
Os exemplos do toma-lá-dá-cá são fartos. Basta ver o PR com o Ministério dos Transportes, onde está hoje o ministro César Borges, da Bahia. Ou o Ministério do Trabalho, lote do PDT. As últimas denúncias só não afastaram o atual ministro porque os petistas não desejam ver o PDT pular para do palanque de Dilma. O mesmo vale para o PP no Ministério das Cidades.
Obviamente, os cargos que dão direito a carro oficial com placa verde e amarela têm seu charme e, às vezes, desgastes, como o uso do helicóptero em Santa Catarina pela ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, estampada com exclusividade nas páginas do Correio. Mas pode representar uma faca de dois gumes e tirar voto se a coisa ficar tão explícita ao ponto de colar em Dilma a imagem da velha política.
Ela já tem a desvantagem, para o público jovem, de ser a única pré-candidata com mais de 60 anos, a contar pela preferência da cúpula do PSDB e do PSB registradas até o momento, um ano antes da eleição. Será ainda a única que comeu o pão que o diabo amassou no período da ditadura militar, quando Eduardo e Aécio ainda eram crianças. Até por isso, os dois tratarão de colocar o PT e a relação do partido de Lula com o PMDB, no papel da velha política espelhada na candidatura pela reeleição da presidente.
Enquanto isso, no Planalto…
A presidente, embora tenha plena consciência de que a junção de Eduardo e Marina Silva não é a melhor notícia que ela poderia receber, jogará com a principal arma que tem, ou seja, o próprio governo. Ontem mesmo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, estava no Instituto Lula, dando munição aos petistas para defender a economia nos próximos dias. Lá estavam, por exemplo, Devanir Ribeiro, Rui Falcão, Arlindo Chinaglia e o senador Wellington Dias, ex-governador do Piauí. Coincidência ou não, na quarta-feira haverá reunião do Conselho de Política Monetária (Copom) que traz a perspectiva de mais uma alta nos juros. Isso, sim, na avaliação do PT, é um problema.
Dilma e Mantega estão preparando o PT para responder diretamente aos adversários na hora em que o Copom trouxer uma verdadeira má notícia. Para isso, Mantega explicou ontem a diversos integrantes da legenda reunidos no Instituto Lula que a partir de 2014, o crescimento será maior, o Brasil está investindo em infraestrutura e a economia cresce, ainda que devagar, num momento em que a Índia cai, e que a China caiu e se estabilizou. É isso que, na opinião do partido de Lula, fará a diferença na hora do voto. E é isso que os petistas farão chegar aos aliados, como forma e manter todos na órbita governamental.
E nos partidos…
Nada disso, entretanto, será suficiente para fazer os partidos entrarem de corpo e alma na campanha de Dilma se, nos estados, ela e Lula ficarem apenas voltados aos palanques petistas. O escaldado Geddel Vieira Lima, pré-candidato a governador da Bahia, por exemplo, ligou ontem para Eduardo Campos. Sabe como é, Geddel já viu Dilma desfilar com o petista Jaques Wagner em 2010 e se reunir com o PMDB apenas em recintos fechados. Por isso, busca hoje outros candidatos a presidente para chamar de seu. Há quem diga que Geddel abre uma porta que outros podem seguir. Mas essa é outra história que hoje depende mais do PT do que de qualquer outro candidato.
Além da linha vermelha - ARNALDO JABOR
O Estado de S.Paulo - 08/10
Cresce a paranoia. A Al-Qaeda já domina rebeldes sírios. No Quênia, explodiu o shopping. Surgem ataques espontâneos, individuais, no Ocidente. Nigéria, Somália, Sudão, a polícia da Casa Branca mata uma mulher ao volante. O terror cresce sob os olhos impotentes dos "cães infiéis" - nós.
Os atentados, desde o 11 de setembro, foram parte de um processo que começa com o fim da Segunda Guerra. Foram uma novidade imensa na história: os Estados Unidos nunca tinham sido atacados em casa. Em todas as guerras, eles atuaram de fora. O atentado de Oklahoma foi cometido por um americano. O ataque a Pearl Harbour foi no Havaí. Essa vulnerabilidade foi uma perda de virgindade. Mudou o conceito de poder, o conceito de segurança.
Nem em filme do James Bond alguém pensou nisso. Todo mundo viu a população de Nova York correndo pela rua. Aquilo era o "Godzilla". De certo modo, a realização de um secreto desejo deles, porque os americanos têm esse "bode" de fazer filme-catástrofe, numa relação de amor-ódio com o próprio país. Nos atentados de hoje, o cinema perde. A realidade é muito mais ficcional. A guerra de nações está acabando. É a guerra da teocracia contra a tecnologia.
Na religião islâmica, a morte é um prêmio. Quando havia degola na Argélia, eles chegavam ao detalhe de decapitar os inimigos com uma faca rombuda, porque quanto mais o cara gritava, mais se enobrecia o degolador perante Alá. O terrorista também quer ascensão social: um fugaz poder com bombas no corpo, sucesso "post-mortem" e subida aos céus, para comer as mil virgens, as "huris", dançando de odaliscas. É um "hype" no Oriente. A maior ferida americana é que os miseráveis "mendigos", ignorantes, barbados e imundos chegaram a um nível de competência e imaginação "midiática" com que nunca Hollywood sonhou. O grande orgulho americano da eficiência foi perdido para "macacos suicidas".
A partir daí, todo mundo virou cientista político. Surgiram multidões de analistas de bom senso tentando fazer a tragédia absurda caber num discurso coerente, racional (inclusive eu...). Mas o terror não cabe na razão. Os conceitos operacionais para entender o que está havendo são insuficientes. Osama quebrou o discurso racional. Todos os nossos gestos, palavras, bravatas vêm de um arquivo morto, de um repertório que ficou subitamente antigo. Foram atingidos: o ateísmo, o iluminismo, a arquitetura, a paz burguesa, o turismo, a sensação de invulnerabilidade, o consumo. Os comentários buscam uma restauração do senso comum e são a nostalgia pela volta do bem-estar, do sossego. Enquanto estamos nervosos, o que apavora é que todos os terroristas afegãos, talibãs, fanáticos em geral têm um rosto calmo, o olhar iluminado de certezas, a tranquilidade da loucura. Os jihadistas xiitas ou sunitas não têm as angústias da liberdade nem do progresso. Não querem ser modernos; querem ser eternos. Os talibãs vivem na eternidade. Finalmente, a globalização criou uma democratização da desgraça. De uma forma repugnante, a verdade do mundo apareceu. Quem ganha? Ninguém. Esta guerra sem rosto nunca terá derrota ou vitória. Nietzsche escreveu: "Ao combater uma monstruosidade, temos de ter cuidado para não virarmos monstros". Ou já viramos ou vamos virar. A beleza do "homem revoltado" morreu e pode estar pintando um grande tempo de conformismo deprimido. Ficaremos mais minimalistas, afirmando singularidades. Como disse Baudrillard: "O universal acabou; só resta o singular contra o mundial".
Mudou a ideia de "finalidade", de "projeto", o doce aroma do sucesso a qualquer preço, o "happy end", o princípio, o meio e o fim, a vontade de esquecer a morte, que não mais estará num leito burguês com extrema-unção e família chorando, a morte será um cachorro pelas ruas, atacando de repente. Mudou a busca de plenitude, a realização de todos os desejos, sobe a fé, caem a esperança e a caridade, muda o sonho de "solução". Mudou a ideia de "futuro redentor" - será o fim do "Fim da História". Mudou o ideal detergente de um mundo branco, asséptico, sem fraturas, higiênico, a harmonia doce do lar, a decoração de interiores, a alvura dos lençóis, os pecados veniais, as deliciosas perversões irresponsáveis e indolores, pois as coisas vão doer mais. As coisas estão mais graves, as crises mais profundas, mas a superficialidade vai aumentar. Acabou a oportunista e enobrecedora contemplação caridosa da miséria, que chegou violenta, nas asas da estupidez religiosa. Cada vez mais, aumentam o charme arrogante dos ricos e famosos, a tecnologia sem Deus, as lágrimas mentirosas, a busca da perfeição física, do corpo sem órgãos, do orgasmo total. Acabou o mito de James Bond, que criou o ideal de eu dos "baby boomers", seus ternos impecáveis, o sexo sem envolvimento, as mil mulheres comidas, a licença para matar, o amor sem risco. Ninguém sabe o que fazer da arte, da beleza, até mesmo da elegantíssima vivência do desespero crítico, acabam o mal-estar abstrato, a náusea romântica, a infelicidade vaga, a delícia das grandes dores de amor, o difuso sentimento ocidental de superioridade, a aparente tolerância e a falsa generosidade, acaba a fleuma, a displicência chique ou mesmo a deliciosa sensação da canalhice.
Acaba o drama e volta a tragédia; perdeu sentido até o "absurdo" como literatura, o surrealismo virou piada naturalista e apareceu o novo indivíduo esfacelado por bombas, coberto de pizzas sangrentas. Acaba o "outro" como figura existencial-virtual, pois surgiu o horrendo "outro", sujo e mortífero, suicidando-se às gargalhadas; volta a marcha a ré para o ano 1000, acaba a esperança de achar Deus entre as galáxias, pois Deus já está entre nós armado até os dentes. O Islã está nos expondo ao ridículo. A maior potência do mundo lutando contra os Flintstones.
Cresce a paranoia. A Al-Qaeda já domina rebeldes sírios. No Quênia, explodiu o shopping. Surgem ataques espontâneos, individuais, no Ocidente. Nigéria, Somália, Sudão, a polícia da Casa Branca mata uma mulher ao volante. O terror cresce sob os olhos impotentes dos "cães infiéis" - nós.
Os atentados, desde o 11 de setembro, foram parte de um processo que começa com o fim da Segunda Guerra. Foram uma novidade imensa na história: os Estados Unidos nunca tinham sido atacados em casa. Em todas as guerras, eles atuaram de fora. O atentado de Oklahoma foi cometido por um americano. O ataque a Pearl Harbour foi no Havaí. Essa vulnerabilidade foi uma perda de virgindade. Mudou o conceito de poder, o conceito de segurança.
Nem em filme do James Bond alguém pensou nisso. Todo mundo viu a população de Nova York correndo pela rua. Aquilo era o "Godzilla". De certo modo, a realização de um secreto desejo deles, porque os americanos têm esse "bode" de fazer filme-catástrofe, numa relação de amor-ódio com o próprio país. Nos atentados de hoje, o cinema perde. A realidade é muito mais ficcional. A guerra de nações está acabando. É a guerra da teocracia contra a tecnologia.
Na religião islâmica, a morte é um prêmio. Quando havia degola na Argélia, eles chegavam ao detalhe de decapitar os inimigos com uma faca rombuda, porque quanto mais o cara gritava, mais se enobrecia o degolador perante Alá. O terrorista também quer ascensão social: um fugaz poder com bombas no corpo, sucesso "post-mortem" e subida aos céus, para comer as mil virgens, as "huris", dançando de odaliscas. É um "hype" no Oriente. A maior ferida americana é que os miseráveis "mendigos", ignorantes, barbados e imundos chegaram a um nível de competência e imaginação "midiática" com que nunca Hollywood sonhou. O grande orgulho americano da eficiência foi perdido para "macacos suicidas".
A partir daí, todo mundo virou cientista político. Surgiram multidões de analistas de bom senso tentando fazer a tragédia absurda caber num discurso coerente, racional (inclusive eu...). Mas o terror não cabe na razão. Os conceitos operacionais para entender o que está havendo são insuficientes. Osama quebrou o discurso racional. Todos os nossos gestos, palavras, bravatas vêm de um arquivo morto, de um repertório que ficou subitamente antigo. Foram atingidos: o ateísmo, o iluminismo, a arquitetura, a paz burguesa, o turismo, a sensação de invulnerabilidade, o consumo. Os comentários buscam uma restauração do senso comum e são a nostalgia pela volta do bem-estar, do sossego. Enquanto estamos nervosos, o que apavora é que todos os terroristas afegãos, talibãs, fanáticos em geral têm um rosto calmo, o olhar iluminado de certezas, a tranquilidade da loucura. Os jihadistas xiitas ou sunitas não têm as angústias da liberdade nem do progresso. Não querem ser modernos; querem ser eternos. Os talibãs vivem na eternidade. Finalmente, a globalização criou uma democratização da desgraça. De uma forma repugnante, a verdade do mundo apareceu. Quem ganha? Ninguém. Esta guerra sem rosto nunca terá derrota ou vitória. Nietzsche escreveu: "Ao combater uma monstruosidade, temos de ter cuidado para não virarmos monstros". Ou já viramos ou vamos virar. A beleza do "homem revoltado" morreu e pode estar pintando um grande tempo de conformismo deprimido. Ficaremos mais minimalistas, afirmando singularidades. Como disse Baudrillard: "O universal acabou; só resta o singular contra o mundial".
Mudou a ideia de "finalidade", de "projeto", o doce aroma do sucesso a qualquer preço, o "happy end", o princípio, o meio e o fim, a vontade de esquecer a morte, que não mais estará num leito burguês com extrema-unção e família chorando, a morte será um cachorro pelas ruas, atacando de repente. Mudou a busca de plenitude, a realização de todos os desejos, sobe a fé, caem a esperança e a caridade, muda o sonho de "solução". Mudou a ideia de "futuro redentor" - será o fim do "Fim da História". Mudou o ideal detergente de um mundo branco, asséptico, sem fraturas, higiênico, a harmonia doce do lar, a decoração de interiores, a alvura dos lençóis, os pecados veniais, as deliciosas perversões irresponsáveis e indolores, pois as coisas vão doer mais. As coisas estão mais graves, as crises mais profundas, mas a superficialidade vai aumentar. Acabou a oportunista e enobrecedora contemplação caridosa da miséria, que chegou violenta, nas asas da estupidez religiosa. Cada vez mais, aumentam o charme arrogante dos ricos e famosos, a tecnologia sem Deus, as lágrimas mentirosas, a busca da perfeição física, do corpo sem órgãos, do orgasmo total. Acabou o mito de James Bond, que criou o ideal de eu dos "baby boomers", seus ternos impecáveis, o sexo sem envolvimento, as mil mulheres comidas, a licença para matar, o amor sem risco. Ninguém sabe o que fazer da arte, da beleza, até mesmo da elegantíssima vivência do desespero crítico, acabam o mal-estar abstrato, a náusea romântica, a infelicidade vaga, a delícia das grandes dores de amor, o difuso sentimento ocidental de superioridade, a aparente tolerância e a falsa generosidade, acaba a fleuma, a displicência chique ou mesmo a deliciosa sensação da canalhice.
Acaba o drama e volta a tragédia; perdeu sentido até o "absurdo" como literatura, o surrealismo virou piada naturalista e apareceu o novo indivíduo esfacelado por bombas, coberto de pizzas sangrentas. Acaba o "outro" como figura existencial-virtual, pois surgiu o horrendo "outro", sujo e mortífero, suicidando-se às gargalhadas; volta a marcha a ré para o ano 1000, acaba a esperança de achar Deus entre as galáxias, pois Deus já está entre nós armado até os dentes. O Islã está nos expondo ao ridículo. A maior potência do mundo lutando contra os Flintstones.
Vale tudo - JOSÉ CASADO
O GLOBO - 08/10
Na véspera de eleições, só não vale transparência no acesso privilegiado ao dinheiro público
Começa esta semana a etapa menos visível da disputa eleitoral do ano que vem: um ciclo de 80 dias de votações dos orçamentos de 2014 para a União, os estados e os municípios.
O acordo entre Marina Silva (Rede) e Eduardo Campos (PSB) embaralhou o jogo dos partidos pela Presidência, governos estaduais e bancadas legislativas. A pressão dos aliados de Dilma Rousseff (PT), que batalha pela reeleição, e as novas composições regionais acirram a competição pelo acesso privilegiado ao Tesouro, em todos os níveis. O prêmio é o “direito” de gastar o dinheiro alheio sem ser incomodado.
Vale tudo, só não vale transparência. Veja-se o caso do Orçamento da União, mais enigmático a cada eleição. A gestão Dilma acentuou o obscurantismo ao classificar 98% das despesas deste ano com um “não atribuído” a qualquer plano orçamentário. E foi além, com uma miríade de projetos-fantasia (os Brasis “Sem Miséria”, “Carinhoso”, “Sorridente”, “Verde” etc.), sem relação direta com as políticas já definidas pelo próprio governo. Deixou perdidos analistas do Congresso, do Tribunal de Contas e de organizações independentes como Contas Abertas.
Nesse trevor orçamentário, multiplicam-se as transferências de recursos do governo federal a “entidades privadas sem fins lucrativos” (ONGs, fundações e partidos políticos, entre outros).
Já são 87.399 convênios e contratos com mais de sete mil entidades privadas. Custaram R$ 13,7 bilhões até 2012. É dinheiro equivalente a meio Bolsa Família e 30% mais que o capital investido pelo BNDES no grupo de Eike Batista. A conta aumentou em R$ 3,7 bilhões nos primeiros nove meses deste ano.
Falta “uma atuação mais contundente” do governo na fiscalização, acha o TCU. O acervo sobre o descontrole mostra que 43% dos contratos (38.321 convênios) foram feitos sem um plano de trabalho dos agentes privados beneficiários. Quatro mil entidades não apresentaram contas nos últimos cinco anos. Frágil, o sistema mistura a minoria de entidades sérias com as outras.
Há, também, evidências de avanço da “política uterina” — autoridades atuando em benefício próprio ou de parentes até segundo grau. Por amostragem, identificaram-se 134 casos de repasses a entidades privadas dirigidas por juízes, procuradores, deputados, prefeitos e vereadores, ou seus parentes, nos estados do Rio, de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Rio Grande do Sul, Paraná, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Acre, Alagoas e Sergipe. O TCU mantém nomes em sigilo, e decidiu enviá-los à Justiça e à polícia. Entre os achados há uma entidade privada dirigida pelo secretário de um deputado federal, autor da emenda orçamentária que a privilegiou com dinheiro público. Qualquer semelhança com a ficção, claro, é pura coincidência.
Na véspera de eleições, só não vale transparência no acesso privilegiado ao dinheiro público
Começa esta semana a etapa menos visível da disputa eleitoral do ano que vem: um ciclo de 80 dias de votações dos orçamentos de 2014 para a União, os estados e os municípios.
O acordo entre Marina Silva (Rede) e Eduardo Campos (PSB) embaralhou o jogo dos partidos pela Presidência, governos estaduais e bancadas legislativas. A pressão dos aliados de Dilma Rousseff (PT), que batalha pela reeleição, e as novas composições regionais acirram a competição pelo acesso privilegiado ao Tesouro, em todos os níveis. O prêmio é o “direito” de gastar o dinheiro alheio sem ser incomodado.
Vale tudo, só não vale transparência. Veja-se o caso do Orçamento da União, mais enigmático a cada eleição. A gestão Dilma acentuou o obscurantismo ao classificar 98% das despesas deste ano com um “não atribuído” a qualquer plano orçamentário. E foi além, com uma miríade de projetos-fantasia (os Brasis “Sem Miséria”, “Carinhoso”, “Sorridente”, “Verde” etc.), sem relação direta com as políticas já definidas pelo próprio governo. Deixou perdidos analistas do Congresso, do Tribunal de Contas e de organizações independentes como Contas Abertas.
Nesse trevor orçamentário, multiplicam-se as transferências de recursos do governo federal a “entidades privadas sem fins lucrativos” (ONGs, fundações e partidos políticos, entre outros).
Já são 87.399 convênios e contratos com mais de sete mil entidades privadas. Custaram R$ 13,7 bilhões até 2012. É dinheiro equivalente a meio Bolsa Família e 30% mais que o capital investido pelo BNDES no grupo de Eike Batista. A conta aumentou em R$ 3,7 bilhões nos primeiros nove meses deste ano.
Falta “uma atuação mais contundente” do governo na fiscalização, acha o TCU. O acervo sobre o descontrole mostra que 43% dos contratos (38.321 convênios) foram feitos sem um plano de trabalho dos agentes privados beneficiários. Quatro mil entidades não apresentaram contas nos últimos cinco anos. Frágil, o sistema mistura a minoria de entidades sérias com as outras.
Há, também, evidências de avanço da “política uterina” — autoridades atuando em benefício próprio ou de parentes até segundo grau. Por amostragem, identificaram-se 134 casos de repasses a entidades privadas dirigidas por juízes, procuradores, deputados, prefeitos e vereadores, ou seus parentes, nos estados do Rio, de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Rio Grande do Sul, Paraná, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Acre, Alagoas e Sergipe. O TCU mantém nomes em sigilo, e decidiu enviá-los à Justiça e à polícia. Entre os achados há uma entidade privada dirigida pelo secretário de um deputado federal, autor da emenda orçamentária que a privilegiou com dinheiro público. Qualquer semelhança com a ficção, claro, é pura coincidência.
Golpe de mestre? - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 08/10
SÃO PAULO - A filiação de Marina Silva ao PSB de Eduardo Campos foi um golpe de mestre ou representa o embarque numa canoa furada?
Em termos puramente aritméticos, a decisão de Marina mais subtrai do que soma. Se o objetivo da oposição é derrotar Dilma Rousseff, deve antes forçar a realização de um segundo turno, para o que, quanto mais candidatos competitivos estiverem na disputa, melhor.
Obviamente, Marina e Campos sabem fazer essa conta. Se resolveram se juntar, é porque acreditam que a aliança vai alterar a dinâmica do processo eleitoral, rompendo a polarização PT-PSDB, que se repete em graus variados de magnitude desde 1994. É uma aposta interessante.
Em seu favor, a dupla tem o fato de poder apresentar-se como uma oposição à esquerda --ambos foram ministros de Lula--, o que, no Brasil, sempre faz mais sucesso do que o discurso liberal ou conservador, ainda que, no poder, nenhum governo hesite antes de ligar-se ao que há de mais atrasado na política do país.
Se a estratégia tiver sucesso parcial, o grande derrotado terá sido o PSDB, que perderia o posto de segunda força e o direito de medir popularidade com Dilma num segundo turno.
Contra o socialismo verde pesa a natureza humana. Campos e Marina não chegaram a definir com clareza quem será a cabeça de chapa em 2014. O governador de Pernambuco tem a máquina do partido, mas a ex-senadora traz consigo a preferência de mais de 20% do eleitorado. Não será, portanto, um casamento fácil.
De todo modo, só se poderá carimbar que a aliança foi mesmo um golpe de mestre se a dupla conseguir derrotar Dilma, que tem a enorme vantagem de estar no comando do governo federal. Aqui, eles precisariam de auxílio externo, que poderia vir na forma de uma sensível piora da economia --cenário pouco provável--, ou de uma nova crise de mau humor, como a de junho. Mas aí já estamos falando do imponderável.
SÃO PAULO - A filiação de Marina Silva ao PSB de Eduardo Campos foi um golpe de mestre ou representa o embarque numa canoa furada?
Em termos puramente aritméticos, a decisão de Marina mais subtrai do que soma. Se o objetivo da oposição é derrotar Dilma Rousseff, deve antes forçar a realização de um segundo turno, para o que, quanto mais candidatos competitivos estiverem na disputa, melhor.
Obviamente, Marina e Campos sabem fazer essa conta. Se resolveram se juntar, é porque acreditam que a aliança vai alterar a dinâmica do processo eleitoral, rompendo a polarização PT-PSDB, que se repete em graus variados de magnitude desde 1994. É uma aposta interessante.
Em seu favor, a dupla tem o fato de poder apresentar-se como uma oposição à esquerda --ambos foram ministros de Lula--, o que, no Brasil, sempre faz mais sucesso do que o discurso liberal ou conservador, ainda que, no poder, nenhum governo hesite antes de ligar-se ao que há de mais atrasado na política do país.
Se a estratégia tiver sucesso parcial, o grande derrotado terá sido o PSDB, que perderia o posto de segunda força e o direito de medir popularidade com Dilma num segundo turno.
Contra o socialismo verde pesa a natureza humana. Campos e Marina não chegaram a definir com clareza quem será a cabeça de chapa em 2014. O governador de Pernambuco tem a máquina do partido, mas a ex-senadora traz consigo a preferência de mais de 20% do eleitorado. Não será, portanto, um casamento fácil.
De todo modo, só se poderá carimbar que a aliança foi mesmo um golpe de mestre se a dupla conseguir derrotar Dilma, que tem a enorme vantagem de estar no comando do governo federal. Aqui, eles precisariam de auxílio externo, que poderia vir na forma de uma sensível piora da economia --cenário pouco provável--, ou de uma nova crise de mau humor, como a de junho. Mas aí já estamos falando do imponderável.
Mais um sonho desfeito - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 08/10
Além de sua importância para o mercado e para os investidores, a fusão da companhia brasileira de telecomunicações Oi com a Portugal Telecom, que assume a gestão da nova empresa, tem também um significado político de grande relevância. Ela simboliza o fracasso - mais um, entre tantos outros - da política do governo do PT de mobilizar grande volume de recursos públicos, beneficiar grupos empresariais privados por ele escolhidos e modificar regras e normas para formar o que vinha chamando de empresas campeãs nacionais capazes de conquistar espaço no mercado internacional. É mais um sonho de grandeza criado durante o governo Lula que se desvanece na realidade da vida empresarial.
A história da Oi e de suas antecessoras é, em boa medida, a história do ativismo e do intervencionismo estatal no setor de telefonia muitas vezes justificados pela necessidade de viabilizar a entrada de empresas privadas em setores antes dominados por estatais, mas também marcados por intrigantes trocas de favores.
O leilão de concessão da Tele Norte-Leste, que reunia operadoras de 16 Estados até então controladas pela Telebrás, foi vencido em 1998 pelo grupo - formado, entre outras, por uma empresa da área comercial, uma construtora de grande porte e companhias de seguro - que ofereceu ágio de apenas 1%. Para viabilizar a operação, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entrou no consórcio com significativa participação no capital, mas com a disposição de dele se retirar assim que houvesse um investidor para assumir a sua parte.
Dez anos depois, na metade do segundo mandato de Lula, o governo voltou a apoiar o grupo, já com o nome de Oi, para viabilizar a compra da Brasil Telecom (BrT), com o que se formaria o que se chamou de "supertele" brasileira, uma empresa forte financeiramente e com capacidade técnica para operar em outros países. Seria o que, na área de telecomunicações, o BNDES passou a chamar de empresa campeã, cuja constituição apoiaria fortemente.
Para permitir a formação da "supertele", além de assegurar-lhe apoio financeiro, o governo teve de mudar o Plano Geral de Outorgas (PGO), dele eliminando a regra segundo a qual a operadora poderia atuar em apenas uma das quatro regiões em que o País foi dividido. Assim, a Oi tornou-se a primeira tele de alcance nacional.
Não passou despercebido, na ocasião, o fato de que, entre os principais sócios da Oi, estava a construtora Andrade Gutierrez, principal financiadora da campanha que levou Lula à Presidência da República. Igualmente foi observado que a Oi tinha sido investidora da Gamecorp, empresa especializada em produção de programas de televisão e de jogos para celular, da qual o principal sócio era Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, filho do presidente da República.
Mas, em vez de se transformar na "supertele" pretendida pelo governo, a Oi - cujos sócios principais, desde o início, não eram do setor de telecomunicações - passou a enfrentar dificuldades, sintetizadas na dívida de mais de R$ 29 bilhões. A soma das dívidas da Oi e da Portugal Telecom alcança R$ 45,6 bilhões. A capacidade de geração de recursos, expressa no conceito de Ebtida (lucro antes dos juros, depreciações, amortizações e impostos), nos últimos 12 meses alcançou R$ 12,5 bilhões. Ou seja, a dívida é 3,64 vezes maior do que a capacidade de geração de recursos, relação um pouco maior do que a considerada tolerável pelos analistas financeiros (de 3,5 vezes).
O BNDES investiu cerca de R$ 18 bilhões na criação das "campeãs nacionais". Elas receberam recursos do banco público para operações de fusão ou aquisição, inclusive no exterior. Uma delas, a Lácteos Brasil (LBR), em regime de recuperação judicial, impôs prejuízos estimados em R$ 700 milhões ao banco estatal. Já as ações de outras empresas escolhidas como "campeãs" tiveram forte desvalorização desde a entrada do BNDES. O valor de mercado da Oi, por exemplo, que alcançou R$ 13 bilhões na época da compra da BrT, chegou a cair para R$ 7 bilhões. O BNDES e diversos fundos de pensão de estatais são acionistas da Oi.
Além de sua importância para o mercado e para os investidores, a fusão da companhia brasileira de telecomunicações Oi com a Portugal Telecom, que assume a gestão da nova empresa, tem também um significado político de grande relevância. Ela simboliza o fracasso - mais um, entre tantos outros - da política do governo do PT de mobilizar grande volume de recursos públicos, beneficiar grupos empresariais privados por ele escolhidos e modificar regras e normas para formar o que vinha chamando de empresas campeãs nacionais capazes de conquistar espaço no mercado internacional. É mais um sonho de grandeza criado durante o governo Lula que se desvanece na realidade da vida empresarial.
A história da Oi e de suas antecessoras é, em boa medida, a história do ativismo e do intervencionismo estatal no setor de telefonia muitas vezes justificados pela necessidade de viabilizar a entrada de empresas privadas em setores antes dominados por estatais, mas também marcados por intrigantes trocas de favores.
O leilão de concessão da Tele Norte-Leste, que reunia operadoras de 16 Estados até então controladas pela Telebrás, foi vencido em 1998 pelo grupo - formado, entre outras, por uma empresa da área comercial, uma construtora de grande porte e companhias de seguro - que ofereceu ágio de apenas 1%. Para viabilizar a operação, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entrou no consórcio com significativa participação no capital, mas com a disposição de dele se retirar assim que houvesse um investidor para assumir a sua parte.
Dez anos depois, na metade do segundo mandato de Lula, o governo voltou a apoiar o grupo, já com o nome de Oi, para viabilizar a compra da Brasil Telecom (BrT), com o que se formaria o que se chamou de "supertele" brasileira, uma empresa forte financeiramente e com capacidade técnica para operar em outros países. Seria o que, na área de telecomunicações, o BNDES passou a chamar de empresa campeã, cuja constituição apoiaria fortemente.
Para permitir a formação da "supertele", além de assegurar-lhe apoio financeiro, o governo teve de mudar o Plano Geral de Outorgas (PGO), dele eliminando a regra segundo a qual a operadora poderia atuar em apenas uma das quatro regiões em que o País foi dividido. Assim, a Oi tornou-se a primeira tele de alcance nacional.
Não passou despercebido, na ocasião, o fato de que, entre os principais sócios da Oi, estava a construtora Andrade Gutierrez, principal financiadora da campanha que levou Lula à Presidência da República. Igualmente foi observado que a Oi tinha sido investidora da Gamecorp, empresa especializada em produção de programas de televisão e de jogos para celular, da qual o principal sócio era Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, filho do presidente da República.
Mas, em vez de se transformar na "supertele" pretendida pelo governo, a Oi - cujos sócios principais, desde o início, não eram do setor de telecomunicações - passou a enfrentar dificuldades, sintetizadas na dívida de mais de R$ 29 bilhões. A soma das dívidas da Oi e da Portugal Telecom alcança R$ 45,6 bilhões. A capacidade de geração de recursos, expressa no conceito de Ebtida (lucro antes dos juros, depreciações, amortizações e impostos), nos últimos 12 meses alcançou R$ 12,5 bilhões. Ou seja, a dívida é 3,64 vezes maior do que a capacidade de geração de recursos, relação um pouco maior do que a considerada tolerável pelos analistas financeiros (de 3,5 vezes).
O BNDES investiu cerca de R$ 18 bilhões na criação das "campeãs nacionais". Elas receberam recursos do banco público para operações de fusão ou aquisição, inclusive no exterior. Uma delas, a Lácteos Brasil (LBR), em regime de recuperação judicial, impôs prejuízos estimados em R$ 700 milhões ao banco estatal. Já as ações de outras empresas escolhidas como "campeãs" tiveram forte desvalorização desde a entrada do BNDES. O valor de mercado da Oi, por exemplo, que alcançou R$ 13 bilhões na época da compra da BrT, chegou a cair para R$ 7 bilhões. O BNDES e diversos fundos de pensão de estatais são acionistas da Oi.
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